O discurso do líder
brasileiro como vítima de uma perseguição política está na imprensa estrangeira, que
destaca ainda o favoritismo dele para as eleições presidenciais de outubro
A calvário do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na
noite de sábado, e seu discurso no ato político realizado em São Bernardo do
Campo, onde anunciou que se renderia à Polícia Federal, receberam grande
destaque na imprensa estrangeira. O assunto está nas primeiras páginas de
diversas publicações em todo o mundo e é um dos principais temas das agências
internacionais de notícias. A foto de Lula, cercado por uma multidão em frente
ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, tirada por Francisco Proner, foi
distribuída pela Reuters para todo o mundo e reproduzida em jornais
influentes, como o inglês The Guardian e o canadense The Globe
and Mail.
As palavras-chave são a rendição do maior líder da esquerda
brasileira, que está à frente na corrida presidencial, a transformação de Lula
em preso político e a desconfiança sobre o sistema judiciário do país. O
material produzido pelas principais agências de notícia –AP, Reuters, Bloomberg, AFP, EFE, DW e Prensa
Latina – ganhou o mundo. Vários despachos foram sendo atualizados ao longo
do dia.
O americano The New York Times traz longa reportagem assinada
pelos correspondentes Manuel Androni, Ernesto Landoño e Shasta Darlington, com
foto de Lalo de Almeida, destacando que Lula se rendeu para cumprir pena de 12
anos. “Sua interdição é uma reviravolta ignominiosa na notável carreira
política de Lula, filho de trabalhadores rurais analfabetos que enfrentou os
ditadores militares do Brasil como líder sindical e ajudou a construir um
partido reformista de esquerda que governou o Brasil por mais de 13 anos”, diz
a reportagem.
Os correspondentes do NYT relatam que antes de se
render às autoridades policiais federais, Lula, 72 anos, acusou promotores e
juízes de intencionalmente persegui-lo com um caso infundado. “Eu não os perdoo
por criar a impressão de que sou um ladrão”, disse um indignado Lula, rouco,
diante de uma multidão reunida do lado de fora do sindicato de metalúrgicos. A
reportagem destaca que, durante horas no sábado, em um impasse tenso, seus
fervorosos defensores haviam bloqueado fisicamente sua rendição, antes de
finalmente permitir que ele partisse.
O americano Washington Post informa que Lula se entregou à Polícia
Federal, mas disse que, mesmo encarcerado, vai fazer campanha política. Segundo
o jornal, que destaca em foto Lula sendo levado nos braços do povo no berço do
sindicalismo brasileiro, que a interdição “intensificou o drama político na
maior nação da América Latina”. De acordo com o texto dos correspondentes
Marina Lopes e Anthony Faiola, a cadeia transformou um homem que o presidente
Barack Obama chamou de “o político mais popular da Terra” no prisioneiro mais
famoso da região.
O inglês The Guardian reproduz a foto distribuída pela Reuters
com Lula cercado pela multidão e destaca em manchete: “Lula inicia sentença (...)
no Brasil depois de se entregar à polícia”. Segundo o diário, o ex-presidente
promete provar sua inocência da corrupção depois de encerrar um impasse de dois
dias com as autoridades. “Faça o que quiser, o poderoso pode matar uma, duas ou
100 rosas. Mas eles nunca conseguirão impedir a chegada da primavera”,
discursou o líder político.
O jornal canadense The Globe and Mail destaca em primeira página que Lula
foi para a cadeia, “mas aqueles que ele defendeu lamentam o fim de uma era”,
publicando também a foto de Francisco Proner, distribuída pela Reuters. O
texto é da correspondente Stephanie Nolen, que abre a reportagem falando que
Lula se entregou à Polícia Federal no sábado de noite, tendo feito antes um
inflamado discurso de 55 minutos a apoiadores reunidos na frente do sindicato.
“Foi o fim de uma dramática jornada de 48 horas que uniu o Brasil e forneceu
suporte a uma extraordinária história política”, relata.
“Muitos brasileiros anunciaram a visão de um líder
supremamente poderoso em custódia da polícia como um ponto de virada para o
país, um golpe contra a impunidade dos poderosos”, escreve a correspondente.
Mas para outros, a (...) de Lula é um fim devastador para uma era de um tipo
diferente de política. “Lula trouxe um poder para os pobres brasileiros -
as pessoas foram viver acima da linha da pobreza, pessoas que nunca tinham
estudado começaram a estudar, trabalhadores domésticos tiveram direitos quando
antes eram todos escravizados", disse Elisa Lucinda, uma proeminente
atriz, poeta e cantora. “Era um Brasil que nunca havia sido visto antes e
agora vai desaparecer novamente”.
O site russo Sputnik reporta que Lula se entregou à polícia. Os
muitos despachos ao longo do dia foram reproduzidos em outras línguas,
inclusive nos serviços em espanhol e português. Em um dos destaques no site,
reportagem relata que embora tenha sido condenado por subornos, a Justiça não
apresentou provas e que o ex-presidente é líder inconteste nas pesquisas de
opinião para voltar ao poder nas eleições previstas para este ano. “A direita brasileira joga com fogo”, destaca.
A emissora de TV Russia Today destacou no final da noite que Lula
acabou com o impasse e se entregou à polícia. A reportagem aponta que, antes de
se entregar, Lula se dirigiu a uma audiência de milhares de pessoas que estavam
nas ruas de São Bernardo do Campo e discursou: “Quanto mais dias eles me
deixarem (na cadeia), mais Lulas nascerão neste país”. A multidão gritou:
“Libertem Lula!”.
Na Argentina, o jornal Clarín destacou em manchete de primeira página, que
Lula já está preso em Curitiba para cumprir sua pena por corrupção. Outro
jornal argentino, o Página
12, aponta que a detenção de Lula é um segundo golpe que o país vive, e
que, durante todo o dia, o líder do PT recebeu o apoio e solidariedade de
milhares de militantes e simpatizantes. Ele falou à multidão, onde disse
que o único crime que cometeu “foi tirar milhões da pobreza” e que o golpe que
começou com a deposição de Dilma Rousseff terminou com a decisão de impedi-lo
de ser candidato à Presidência. Também o La
Nación destacou em primeira página que Lula já está na sede da PF em
Curitiba, onde cumprirá sua pena.
AGÊNCIAS
INTERNACIONAIS
Matéria da AP, reproduzida em 10,6 mil sites noticiosos, relatou que
Lula foi levado no início da noite sob custódia policial, depois de um
confronto tenso com seus próprios partidários e três intensos dias que de
fortes emoções por causa do seu encarceramento. “Apenas algumas horas antes,
Lula disse a milhares de partidários que se entregaria à polícia, mas alegou
inocência e disse que sua condenação por corrupção era simplesmente uma maneira
de os inimigos garantirem que ele não fugisse – e possivelmente vencesse – as
eleições presidenciais de outubro”, diz o texto assinado por Maurício Savarese
e Peter Prengaman.
Reportagem da AFP relata a tensão no final de sábado da saída de
Lula da sede do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo,
apontando-o como favorito da eleição presidencial de outubro. O despacho
destaca que “Lula se considera vítima de uma trama da elite para impedir que
concorra a um terceiro mandato”. O jornal traz declaração forte do
ex-presidente: “A obsessão deles é ter uma foto do Lula prisioneiro”,
disse. O material foi replicado por 3,7 mil veículos de imprensa no mundo.
A agência espanhola EFE, em despacho divulgado no final de sábado, relatou que
Lula pôs fim à sua resistência e já estava nas mãos da Polícia Federal,
destacando trecho do seu discurso em que confessou ter cometido um delito. “Eu
cometi um crime: trazer os pobres para a faculdade, o que lhes permite comprar
carros, eles têm alimentos”. “Serei um criminoso pelo resto da minha vida”.
Texto, vídeo e fotos foram reproduzidos em 2.590 sites e veículos noticiosos em
todo o mundo.
Texto da Reuters, com a foto de Lula cercado pela multidão de
simpatizantes e militantes de esquerda no pátio do sindicato onde começou sua
vida política, foi reproduzido em dezenas de sites de notícias. A reportagem
aponta que Lula se entregou à polícia, acabando com o impasse, no início da
noite de sábado. Segundo a agência, “a (...) de Lula remove a figura política
mais influente do Brasil, líder da campanha presidencial deste ano”. O texto
especula que isso poderia aumentar as chances de um candidato centrista
prevalecer. O despacho da agência foi reproduzido por 2.480 sites e jornais,
inclusive o The New York Times.
A Deutsche Welle deu em manchete que “o ex-presidente
brasileiro Lula está na (...)”, que o primeiro prazo ele havia deixado passar,
no sábado os seus seguidores impediram a sua detenção, mas o líder condenado
por corrupção foi levado afinal por policiais. “Vários pedidos para permanecer
em liberdade até o final do apelo foram negados”, relata a agência
alemã. “Lula também pediu ao Comitê de Direitos Humanos da ONU em Genebra
uma liminar para evitar a detenção”.
EUROPA
O diário espanhol El País deu manchete de primeira página para a (...)
de Lula, destacando no título trecho do discurso do ex-presidente: “A morte de
um combatente não para a revolução”. Segundo o jornal, o líder petista foi para
a (...) no final da noite de sábado, condenado a 12 anos de (...), mas que
falou antes a uma multidão: “Não sou um ser humano mais. Eu sou uma ideia. E as
ideias não se encerram”.
O jornal francês Le Monde, por exemplo, em editorial na edição de sábado avalia que, mesmo Lula
tendo caída em “desgraça” a Justiça brasileira terá que provar ao mundo que sua
mobilização contra a corrupção é capaz de atingir também a outros grupos
políticos. “A Operação Lava Jato deve demonstrar ao país que a (...) de Lula
não é um ato político”, aponta o editorial.
“A (...) daquele que continuará sendo um dos dirigentes mais
marcantes da história do país não significa o fim dos processos. (...) A Lava
Jato precisa ter a mesma severidade com outros caciques de partidos do centro e
da direita”. E cita o ex-presidenciável tucano Aécio Neves, “suspeito de
corrupção passiva e obstrução da justiça”, estranhando que “seu caso ainda não
foi examinado pela Suprema Corte”.
Em reportagem da correspondente Claire Gatinois, o Le Monde destacou que Lula se rendeu à polícia,
abrindo a notícia com a declaração do ex-presidente para “uma multidão em
lágrimas” de que “podem matar um combatente, mas a revolução
continua". “Ofegante e animado”, descreve a jornalista, “o velho
confirmou a sua rendição”.
O tradicional jornal Liberation questionou em sua edição de domingo se a
ida de Lula para (...) poderia ser interpretado como “um golpe de misericórdia
na esquerda latina”. Ouvindo especialistas, o jornal relata que Lula é o
candidato da esquerda reformista – “não revolucionária” – a mais amigável em
relação aos mercados.
“O resultado é que ele vai tornar-se radical”, analisa
Patricio Navia, orientador acadêmico do Centro de abertura e desenvolvimento da
América Latina (Cadal). Fontes ouvidas pelo jornal avaliam que a esquerda terá
grandes dificuldades em voltar, mas que “enquanto as sociedades da região da
América Latina forem marcadas pela pobreza, desigualdade e exclusão social,
sempre haverá um desafio para mudar o status quo”.
O jornal L’Humanité aponta um “golpe judicial e militar contra
Lula”, reforçando o argumento da esquerda brasileira de que o ex-presidente
está sendo perseguido. “O Supremo Tribunal do Brasil rejeitou na quarta-feira a
libertação do ex-presidente Lula, que é o candidato presidencial em
outubro. Contra o pano de fundo das ameaças do exército”, resume. O também
francês Le Fígaro destacou que Lula anunciou que aceitava a
sua (...), mas a matéria ressalta que ele contestou as acusações que pesam
contra si e disse que vai provar que seu julgamento é um “crime
político”.
Em outro despacho no mesmo jornal, o destaque foi a
reportagem da agência France Press, também reproduzida no diário Le Progress, noticiando que, no final da tarde de
sábado, Lula foi impedido de se entregar pelos simpatizantes que cercavam o
sindicato dos metalúrgicos, onde ele despontou sua liderança, na região de São
Bernardo do Campo. O material também foi reproduzido no canal France24, nos jornais La Provence e La Croix, no canadense Le Journal de Montreal, as emissoras de rádio DH, da Bélgica, e Radio Canada.
O português Diário de Notícias, em reportagem do correspondente João
Almeida Moreira, destacou que o último dia de liberdade de Lula, poderia ser de
tristeza, com sua despedida e a missa em memória da sua falecida mulher como
panos de fundo. Mas se tornou uma festa, com direito a set list escolhida pelo
ex-presidente: “Asa Branca” e “O que é, o que é”, de Gonzaguinha, “Apesar de
Você”, de Chico Buarque, e o samba “Deixa a Vida me Levar”, de Zeca Pagodinho.
A matéria reproduz trechos do discurso de Lula – “Eu não sou um ser
humano, eu sou uma ideia, todos vocês agora vão virar Lula, eles acham que tudo
o que acontece nesse país é responsabilidade do Lula, agora eu responsabilizo
vocês” – e diz que o petista também citou Martin Luther King.
Na Bélgica, a RTBF manteve flashes sobre Lula e a sua iminente (...), durante a
programação de sábado. Foram quatro destaques sobre o líder
brasileiro, a última reportagem apontando que o petista foi impedido de se apresertar
à polícia pelos simpatizantes.
GGN
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