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sexta-feira, 19 de outubro de 2018

COMO ERA O BRASIL DA DITADURA QUE BOLSONARO DESEJA, POR JEAN-PHILIP STRUCK

Bolsonaro afirmou que deseja o país "que tínhamos há 50 anos". Em 1968, os indicadores de desenvolvimento social eram bem diferentes dos atuais. Um terço da população era analfabeta, e grande parte sofria com a fome
Ao final de uma entrevista nesta segunda-feira (15/10), o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), afirmou desejar um Brasil "semelhante àquele que tínhamos há 40, 50 anos atrás", em tom de quem evoca uma era dourada perdida no país. O capitão reformado falava de costumes, criminalidade e educação como se essas coisas tivessem se degenerado ao longo das últimas décadas.
A julgar pelas pesquisas eleitorais para o segundo turno, que apontam o candidato do PSL com 59% das intenções de voto, Bolsonaro terá a chance de conduzir o Brasil segundo a sua visão a partir de 2019. Mas o período a que ele se refere estava longe de ser uma época digna de nostalgia sob quase todos os aspectos.
Voltando meio século no tempo, chega-se a 1968, o ano que abriu a fase mais dura do antigo regime militar. Defensor público da ditadura, Bolsonaro já deixou claro que não considera episódios como o Ato Institucional nº 5, a repressão e a tortura como aspectos negativos.
Mas, para além do aspecto político, o Brasil de 50 anos atrás também era um país atrasado, com alta prevalência de miséria e fome e com péssimos índices de desenvolvimento social: um terço da população era analfabeta, doenças infecciosas e parasitárias ainda apareciam entre as principais causas de morte, e a mortalidade infantil era seis vez maior que a atual. A criminalidade também havia começado a se tornar epidêmica nos grandes centros urbanos. E vários desses aspectos pioraram ao longo do regime.
Saúde e expectativa de vida
Em 1968, não havia nada parecido com o Sistema Único de Saúde (SUS), criado em 1988. Somente parte da população com carteira assinada tinha acesso à saúde por meio do antigo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Mesmo esse sistema sofria com a ineficiência. E para quem não estava no mercado de trabalho formal, como as empregadas domésticas, restava pagar pelo atendimento ou contar com a benevolência de hospitais beneficentes.
À época, a diarreia e doenças parasitárias e infecciosas apareciam entre as principais causas de morte em várias grandes cidades. Na região Norte, ainda havia alta incidência de doenças como hanseníase (lepra).
A mortalidade infantil era uma chaga no país. Em 1968, o índice era de 89,62 para cada mil nascidos, considerando apenas as capitais. Em 2016, caiu para 14 por mil. Na região Nordeste, os números eram ainda piores, chegavam a 167,51 por cada mil nascimentos.
Os índices ainda pioraram em relação ao início da década, explicitando o sucateamento da saúde sob o regime militar. Em 1960, 60,2 por mil nascidos morreram em São Paulo. Em 1968, foram 76,6. À época, a taxa nos EUA era de 19,8. 
Segundo o antropólogo Luiz Eduardo Soares, entre 1972 e 76, em todo o Brasil, morreram 1,4 milhão de crianças por causas associadas à desnutrição e à falta de saneamento, como difteria, coqueluche, sarampo, poliomielite e doenças diarreicas.
Além disso, 72% dos que morriam no país tinham menos de 50 anos e, destes, 46,5% eram crianças menores de quatro anos. Também ao final dos anos 1960, a população de 47% dos municípios brasileiros tinha uma expectativa de vida de até 50 anos. Hoje, ela chega a 75,5 anos no país. 
O governo militar ainda mascarava a situação. Em 1974, o noticiário sobre uma epidemia de meningite em São Paulo foi censurado. Esconder a má situação para promover uma imagem fictícia do Brasil também era prática comum em relatórios oficiais.
Em 1974, o governo encomendou um estudo para apontar como se alimentavam os brasileiros. Foram entrevistadas 55 mil famílias. O pediatra Yvon Rodrigues, da Academia Nacional de Ciências, afirmou em entrevista nos anos 80 que os resultados foram tão aterradores que o documento foi engavetado. "Havia famílias que comiam ratos, crianças que disputavam fezes”, disse ele. O relatório ainda mostrava que 67% dos brasileiros sofriam de subnutrição.  
Educação
Em 1968, o analfabetismo ainda era uma das maiores causas de vergonha nacional. No início da década, 39,7% da população com mais de 15 anos era analfabeta. Em 1970, 33,7% ainda não sabiam ler e escrever – a queda foi proporcionalmente mais lenta do aquela observada entre 1950 e 1960.
Em 1968, o governo militar criou o Movimento Brasileiro de Alfabetização, o Mobral. Foi um fracasso: em 15 anos de existência, 40 milhões de pessoas passaram pelo programa, mas apenas 15 milhões foram diplomadas.
Em sua entrevista, Bolsonaro citou ainda que deseja um país que "respeite as crianças em sala de aula", como era "há 50 anos". Mas, cinco décadas atrás, poucos jovens tinham a oportunidade de sequer ver uma sala de aula. Havia algumas ilhas de excelência pelo país, mas o acesso era para poucos.
No final da década de 1960, 76% dos municípios registravam uma média inferior a dois anos de estudo para a população adulta. No Nordeste, a média de anos de estudo era de apenas 15 meses. No Norte, nove. Menos de 10% das crianças entre quatro a seis anos frequentavam a escola – hoje são mais de 90%. 
No final de 2017, 7% da população do país com mais de 15 anos de idade não sabia ler ou escrever, segundo dados do IBGE.
Criminalidade
O Brasil de 2018 sofre, sem dúvida, muito mais com a violência do que em 1968. A taxa de homicídios em 2016 foi de 30,3 por cada grupo de 100 mil habitantes. Só que a atual epidemia começou a ser gestada na época sobre a qual Bolsonaro demonstra nostalgia. Os números do período de São Paulo servem de amostra.
Em 1960, quatro antes do golpe militar, a cidade registrou 5,7 homicídios por 100 mil habitantes. Eram, em sua maioria, casos envolvendo maridos traídos e disputas familiares. Em 1968, no entanto, a taxa saltou para 10,4 por 100 mil habitantes – pela primeira vez, havia atingido um nível epidêmico.
Segundo estudos, a situação piorou com o aumento da desigualdade e a mudança de atitude da polícia, que passou a priorizar cada vez mais o uso de uma lógica de extermínio em vez de formas adequadas de solução de crimes.
O ano de 1968 marcou a estreia dos infames esquadrões da morte em São Paulo, formados por grupos de policiais. Naquele ano, eles assassinaram 200 pessoas. As vítimas eram, em sua maioria, suspeitos de envolvimento em assaltos e furtos.
Mas a ação violenta de policiais acabou tendo um efeito reverso, piorando a criminalidade nas periferias. Com a polícia envolvida em assassinatos, parte da população passou evitar denunciar crimes. Conforme a Justiça ficou menos acessível, o ato de matar passou a ser visto cada vez mais como uma ferramenta eficaz.
"Em vez de controlar os roubos, os homicídios provocam novos homicídios e aumentam a desordem nesses lugares. Em territórios onde as próprias polícias matam, o homicídio torna-se uma ação cada vez mais escolhida na mediação de conflitos", aponta o pesquisador Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP).
Em 1984, último ano da ditadura, o índice de homicídios em São Paulo havia alcançado 37,9 por 100 mil habitantes – mais alto do que a atual média nacional.
Milhares de estudantes foram às ruas de São Paulo protestar contra a ditadura militar em 1º de abril de 1968.
Crescimento e desigualdade
O ano de 1968 marca o início do "milagre econômico brasileiro", período de crescimento robusto que durou até 1973, com altas do Produto Interno Bruto (PIB), de entre 7% e 13% ao ano. Ao mesmo tempo, este também foi um período de piora nos níveis de desigualdade.
Em 1965, a participação na renda nacional do 1% mais rico da população, era cerca de 10% do total. Três anos depois, a cifra subiu para 16%. Os números pioraram ainda mais até o fim do regime. Já entre os 5% mais ricos, a participação na renda passou de 28,3% em 1960 para 34,1% em 1970.
Em contraste, os 50% mais pobres, que recebiam 17,4% do rendimento total em 1960, passaram a 14,9% do total em 1970. Neste último ano, havia 3.275 municípios (83% do total) cuja população vivia em grande parte com menos de meio salário mínimo por mês.
Os indicadores também apontam que no período entre 1964 e 1974 ocorreu uma queda ou estagnação do salário mínimo real, apesar do crescimento da economia. Em São Paulo houve queda de 42% no poder aquisitivo do salário mínimo. Com os sindicatos banidos, os trabalhadores também não tinham canais para registrar a insatisfação.
Situação das mulheres
O panorama para as mulheres também era pior do que o atual. Elas tinham menos participação na economia, tinham mais filhos e menos renda e estudo.
O número de mulheres economicamente ativas em 1968 era baixo, mal alcançava 20%, contra 50% em 2010. A principal atividade delas era ajudar a formar famílias. Em 1970, a taxa de natalidade era de 5,8 filhos nascidos vivos por mulher – hoje, é de 1,7. Elas também eram mais dependentes dos maridos, e ainda não havia a Lei do Divórcio, sancionada apenas em 1977.
Naquela época, a renda média das mulheres era muito inferior à dos homens em todos os segmentos, como não escolarizadas e diplomadas. Em alguns casos, a discrepância chegava a quatro vezes o valor médio da renda. Uma mulher com curso universitário no Brasil em 1970 ganhava em média 41% do salário médio de um homem com diploma. Hoje, o percentual é de 75%.
Elas também tinham menos anos de estudo. A média no final da década de 1960 era de apenas 2,2 anos, contra 2,6 dos homens. No Nordeste, era de apenas 1,1 ano. Hoje é o contrário. Em 2015, elas tinham em média 9,7 anos de estudos, contra 9 anos dos homens. Em 2016, as mulheres também apareceram como maioria nos cursos de graduação no Brasil: 57,2% dos alunos. Em 1970, representavam 25,6% da população com título universitário.
GGN

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

ANISTIA INTERNACIONAL COBRA INVESTIGAÇÃO SOBRE A VIOLÊNCIA DO BOLSONARISMO

A Anistia Internacional divulgou uma nota nesta quarta-feira, 17 demonstrando preocupação com o cenário de violência instalado no Brasil em meio ao processo eleitoral de 2018. A organização pediu que as autoridades investiguem "de forma célere, independente e imparcial" os possíveis casos de crimes de ódio registrados pelo país.
Ainda de acordo com a organização, alguns candidatos a cargos públicos nestas eleições emitiram declarações que fomentam um contexto de intolerância. Em alguns casos, "poderiam inclusive ser categorizados como de discurso de ódio, que incita a violência e a discriminação".
"O Brasil, como estado parte do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, tem a obrigação de implementar as medidas necessárias para combater toda forma de discriminação, inclusive por motivo de opinião política."
Leia, abaixo, o material divulgado pela Anistia Internacional:
Casos de violência no contexto eleitoral devem ser investigados considerando a possibilidade de serem crimes de ódio.
A Anistia Internacional vê com preocupação o aumento de episódios de violência durante o período eleitoral que têm sido relatados em diferentes cidades do Brasil. Os casos já divulgados pela imprensa, e outros relatados pelas redes sociais e por sites criados para coletar informações sobre a violência no contexto eleitoral, demonstram que uma grande quantidade de agressões pode ter sido crimes de ódio, motivadas por discriminação racial, de gênero e de orientação sexual e identidade de gênero, ou ainda por razões de opinião política.
A Anistia Internacional urge as autoridades brasileiras a agir prontamente com a devida diligência para garantir que os casos de ataques e agressões no contexto eleitoral sejam investigados de forma célere, independente e imparcial, e que os responsáveis sejam levados à justiça. As investigações devem considerar a possibilidade de que tais casos possam ter sido crimes de ódio motivados pela identificação ou associação indevida ou real da vítima com determinada grupo ou opinião política.
"É responsabilidade das autoridades adotarem medidas para prevenir, investigar e sancionar crimes de ódio cometidos por qualquer pessoa. Com a intensificação dos relatos de pessoas agredidas em um contexto de crescente intolerância às diferenças e opiniões políticas no período eleitoral, é essencial que todos os casos sejam investigados prontamente e que se considerem as possíveis motivações discriminatórias por trás desses crimes", afirma Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil.
O primeiro caso divulgado de assassinato neste contexto aconteceu no dia 8 de outubro, em Salvador (Bahia). O mestre de capoeira Moa do Catendê foi assassinado a facadas após uma discussão sobre as eleições presidenciais em que declarou apoio a um dos candidatos. O agressor, de opinião divergente, foi preso e testemunhas já estão sendo ouvidas pela polícia. As informações divulgadas publicamente sobre o caso indicam que o assassinato teve motivação política.
A Anistia Internacional notou também que distintos candidatos a cargos públicos nestas eleições emitiram declarações que fomentam um contexto de intolerância, e que em alguns casos poderiam inclusive ser categorizados como de discurso de ódio, que incita a violência e a discriminação. O Brasil, como estado parte do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, tem a obrigação de implementar as medidas necessárias para combater toda forma de discriminação, inclusive por motivo de opinião política.
"Neste preocupante cenário de crescente intolerância e polarização que vivemos hoje no país, é importante lembrar às autoridades dos compromissos assumidos pelo Brasil internacionalmente. Direitos humanos não podem ser apenas um compromisso que o país assume no papel, deve se traduzir em ações concretas. Neste momento, as autoridades brasileiras não podem se esquivar de seu dever de combater a incitação ao ódio e à discriminação, e devem adotar medidas de proteção dos direitos à liberdade de expressão e à não discriminação", afirma Werneck.
O segundo turno das eleições presidenciais e para governos estaduais acontecerá no dia 28 de outubro. As autoridades brasileiras, em todos os níveis, devem agir antes e após as eleições para prevenir crimes de ódio que tenham motivação discriminatória. As autoridades públicas, os partidos políticos e os candidatos devem condenar publicamente a incitação ao ódio, à discriminação e à violência, e mandar uma mensagem clara de que os crimes dirigidos contra pessoas por motivos discriminatórios não serão tolerados.
"Os brasileiros e brasileiras têm o direito de participar do processo eleitoral sem sofrer qualquer tipo de coação, discriminação ou retaliação por parte de quem quer que seja, e as autoridades devem garantir a proteção de sua integridade física e mental. As pessoas devem poder andar na rua sem medo de serem agredidas simplesmente por serem de um determinado grupo ou por expressarem uma determinada opinião. É papel das autoridades garantir isso. E é essencial que os partidos políticos e os candidatos expressem para a população em geral e para as suas bases de apoiadores que a violência contra opositores políticos devem cessar", conclui Werneck.
Brail 247

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

XADREZ DO GRANDE PACTO NACIONAL CONTRA BOLSONARO, POR LUIS NASSIF

Peça 1 – tem jogo
A pesquisa DataFolha, com a contagem de 58 a 42 para Bolsonaro em relação a Fernando Haddad, mostra que tem jogo.
Motivo 1 – Em outras eleições, com menos volatilidade, houve viradas. A eleição atual é atípica, com mudanças radicais de posição, criação de ondas de tsunami. Por isso mesmo, não há estratificação de votos. Nem mesmo entre aqueles que, no primeiro turno, garantiam votos consolidados.
Motivo 2 – com Bolsonaro se posicionando sobre diversos temas, em cada posição que assume deixa de ser a encarnação irracional da unanimidade antissistema, e passa a ser uma pessoa de carne e osso, sendo desenhada por cada opinião.  Aliás, é curioso que nas duas únicas vezes em que mostrou bom senso – quando disse que a reforma da previdência deveria ser consensual e que o governo não poderia abrir mão do controle sobre a geração de energia – foi alvo de críticas de Carlos Alberto Sardenberg na CBN, filho dessa mistura de liberalismo econômico cego e autoritarismo político míope. Pelo menos a irracionalidade cega do mercado ajuda a dissipar sua adesão irracional a Bolsonaro.
Motivo 3 – a onda de ataques de seus seguidores a adversários por todo o país e a constatação clara de que será um governo de arbítrio, de selvageria, do qual não sairá incólume nenhuma forma de poder, da Justiça à mídia.
O exemplo mais flagrante é o inacreditável ex-juiz Wilson Witzel (PSC), candidato ao governo do Rio de Janeiro, ameaçando prender seu opositor, o ex-prefeito Eduardo Paes e se valendo de um amigo juiz para inabilitar outro candidato, Antony Garotinho. E ainda anunciando que acabará com a Secretaria de Segurança para evitar interferência civil no trabalho da polícia.
Os sinais de fascismo se tornaram tão evidentes que não comportam mais o jogo de cena de fingir que não se vê a guerra. Até o Ricardo Boechat vai se dar conta de que as violências que se espalham por todo país não podem ser comparadas a brigas de torcidas. Entre outros aspectos, pela relevante razão de que nenhuma torcida organizada esteve perto de assumir o poder de Estado.
Já se percebe um movimento nítido da mídia de lançar luzes sobre o bolsonarismo. Nos últimos dois dias, a mídia começa a dar o devido peso a essa onda de violência, sendo oficialmente apresentada a um fenômeno que só existia nas suas fantasias antipetistas: o fascismo em estado bruto.
O sistema Globo é particularmente influente nas grandes metrópoles do sudeste, onde há maior concentração de votos para Bolsonaro. E poderá jogar um pouco de luz nos grupos empresariais, tão primários quanto texanos de fins do século 19.
Resta a outra incógnita da equação: o desafio de reduzir o antipetismo.
O caminho passa pelo grande acordo nacional, que reedite o pacto da Nova República. E, aí, Fernando Haddad poderá ter papel fundamental.
Peça 2 – o fim do ciclo da Nova República
Há vários pontos em comum entre os meses que antecederam a Nova República e o quadro atual.
A Nova República foi um pacto de governabilidade que se seguiu ao fim da ditadura.
Nos últimos anos, o país experimentou um novo tipo de ditadura, o estado de exceção em vigor no país, com perseguição aos inimigos, censura ao livre pensamento, atentados à constituição pelo Supremo Tribunal Federal, abusos de juizes, procuradores e delegados, e a mídia encetando uma campanha de ódio em tudo similar aos anos 60. O resultado foram as explosões de violência, preconceito, intolerância, potencializados pelas redes sociais e de whatsapp.
Agora, se tem a bocarra escancarada da besta, a poucas semanas de engolfar o país. E, ainda que algo tardiamente, vai caindo a ficha de todos os protagonistas políticos, das instituições, mídia, partidos políticos, sobre os riscos de venezuelização do país.
São os gatilhos que dão início a um novo pacto de governabilidade.
Peça 3 – a concertação brasileira
Quando a Espanha estrebuchava no período pós-franquismo, sem conseguir se encontrar, surge a figura de Felipe Gonzales. Primeiro, unificou a esquerda. Depois, fez um movimento importante para o centro, colocando o aprofundamento da democracia como a meta maior. Esvaziou a direita, consolidou a socialdemocracia e acertou um pacto que garantiu a consolidação da democracia espanhola e se manteve por muitos anos.
No Brasil, nenhuma figura pública está mais apta a desempenhar esse papel do que Fernando Haddad. Mas, para tanto, terá que enfrentar um desafio freudiano: matar o pai.
Haddad nutre por Lula o reconhecimento genuíno de um intelectual capaz de entender sua grandeza política. Mas, no novo tempo que se avizinha, terá a missão de enterrar o lulismo. Aliás, o próprio Lula há tempos havia se dado conta da necessidade de superação dessa etapa, quando tentou emplacar Eduardo Campos, quando apostou em Dilma, a gestora, e mesmo agora, quando ensaiou aproximação com Ciro Gomes. Mas, principalmente, quando apostou em Haddad como seu sucessor, por várias razões.
Primeiro, por ter feito carreira no partido que mais se aproximou do desenho social-democrata, o PT. Depois, por sempre ter colocado a negociação, a racionalidade como ponto central de sua atividade como Ministro e como prefeito premiado de São Paulo, abrindo as portas para a contribuição de diversos setores – do MTST a ONGs privadas – sem relação direta com o partido. Finalmente, por uma idoneidade não apenas moral, como intelectual, de jamais ter tergiversado de suas posições políticas, nem cedendo ao populismo, nem aos acenos do mercado.
Ou seja, tem-se as condições políticas para o cargo, um roteiro razoavelmente definido. Resta saber se Haddad e o próprio PT estarão à altura do momento.
Peça 3 – as condições para o pacto
O primeiro ponto é isonomia com essa história da autocrítica.
O PT deve, sim, uma autocrítica por ter enveredado pelas regras do jogo político tradicional. E se a autocrítica é condição para o eleitor ter a garantia de que não repetirá os malfeitos, é de se esperar uma autocrítica da Globo, que não mais estimulará o estado de exceção, como fez de 2013 para cá, processo que resultou na ascensão do bolsonarismo. Haveria necessidade também de autocrítica do STF pela quantidade de vezes que se curvou à pressão da besta das ruas, atropelando a Constituição; da Procuradoria Geral da República, nem se pense em Rodrigo Janot, que não tem dimensão para esses gestos, mas de Raquel Dodge e da cúpula do Ministério Público? Do PSDB por ter abdicado da princípios democráticos e impulsionando o golpe
Para poupar todos esses personagens da profunda irresponsabilidade com que trataram o futuro do país, há uma maneira mais indolor e eficaz de purgar os erros e de mostrar o novo: um grande pacto nacional contra a besta que, desde já, acene para a opinião pública sobre a extensão do pacto, seus compromissos sociais, com o desenvolvimento e com o combate sistemático à violência que está grassando de cabo a rabo no país, no rastro do fenômeno Bolsonaro.
Peça 4 – os personagens
O desenho ideal futuro para o pacto seria um novo partido, da socialdemocracia brasileira, com predomínio do PT – como único partido que se manteve estruturado nesse tsunami, por sua base social e sindical. Mas abrindo as portas para os setores liberais do PSDB, que serão jogados ao mar caso João Dória Jr seja eleito governador. E todos os setores racionais do empresariado, das organizações sociais, do pequeno e micros empresários, da indústria, assim como os legalistas do Poder Judiciário. E, obviamente, da mídia, com ambos os lados tapando suas narinas.
O segundo turno poderá ser a semente dessa movimentação que coloque, em um partido, o Brasil civilizado, institucional, democrático, contra a barbárie.
A Nova República exigiu um novo modelo partidário, desde que o bipartidarismo do regime militar se espatifou. Agora se tem um quadro no qual os dois partidos que garantiram a governabilidade nas últimas décadas, não podem mais caminhar sozinhos: o PSDB morto por inanição; o PT pela constatação de que, sozinho, provavelmente não conseguirá nem a vitória nas eleições, nem a governabilidade.
Esse risco enorme deverá convencer sua executiva a abrir mão do controle absoluto do processo e repartir poderes – dentro da estratégia que vem sendo costurada por Jacques Wagner.
Tem-se, então, o barco com náufrago em um mar coalhado de tubarões. Terão que se acertar.
É nesse clima que poderá emergir a figura de Fernando Haddad. Se bem-sucedido, poderá ser o Felipe Gonzales brasileiro. Malsucedido, afundará junto com a democracia brasileira, a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão, a Constituição e qualquer réstia de civilização.
GGN

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

LULA, HADDAD E O POVO BRASILEIRO - CORDEL

Lula, Haddad e o Povo
Por Reginaldo Veríssimo 

O melhor presidente do Brasil
Sofre vergonhosa perseguição
Estrategista como Virgulino
Lula a Haddad passa a missão
Para salvar o país do confisco
Como dizia o valente Corisco
--Sou um cabra de Lampião
  
--O golpe me encarcerou
Haddad é minha indicação
Uma ideia não se apreende
Por mais fornido grilhão
Não sou nenhum maluco
Sou filho de Pernambuco
Assim como o Lampião

A elite fingida não perdoou
Na minha administração
Negro e índio virou doutor
Pau de arara andou de avião
Na urna ninguém me enfrenta
Haddad hoje me representa
Ele é minha ressurreição
  
Chamam-me de analfabeto
Pelo mundo fui condecorado
Nisto tem muito de inveja
Da rançosa elite do passado
Donde a direita é resultante
Haddad é meu representante
Com ele é golpe noucateado


II. Lula, Haddad e o Povo

Sou uma vítima inocente
Deve ser uma provação
Afastaram-me das ruas
Os golpistas de plantão
FHC e a sua pinguela
Com Haddad e Manuela
Venceremos esta eleição

Amargo uma prisão política
Está mais do que provado
Mesmo sem nenhuma prova
Fui velozmente condenado
Assim recomendo Haddad
Desde o campo até a cidade
Pra nesta eleição ser votado

Jaz um judiciário nocivo
O Direito se fez político
A toga condenou o povo
Trocar trabalho por bico
Haddad traz a esperança
É mais comida na pança
É a mensagem que indico

O golpe segue sua narrativa
Minha ideia voa como pluma
As togas negras recrudescem
Nos tribunais não ganho uma
O TSE nem a ONU obedeceu
Fernando Haddad vai ser eu
A vitória do bem se avoluma

IIILula, Haddad e o Povo

Com os Trópicos agitados
2013 inicio da manipulação
A Democracia se balança
O judiciário avança a mão
O legislativo uma bomba
Onde deputado rir e zomba
Rasgaram a Constituição
  
O fascismo vai ter baixa
O entreguismo cessará
Lula agora é uma ideia
Que se propaga pelo ar
Indica Fernando Haddad
Um cidadão sem maldade
Para esse Brasil restaurar

A nação foi sabotada
O epicentro em Brasília
Forjaram um impeachment
Cunha liderava a matilha
“Com o STF e com tudo”
Esse tribunal ficou mudo
Temer chefia a quadrilha
  
Rapinas o país destruíram
Por desculpas a corrupção
Na verdade os sem votos
Querem mandar na nação
É um desenfreio sinistro
Juiz enquadrando ministro
Só Haddad tem a solução

IV. Lula, Haddad e o Povo

Venderam nosso pré-sal
Queimaram a cê ele tê
Os royalties da educação
As crianças não vão ter
Por isso Lula é Haddad
Com toda a integridade
Para tudo isso reverter

A dilapidação é crescente
A Eletrobrás está na mira
A Embraer foi negociada
Na Globo só sai mentira
Lula disse para Haddad
--Vá e só fale a verdade
Essa é tua ninguém tira

O preço do gás nas alturas
14 milhões sem ocupação
A gasolina sobe todo dia
Pro pobre restou o carvão
E uma carrada de maldade
Por isso Lula traz Haddad
Pra resolver esta questão

Lealdade para mim é verbo
Diz Haddad ao professor
--Tenho formação política
Na academia sou doutor
Direito, Economia e a bula
Aprendi com o velho Lula
Como ser um bom gestor

V. Lula, Haddad e o Povo

Não se esquecer dos pobres
Uma lição que levo a sério
Fui gestor de São Paulo
Na educação, o ministério
Deixei 100 bi de orçamento
Não descuidei um momento
Só com técnica e critério

Haddad é um cara do bem
Diz Lula para sua gente
--Podem votar sem medo
Nesse jovem e inteligente
Vai fazer o que eu disser
Vai empoderar a mulher
Botar o Brasil pra frente

Faremos o Brasil crescer
Para isso não tem estorvo
Vai ser uma nação plural
É Lula, Haddad e o povo
Gerando emprego e renda
Casa ao invés de tenda
É o Brasil feliz de novo

--Do cárcere dou as cartas
Fiz disso a minha missão
Não renuncio a dignidade
Em catedrático dou lição
É Corrida em revezamento
A Política o instrumento
Pra Haddad passo o bastão

Teresina (PI), 07 de setembro de 2018.

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

JURISTAS MUNDIAIS ALERTAM AO BRASIL QUE A DETERMINAÇÃO DA ONU É PARA SE CUMPRIR

Juristas internacionais, reconhecidos por sua competência, enviaram carta a Michel Temer, insistindo que o governo brasileiro tem que cumprir a determinação da Organização das Nações Unidas (ONU). A determinação é de que o Brasil garanta o direito do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de se candidatar nas próximas eleições.
Na carta, a preocupação dos juristas com as 'graves irregularidades que absolutamente eivam o processo legal que conduziu à condenação judicial' de Lula, assim como o encarceramento e manutenção de sua detenção.
Para eles, há o risco de danos irreparáveis aos direitos e liberdades protegidos pelo artigo 25 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, do qual o Brasil é signatário. Isso torna ainda mais imperativo o cumprimento da determinação da ONU, dizem eles.
Assinam a carta os juristas Baltasar Garzón, da Espanha; Luigi Ferrajoli, da Itália e William Bourdon, da França. A carta também é assinada por outros nomes, como o jurista Emílio García Mendez, presidente da Fundação Sul Argentina e o presidente de honra da Liga de Direitos Humanos (LDH), Henri Leclerc.
Leia a tradução da carta em anexo. 
Arquivo
Do GGN

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

ECLUSIVO: COMITÊ DA ONU DETERMINA QUE BRASIL GARANTA LULA NA ELEIÇÃO

O Comitê de Direitos Humanos da ONU acolheu nesta sexta (17) um pedido formulado pela defesa de Lula e determinou que o Estado Brasileiro tome as "medidas necessárias" para garantir a participação do ex-presidente na Eleição de 2018. "Diante dessa nova decisão, nenhum órgão poderá apresentar qualquer obstáculo para que Lula possa concorrer nas eleições presidenciais de 2018 até a existência de decisão transitada em julgado" em relação ao caso triplex, afirma a defesa.
De acordo com nota enviada à imprensa, a decisão da ONU foi proferida em caráter liminar e impõe, também, a viabilização da participação de Lula em agendas como debates, sabatinas e entrevistas. O pedido havia sido apresentado pela defesa em julho passado.
No comunicado, a ONU informa que ainda não avaliou a ação protolocada por Lula no Comitê de Direitos Humanos no mérito. 
Leia, abaixo, a nota na íntegra.
Na data de hoje (17/08/2018) o Comitê de Direitos Humanos da ONU acolheu pedido liminar que formulamos na condição de advogados do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 25/07/2018, juntamente com Geoffrey Robertson QC, e determinou ao Estado Brasileiro que “tome todas as medidas necessárias para que para permitir que o autor [Lula] desfrute e exercite seus direitos políticos da prisão como candidato nas eleições presidenciais de 2018, incluindo acesso apropriado à imprensa e a membros de seu partido politico” e, também, para “não impedir que o autor [Lula] concorra nas eleições presidenciais de 2018 até que todos os recursos pendentes de revisão contra sua condenação sejam completados em um procedimento justo e que a condenação seja final” (tradução livre). 
A decisão reconhece a existência de violação ao art. 25 do Pacto de Direitos Civis da ONU e a ocorrência de danos irreparáveis a Lula na tentativa de impedi-lo de concorrer nas eleições presidenciais ou de negar-lhe acesso irrestrito à imprensa ou a membros de sua coligação política durante a campanha. 
Por meio do Decreto Legislativo nº 311/2009 o Brasil incorporou ao ordenamento jurídico pátrio o Protocolo Facultativo que reconhece a jurisdição do Comitê de Direitos Humanos da ONU e a obrigatoriedade de suas decisões. 
Diante dessa nova decisão, nenhum órgão do Estado Brasileiro poderá apresentar qualquer obstáculo para que o ex-Presidente Lula possa concorrer nas eleições presidenciais de 2018 até a existência de decisão transitada em julgado em um processo justo, assim como será necessário franquear a ele acesso irrestrito à imprensa e aos membros de sua coligação política durante a campanha. 
Valeska Teixeira Zanin Martins
Cristiano Zanin Martins
 Leia, abaixo, a nota da ONU.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

É HORA DE SE DISCUTIR A USP, POR LUIS NASSIF

Na coluna de ontem, mencionei a necessidade da USP (Universidade de São Paulo) ser regida por um Conselho Administrativo. Leitores supuseram que eu me referia ao Conselho Superior, que existe. Seria algo acima do Conselho Superior, formado por membros da sociedade civil, produtiva, órgãos de fomento, indústria, governo que pudessem definir claramente a missão da universidade.
O mesmo problema do excesso de concentração de encargos burocrático acomete as universidades federais, tornando quase impossível a função do reitor. Este tem que ser um super-homem, entender de área administrativa, acadêmica, prestar contas para o governo, enfrentar a lei de responsabilidade fiscal. Não foi treinado para isso, porque escolhido exclusivamente entre professores.
As universidades americanas têm o CEO, o presidente. Debaixo dele, as áreas administrativa e acadêmica. E o Conselho Administrativo definindo a missão e os indicadores de desempenho.
Com essa polarização maluca que tomou conta do país, com CEOs sem visão sistêmica de país, e muitos departamentos sem visão de eficácia, há que se ter muito cuidado para impedir interferências indevidas na missão da Universidade. O que só seria possível com governos legitimados pelo voto e uma ampla discussão sobre a governança.
Outro fator decorrente dos problemas estruturais da USP é a incapacidade de pagar salários competitivos aos professores em tempo integral. Nos últimos anos, perdeu diversos professores para as federais - antes que Temer e Maria Helena Guimarães iniciassem o trabalho de demolição - e para as universidades privadas de ponta.
Por trás dessa crise, uma redução da receita em decorrência da queda da atividade. Mas também a falta do modelo administrativo eficiente.
Tome-se o caso do campus de São Carlos. Tem Institutos de Física, Química, Arquitetura, Engenharia, Matemática, Computação e a prefeitura do campus. São 6 unidades.
É um campus essencialmente de exatas. Cada unidade tem uma estrutura administrativa independente, com diretor, vice-diretor, chefes de departamento, vice-chefes, RH, transporte e motoristas. Tudo isso para um campus com 5 mil alunos de graduação e 3 mil de pós.
Em todo caso, São Carlos é um centro de excelência (e seria melhor ainda com objetividade gerencial e com os professores libertados das malhas burocráticas da administração). No caso da USP Leste, o quadro é mais confuso, porque a universidade não definiu sua vocação.  O único critério a justificar sua criação é o da localização. 
Se a USP ainda é a melhor universidade do país, deveria estar participando das grandes discussões, dos grandes problemas nacionais. Por que não está? A PUC-SP faz mais eventos, discute mais o Brasil do que a USP.
O MIT (Massachusetts Institute of Technology) é uma unidade, que tem departamentos.
Quando se fragmenta a gestão, dificilmente se conseguem projetos multidisciplinares, que deveriam ser afetos apenas à área acadêmica. Dependem de cada instituto, de cada departamento envolvido. Torna-se um paquiderme burocrático.
Há muitos modelos internacionais que funcionam. Se não souber como fazer, que se copie o modelo de uma universidade padrão internacional.
Do GGN

segunda-feira, 7 de maio de 2018

MAIO DE 1968 e o sentimento do inacabado, o CAPITALISMO RECICLOU-SE, por Concessa Vaz

Estudantes residentes na Maison du Brésil, Cité Universitaire 
Internationale, Paris XIVe. Maio de 1968.
Questionávamos nas ruas o trabalho alienado, o poder piramidal, o controle cotidiano da vida. Capitalismo reciclou-se — apenas para se tornar mais opressor. Mas a última palavra não foi dita.

“Métro, boulot, dodo” (metrô, trabalho e cama), resumia o dito popular, extraído de um verso de Pierre Béarn, de 1956, e repetido monotonamente pelos integrantes do movimento estudantil, que, tendo se iniciado na Universidade de Nanterre, naquele início do ano de 1968, se alastrou rapidamente por toda Paris, alcançando a Sorbonne, todo o Quartier Latin, a Cidade Universitária Internacional e, em poucas semanas, as principais províncias francesas.
“Que tipo de vida é essa?” bradava em eco um jovem operário mais adiante, acenando aos estudantes e trazendo para seu cortejo milhares de outros operários e profissionais de todas as áreas, compartilhando com aqueles suas angústias e aflições.
Era a própria ordem social que estava em jogo e com ela a alienação a que todos estavam submetidos — a falta de significado de uma sociedade capitalista burocratizada, onde a maioria dos cidadãos levava uma existência trivial, medíocre, repetitiva, repressiva e reprimida. Toda ordem social estava sendo questionada, o estilo de vida, o quotidiano estava sob suspeita. Recusavam-se, todos, e assim clamavam, a serem “treinados como cães policiais”, a se verem convertidos de homens em objetos.
Uma árdua luta foi travada contra os patrões e o Estado. “Ni Dieu, Ni Mâitre!” (“Nem Deus, Nem Senhor!”),  exclamavam os anarquistas, relembrando o lema de Auguste Blanqui, de finais do século XIX. “À Bas l’État Policier!” (“Abaixo o Estado Policial!”), gritavam outros rebeldes, selvagemente reprimidos pela força policial — a violência organizada e concentrada nas mãos do Estado, detentor do monopólio das armas.
O princípio da hierarquia, e da autoridade, prevalecente em todos as instâncias da sociedade era assim questionado – na fábrica, na família, na Universidade –, e a bandeira vermelha tremulava em todos os cantos, seguida da bandeira negra dos anarquistas, não poupando sequer o Teatro da Ópera e o fino cabaré Folies Bergères. As tricolores bandeiras francesas não estavam à vista, indicando claramente a natureza revolucionária do movimento em curso.
Os acontecimentos de maio de 1968 na França passam, para sua compreensão, pelo filtro do trabalho – a base material e econômica das ideias desenvolvidas e propagadas por seus protagonistas. Tamanho movimento, que irrompeu de forma inédita no centro de uma Europa capitalista altamente industrializada, no apogeu de um crescimento econômico por quase trinta anos ininterruptos (os “Trente Glorieuses”, segundo o economista Jean Fourastié), não pode ser reduzido a uma mera agitação da juventude, a uma contestação moral e cultural de estudantes privilegiados e “gatés” (mimados), embora tivessem sido eles, os estudantes universitários, o relâmpago que anunciava a tormenta por vir. A efervescência estudantil era antes a manifestação mais evidente ou o barômetro sensível de um descontentamento geral e de uma crise maior que já se anunciava a partir de dentro da sociedade francesa, cujas origens mais profundas pertencem ao processo geral de racionalização da produção instaurado na grande indústria capitalista em finais do século XVIII.
O período pós-1945 caracteriza-se por um forte crescimento econômico, impulsionado pelas necessidades de reconstrução de uma Europa, e de uma França em particular, mutilada por duas grandes guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945) e por uma grande crise econômica (1929), que resultou em falências, desemprego em massa e uma severa depressão de alcance mundial. Sob a dominação e financiamento dos Estados Unidos, e os estados nacionais lhes servindo de muleta, a reconstrução nacional opera-se e os capitalistas rebatizam seus impérios industriais. Abrem-se então os chamados “anos dourados”, anos de um crescimento sem precedentes e cujo combustível eram os ganhos de produtividade (produto por trabalhador) assentados no modelo taylorista-fordista de produção.
Em finais do século XIX, o engenheiro mecânico Frederic Taylor escreveu os “Princípios de Administração Científica“, um monumento a serviço da organização das empresas e da racionalização da produção e, particularmente, da administração industrial e os meios de torná-la mais eficiente. Taylor revelou os secretos requisitos educacionais/intelectuais que deviam ser exigidos dos trabalhadores para que as empresas fossem bem sucedidas competitivamente. Suas contribuições fundamentais podem ser resumidas em dois pontos, a saber: 1) as práticas de trabalho devem ser rigorosamente padronizadas a partir da análise do “melhor método” de produzir, cobrindo tanto as operações manuais quanto o tempo requerido para executá-las. Trata-se de um estudo dito científico dos “tempos e movimentos”; 2) o estabelecimento de uma rígida separação entre concepção e execução, a partir de uma escala hierárquica de ocupações rigorosamente planejada, incluindo diversos níveis de controle e supervisão do trabalho. Com Taylor, portanto, não apenas o relógio entrava na fábrica, mas o cronômetro, caracterizando uma militarização do trabalho, batizada eufemisticamente de “organização científica do trabalho”. Os tempos e movimentos, depois de analisados, eram impostos aos trabalhadores para serem cumpridos -e uma forte estrutura hierárquica de controle e supervisão se lhes sobrevinha para garantir a produção planejada.
O salto de qualidade foi dado por Henry Ford na indústria automobilística, redesenhada por ele a partir de Taylor. Ford incorporou os princípios tayloristas de divisão do trabalho já estabelecidos e elevou ao máximo a produtividade com a intensificação acelerada do trabalho, induzida e viabilizada pela tecnologia da linha de montagem — ou seja, pela incorporação dos procedimentos na própria máquina. Assim, o aumento de produtividade se produzia pelo trabalho coletivo, altamente potencializado. Através de uma linha de montagem progressiva, os produtos padronizados e entregues à cadência de um mecanismo artificial e exterior aos trabalhadores eram elaborados com um grau de precisão tal que dispensavam “ajustes”. O ritmo rápido e estável da linha de montagem garantia a vantagem competitiva do capitalista (e, portanto, a obtenção em um patamar mais elevado de mais-valia relativa).
Com essa tecnologia, que se estendeu rapidamente para outros setores muito além da indústria automobilística, a produção se fazia em massa e em larga escala, de modo a reduzir os custos unitários, dado o elevado investimento em capital fixo (máquinas, equipamentos, plantas industriais, etc.) exigido. O fordismo, como veio a ser denominado, foi, assim, um dos motores que permitiu o pleno emprego e um aumento do nível de vida dos trabalhadores, via redução dos preços das mercadorias necessárias à sua sobrevivência e reprodução. Foi este o sistema de produção que veio a reger todo o crescimento econômico francês no pós-guerra, com sua linha de montagem e os princípios de organização do trabalho taylorista. Com uma estrutura centralizada de produção, calcada no controle do tempo e dos movimentos do trabalhador na linha de montagem,  as fábricas absorviam uma massa gigantesca de operários especializados (OS), receptores de salário mínimo (SMIG), sujeitos a uma jornada semanal de trabalho de 45 horas, exercendo tarefas precisas, repetitivas, montando peças uniformizadas que desfilavam diante deles, repetindo ao infinito os mesmos gestos e se submetendo à cadência infernal da linha de montagem, embrutecidos e alienados. Sob tais condições de trabalho e vida, não iam a lugar algum com os salários que recebiam em troca, reproduzindo-se diariamente, tal como um pêndulo, diante de uma rotina cada vez menos suportável para cada cidadão-trabalhador parisiense: “métro, boulot, dodo”,
A produção em massa, ademais, deu origem a um consoante consumo de massa e transformou a sociedade, por sua vez, em um mundo de robôs, com modos de vida codificados e com rotinas rigidamente demarcadas – foi a uniformização da vida quotidiana (Henry Lefèbvre).
O mesmo princípio hierárquico da produção fordista refletia-se em universidades igualmente centralizadas, cujos reitores, tais como marionetes, deviam atender, prioritariamente, às necessidades tecnológicas do capitalismo francês, às exigências do sistema produtivo então implantado e disseminado. Não por acaso, os enfurecidos estudantes de Nanterre bradavam, já antes de Maio de 68 que não queriam ser “des chiens de garde de la bourgeoisie” (“cães de guarda da burguesia”).
O governo francês, por sua vez, estava nas mãos de um general – De Gaulle, que havia posto um fim à guerra contra a emancipação política da Argélia e comandava o país com similar austeridade, sem consultas e governando por decreto, além de exercer um enorme controle político através das mídias de então: a televisão e o rádio. Os limites de seu governo se expressavam claramente no “slogan” já trivial nas manifestações de maio: “Adieu, De Gaulle, dix ans, ça suffit” (“Adeus, De Gaulle, dez anos, basta!”).
Durante os 25 anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, o sistema capitalista francês escondera-se atrás da embriaguez do progresso econômico. Mas a lógica do trabalho, decorrente do regime de produção taylorista-fordista então dominante, controlava toda a vida social e humana.
Em meados dos anos 1960, esse sistema de produção começou a perder eficácia. A produtividade desacelerou, os capitalistas tentaram compensar a queda reduzindo os salários reais, degradando ainda mais as condições de trabalho, promovendo o desemprego parcial e, funestamente, acelerando as já infernais cadências da linha de montagem. Os operários, em particular a massa de especializados, revoltaram-se contra o peso da crise que começo a recair sobre seus ombros, e o desequilíbrio instalou-se. Os operários decidiram juntar-se aos estudantes grevistas e recusaram-se ao jogo de “perdre sa vie à la gagner” (“perder a vida para ganhá-la”). Tal recusa apareceu também sob a forma de absenteísmo no trabalho — o chamado “turn-over”, a recusa do trabalho, ou sob a forma de sabotagem. Mas foram provavelmente as condições salariais dos trabalhadores especializados, a maioria absoluta dos trabalhadores fordistas, que levaram os trabalhadores à revolta e a se juntarem aos estudantes. Esta adesão ficou definitivamente gravada nas bandeirolas que tremulavam por toda parte com os dizeres: “étudiants, professeurs, ouvriers” (“estudantes, professores, operários”. Foi esta junção histórica entre o trabalho intelectual e o trabalho manual que fez do Maio de 1968 na França um evento particular e diferenciado em relação ao que ocorria no resto do mundo.
Somente no final da década seguinte a persistência dos sintomas depressivos exigiu reações e mudanças de modo a revigorar o crescimento econômico capitalista. A partir dos anos 1980, novas estratégias empresariais de competitividade e de produtividade começaram a ser desenhadas, alterando a organização do trabalho e as formas de gestão da produção. Um novo padrão instaurou-se, a assim chamada “produção flexível”. Mas como no taylorismo-fordismo, este sistema de produção nasceu igualmente ao processo geral de racionalização da produção instaurado pela grande indústria capitalista de finais do século XVIII. O objetivo continuava sendo o da acumulação de capital por meio do aumento da produtividade e da competitividade. Logo, numa perspectiva histórica e do ponto de vista da organização do trabalho, a recém-chegada “produção flexível”, longe de constituir uma novidade, foi antes de tudo uma norma, pois que o processo produtivo, com os seus trabalhadores aí inseridos, foi permanentemente reorganizado e/ou reestruturado ao longo do tempo em função da necessidade imperativa de crescimento do capital, que só se viabiliza através do aumento constante da produtividade do trabalho e, portanto, da mais-valia.
“A força com a qual a contestação estudantil e operária se afirmou na França, em Maio de 1968, confirma a virulência dos antagonismos no interior desta sociedade pretensamente estável e a incapacidade da burguesia de superá-los, ou seja, de conseguir a domesticação durável das classes exploradas” (cf. Daniel Bensaid). Os trabalhadores não demoraram a perceber, face à recessão que se abriu e se estendeu ao longo dos anos que se seguiram, que o capitalismo não se encontra ao abrigo de crises maiores, tendo como resultado um conjunto de reestruturações que prejudicam, inevitavelmente, suas condições de existência.
Como testemunha ocular dos acontecimentos de Maio de 1968 na França, quando eu era apenas uma entre milhares de outras estudantes, francesas e estrangeiras que aí faziam seus estudos, e no auge de meus 20 anos, termino este texto compartilhando o mesmo sentimento de Christian Laval, tão bem expresso em seu depoimento, quando dos 40 anos de Maio de 1968:
“(…) Este movimento, sem chefe, sem direção e sem programa é o nome daquilo que um dia fez medo e que precisou ser controlado, remetendo-o ao folclórico, ao anedótico ou ao banal…Este movimento, e sua força, permaneceu aberto às interpretações, às recuperações…68 é a afirmação gritante de uma recusa que continua a atemorizar… [é a afirmação] de que há outra coisa possível. Maio de 68 é o nome deste desejo…Nosso tempo passou e é preciso dar passagem. Nós fomos o elo provisório de um tempo igualmente provisório, (…) nós somos muitos a ter o sentimento do inacabado…”
GGN

segunda-feira, 9 de abril de 2018

O CALVÁRIO DE LULA repercurtiu NA MÍDIA INTERNACIONAL, por Olímpio Cruz

O discurso do líder brasileiro como vítima de uma perseguição política está na imprensa estrangeira, que destaca ainda o favoritismo dele para as eleições presidenciais de outubro
A calvário do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na noite de sábado, e seu discurso no ato político realizado em São Bernardo do Campo, onde anunciou que se renderia à Polícia Federal, receberam grande destaque na imprensa estrangeira. O assunto está nas primeiras páginas de diversas publicações em todo o mundo e é um dos principais temas das agências internacionais de notícias. A foto de Lula, cercado por uma multidão em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, tirada por Francisco Proner, foi distribuída pela Reuters para todo o mundo e reproduzida em jornais influentes, como o inglês The Guardian e o canadense The Globe and Mail.
As palavras-chave são a rendição do maior líder da esquerda brasileira, que está à frente na corrida presidencial, a transformação de Lula em preso político e a desconfiança sobre o sistema judiciário do país. O material produzido pelas principais agências de notícia –AP, Reuters, Bloomberg, AFP, EFE, DW e Prensa Latina – ganhou o mundo. Vários despachos foram sendo atualizados ao longo do dia.  
O americano The New York Times traz longa reportagem assinada pelos correspondentes Manuel Androni, Ernesto Landoño e Shasta Darlington, com foto de Lalo de Almeida, destacando que Lula se rendeu para cumprir pena de 12 anos. “Sua interdição é uma reviravolta ignominiosa na notável carreira política de Lula, filho de trabalhadores rurais analfabetos que enfrentou os ditadores militares do Brasil como líder sindical e ajudou a construir um partido reformista de esquerda que governou o Brasil por mais de 13 anos”, diz a reportagem. 
Os correspondentes do NYT relatam que antes de se render às autoridades policiais federais, Lula, 72 anos, acusou promotores e juízes de intencionalmente persegui-lo com um caso infundado. “Eu não os perdoo por criar a impressão de que sou um ladrão”, disse um indignado Lula, rouco, diante de uma multidão reunida do lado de fora do sindicato de metalúrgicos. A reportagem destaca que, durante horas no sábado, em um impasse tenso, seus fervorosos defensores haviam bloqueado fisicamente sua rendição, antes de finalmente permitir que ele partisse. 
O americano Washington Post informa que Lula se entregou à Polícia Federal, mas disse que, mesmo encarcerado, vai fazer campanha política. Segundo o jornal, que destaca em foto Lula sendo levado nos braços do povo no berço do sindicalismo brasileiro, que a interdição “intensificou o drama político na maior nação da América Latina”. De acordo com o texto dos correspondentes Marina Lopes e Anthony Faiola, a cadeia transformou um homem que o presidente Barack Obama chamou de “o político mais popular da Terra” no prisioneiro mais famoso da região. 
O inglês The Guardian reproduz a foto distribuída pela Reuters com Lula cercado pela multidão e destaca em manchete: “Lula inicia sentença (...) no Brasil depois de se entregar à polícia”. Segundo o diário, o ex-presidente promete provar sua inocência da corrupção depois de encerrar um impasse de dois dias com as autoridades. “Faça o que quiser, o poderoso pode matar uma, duas ou 100 rosas. Mas eles nunca conseguirão impedir a chegada da primavera”, discursou o líder político.
O jornal canadense The Globe and Mail destaca em primeira página que Lula foi para a cadeia, “mas aqueles que ele defendeu lamentam o fim de uma era”, publicando também a foto de Francisco Proner, distribuída pela Reuters. O texto é da correspondente Stephanie Nolen, que abre a reportagem falando que Lula se entregou à Polícia Federal no sábado de noite, tendo feito antes um inflamado discurso de 55 minutos a apoiadores reunidos na frente do sindicato. “Foi o fim de uma dramática jornada de 48 horas que uniu o Brasil e forneceu suporte a uma extraordinária história política”, relata.
“Muitos brasileiros anunciaram a visão de um líder supremamente poderoso em custódia da polícia como um ponto de virada para o país, um golpe contra a impunidade dos poderosos”, escreve a correspondente. Mas para outros, a (...) de Lula é um fim devastador para uma era de um tipo diferente de política. “Lula trouxe um poder para os pobres brasileiros - as pessoas foram viver acima da linha da pobreza, pessoas que nunca tinham estudado começaram a estudar, trabalhadores domésticos tiveram direitos quando antes eram todos escravizados", disse Elisa Lucinda, uma proeminente atriz, poeta e cantora. “Era um Brasil que nunca havia sido visto antes e agora vai desaparecer novamente”.
O site russo Sputnik reporta que Lula se entregou à polícia. Os muitos despachos ao longo do dia foram reproduzidos em outras línguas, inclusive nos serviços em espanhol e português. Em um dos destaques no site, reportagem relata que embora tenha sido condenado por subornos, a Justiça não apresentou provas e que o ex-presidente é líder inconteste nas pesquisas de opinião para voltar ao poder nas eleições previstas para este ano. “A direita brasileira joga com fogo”, destaca. 
 A emissora de TV Russia Today destacou no final da noite que Lula acabou com o impasse e se entregou à polícia. A reportagem aponta que, antes de se entregar, Lula se dirigiu a uma audiência de milhares de pessoas que estavam nas ruas de São Bernardo do Campo e discursou: “Quanto mais dias eles me deixarem (na cadeia), mais Lulas nascerão neste país”. A multidão gritou: “Libertem Lula!”.
 Na Argentina, o jornal Clarín destacou em manchete de primeira página, que Lula já está preso em Curitiba para cumprir sua pena por corrupção. Outro jornal argentino, o Página 12, aponta que a detenção de Lula é um segundo golpe que o país vive, e que, durante todo o dia, o líder do PT recebeu o apoio e solidariedade de milhares de militantes e simpatizantes. Ele falou à multidão, onde disse que o único crime que cometeu “foi tirar milhões da pobreza” e que o golpe que começou com a deposição de Dilma Rousseff terminou com a decisão de impedi-lo de ser candidato à Presidência. Também o La Nación destacou em primeira página que Lula já está na sede da PF em Curitiba, onde cumprirá sua pena. 
 AGÊNCIAS INTERNACIONAIS
 Matéria da AP, reproduzida em 10,6 mil sites noticiosos, relatou que Lula foi levado no início da noite sob custódia policial, depois de um confronto tenso com seus próprios partidários e três intensos dias que de fortes emoções por causa do seu encarceramento. “Apenas algumas horas antes, Lula disse a milhares de partidários que se entregaria à polícia, mas alegou inocência e disse que sua condenação por corrupção era simplesmente uma maneira de os inimigos garantirem que ele não fugisse – e possivelmente vencesse – as eleições presidenciais de outubro”, diz o texto assinado por Maurício Savarese e Peter Prengaman.
 Reportagem da AFP relata a tensão no final de sábado da saída de Lula da sede do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, apontando-o como favorito da eleição presidencial de outubro. O despacho destaca que “Lula se considera vítima de uma trama da elite para impedir que concorra a um terceiro mandato”. O jornal traz declaração forte do ex-presidente: “A obsessão deles é ter uma foto do Lula prisioneiro”, disse. O material foi replicado por 3,7 mil veículos de imprensa no mundo.
 A agência espanhola EFE, em despacho divulgado no final de sábado, relatou que Lula pôs fim à sua resistência e já estava nas mãos da Polícia Federal, destacando trecho do seu discurso em que confessou ter cometido um delito. “Eu cometi um crime: trazer os pobres para a faculdade, o que lhes permite comprar carros, eles têm alimentos”. “Serei um criminoso pelo resto da minha vida”. Texto, vídeo e fotos foram reproduzidos em 2.590 sites e veículos noticiosos em todo o mundo.
 Texto da Reuters, com a foto de Lula cercado pela multidão de simpatizantes e militantes de esquerda no pátio do sindicato onde começou sua vida política, foi reproduzido em dezenas de sites de notícias. A reportagem aponta que Lula se entregou à polícia, acabando com o impasse, no início da noite de sábado. Segundo a agência, “a (...) de Lula remove a figura política mais influente do Brasil, líder da campanha presidencial deste ano”. O texto especula que isso poderia aumentar as chances de um candidato centrista prevalecer. O despacho da agência foi reproduzido por 2.480 sites e jornais, inclusive o The New York Times
Deutsche Welle deu em manchete que “o ex-presidente brasileiro Lula está na (...)”, que o primeiro prazo ele havia deixado passar, no sábado os seus seguidores impediram a sua detenção, mas o líder condenado por corrupção foi levado afinal por policiais. “Vários pedidos para permanecer em liberdade até o final do apelo foram negados”, relata a agência alemã. “Lula também pediu ao Comitê de Direitos Humanos da ONU em Genebra uma liminar para evitar a detenção”.
EUROPA
O diário espanhol El País deu manchete de primeira página para a (...) de Lula, destacando no título trecho do discurso do ex-presidente: “A morte de um combatente não para a revolução”. Segundo o jornal, o líder petista foi para a (...) no final da noite de sábado, condenado a 12 anos de (...), mas que falou antes a uma multidão: “Não sou um ser humano mais. Eu sou uma ideia. E as ideias não se encerram”.
O jornal francês Le Monde, por exemplo, em editorial na edição de sábado avalia que, mesmo Lula tendo caída em “desgraça” a Justiça brasileira terá que provar ao mundo que sua mobilização contra a corrupção é capaz de atingir também a outros grupos políticos. “A Operação Lava Jato deve demonstrar ao país que a (...) de Lula não é um ato político”, aponta o editorial. 
“A (...) daquele que continuará sendo um dos dirigentes mais marcantes da história do país não significa o fim dos processos. (...) A Lava Jato precisa ter a mesma severidade com outros caciques de partidos do centro e da direita”. E cita o ex-presidenciável tucano Aécio Neves, “suspeito de corrupção passiva e obstrução da justiça”, estranhando que “seu caso ainda não foi examinado pela Suprema Corte”. 
Em reportagem da correspondente Claire Gatinois, o Le Monde destacou que Lula se rendeu à polícia, abrindo a notícia com a declaração do ex-presidente para “uma multidão em lágrimas” de que “podem matar um combatente, mas a revolução continua". “Ofegante e animado”, descreve a jornalista, “o velho confirmou a sua rendição”.
O tradicional jornal Liberation questionou em sua edição de domingo se a ida de Lula para (...) poderia ser interpretado como “um golpe de misericórdia na esquerda latina”. Ouvindo especialistas, o jornal relata que Lula é o candidato da esquerda reformista – “não revolucionária” – a mais amigável em relação aos mercados. 
“O resultado é que ele vai tornar-se radical”, analisa Patricio Navia, orientador acadêmico do Centro de abertura e desenvolvimento da América Latina (Cadal). Fontes ouvidas pelo jornal avaliam que a esquerda terá grandes dificuldades em voltar, mas que “enquanto as sociedades da região da América Latina forem marcadas pela pobreza, desigualdade e exclusão social, sempre haverá um desafio para mudar o status quo”.
O jornal L’Humanité aponta um “golpe judicial e militar contra Lula”, reforçando o argumento da esquerda brasileira de que o ex-presidente está sendo perseguido. “O Supremo Tribunal do Brasil rejeitou na quarta-feira a libertação do ex-presidente Lula, que é o candidato presidencial em outubro. Contra o pano de fundo das ameaças do exército”, resume. O também francês Le Fígaro destacou que Lula anunciou que aceitava a sua (...), mas a matéria ressalta que ele contestou as acusações que pesam contra si e disse que vai provar que seu julgamento é um “crime político”. 
Em outro despacho no mesmo jornal, o destaque foi a reportagem da agência France Press, também reproduzida no diário Le Progress, noticiando que, no final da tarde de sábado, Lula foi impedido de se entregar pelos simpatizantes que cercavam o sindicato dos metalúrgicos, onde ele despontou sua liderança, na região de São Bernardo do Campo. O material também foi reproduzido no canal France24, nos jornais La Provence e La Croix, no canadense Le Journal de Montreal, as emissoras de rádio DH, da Bélgica, e Radio Canada
O português Diário de Notícias, em reportagem do correspondente João Almeida Moreira, destacou que o último dia de liberdade de Lula, poderia ser de tristeza, com sua despedida e a missa em memória da sua falecida mulher como panos de fundo. Mas se tornou uma festa, com direito a set list escolhida pelo ex-presidente: “Asa Branca” e “O que é, o que é”, de Gonzaguinha, “Apesar de Você”, de Chico Buarque, e o samba “Deixa a Vida me Levar”, de Zeca Pagodinho. A matéria reproduz trechos do discurso de Lula – “Eu não sou um ser humano, eu sou uma ideia, todos vocês agora vão virar Lula, eles acham que tudo o que acontece nesse país é responsabilidade do Lula, agora eu responsabilizo vocês” – e diz que o petista também citou Martin Luther King.
Na Bélgica, a RTBF manteve flashes sobre Lula e a sua iminente (...), durante a programação de sábado.  Foram quatro destaques sobre o líder brasileiro, a última reportagem apontando que o petista foi impedido de se apresertar à polícia pelos simpatizantes.
GGN