Peça 1 – cronologia do
fator Flávio Bolsonaro
14/11/2017 – deflagrada a Operação Cadeia
Velha, que manda para a prisão vários deputados estaduais do Rio de Janeiro,
entre eles Jorge Picciani.
16/11/2017 – manutenção da prisão de Jacob
Barata, o todo-poderoso presidente da Fetransporte, a associação das empresas
de transporte público do Rio de Janeiro, alvo da operação.
17/01/2018 – o Ministro Gilmar Mendes, do
STF (Supremo Tribunal Federal), concede habeas corpus e há uma manifestação da
Procuradora Geral da República Raquel Dodge solicitando a manutenção da prisão
dos deputados Jorge Picciani e Paulo Cesar de Mello junto ao STF (https://goo.gl/tu7pL1). Ou seja, o caso chegou
ao comando do MPF (Ministério Público Federal)
08/10/2018 – termina o primeiro turno das
eleições e o deputado estadual Flávio Bolsonaro é eleito senador. Pelo Twitter,
recebe os cumprimentos piedosos do juiz Marcelo Bretas, titular da Operação
Cadeia Velha. “Parabenizo os novos Senadores, ora eleitos para representar
o Rio de Janeiro a partir de 2019, Flavio Bolsonaro e Andrade de Oliveira. Que
Deus os abençoes!” Ao que responde o piedoso Flávio: “Obrigado, Dr. Bretas
e que Deus nos dê muita sabedoria, todos os dias, para fazermos a Sua
vontade!”.
15/10/2018 – treze dias antes do segundo
turno, são exonerados Fabricio de Queiroz, o militar que servia o gabinete de
Flavio Bolsonaro, e sua filha Natália, contratada pelo gabinete do pai Jair (clique
aqui).
28/10/2018 – encerra-se o segundo turno das eleições,
com Jair eleito.
08/11/2018 – prisão preventiva de diversos
deputados e assessores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, no âmbito
da Operação Furna da Onça, tocada pelo MPF do Rio e pelo juiz Bretas (clique
aqui)
14/11/2018 – o MPF justifica as prisões
alegando suspeitas de vazamento de informações da operação (clique
aqui). As demissões dos assessores dos Bolsonaros ocorreram no período em
que já se suspeitava dos vazamentos.
23/11/2018 – Flávio Bolsonaro se encontra por
duas horas com o juiz Bretas. O encontro foi a pedido de Flávio. A troco de quê
um senador eleito vai visitar o juiz que comanda o processo que envolve a
Assembleia? Mais que isso. “Interlocutores próximos a Jair” informam O Globo
ser intenção do novo presidente indicar Bretas para um tribunal superior (clique aqui).“Essa indicação pode acontecer
tanto para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), como para o Supremo Tribunal
Federal (STF)”, diz o jornal. Quase certamente a tal “fonte próxima a
Bolsonaro” era o próprio filho Flávio, falando em off.
Modestamente, o juiz minimiza o encontro, mas não rejeita um
possível convite:
— Não tem nada disso, foi apenas um encontro amistoso. Já
ouvi essas especulações (sobre as indicações). Mas, não tratamos sobre o tema.
Qual a intenção desse afago a Bretas?
06/12/2018 – a denúncia do Estadão em cima
do relatório da COAF.
A narrativa mais óbvia:
- Bem antes das eleições, as investigações sobre os esquemas da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro tinham identificado as principais operações suspeitas. E o nome dos assessores de Flávio Bolsonaro já constavam da relação do COAF.
- Treze dias antes do segundo turno, são exonerados o militar Fabrício Queiroz – que trabalhava com Flávio há mais de dez anos – e sua filha Natália. É a indicação mais evidente de que Flávio foi informado das descobertas do COAF. Ao segurar a informação, os órgãos de segurança garantem a eleição de Jair Bolsonaro.
- As peripécias dos filhos de Bolsonaro já eram bastante difundidas. Fotógrafos do Congresso flagraram uma troca de mensagem de Jair com o filho Eduardo, alertando-o para as consequências de seus atos (clique aqui). Dizia um dos trechos da mensagem: “Jair: “Se a imprensa te descobrir ai, e o que está fazendo, vão comer seu fígado e o meu. Retorne imediatamente”.
Peça 2 – o jogo
político da segurança
Na fase inicial, de formação do governo, o general Hamilton
Mourão tinha dossiês prontos para torpedear grande parte das indicações
bancadas pelos financiadores de campanha - o advogado Gustavo Bebiano, o dono
do PSL, Luciano Bivar, e o lobista carioca Paulo Marinho – e pelos
olavetes.
Em “Xadrez
da nova corte e a fragilidade de Bolsonaro” há uma descrição dos
grupos que se digladiam.
A desenvoltura e as trapalhadas da família Bolsonaro ganharam
uma dimensão tal, a ponto de comprometer até a base aliada. Encrencaram-se com
todos e, hoje em dia, são minoritários dentro do PSL. Há informações de que a
maioria dos parlamentares eleitos planeja transferir-se para o DEM.
As declarações estapafúrdias dos Ministros das Relações
Exteriores, Educação, Direitos Humanos, bancados pelos irmãos, estão sendo
fontes de desmoralização internacional do Brasil. E tinha-se um dilema. De um
lado, filhos insaciáveis ; do outro, um pai incapaz de qualquer atitude para
enquadrá-los.
Mal terminaram as eleições, Flávio Bolsonaro combinou com
Wilson Witzel, governador eleito do Rio de Janeiro, uma ida a Israel para
compras milionários mal explicadas de equipamentos de segurança. Witzel acabou
indo sem Flávio. Aliás, é questão de tempo para se revelar sua verdadeira
dimensão.
Os Bolsonaro se tornaram, portanto, uma ameaça à estabilidade
do novo governo. E seria impossível que as estripulias da família Bolsonaro
passassem despercebidas dos serviços de informação do Exército.
Até agora, nesse relatório do COAF, apareceu apenas a ponta
do iceberg. Rompida a blindagem, certamente haverá uma enxurrada de novas
acusações. Os Bolsonaro nunca tiveram envergadura para jogadas dos políticos do
alto clero, bancados por empresas. No baixo clero, as jogadas são com esquemas
de Detran, caixinhas de prestadores de serviço e, no caso do Rio de Janeiro,
alianças com milícias, de muito mais fácil identificação. Em muitos casos, se
misturam crimes de colarinho branco com crimes de sangue, como se viu no
episódio Marielle.
Peça 3 – o COAF e
estado policial
O relatório da COAF teve duas funções. Enquanto oculto, não
comprometeu a eleição de Jair. Depois de eleito, ajudará a excluir a família
presidencial do processo decisório. O jogo político-jurídico extrapolou o
combate ao PT e entrou de cabeça nas disputas pelo poder. O bate-pronto do
general Mourão, exigindo explicações do motorista e do filho, não deixam espaço
para dúvidas.
A única dúvida é se, o fato de ter vindo à tona antes da
posse de Bolsonaro, foi fruto de um vazamento não planejado ou se foi
necessário antecipar a denúncia para conter a fome dos rapazes.
Haverá uma de duas possíveis consequências.
- Depois de empossado, um processo rápido de impeachment de Jair Bolsonaro, assumindo o vice-presidente Mourão.
- Mais provável, ter-se-á um Jair sem os filhos. E, sem os filhos, Jair Bolsonaro é apenas uma figura frágil, facilmente controlável por patentes superiores. Terá papel meramente decorativo, e com as rédeas do governo transferidas definitivamente para os ministros militares.
Consolida-se, de forma nítida agora, a aliança entre os
setores militares e o juiz Sérgio Moro. E, nesse ponto, torna-se inexplicável a
falta de reação da Febraban, da OAB e das instituições em geral ao projeto de
transferir o COAF do Ministério da Fazenda para o da Justiça. Não se trata de
uma mera movimentação burocrática, mas do capítulo mais grave de transformação
do país em um estado policial.
A Lei que criou o COAF (Lei 9613/98) colocou o Conselho no
"âmbito do Ministério da Fazenda". Em todos os grandes países, são os
Ministérios das Finanças que abrigam órgãos tipo COAF. O órgão recebe dados de
todas as transações acima de R$ 10 mil.
É uma função da área financeira dos governos, porque é essa
área que tem acesso aos dados. O Ministério da Fazenda tem a rede conectada ao
sistema bancário para extrair esses dados.
Os auditores têm acesso a todas as transações, mas selecionam
para análise apenas as operações suspeitas. Estima-se que, de cada mil
transações, 998 são regulares e apenas 2 são consideradas suspeitas. Mas todas
elas são acessíveis aos técnicos do COAF. Seu pessoal é concursado do
Ministério da Fazenda. São quadros diferentes da Justiça. Os auditores fiscais
têm status superior ao pessoal da Justiça e cultivam a cultura da proteção do
sigilo bancário e fiscal, que não existe no Ministério da Justiça.
No COAF, nunca houve vazamento. E na Justiça? Até agora, essa
transferência é o principal instrumento de suspeita sobre a criação de um
estado policial. Ficarão à mercê de Moro dados fiscais de congressistas, políticos,
empresários, jornalistas, líderes da oposição.
O que se tem de concreto é que, nesses tempos de estado de
exceção, o relatório ajudou a eleger um presidente, levando junto um
vice-presidente militar. E ajudará a entregar ao vice o comando do governo.
GGN
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