Moro
venceu a queda de braço com Teori e consolidou a Super Vara de Curitiba
Esta
reportagem faz parte do nosso projeto de crowdfunding sobre a Lava Jato. Outras
virão. Fique ligado.
A
investigação que deu origem à Lava Jato começou em 2006, quando a Polícia
Federal, autorizada por Sérgio Moro, investigava um caso de lavagem de dinheiro
decorrente do processo do mensalão.
A
PF interceptou ligação telefônica entre um assessor do então deputado José
Janene e o advogado dele. O assessor, Roberto Brasiliano da Silva, o Braz,
conversa com o advogado, Adolfo Gois, sobre um depoimento que iria prestar na
Polícia.
O
advogado diz que ele não deve ir à delegacia enquanto a defesa não tiver acesso
aos demais depoimentos e documentos no inquérito.
—
Nós temos o direito de ver os documentos, enquanto ele não der, não vai. Se ele
ficar insistindo, nós vamos, só que eu vou meter um habeas corpus – diz o
advogado, que se gaba de orientar toda a estratégia de defesa do chefe de
Brasiliano, o deputado José Janene.
—
Zé falou: “eu sigo o que você falar”.
E
Brasiliano responde que todos no escritório de Janene ficaram desesperados com
a pressão do delegado sobre as testemunhas:
—
Vocês não vão, então some daqui que eu vou me virar – teria respondido Janene
ao questionamento dos funcionários.
A
PF grampeava Brasiliano em razão do uso de recursos oriundos do mensalão –
pouco mais R$ 1 milhão na época –, que estariam sendo lavados através de
investimento em uma empresa instalada no distrito industrial de Londrina, a
Dunes.
Na
interceptação, a PF descobriu que o doleiro Alberto Yousseff continuava
operando para Janene, mas já não morava em Londrina, no Paraná. Ele estava com
escritório e residência em São Paulo.
Yousseff
era um velho conhecido de Moro. Alguns anos antes, ele o prendeu, no curso da
investigação do escândalo do Banestado – o mega esquema de lavagem de dinheiro
que funcionou nos anos de Fernando Henrique Cardoso na presidência.
Moro
o soltou, depois de um acordo de colaboração, em que Yousseff entregou clientes
para quem lavava dinheiro sujo e se comprometeu a não mais delinquir.
A
investigação da PF mostrava que Yousseff não cumprira o acordo. Ainda assim,
Moro o deixa em liberdade.
Na
democracia, o Estado não investiga pessoas, mas crimes.
Só
em 2014, oito anos depois, é que Yousseff vai para a cadeia, juntamente com
onze pessoas, entre elas Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras.
Àquela
altura, a investigação já não tinha nada a ver com sua origem, a lavagem de
dinheiro do mensalão.
A
investigação envolvendo Brasiliano não avançou, mas Moro começou a determinar
prisões em série quando, através de Yousseff, a Polícia Federal foi levada ao
esquema de corrupção na Petrobras.
Era
uma operação com nome fácil de memorizar, Lava Jato, e tinha atingido o coração
de um antigo esquema de corrupção na estatal.
As
prisões se sucederam até chegar a Lula, que em 2016 teve a casa revirada por
agentes da Polícia Federal, foi conduzido à força para prestar depoimento no
aeroporto de Congonhas e até celulares e tablets de seus netos foram
apreendidos.
Uma
imagem que define bem o que aconteceu nos mais de dez anos dessa investigação é
a de Yousseff como um cachorrinho preso na coleira por Sérgio Moro.
Desde
2006, já havia crime em curso, mas Moro deixa Yousseff solto, como se estivesse
convicto de que, através dele, seria levado para um alvo pré-determinado.
“Isso
é ilegal, isso é um tribunal de exceção, foge aos mais elementares princípios
da impessoalidade da Justiça”, diz o advogado Anderson Bezerra Lopes, que
defende Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula.
Anderson
fez parte da primeira equipe de advogados que defendeu Paulo Roberto Costa, a
que conseguiu libertá-lo em maio de 2014, numa decisão do ministro Teori
Zavascki, do Supremo Tribunal Federal.
A
Lava Jato teria outro destino ali, não tivesse sido colocada em prática a
estratégia de vazamentos seletivos e o uso da mídia como aliada de um tipo de
justiça que tem alvos definidos.
Era
uma noite de domingo, 18 de maio de 2014, quando Teori, analisando um pedido de
habeas corpus feito pela defesa de Paulo Roberto Costa, assinou um mandato em
que se mostra convencido de que a Lava Jato era uma operação ilegal.
Pela
decisão que Teori tomou em 2014, constata-se que o processo deveria ter saído
das mãos de Moro em 2006, quando as interceptações mostraram que havia um
deputado federal, José Janene, envolvido na suposta prática de crime.
O
destino natural, previsto em lei, era o Supremo Tribunal Federal, único
tribunal competente para julgar autoridades com prerrogativa de foro.
Entretanto,
Sérgio Moro não só reteve a investigação como, analisando suas decisões
posteriores, ele passa a omitir o inquérito do Ministério Público Federal –
quando ainda não era representando por Deltan Dallagnol e equipe.
Alegando
sempre urgência nas decisões, Moro autoriza todas as quebras de sigilo
solicitadas pela Polícia Federal, já comandada por Igor Romário de Paula, atual
coordenador da Lava Jato.
O
juiz toma suas decisões sem ouvir a procuradora que atuava em Curitiba. Algumas
vezes, dá ciência posterior e, em pelo menos um caso, não atende às
determinações do Ministério Público Federal.
Urgência
em uma investigação que só teria as primeiras prisões e denúncias oito anos depois.
Teori
tentou acabar com esse abuso em sua decisão de 18 de maio de 2014, ao
determinar que a Lava Jato fosse enviada para o Supremo e os presos pela
operação fossem colocados em liberdade.
Pela
decisão de Teori, não seria o fim da Lava Jato, mas a investigação seria
destinada ao que, pela lei, é definido como juiz natural dos casos.
É
esse princípio que impede a Justiça de se tornar instrumento de perseguição.
Moro
soltou Paulo Roberto e, ao mesmo tempo, a imprensa teve acesso a um ofício que
mandou de volta a Teori Zavascki.
No
texto, Moro pergunta se Teori quer mesmo que solte todos os presos, pois,
alerta o juiz de Curitiba, entre eles está o traficante Reni Pereira da Silva,
que também lavava dinheiro com Yousseff.
Veja
online publicou a reportagem com o título: “STF manda soltar acusado de tráfico
internacional de drogas”.
A
repercussão foi grande.
Não
dia seguinte, o Jornal Nacional, da Rede Globo, noticia que Teori havia voltado
atrás.
“O
ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki voltou atrás e decidiu
manter na cadeia onze presos da Operação Lava Jato”, diz Patrícia Poeta, na
abertura do noticiário da TV
Globo.
Moro
teve na imprensa importante aliada no recuo de Teori
Paulo
Roberto continuaria solto, mas os demais presos não sairiam da cadeia. E o
processo continuaria nas mãos de Moro.
Na
prática, Moro emparedou Teori e o Supremo Tribunal Federal, fazendo prevalecer
a sua decisão.
Com
isso, avançou na estratégia de se tornar responsável por uma Super Vara de
Justiça ou, como dizem seus críticos, um tribunal de exceção, que, como tudo
agora indica, sempre buscou destruir o PT e seus aliados.
DCM