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A
autonomia do Ministério Público Federal provavelmente está correndo o maior
risco desde a Constituição de 1988 - que conferiu aos procuradores poderes
inéditos. O risco exatamente na exposição de músculos desde que eclodiu a
Operação Lava Jato.
Antes,
um pequeno histórico para situar melhor a questão.
Eleito
Procurador Geral da República, por eleição direta, Rodrigo Janot tem conduzido
reformas internas relevantes. Acabou com a gaveta do PGR, um caso clássico de
falta de transparência no qual o ex-PGR Roberto Gurgel e sua esposa decidiam
sobre todos os casos de foro privilegiado que chegavam até eles.
Janot
juntou os melhores procuradores e montou comissões incumbidas de analisar de
forma colegiada os processos, dando transparência e agilidade à casa.
No
entanto, nunca o MPF se mostra tão vulnerável como agora. Isso por ter
incorrido em um pecado imperdoável em ambientes democráticos: demonstração de
força excessiva.
Os
vazamentos de inquéritos sigilosos, a cumplicidade obsequiosa com o golpe da
revista Vejana véspera das eleições presidenciais, os arroubos midiáticos
- culminando com a foto vexaminosa de procuradores emulando Os Intocáveis -, a
exposição pública de qualquer nome que aparecesse nos depoimentos de delação,
os pedidos de prisões preventivas de longa duração antes do julgamento, o
endosso às investigações do Departamento de Justiça dos EUA contra a maior
empresa brasileira, a insensibilidade em relação ao desmonte da
cadeia produtiva do petróleo e gás e da infraestrutura brasileira, tudo isso
será debitado na conta do MPF.
Aliás,
não se debite a Janot a responsabilidade maior pelo estrago que a Lava Jato
promoveu na economia. A responsabilidade maior é da presidente da República e
do seu Ministro da Justiça por nada fazer. Mas a insensibilidade maior foi do
MPF, ao resistir a qualquer medida prudencial, para não comprometer seu
trabalho de condenar.
Assim
que o quadro político se recompor, seja com o PT, PSDB ou qualquer outro
partido, a primeira atitude do grupo político hegemônico será cortar as asas do
MPF. Janot já deve ter se dado conta disso. E será péssimo para a democracia
brasileira.
O
que levaria, agora, o MPF a protagonizar essa demonstração de força e de
parcialidade política tendo na PGR um procurador relativamente enfronhado nas
questões políticas e na Lava Jato um grupo de procuradores tidos - antes dela -
como discretos, técnicos e profissionais?
Os
sistemas de poder
Para
entender o jogo, antes é necessário identificar o jogo de forças no qual está
inserido o MPF e, principalmente, o PGR.
A
Constituição de 1988 conferiu autonomia de investigação ao procurador, mas
manteve como prerrogativa do presidente da República a indicação do Procurador
Geral, submetida à aprovação do Congresso.
Os
procuradores brasileiros gozam de uma autonomia muito maior do que a do modelo,
os Estados Unidos. Lá, o presidente da República tem poder total sobre os procuradores
- podendo nomear e demitir a qualquer momento não só o PGR mas qualquer
procurador.
Na
Constituição brasileira, os ecos de um longo período de autoritarismo e o
trabalho político eficaz da corporação, premiaram o MPF com poderes mais amplos
que seus colegas norte-americanos. O que exigiria, como contrapartida, uma
sensibilidade maior para o uso da força.
Por
ser um poder de Estado, não eleito pelo voto, o PGR ficou submetido a três
contrapesos: ao Executivo, ao Legislativo e, em uma instância poderosa, mas não
institucional, à imprensa.
Ao
longo dos primeiros quinze anos de Constituição, houve um desequilíbrio nesse
jogo, com o PGR submetido às pressões do Executivo. É o caso do MPF até a fase
Geraldo Brindeiro e do Ministério Público Estadual de São Paulo até hoje -
embora tenham obtido o reconhecimento da votação da lista tríplice.
A
partir de 2003 inverte-se o jogo. Lula consolida a regra de indicar para a PGR
o procurador mais votado da categoria. A partir daí, o candidato ao cargo passa
a se comportar como representante de uma corporação e não mais como a de um
poder de Estado, indicado pelo presidente da República.
E
aí há que se debruçar um pouco sobre a categoria do MPF.
No
campo jurídico, trata-se historicamente de uma categoria que forneceu e fornece
ao país as melhores cabeças jurídicas, que tem uma importância fundamental na
consolidação dos direitos difusos dos cidadãos, mas que é pouquíssimo
politizada - no sentido de entender os jogos de poder tanto externos quanto
internos. Os melhores procuradores querem apenas um PGR que não tolha seu
trabalho; os mais acomodados, um PGR que atenda às suas demandas corporativas.
Nesse
terreno, após a gestão Brindeiro um grupo mais organizado - os chamados
"tuiuius" - logrou assumir o protagonismo no MPF. E consolidaram seu
poder através do mecanismo da eleição direta.
Os
procuradores e a mídia.
O
segundo ponto relevante para entender o quadro atual é o jogo de cumplicidade
com a mídia.
Quase
todos os jovens procuradores são bastante sensíveis ao poder da mídia. Se a
imprensa bate bumbo, o MPF se move. Há suspeitas fundadas de que o próprio
Gurgel, no exercício da PGR, se valia de vazamentos seletivos para a mídia.
Com
raríssimas exceções, os procuradores não conhecem a natureza dos grupos de
mídia, o jogo de sombras em que se movem e a maneira como se valem das
informações privilegiadas. No máximo identificam os exageros, os frutos podres,
mas sem atinar para a raiz.
A
mídia fornece ao procurador o apoio das ruas; o procurador oferece à mídia o
poder absoluto de transformar qualquer factoide em representação ex-ofício.
Alguns
órgãos de imprensa se valem desse poder conferido para jogadas políticas;
outros, para achaques. Todos eles, para seus próprios interesses, que podem ir
do mero aumento de vendas ao uso intimidatório desse poder de influenciar o
MPF.
É
longa a lista de vítimas dessa estratégia, de antigos servidores do governo
FHC, como Eduardo Jorge, a juízes federais, como Ali Mazloum e mesmo colegas
procuradores, vítimas dos embates internos.
No
final do jogo, quem acaba comandando a pauta é a mídia. É isso o que explica o
fato do MPF ter fechado os olhos ao mais clamoroso crime cometido até hoje pela
mídia, as ligações da Editora Abril com a organização criminosa de Carlinhos
Cachoeira, fartamente documentada nas operações da Polícia Federal.
Nos
anos 90, esse jogo com a mídia era praticado por meia dúzia de procuradores. De
alguns anos para cá, tornou-se institucionalizado. Na raiz de tudo a regra
tácita instituída no MPF, do mais votado ser automaticamente conduzido ao cargo
de Procurador Geral. E, dependendo desses votos, o PGR não ousar conter os
arroubos de manada da base.
A
influência da eleição direta
A
eleição direta não assegurou transparência ao MPF. Pelo contrário, reforçou o
corporativismo.
Eleito
por voto direto de seus pares, Antonio Fernando de Souza conseguiu retirar o
Banco Opportunity e o banqueiro Daniel Dantas da acusação de ser o principal
financiador do Valerioduto, ignorando um inquérito da própria Polícia Federal.
Aposentou-se, ganhou um contrato gigante da Brasil Telecom. E nada ocorreu com
ele porque seus sucessores, na PGR, eram do mesmo grupo político.
Gurgel
manteve em família o controle de diversos inquéritos, sem que a corporação
reagisse.
O
pior efeito da eleição direta foi o enfraquecimento dos mais antigos, das
referências jurídicas, em favor do sentimento de massa dos jovens turcos que
atuam na linha de frente.
Ella
Wiecko, Augusto Aras, Eugenio Aragão e outras referências do MPF, hoje em dia,
são menos ouvidos pela categoria que o inacreditável presidente da Associação
Nacional do Ministério Público, Alexandre Camanho, com sua visão redentora de
que o Brasil é um oceano de corrupção circundando a única ilha de honestidade,
o MPF.
Nos
últimos anos esgarçaram-se os controles tácitos internos que vigoravam no final
dos anos 90, quando a própria categoria via com maus olhos procuradores
boquirrotos, com demonstrações inúteis de poder, ações abusivas, militância
política.
É
evidente que não se pode deixar o PGR à mercê exclusivamente do Executivo e do
Congresso. A votação da lista tríplice é relevante para estabelecer algum
equilíbrio no jogo de forças. Mas é urgente que, na próxima indicação para a
PGR, acabe-se com o automatismo de se indicar o mais votado.
O
MPF quer livrar o país do sindicalismo do PT. É hora de se livrar o MPF do seu
sindicalismo.
Do
GGN por Luis Nassif
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