Os futuros
historiadores têm, no momento atual, um laboratório completo para prospectar
como ocorre a desmontagem de governos democraticamente eleitos.
Presidentes são muito
mais fortes que a imprensa. Quando caem é por sua incapacidade de se valer das
armas políticas e institucionais de que dispõem.
A primeira arma do
presidente é o projeto de país que ele pretende.
Dilma Rousseff começou
de forma esplêndida seu primeiro governo. Tinha claro que, ao período de forte
inclusão, deveria ser seguida uma era de consolidação da competitividade da
economia e do aprofundamento das políticas sociais.
Definiu claramente três
vetores: foco na economia real, com ênfase em financiamento, concessões e
inovação, e aprofundamento das políticas sociais. E lançou um conjunto de
programas expressivos nas três áreas entre os quais o regime de partilha do
pré-sal, a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, o Plano
Brasil Maior, o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e
Emprego), Fies, a Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial).
Na macroeconomia, Dilma
deu início a uma desvalorização gradativa do real, redução da taxa Selic e do
spread bancário.
Durante um curto espaço
de tempo, o país experimentou o sabor inesquecível de uma economia normal, O
enorme capital financeiro acumulado em décadas de taxas de juros descomunais
começou a se mover em direção à renda variável (http://migre.me/qEaRS).
O grande momento foi em
outubro de 2012, quando o Banco Central ganhou a briga de braços com o mercado
e baixou a Selic para 7,14%. Antes disso, quando conseguiu mudar as regras da
poupança, para jogar o piso dos juros para patamares inferiores.
Durou até abril de
2013.
Antes disso, quando a
inflação ameaçou retomar e o crescimento a cair, houve um curto circuito no
governo Dilma e afloraram as vulnerabilidades deixadas pelo governo Lula e pelo
PT, no período de bonança.
Ausencia
de estratégia de poder
Em todo país
democrático, as bases do poder do presidente repousam em alianças com o
Congresso, Judiciário, grupos de mídia.
São os segmentos que
pertencem ao establishment, ao mercado de opinião já estabelecido. Nos grandes
processos de inclusão, o mercado estabelecido se incomoda. Esse incômodo passa
pelo mundo político – a oposição que perdeu o bonde -, e por estamentos
públicos.
Especialmente em
relação às corporações com poder de Estado – Judiciário, Ministério Público e
Polícia Federal -, seguindo o modelo norte-americano, a Constituição definiu
claramente formas de subordinação ao poder popular – expresso no Presidente da
República, eleito pelo voto do povo.
Essa subordinação se dá
na definição da política de atuação da PF (não confundir com interferência em
processos), na nomeação de juízes dos tribunais superiores, do Procurador Geral
da República e do delegado geral da PF.
Os legisladores
entenderam que o dar autonomia às corporações criaria poderes dentro do Estado,
colocando em risco a governabilidade (leia, a propósito, artigo do jurista Luiz
Moreira em http://migre.me/qF9aj).
A visão política de
Lula era de que as ameaças à governabilidade estavam na mídia e Forças Armadas.
Mas a mídia só ganhava força em momentos de instabilidade no mercado
financeiro.
Julgava que agindo
dentro do mais amplo republicanismo esvaziaria por si a campanha midiática,
sobre pretensões bolivarianas, chavistas, castristas. E a governabilidade seria
garantida pela popularidade do presidente e pela revolução econômica dos
incluídos.
No Judiciário e sistema
policial, cometeu uma série infindável de erros:
Erro
1 –
as indicações para o STF.
Erro
2 –
a falta de interlocução com o Procurador Geral da República.
Erro
3 –
a perda de controle sobre a Polícia Federal, especialmente após a
descentralização da inteligência
Erro
4 –falta
de estratégia na comunicação pública e falta de sensibilidade para entender o
fenômeno das redes sociais.
Erro
5
– o Mensalão. A decisão inédita de tornar público o julgamento acabou
fornecendo uma munição inédita e fatal.
O resultado final foi a
terra arrasada no PT, com a prisão das suas principais lideranças e a marca
indelével da corrupção pregada na testa do partido.
Os
erros de Dilma
Em algum momento de
2013, Dilma perdeu o eixo. Queda do nível de crescimento, pressão da inflação
e, depois de junho, a popularidade despencando. Por cima de tudo, o fenômeno
das redes sociais acelerando drasticamente as demandas sociais, inclusive dos
recém-incluídos.
Tornou-se um trem
desgovernado, agindo de impulso, isolando-se, atropelando regras básicas de
política, economia e sociabilidade.
Fechamento -
foi gradativamente se afastando dos melhores conselheiros, Lula, Delfim,
Belluzzo e dos amigos que ousavam apontar para os erros que estavam sendo
cometidos.
Obstrução
dos canais de participação – Conselhão, os conselhos
empresariais da ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial), os
conselhos sociais do Gilberto Carvalho, contatos com associações e sindicatos.
Desmonte
da política fiscal – as desonerações não levaram à
recuperação da economia, mas temia-se que não as renovando aprofundaria a
crise.
Desatenção
com os sinais de junho – teriam sido providenciais, se
bem compreendidos e gerando mudanças no comportamento da presidente. Mas não
captou os sinais.
Paralisação
de políticas estruturantes – O Conselho de Gestão foi
abandonado assim como os trabalho da EPL (Empresa de Planejamento e Logística),
os programas do MCTI (Ministério de Ciências, tecnologia e Inovação). Até
alguns bens elaborados programas do MEC, da gestão Haddad perderam-se por falta
de cuidados na implementação, como aconteceu com o Fies.
Queda
de braço nas concessões – tentou-se reduzir a Taxa
Interna de Retorno das concessões, como meio de diminuir o Custo Brasil. Deu
errado. Assim como deu errado o modelo de redução da conta de luz, muito devido
a problemas climáticos.
Erros
de comunicação na Copa - houve um trabalho exemplar
de organização, mas que só ficou claro em plena Copa, quando foram tirados os
tapumes dos aeroportos e estádios.
Mesmo assim, Dilma
logrou vencer as eleições e encaminhar-se para o segundo mandato.
Aí cometeu uma sucessão
adicional e inédita de erros.
Demora
em começar o governo - Em vez de se repensar o segundo
governo, mergulhou em dois meses de retiro onde a única preocupação foi montar
uma base política própria para as eleições na Câmara, desdenhando as lições de
Lula. E promover uma reforma ortodoxa na economia, sem o cuidado de comunicar
aos diletos eleitores.
Erros
com a Petrobras – criou o falso escândalo da
refinaria de Pasadena, dando vida a uma denúncia morta por uma questão não
resolvida com o antigo presidente José Sérgio Gabrielli. Quando estourou a Lava
Jato, manteve a diretoria por meses, ao custo da saúde da presidente Graça
Foster. A Petrobras ficou sangrando por 8 meses.
Erros
com a Lava Jatos – deixou a Lava Jato correr solta,
julgando que o fato de nada dever significaria que nada deveria temer. Não
cuidou de defesas mínimas legais, como o de impedir vazamentos e manipulações
de depoimentos, enquadrar os faltosos.
Erros
na Câmara – a tentativa de eleger um presidente da
Câmara produziu um desastre que entregou o poder de bandeja para Eduardo Cunha.
Quadro
atual
A história do
Procurador Geral da República Rodrigo Janot e do delegado geral da Polícia
Federal de que ambos os poderes vão atrás de fatos, não de pessoas, e que a
impessoalidade domina as investigações é boa para o eleitorado, não para quem
domina as entranhas do poder.
Ministério Público,
Polícia Federal, Judiciário em geral, buscam sempre ampliar seus espaços e
subordinam-se a quem detem de fato o poder. Se esse alguém é externo ao
Executivo, aderem.
Quando alcançam seus
objetivos não é por nenhuma conspiração, mas pela lógica nayural, intrínseca ao
exercício do poder por estamentos burocráticos, que dá certo quando os governos
falham.
A partir de determinado
momento, a inação do governo Dilma e a pro
atividade da mídia – e de seu aliado preferencial, o PSDB – deixaram claro
onde estava o centro de poder. E decididamente não era no Palácio do Planalto.
É isso o que explica o
fato de Rodrigo Janot não ter aceito a denúncia contra Aécio Neves, apesar da
profusão de detalhes sobre propinas na delação de Alberto Yousseff. Ou ainda
manter na gaveta inquérito que desde 2010 tramita na PGR sobre contas de Aécio
em paraísos fiscais. É o que explica também a não tomada de medidas contra
vazamentos. Ou o fato do MPF e a PF não terem investigado as relações da Abril
com Carlinhos Cachoeira e dificilmente aprofundarão as ligações da Globo com a
CBF. Nem sequer prestado esclarecimentos sobre as investigações da cocaína
encontrada no helicóptero de um senador mineiro.
Estratégias
A frente que quer
derrubar Dilma é bastante heterogenea, de Eduardo Cunha a Aécio Neves, do
conservadorismo evangélico ao preconceito mais abjeto, tudo devidamente
estimulado pela mídia – muitos dos grupos dependem da entrada de um presidente
acessível para sobreviver.
Por outro lado, essa
heterogeneidade levará fatalmente a uma disputa intestina.
Enquanto Eduardo Cunha
serviu ao propósito de derrubar Dilma, foi poupado. À medida que a queda de
Dilma deixa de ser uma possibilidade distante, passa a ser bombardeado pelos
jornais.
A Globo tem nos
evangélicos a maior ameaça ao seu predomínio. Se Dilma cair, o protagonismo
será do PMDB, não do PSDB. Logo, em breve voltarão os ataques a Renan.
Por outro lado, os
principais programas implantados no primeiro governo Dilma sobrevivem,
esquecidos, andando de lado, mas sobrevivem.
A presidente ainda
teria espaço para reagrupar ideias e trabalhar com a única arma que lhe resta:
um programa de governo.
GGN
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