quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Os crimes sem apuração da Lava Jato, Marcelo Auler

O que acontece quando uma operação, como a Lava Jato, recebe licença para matar de um Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) – Luís Roberto Barroso, admitindo o estado de exceção?

O Jornal GGN foi ouvir o repórter Marcelo Auler sobre o que significa pessoas dotadas de poder de Estado, procuradores e delegados, terem autorização para andar à margem da lei.

Auler escancara o grande escândalo da Lava Jato. No começo da operação, a Polícia Federal do Paraná colocou uma escuta ilegal na cela dos detidos. Descoberta, há três anos ocorreu um jogo de ilegalidades, visando esconder os dados. Dois membros da PF que ousaram investigar foram perseguidos, a ponto de serem obrigados a solicitar aposentadoria, em cenas de expurgo que lembra os períodos da ditadura.

As investigações de Auler começaram em julho de 2015. Auler descobriu que a cúpula da PF do Paraná, com o delegado Igor Romário à frente, mandou instalar grampo para saber o que os presos conversavam.

As primeiras prisões ocorreram de 16 a 18 de março de 2014. No diaq 31 de março o grampo foi descoberto pelo doleiro Alberto Yousseff e apreendido pela polícia em 10 de abril. Nesse dia, um delegado da Polícia Civil recebeu a informação de que haviam encontrado o grampo. Avisou a PF e, aí, teria batido o desespero. O delegado Márcio Anselmo teria ido à sala de outro delegado e desabado que “estamos ferrado”. Anselmo desmente a frase.

Com a informação vazando, foi aberta uma sindicância conduzida pelo delegado Maurício Moscardo Grilo. Foi sindicância dirigida, que procurou explicar que o grampo havia sido colocado na cela por ocasião da prisão de Fernandinho Beira Mar.

Um ano depois entrou em cena o delegado Mário Renato Fanton, incumbido de investigar a denúncia dos delegados de Curitiba, a respeito do vazamento de manifestações suas, no Facebook, enaltecendo Aécio Neves e criticando Dilma Rousseff. Julgaram que o culpado fosse o delegado Paulo Renato de Souza Herrera, crítico dos métodos adotados pelos colegas na Lava Jato. Seguiu-se a denúncia, a abertura do inquérito 727, e uma enorme pressão sobre o delegado, que acabou se afastando da PF por problemas psicológicos. Foi acusado de receber dinheiro pelo dossiê.

Encarregado de apurar o caso, o delegado Mário Renato Fanton se dá conta de que o inquérito 727 estava sendo dirigido erradamente. Não existia o tal dossiê. No decorrer das investigações, Fanton se deu conta de outros fatos estranhos, especialmente nas investigações sobre o grampo.

No seu relatório, Moscardi havia se baseado no parecer de Dalmey Werlang, agente que trabalhava no núcleo de inteligência policial, especialista em grampos ambientais, que sustentava que o equipamento era antigo e estaria lá desde a prisão de Beira Mar.

De algum modo, Fanton percebeu os erros do relatório. Pressionado, Dalmey admitiu ter colocado a escuta na cela a mando do delegado Igor Romário. Depois, repetiu a denúncia na CPI aberta para investigar a escuta. A corregedoria abriu nova sindicância, entregue ao delegado Alfredo Junqueira. Uma perícia no equipamento de Dalmey revelou 260 horas de gravações. Dalmey sugeriu que a mesma perícia fosse realizada no servidor do departamento, mas não o ouviram.

Seguiu-se um jogo de esconde-esconde, com procuradores e delegados atropelando a lei, inventando álibis e perseguindo implacavelmente quem ousasse entrar mais fundo na história.

Surgiu a versão inverossímil de que havia 9 celulares nas celas, através dos quais poderia ter ocorrido as gravações. Ora, quando alguém é preso, a primeira providência é tirar seu celular.

No final do ano passado, outra irregularidade graúda foi apontada por Meire Posa, ex-contadora de Yousseff. Ela acusou diretamente o delegado Márcio Adriano Anselmo de uma série de irregularidades, entre as quais a de forjar uma busca e apreensão de documentos para esquentar documentos que ela já havia entregue a ele, e não foram registrados. O juiz Sérgiuo Moro trancou as investigações a pedido dos procuradores Regionais da República  da 4a Região Antônio Carlos Welter e Januário Paludo.

Todos os que ousaram apurar os ilícitos da Lava Jato foram implacavelmente perseguidos pela Polícia Federal e por procuradores, denunciando-os sem provas.

Dalmey e Fanton precisaram se afastar da PF por problemas psicológicos, tal a perseguição. Dalmey está tentando se aposentar, mas está impedido. Fanton foi proibido por seu médico de sequer abordar o tema.

A maneira da PF varrer a sujeira para baixo do tapete foi afastar um a um os integrantes iniciais da Lava Jato. Acusado de um sem-número de irregularidades, Márcio Anselmo tornou-se corregedor da PF do Espírito Santo. Ou seja, o delegado incumbido de apurar irregularidades dos colegas. A delegada Erika Marena foi transferida para Santa Catarina.

Nem a corregedoria do MPF, nem a Procuradoria Geral da República ousaram investigar o caso. Os crimes foram varridos do mapa, os que ousaram apurar foram punidos.
Do GGN

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Na liquidação do Brasil, Temer quer vender até a Casa da Moeda

Na busca desesperada para fechar as contas e fazer caixa, depois de ter provocado o maior rombo fiscal da história do País, o governo de Michel Temer anunciou nesta quarta-feira, 23, que pretende privatizar a Casa da Moeda, órgão que confecciona as notas de real, além de passaportes brasileiros, selos postais e diplomas.

Dito de outra maneira, depois de querer a geração e distribuição de energia elétrica do País, vendendo a Eletrobras, Temer quer entregar à iniciativa privada a fabricação da própria moeda do País. 

O governo não divulgou quanto espera arrecadar com a vanda da Casa Moeda. Segundo o anúncio do governo, a expectativa é de que o edital seja publicado no terceiro trimestre do ano que vem e que o leilão ocorra no final de 2018. A Casa da Moeda está hoje vinculada ao Ministério da Fazenda.

Além da Eletrobras e da Casa da Moeda, o governo de Michel Temer quer privatizar também o aeroporto de Congonhas, em São Paulo, o segundo maior do Brasil - o que pode render até R$ 5,6 bilhões aos cofres públicos. 

Ações foram chamadas pelo governo de Programa de Parcerias de Investimento (PPI). O PPI divulgou nesta quarta um calendário prevendo uma série de ações voltados para leilão de novos bens públicos. O objetivo é de elevar as receitas do governo visando o cumprimento metas fiscais.

Leia, abaixo, matéria do Infomoney sobre o assunto: 

Após o anúncio da desestatização da Eletrobras, o governo federal confirmou nesta quarta-feira (23) um pacote com 57 projetos que farão parte do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) para serem colocados à venda ou privatizados.

Na lista estão 14 aeroportos, 11 blocos de linhas de transmissão de energia elétrica, 15 terminais portuários, rodovias e empresas públicas, como a Casa da Moeda, Companhias Docas do Espírito Santo, Casemg e CeasaMinas.

O governo disse que espera investimentos de pelo menos R$ 44 bilhões, sendo que metade deste valor deverá entrar nos primeiros cinco anos do projeto. Para as linhas de transmissão de energia, o investimento estimado é de R$ 10 bilhões em cinco anos. O leilão está previsto para dezembro de 2018.

O governo também decidiu relicitar a rodovia BR-153, no trecho entre Goiás e Tocantins. Essa rodovia estava nas mãos do Grupo Galvão, da Galvão Engenharia, e teve a concessão cassada. Além disso o governo vai conceder a BR-364, no trecho entre Mato Grosso e Rondônia. Os investimentos nas duas estradas está projetado em R$ 12 bilhões ao longo dos contratos, beneficiando, sobretudo, o setor do agronegócio.

O governo também definiu novos parâmetros para a Lotex (loteria Raspadinha), da Caixa Econômica Federal. O banco ficará de fora do negócio, e será feita uma concessão por um prazo de 30 anos. A estimativa é obter R$ 1 bilhão com a venda.

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A aberração da venda da Eletrobras, por Luis Nassif

O anúncio de venda da Eletrobras para fazer caixa é uma das iniciativas mais aberrantes do governo Temer. A ideia da “democratização do capital” e a comparação com a Vale e a Embraer é esdrúxula. Ambas estão na economia competitiva enquanto a Eletrobrás é uma concessionária de serviços públicos, estratégica para o país.

A avaliação de R$ 20 bilhões equivale a menos da metade de uma usina como Belo Monte. A Eletrobrás tem 47 usinas hidroelétricas, 114 térmicas e 69 eólicas, com capacidade de 47.000 MW, o que a faz provavelmente a maior geradora de energia elétrica do planeta. É uma empresa tão estratégica quanto a Petrobras.

A Eletrobras está sendo contruída desde 1953 e exigiu investimentos calculados em R$ 400 bilhões do povo brasileiro. Além da capacidade geradora, que equivale a meia Itaiupu, a Eletrobras controla linhas de transmissão, seis distribuidoras e a Eletronuclear, empresa estratégica que detém as únicas usinas nucleares brasileiras.

O modelo elétrico brasileiro é uma obra de engenharia fanrtástica, resultado do pensamento estratégico de especialistas como Octávio Marcondes Ferraz, Mário Thibau, Mário Bhering, um conjunto de técnicos da Cemig – que também corre risco idêntico.

No governo Fernando Henrique Cardoso, o desmonte irresponsável desse modelo promoveu um encarecimento brutal das tarifas, que acabou tiraqndo a competitividade brasileira em vários setores eletro intensivos. Lá, como ágora, moviam-se exclusivamente por visão ideológica, sem um pingo de preocupação com a lógica de um sistema integrado.

O comprador com toda probabilidade será um grupo chinês que por 20 bilhões de reais assumirá o provavelmente maior parque de geração hidroelétrica do planeta. É realmente inacreditável o nível de improvisação, cegueira estratégica, leviandade suspeita atrás desse tipo de decisão de quebra-galho financeiro.

Nos EUA, o parque hidroelétrico, que corresponde a 15% da matriz energética , é estatal federal, porque lá se acredita que energia elétrica, que envolve recursos hídricos são de interesse nacional e não podem ser privados. Lá há muito cuidado com água, rios e represas e nunca se pensou em privatizar.

A ideia de privatizar estava obvia quando a rainha das privatizações da Era FHC  Elena Landau foi colocada como presidente do Conselho da empresa. Há um mês pediu demissão para não ficar evidente demais sua presença com o anúncio da privatização, ligando a lembranças de sua atuação no governo tucano.

 Para completar o pesadelo, o Ministro de Minas e Energia é um rapaz de 33 anos, formado em administração de empresas pela FAAP, sem qualquer especialização na área e representando o histórico PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO, de ilustres nomes como João Mangabeira, que deve estar se revirando na tumba com tal iniciativa por  um "socialista" pernambucano.

GGN

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Moro é copartícipe do golpe, por Aldo Fornazieri

O cientista político e professor da FESPSP Aldo Fornazieri criticou o que chamou de "parcialidades" da Operação Lava Jato e avalia que a investigação, embora tenha um papel importante no combate à corrupção, "se perdeu".
"A Lava Jato tem duas faces, paradoxais e contraditórias. A primeira é que ela é uma operação necessária para combater a corrupção, porque os níveis de corrupção no Brasil sempre foram muito altos e ninguém nunca tinha enfrentado a corrupção como agora", afirmou, em entrevista aos jornalistas Gisele Federicce e Paulo Moreira Leite, transmitida pela TV 247. Assista AQUI.
"Por outro lado, ela se perdeu. Ela se perdeu nas parcialidades, na ação persecutória do Moro e de procuradores contra o Lula", acrescentou Fornazieri. Para ele, "o Moro agiu politicamente em todo o processo". "Ele foi copartícipe do processo do golpe, não tenho dúvidas disso", ressaltou.
"Quando ele divulgou os grampos à revelaria da lei, é um golpe. É vergonhosa a atuação dele. Quantas vezes ele foi pego confraternizando com Aécio Neves, com o próprio Temer. Num país sério, minimamente democrático, um juiz nunca teria esse tipo de conduta", recordou o professor.
Ele faz uma crítica à esquerda sobre sua reação ao golpe que tirou Dilma Rousseff do poder. "Se houve golpe, tinha que haver luta. A esquerda não se preparou para essa luta", avaliou. Em sua avaliação, "a esquerda contribuiu para o golpe".
"Do alto de sua arrogância, eles deixaram de lidar com a noção do amigo inimigo. Na política nunca se pode deixar de lidar, porque você está cercado de inimigos", descreveu, sobre os integrantes do governo Dilma.
Sobre 2018, ele afirma que o "novo" não necessariamente é a solução para o Brasil, e que o mais importante é o programa de governo. "Podemos ter um novo complicado, um novo como Doria, um novo como Bolsonaro, ou mais algum empresário que possa se viabilizar e se catapultar neste momento de desesperança", alerta.
O ideal, diz ele, é "formar uma frente progressista, com sangue novo ou não". "O que importa é que se discuta um programa. Um programa que aponte um novo caminho para o Brasil, um caminho estratégico". O Lula vai ser candidato com qual programa? Só pela figura do Lula?", questiona.
"O mais importante é a unidade, porque a fragmentação favorece aqueles que deram o golpe", ressalta. Assista abaixo à íntegra da entrevista:
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A bestialização do povo brasileiro, por Fornazieri

Diante do fracasso histórico dos setores progressistas e de esquerda é forçoso reconhecer que eles mesmos foram co-artífices desse fracasso e que contribuíram significativamente para com a manutenção das subalternidade das classes populares à hegemonia das elites econômicas e políticas do país. Em outras palavras: contribuíram para com a manutenção do povo brasileiro na condição de bestializado.
​Como se sabe, a ideia de um povo bestializado foi criada pelo jornalista, jurista e político Aristides Lobo no contexto da passeata militar que proclamou a República. Ao testemunhar aquela passeata, comandada por um marechal monarquista, Lobo escreveu: "O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem saber o que significava". A coisa do povo - a res publica - nascia, desta forma, sem povo. Pior ainda, nascia sem povo, sem armas e sem terras, logo após a Abolição, levada a efeito por uma princesa que era mais uma carola de sacristia do que propriamente uma estadista.  
Assim nascera também a Independência, emergida de um grito abestalhado do filho do monarca metropolitano . O novo país que nascia não era soberano, mas uma extensão da Coroa portuguesa. Note-se ainda que todas as revoltas pré-independência se definiram por duas características: ou eram conspirações de pequenos grupos ou tinham uma dimensão popular, mas localizada e isolada em determinadas províncias. Nunca houve um movimento nacional-popular que construísse um sentido de unidade de um povo. O único movimento que conseguiu imprimir uma dimensão nacional-popular, mesmo que parcial, foi a Revolução de 1930 e varguismo.
Mas o varguismo foi também uma via estatal de modernização, assim como foi a redemocratização de 1945, o golpe militar de 1964, a campanha das diretas com seu desfecho no Colégio Eleitoral, a Constituinte e, finalmente, os governos petistas. Todos esses processos, alguns com sentido contrário aos outros como foi o caso do golpe militar, buscaram a modernização do país e a mudança pela via do Estado, pelo alto, com negociações e conciliações com as elites. As chamadas classes populares nunca tiveram um protagonismo. A nova Constituição não significou uma refundação democrática e cidadã do Brasil, pois o povo não foi chamado a se pronunciar acerca dela por meio de um referendum. O povo nunca foi o sujeito constituinte da soberania nacional.
Ao se fazer essas constatações de natureza histórica não se pretende menosprezar as importantes contribuições do varguismo, do antigo PTB e do PT em avanços sociais. O que se quer dizer é que, mesmo com esses avanços, a derrota histórica dos progressistas e das esquerdas não pode não ser assinalada. E mais do que isto: o que se quer dizer é que os progressistas e as esquerdas adotaram estratégias que podem ser inseridas no conceito de revolução passiva, elaborado por Antônio Gramsci a partir de um livro de história da Revolução Napolitana de 1799, escrito por Vincenzo Cuoco.
Mudança de Estratégia
Em síntese, Gramsci entende por revoluções passivas todos os processos de transformação que podem vir por reformas, guerras, golpes etc., sem passar por uma revolução política de tipo "radical-jacobina". Isto quer dizer: sem uma participação efetiva das classes populares que, desta forma, não criam uma vontade coletiva nacional-popular. Em outras palavras: não há um processo constituinte, da sociedade contra o Estado, de um povo com consciência nacional. Assim, muitas revoluções têm um caráter restaurador e muitos governos progressistas terminam fracassando, abrindo as portas para a restauração conservadora. No Brasil, sequer houve uma reforma agrária radical-jacobina tal como ocorreu na França. As mudanças que ocorreram no campo ficaram muito aquém do próprio processo de distribuição de terras que ocorreu nos Estados Unidos.
Quando setores populares e progressistas participaram dessas tentativas modernização, fracassaram. Fracassaram com Vargas, com Jango, com as Diretas, com a Constituinte e com os governos do PT. Os momentos subsequentes a esses governos foram restaurações conservadoras. A singularidade desses governos, partidos e movimentos é que sempre buscaram atuar mais no Estado do que na sociedade civil e nos movimentos sociais. Nos momentos dos embates e de ruptura dos débeis processos democráticos não tinham força para resistir, não tinham força para impor um momento "radical-jacobino".
Tudo isto indica que as esquerdas estão adotando estratégias erradas ou parciais. Não há como sustentar reformas e mudanças mais radicais sem conseguir que as classes populares e os movimentos sociais se articulem em organizações consistentes da sociedade civil, sofram um processo de mudança de cultura e de consciência por um intenso trabalho crítico e formativo e se tornem o centro das lutas e  das mobilizações políticas. Não há como criar uma vontade coletiva nacional-popular, adverte Gramsci, sem que os diversos grupos sociais urbanos e do campo irrompam na vida política.
Os progressistas e as esquerdas não conseguem tirar as camadas subalternas da hegemonia das elites conservadoras que permitem apenas definir as lutas no campo do corporativismo e, mesmo assim, com um recorrentes recuos na garantia de direitos. Gramsci preconiza que a luta anti-hegemônica e a construção de uma nova hegemonia requer uma reforma intelectual, cultural e moral associada a um programa de reforma econômica. Os partidos e os movimentos devem subverter "todo o sistema de relações intelectuais e morais", retirando o povo de sua condição de "massa de manobra", de bestializado.
A impotência dos partidos progressistas e de esquerda de promoverem uma reforma intelectual, cultural e moral, articulada com um programa de reforma econômica, abriu o campo das periferias para que as igrejas evangélicas e pentecostais fizessem a reforma religiosa. A reforma religiosa conduz as massas periféricas para uma condição de subalternidade ainda mais aguda, mais conservadora, aprofundado sua condição de "massa de manobra", que se entrega a líderes, a partidos e a governos retrógrados, anti-sociais e anti-direitos.
Os partidos e movimentos sociais progressistas e de esquerda precisam ser ativos e atuantes nessa disputa de concepções de mundo e de valores através da propaganda, formação e organização dos vários grupos e segmentos sociais. Sem a criação desse terreno propício ao desenvolvimento de uma vontade e de uma força politicamente ativa nacional-popular o Brasil terá seu futuro condenado e nenhuma transformação modernizadora de sentido progressista se fará efetiva. Os campos largos da periferia ficarão a mercê da reforma religiosa conservadora e do crime organizado. Os joãos trabalhadores da demagogia e do charlatanismo e outras expressões autoritárias terão um terreno fértil para colher votos e vitórias eleitorais.
Aldo Fornazieri - é Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
Do GGN 

domingo, 20 de agosto de 2017

Xadrez da influência dos EUA no golpe, por Luís Nassif

A cada dia que passa fica mais nítida a participação de forças dos Estados Unidos no golpe do impeachment. Trata-se de tema polêmico, contra o qual invariavelmente se lança a acusação de ser teoria conspiratória. O ceticismo decorre do pouco conhecimento sobre o tema e da dificuldade óbvia de se identificar as ações e seus protagonistas. Imaginam-se cenas de filmes de suspense e de vilões, com todos os protagonistas  orientados por um comitê central.

Obviamente não é assim.

Um golpe sempre é fruto da articulação das forças internas de um país, não necessariamente homogêneas, e, em muito, da maneira como o governo atacado reage. No decorrer do golpe, montam-se alianças temporárias, em torno do objetivo maior de derrubar o governo. Há interesses diversos em jogo, que provocam atritos e se acentuam depois, na divisão do butim.

A participação gringa se dá na consultoria especializada e no know-how da estratégia geral.

E aí entram os princípios básicos, copiados das estratégias de guerra:

Etapa 1 - Ataques da artilharia: a guerra de desgaste, de exaurir antecipadamente o inimigo por meio de ataques diuturnos de artilharia.

Etapa 2 – a guerra psicológica, visando conquistar corações e mentes das populações dos países adversários contra suas tropas.

Etapa 3 – a primeira ofensiva, juntando o avanço dos tanques de guerra com ações táticas de Infantaria, visando impedir o inimigo de realizar determinadas operações.

Etapa 4 – simultaneamente à Etapa 3, táticas de dividir as forças adversárias para ataca-las uma de cada vez.

Etapa 5 - Vencida a guerra, ocupar o país com um governo local que, ante um quadro de destruição ampla, ganhará legitimidade inicial com suas propostas de reconstrução. Por isso a destruição tem papel central na conquista do território, seja no decorrer da guerra ou no desmonte posterior.

Etapa 6 – a batalha decisiva. A aceitação ou não, da população do país, do modelo imposto pela guerra.

Vamos, agora, analisar o Caso Brasil.

Etapa 1 – os ataques de artilharia
Tem a função de fustigar os inimigos diuturnamente, de maneira a tirar seu fôlego e preparar o terreno para o início da batalha e o avanço da infantaria.

Quem acompanha as sutilezas do jornalismo pátrio percebeu nítida mudança no estilo editorial a partir do advento do Instituto Millenium que ajudou a definir um tipo de jornalismo de guerra mais sofisticado, e ser o ponto de convergência dos jornalistas que atendiam à demanda dos grupos jornalísticos por guerreiros.

Até então, a mídia atuava atabalhoadamente com factoides inverossímeis, dentro do que ficou conhecida como a era do jornalismo de esgoto.

A partir de determinado momento – e, especialmente, das notícias geradas pela AP 470, do mensalão – os ataques mudam de enfoque. Em vez do linguajar agressivo, cobertura intensiva do material fornecido pelo Ministério Público Federal e pelo relator Joaquim Barbosa, em linguagem aparentemente neutra, mas sempre incluindo frases-padrão. Em qualquer matéria, mesmo sem ligação alguma com a AP 470, qualquer menção ao PT era acompanhada de frases–padrão, tipo “partido que foi acusado de corrupção pelo STF”, e outros termos similares, repetidos exaustivamente. Instituiu-se método na campanha midiática.
Etapa 2 – a conquista de corações e mentes
Nas manifestações de junho de 2013 ocorreu a primeira explicitação do mal-estar coletivo com o início da crise. Antes, houve um trabalho crescente dos grupos de ultradireita nas redes sociais, se sobrepondo à jovem militância de esquerda que ficou rendida, sem informações e sem argumentos do lado de um governo, incapaz de articular um discurso político.

Factoides de apagão, de epidemias, ataques ao Enem, à organização  Copa do Mundo, tudo ficava sem resposta, sem informações do governo, deixando o campo aberto para o golpismo.

Os primeiros organizadores de encontros, jovens de extração de esquerda, foram jogados ao mar pela própria esquerda.

Sem competidores, os movimentos estimulados pelo exterior ganharam fôlego e o comando das ruas passou para grupos, como o MBL (Movimento Brasil Livre) e o Vem prá Rua, bancados financeiramente e com know-how de grupos empresariais norte-americanos, como os irmãos Koch, e brasileiros, como Jorge Paulo Lehman.

O know-how consistia na habilidade em criar agentes políticos do nada, valendo-se apenas das novas formas de comunicação e organização das redes sociais. Pelo extremo baixo nível das lideranças, percebe-se a enorme facilidade em se criar protagonistas para conduzir os movimentos de manada nas redes sociais.
A Rede Globo levou dois dias para perceber que os aliados tinham assumido a iniciativa. Imediatamente seus comentaristas se alinharam em defesa das manifestações, depois de a terem desancado impiedosamente no início.

Nos links abaixo, algumas matérias explicativas desses movimentos de bilionários organizando a militância:

É movimento que repete o fenômeno da direita empresarial norte-americana nos anos 60, com grupos como o W.R.Grace, de irlandeses católicos fundamentalistas, investindo em cruzadas em países da América Latina.

Leia aqui sobre os Grace e sua Campanha Pelo Rearmamento Moral:

Etapa 3 – o ataque com tanques e infantaria

A conquista de corações e mentes foi relativamente simples. Havia o dado concreto do mal-estar econômico. Bastou forçar nas relações de causalidade com Dilma e o PT, trabalho facilitado pela incapacidade de ambos de entender o momento e enfrentar o jogo tanto no campo político quanto da comunicação.

As manifestações de rua acionaram a bomba de efeito retardado, que catapultou a guerra para a etapa decisiva.

As ações que permitiram transformar um pequeno processo de Curitiba em um escândalo do Rio de Janeiro, capaz de derrubar um governo em Brasília, foram alimentadas pelo DHS, o poderoso Departamento do governo dos EUA, que surge a partir dos atentados às Torres Gêmeas, organizando as ações de 23 departamentos internos na luta contra o terrorismo e as organizações criminosas. Quando os EUA definem o combate à corrupção como ponto central de sua nova geopolítica, o DHS assimila o novo pacto comn o mundo corporativo dos EUA.

Ele se torna o ponto de contato com Ministérios Públicos em todo mundo, no modelo da cooperação internacional, ao mesmo tempo em que novas leis anticorrupção são aprovadas por organismos internacionais. A primeira aproximação com o Brasil foi no caso Banestado. A partir daquele episódio, estreitam-se as relações do DHS com o juiz Sérgio Moro e o grupo de procuradores que assume a Lava Jato.

Leia aqui sobre o DHS.:

Provavelmente vem do DHS o know-how de estratégias político-midiáticas da Lava Jato, a organização das informações em sites, a criação de perfis de procuradores e, mais à frente, a utilização política dos vazamentos. Antes disso, a seleção de procuradores e delegados que atuaram de forma harmônica.

Junto com o bombardeiro de tanques, ocorreram também operações táticas de infantarias, com a divulgação de conversas gravadas da presidente e a sincronização da agenda policial com a agenda política do impeachment.

Etapa 4 – a divisão das forças inimigas
A corrupção política contaminou todos os partidos, sem exceção. As delações dos executivos de empreiteiras forneceram um amplo arsenal para a Lava Jato, podendo selecionar os alvos a serem atingidos.

A atuação da Lava Jato visou três objetivos centrais, todos diretamente relacionados com os interesses norte-americanos, dificultando radicalmente o retorno ao modelo combatido:

·       Inviabilizar rapidamente as multinacionais brasileiras que competiam com grupos norte-americanos no exterior;

·       Derrubar o governo Dilma e, com ele, a legislação do pré-sal;

·       Inabilitar Lula politicamente.

Para que nada se interpusesse no caminho, tratou de poupar Michel Temer, principal personagem do escândalo da Eletronuclear, assim como Eduardo Cunha, que só foi preso depois de consumado o impeachment. E foi por isso que a maioria absoluta dos delatores conseguiu a libertação bastando, para tanto, as palavrinhas mágicas: Lula ou Dilma sabia.

Agora, uma checagem minuciosa mostra um trabalho relapso, muito mais focado na quantidade que na qualidade das delações. Mas obedecia à estratégia de comunicação, de não dar um minuto de folga aos inimigos (PT e Lula). Cada declaração, mesmo vazia e sem provas, alimentava o noticiário diário, insuflava o clamor das ruas e atraía adesões do Judiciário.

Etapa 5 – a ocupação do território inimigo
A estratégia pós-impeachment consistiu em implementar rapidamente um conjunto radical de medidas visando fazer terra arrasada do modelo econômico vigente. Antes mesmo do impeachment já haviam sido fincadas as bases do acordo com os coronéis do PMDB, em torno da tal Ponte Para o Futuro. A ponto do próprio Temer, em evento nos EUA, afirmar que Dilma caiu por não ter aderido aos pontos da tal Ponte.

É evidente que havia um documento, que foi entregue pessoalmente aos líderes do PMDB por representantes do tal do mercado.

Provavelmente, a cabeça por trás da Ponte para o Futuro, e do trabalho de demolição do orçamento, foi Marcos Lisboa, espécie de menino de ouro do liberalismo pátrio e ponto de contato entre os grupos de mercado, os políticos do PMDB re a alta burocracia pública, graças ao contatos desenvolvidos em seu tempo de assessor do ex-Ministro Antônio Pallocci.

Nas eleições de 2002, foi indicado para Jorge Paulo Lehman pelo economista brasileiro Alexandre Scheinkman, diretor do prestigioso departamento de macroeconomia da Universidade de Chicago. Lehman tentou enganchá-lo na campanha de Ciro Gomes. Com a eleição de Lula, Lisboa acabou indo para a equipe de Antônio Palocci onde, saliente-se, realizou um belo trabalho de reformas microeconômicas.

No discurso que fez no evento do Jota-Insper, na sexta passada, há todas as impressões digitais das principais maldades em tramitação na Câmara, inclusive a que obriga o devedor inadimplente que devolve o bem a continuar devedor. Para Lisboa, economia saudável é que a permite ao banco tirar a máquina do empresário inadimplente, ainda que uma máquina parada seja menos eficaz para a economia que uma empresa produzindo; que permite ao banco punir o mutuário inadimplente. Para ele, a inadimplência é um ato de vontade do devedor, não contingências da economia. É um autêntico defensor da eugenia social e corporativa.

Todo o estoque de projetos, a começar da PEC do Teto e, a partir dela,  o desmonte de todas as políticas sociais e a ocupação de todos os territórios do Estado, do aparelhamento da Funai à Eletronuclear, do Inmetro ao TSE (Tribunal Superior eleitoral) o.Simultaneamente, lança  um conjunto de medidas estruturais, que destroem o modelo anterior de Estado, para que a Nova Ordem possa ser a única alternativa visível.

A contribuição externa  se deu no aconselhamento da estratégia da Ponte para o Futuro e do conjunto de leis atuais.
O papel da mídia
A exemplo da estratégia pós-millenium, o papel da mídia é vocalizar um conjunto de slogans vazios:

A equipe econômica é brilhante. A frase é repetida por Ministros do Supremo, empresários etc. A maioria absoluta dos quais jamais tinha ouvido falar antes, ou depois, dos membros da equipe econômica.

Se reformar a Previdência, o país sai da crise. Não há nenhuma relação de causalidade. Para chegar a esse ponto de terra arrasada – parte da estratégia de desmonte do Estado anterior – acabaram com a demanda, criaram enorme capacidade instalada, aumentaram as taxas reais de juros, todas medidas pró-cíclicas.

Sobre essa retórica, prepararei um artigo à parte.

Etapa 6 – a batalha decisiva
O teste final serão as eleições de 2018. E, aí, há uma ampla confusão e disputa entre os diversos grupos hegemônicos que dependem de três balas de prata para enfrentar Lula.
A primeira dificudade é a identificação de um candidato competitivo, capaz de levar adiante o desmonte.

O clube dos bilionários do golpe abriu os olhos para o risco de confundir sua imagem com a da organização comandada por Michel Temer. E entendeu que a aprovação de reformas, sob o jugo de Temer, tirará grande parte da sua legitimidade. Além de comprometer qualquer tentativa futura de protagonismo político.

Aí entram em cena os conflitos de interesse.

Os caciques do PSDB continuarão sendo escandalosamente blindados pelo algoritmo do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas, politicamente, estão liquidados.

Tasso Jereissatti pretendeu tirar o PSDB dessa rota suicida. Mas passou a enfrentar a pressão da banda fisiológica do partido, liderada pelo chanceler Aloysio Nunes. Sem financiamento empresarial e sem governo, parte relevante das atuais lideranças tucanas será varrida do mapa. Daí a insistência em permanecer no barco de Temer.

Por outro lado, o clube não dispõe de um nome competitivo para 2018. Marina Silva não tem fôlego. E Geraldo Alckmin não representa novidade alguma no panorama político.

Por tudo isso, o clube – mais a ala mercadista do PSDB, puxada por FHC – provavelmente jogará suas fichas na candidatura de João Dória Jr, apesar das imensas ressalvas que manifestam em relação a ele. Será uma novidade, mas dificilmente será competitivo.

Com o definhamento do PSDB, o antipetismo se tornou totalmente invertebrado.

O distrital misto

Sem uma liderança minimamente esclarecida, tenta-se, agora, esse aborto do modelo político ditrital misto  como última tentativa de sobrevida à atual bancada de deputados. E aí sobressai uma ameaça cada vez mais presente na política atual: a entrada de várias organizações criminosas no jogo.

O narcotráfico mostrou um poder assustador no episódio da helicoca, no qual a Polícia Federal e o Ministério Público Federal não moveram uma palha para apurar as ligações do dono do helicóptero, senador José Perrela, com o tráfico. O helicóptero foi devolvido dias depois para o dono, em outra atitude inédita.

Por outro lado, a extraordinária influência da Fenatran – a suspeitíssima federação de transporte urbano do Rio de Janeiro – no STF, através do Ministro Gilmar Mendes, acende outra luz amarela.

Finalmente, a tentativa de legalizar novamente o bingo abrirá nova frente de influência para o crime organizado.

O México é aqui e, ao contrário das suspeitas iniciais, o que mais se assemelha ao PRI mexicano não é o PT, mas esse amálgama que sai do golpe, com os primeiros indicios de parceria com o crime organizado.

O PSDB acena com o parlamentarismo, caso consiga o poder. É mais fácil Gilmar Mendes declarar suspeição em qualquer processo, do que a bandeira do parlamentarismo eleger um presidente.

O próximo presidente será eleito denunciando o saco de maldades produzido pelo atual governo, em parceria com o PSDB e com o mercado.

Por todos esses condicionantes, mais que nunca dependerão de ações no Judiciário para inviabilizar a oposição. Afinal, por mais que seja estreita a colaboração com os EUA, não poderão contar com a 7a Cavalaria contra os índios de Lula.

Do GGN

sábado, 19 de agosto de 2017

Manoel D'Almeida Filho: cordel e excelência, Aderaldo Luciano

Neste ano de 2017, tendo o dia 8 de junho passado como marco, celebram-se 22 anos de morte de Manoel D'Almeida Filho, o clássico poeta do cordel brasileiro. Sabemos que o filho da Paraíba, radicado em Sergipe, foi um poeta predestinado. Nascido na grota mais profunda, às margens da antiga Lagoa do Paó, hoje Alagoa Grande, viu e ouviu cantadores e poetas de cordel viventes no cinturão do Brejo Paraibano. Sabia ele da passagem por lá de Francisco das Chagas Batista, um dos pais do cordel brasileiro, na construção da estrada de ferro. Também sabia de todo o arsenal poético que o cercava no berço. Sabia, ainda, do polo poético existente na cidade de Guarabira, e de sua crescente importância em termos de impressão de cordéis. Esse aparato já seria suficiente para presenteá-lo com um céu mais lírico, um chão mais épico, uma escrita mais crítica.

Aqueles que hoje apregoam um cordel rústico, inocente, “puro”, não conhecem a obra de Manoel D’Almeida. Rigorosíssimo com a qualidade dos seus escritos, trabalhava diuturnamente na confecção, buscando a excelência, rebuscando o vernáculo, colecionando as rimas, urdindo as narrativas. Se não bastasse toda essa inquietação poético-pedagógica, pois ensinava aos neófitos os preâmbulos cordelísticos e não poupava a palavra mais dura àqueles já macetados que incorriam em atropelos do verso, da rima, da língua, do estilo e da vida, se não bastasse isso, era chegado a um desafio peculiar: escrever longas narrativas, sem perder-se em repetições, nem capengar na criatividade. Assim, escreveu "O Direito de Nascer", inspirado na radionovela do cubano Félix Caignet, já adaptada para o Brasil, na época.

"O Direito de Nascer" é, talvez, o maior romance, em termos quantitativos, do cordel brasileiro com aproximadamente 700 sextilhas. Quando a Prelúdio o lançou, abrangia 65 páginas, em colunas duplas de 5 e de 6 estrofes, fazendo 10 e 12 estrofes por página. Se alguns poetas de hoje, muitos não conseguem escrever 30 e se autodenominam “cordelistas”, chegassem a ler esse romance de Manoel D’Almeida, certamente mudariam sua visão sobre o cordel. A narrativa de ficção alcançaria nele um alto grau de tensão, flutuando entre a tragédia e o lirismo. Mas entenda-se que o desafio em escrever longas narrativas era uma inquietação da alma do poeta. Tanto que escreveria o mais extenso poema sobre a vida do Capitão Virgulino Ferreira da Silva: Os Cabras de Lampião. Esse também, muito conhecido, mas pouco lido pelos seus pares poetas atuais.

Os Cabras de Lampião foi um marco e uma marca. A forma épica, narrando as agruras do velho ícone do cangaço sertanejo transformou-se em desafio também para os leitores, obrigados que eram a retornar, sempre, na leitura para entender e esclarecer as minudências dos fatos históricos protagonizados por Lampião e seu bando. Almeida detinha a chave do cordel e a fechadura da poesia. Era o guardião da porta poética, lubrificando suas dobradiças com novos títulos, guardando os longos parafusos de sua tradição. Foi o carpinteiro mais minucioso, assim como Leandro, não temendo as armadilhas, mas, como já disse, desafiando-as. Foi assim que, certa vez, fã de cinema e de histórias de aventura, lembremos das velhas séries do cinema hollywoodiano, que adaptou para o cordel as aventuras de capa e espada do famoso Zorro, o herói vestido de capa e espada abalando a ordem e humilhando o Sargento Garcia em A Marca do Zorro.

Mas eis que resolve escrever em cordel a sua visão da novela Gabriela, Cravo e Canela, transmitida pela televisão em 1975, adaptada do romance homônimo de autoria de Jorge Amado. Como não poderia deixar de ser, aventura-se pela narrativa longa para apresentar seu filtro sobre a cidade de Ilhéus, seus personagens em conflito e suas mulheres exuberantes, oferecendo o calor de seus seios e a sedução de seus corpos no amor pago, entre as paredes do obsequioso Bataclã. Todos e tudo comandados pela mão de ferro e pelo ferro na mão do poderoso Coronel Ramiro. A história corre solta no estilo precioso do autor cujo narrador, a serviço da boa narrativa, aparteia o leitor sempre que quer mudar a cena observada ou os fatos apresentados.

Gabriela alcança picos de extrema beleza poética entre as quais queremos destacar a preparação e o anúncio da morte do Coronel Ramiro. O coração de Manoel D’Almeida ofereceu à sua razão um traço profundo de elicadeza, mesmo marcado pela objetividade, surpreendendo o leitor com seus manejos imagéticos:

Todos saindo, Ramiro
Pensou haver resolvido
A sua vida política
No que tinha decidido.
Subiu para a sua alcova,
Sentindo o dever cumprido.

Para dormir descansado,
Mandou abrir as janelas,
Suspendeu os cortinados
Que já não tocassem nelas
Para que, pela manhã,
O sol entrasse por elas.

Porque queria acordar
Debaixo do seu lençol,
Ao descobrir a cabeça
Ver o clarão do arrebol,
Sendo aquecido e beijado
Já pelos raios do sol.

Adormeceu como um justo,
Porém, enquanto dormia,
Alheio à sua vontade,
Muita coisa acontecia,
A sua missão findava
Nunca mais se acordaria.

Dessa forma, com o desejo de o sol acariciar-lhe a pele enrugada da face, a morte lhe abraça e o romance em cordel encaminha-se para o seu desfecho. O Coronel Ramiro vai para sua última viagem. E, logo mais, dois acrósticos fecharão o poema: um em "Jorgeamado" e o outro em "Almeida". O desafio foi vencido e mais um poema veio aumentar a já vasta obra do sempre bom Manoel D’Almeida Filho.


Mas não é só: o ano de 2014 foi o ano do seu centenário. Nascido em Alagoa Grande em 13 de outubro de 1914, D’Almeida estrearia no cordel em 1936 com uma narrativa ligada ao maravilhoso: "A Moça Que Nasceu Pintada, Com Unhas de Ponta e Sobrancelhas Raspadas", publicado em João Pessoa, quando era operário na capital paraibana. Depois, em 1940, vai morar em Aracaju, onde se estabelece. Em 1955, conhece o editor Arlindo Pinto de Souza, dono da Editora Prelúdio, de São Paulo, e transforma-se no selecionador de textos de cordel para a editora. Fica no posto até 1995, exercendo o papel mais significativo do mundo do cordel, lançando clássicos e encontrando novos autores, trabalhando nos textos para corrigir-lhes algum percalço poético e dando vazão a sua vasta criatividade. A Paraíba precisa conhecer sua obra e render-lhe a merecida homenagem.

GGB

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Procurador de Curitiba ganha mais do que o teto, diz Azevedo

Foto: Rodrigo Leal/Futura Press 
O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos membros da Lava Jato em Curitiba, recebeu, só em 2016, R$ 137 mil referentes a 170 diárias. O pagamento foi feito porque Lima é membro do Ministério Público Federal lotado em São Paulo, mas foi deslocado para a capital do Paraná por causa da operação na Petrobras.
Artigo de Reinaldo Azevedo na RedeTV lembrou que além das diárias, Lima tem direito ao auxílio-moradira de R$ 4,3 mil mensais, mais salário que está na casa dos R$ 30 mil, sem contar o chamados "penduricalhos".
"Numa conta feita, assim, meio no joelho, pegando a média dos benefícios, Carlos Fernando, o Catão da República, recebeu uns R$ 37 mil mensais em salários. O teto é de R$ 33.700", indicou o colunista.
"Considerados os 13 salários, são R$ 481 mil. A esse valor, deve-se somar a bolada de R$ 137.150,48. Somam-se aí R$ 618.150 — média mensal de R$ 51.512,50, R$ 17.812,50 acima do teto, que é de R$ 33.700 (52,85% a mais)", acrescentou.
Reportagem da Gazeta do Povo mostrou que, em julho, teve procurador em Curitiba que chegou a receber quase R$ 50 mil só em penduricalhos. Pelo menos 80% da classe receberam entre R$ 5 mil e R$ 6 mil em benefícios extras. Outros 15% receberam entre R$ 6 mil e R$ 35 mil.

GGN