quarta-feira, 1 de julho de 2020

FBI TINHA CONHECIMENTO DE TODA OPERAÇÃO DA LAVA JATO PARA DESTRUIR A ODEBRECHT

Reportagem da Agência Pública e do Intercept Brasil mostra como o FBI tinha conhecimento detalhado da operação da Lava Jato que destruiu a maior empresa de engenharia brasileira, a Odebrecht. Os diálogos obtidos mostram como Deltan Dallagnol escondeu da PGR a ação conjunta da força tarefa brasileira com o FBI, numa ação clandestina e ilegal.
(Foto: Fotos: Reuters)

Natalia Viana, Rafael Neves, Agência Pública/The Intercept Brasil - Nos seus pouco mais de 20 anos no FBI, a agente especial Leslie R. Backschies esteve diversas vezes no Brasil. Backschies, cujo nome do meio é Rodrigues, com a grafia portuguesa, é fluente na língua nacional e vem ao país desde pelo menos 2012, ano em que há um primeiro registro de uma visita sua à Polícia Militar de São Paulo. É, também, a única foto que se encontra na internet dessa notável agente do FBI – embora esteja longe da câmera e de óculos escuros. O objetivo daquela visita era firmar parcerias para capacitação de policiais para responder a ameaças terroristas antes da Copa de 2014.
Ao longo de sua carreira, Leslie trabalhou na divisão de Segurança Nacional do FBI, atuando nas áreas de contraterrorismo e resposta a armas de destruição em massa – ela foi co-autora de um guia sobre armas biológicas para o site Jane’s Defense.
Trabalhando para a Divisão de Operações internacionais do FBI, em 2012 Leslie mudou-se para a América do Sul, passando a viver em local não revelado, de onde supervisionava os escritórios do FBI nas capitais do México, Colômbia, Venezuela, El Salvador e Chile, além dos agentes do FBI lotados na embaixada em Brasília. No mesmo posto, comandou operações da polícia federal americana em Barbados, República Dominicana, Argentina, Panamá e no Canadá.
Mas nos últimos anos, a carreira de Leslie deu uma guinada. De especialista em armamentos e terrorismo, ela passou a se dedicar a investigar casos de corrupção e lavagem de dinheiro na América Latina – com destaque para o Brasil.
Em 2014, Leslie foi designada pelo FBI para ajudar nas investigações da Lava Jato. A informação consta de reportagem do site Conjur sobre evento promovido pelo escritório de advocacia CKR Law em São Paulo, em fevereiro de 2018, que contou com presença dela. A atuação de Leslie foi considerada “um trabalho tremendo” e “crítico para o FBI” pelos seus supervisores, segundo seu ex-chefe afirmou em um evento sobre o combate à corrupção em Nova York no ano passado acompanhado por uma colaboradora da Pública.
Leslie se tornou especialista na legislação FCPA, Foreign Corrupt Practices Act, uma lei americana que permite que o Departamento de Justiça (DOJ) investigue e puna nos Estados Unidos atos de corrupção praticados por empresas estrangeiras mesmo que não tenham acontecido em solo americano. Foi com base nessa lei que o governo americano investigou e puniu com multas bilionárias empresas brasileiras alvos da Lava Jato, dentre elas a Petrobras e a Odebrecht, que se comprometeram a desembolsar mais de US$ 4 bilhões em multas para os EUA, Brasil e Suíça.
Hoje morando de novo nos Estados Unidos, Leslie comanda a Unidade de Corrupção Internacional do FBI, cuja grande novidade no ano passado foi um escritório aberto em março em Miami apenas para investigar casos de corrupção na América do Sul, o Miami International Corruption Squad.
A unidade conta com seis agentes especiais, um supervisor e um contador forense que atuam na cidade conhecida por receber exilados cubanos, venezuelanos e, mais recentemente, uma enxurrada de ricos brasileiros. “Você não pode apenas ter um agente ou dois em um escritório em campo trabalhando com isso…. Não dá para trabalhar com isso apenas duas ou três horas por semana. Assim não vai funcionar. Você precisa de recursos dedicados em período integral”, afirmou Leslie à à Agência de Notícias Associated Press.
O esquadrão para América do Sul é o quarto esquadrão do FBI especializado em corrupção internacional. Todos foram abertos nos últimos cinco anos – ao mesmo tempo que a maior investigação de corrupção da história brasileira varria o continente.
A reportagem pediu uma entrevista a Leslie Backschies, mas não obteve resposta até a publicação.
Cinco anos depois, Leslie parece bastante satisfeita com os resultados. “Nós vimos muita atividade na América do Sul — Odebrecht, Petrobras. A América do Sul é um lugar onde… Nós vimos corrupção. Temos tido muito trabalho ali”, disse ela à Agência de Notícias Associated Press no começo de 2019.
“Não dá pra ser melhor do que isso”, ela afirmou no evento da CKR Law em São Paulo. “Nossa relação com o Brasil é o modelo de colaboração para países lutando contra crimes financeiros”.
“Isso é apenas o começo. Temos o enquadramento correto, a vontade e os fundos para continuar trabalhando juntos”.
Em outubro de 2015, Leslie fez parte da comitiva de 18 agentes americanos que foram a Curitiba se reunir com procuradores e advogados de delatores sem passar pelo Ministério da Justiça, órgão que deveria, segundo a lei, intermediar todas as matérias de assistência jurídica com os EUA, segundo revelaram Agência Pública e The Intercept Brasil.
A proximidade com a equipe da Lava Jato era tanta que Leslie foi um dos agentes do FBI que posaram com um cartaz apoiando o projeto de lei das 10 Medidas Contra a Corrupção, bandeira da Força-Tarefa e em especial do seu chefe, Deltan Dallagnol, que foi derrotada no Congresso Nacional.
Em um chat com Deltan em 18 de maio de 2016 constante do arquivo entregue ao site The Intercept Brasil, a procuradora Thaméa Danelon, ex-coordenadora da Força-Tarefa em São Paulo, brincou antes uma viagem para os EUA: “Vou tentar tirar uma foto c a Jennifer Lopes e o cartaz das 10 Medidas”, brinca ela. “Os agentes do FBI já apoiaram. Mas não pode publicar a foto ok? Eles não deixaram”, explica Thaméa, enviando a foto a seguir.
A imagem foi posteriormente apagada e não consta do arquivo entregue ao Intercept. Se divulgada, ela poderia causar uma saia justa ao MPF por se tratar de autoridades estrangeiras atuando em uma campanha legislativa nacional.
Thaméa diz que na foto todos são agentes, com exceção de uma tradutora brasileira. Mostrando familiaridade com a agente americana, Deltan Dallagnol se entusiasma e diz que a imagem lembra o filme Missão Impossível, estrelado por Tom Cruise. “Legal a foto! A Leslie está em todas rs”.
A foto havia sido tirada em São Paulo um dia antes, em 17 de maio de 2016, quando Thaméa participou, junto com Leslie, de uma palestra para 90 membros do MPF paulista. Estavam lá também os agentes Jeff Pfeiffer e Patrick Kramer, além de George “Ren” McEchern, então diretor do Esquadrão de Corrupção Internacional do FBI em Washington – e chefe de Leslie.
Promovida pela Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Procuradoria da República em São Paulo, a palestra teve como objetivo ensinar o funcionamento da FCPA. “Foi uma excelente oportunidade para aprendermos sobre um eficiente sistema de combate à corrupção”, ressaltou Thaméa no evento.
A fala de Leslie Backschies não foi reproduzida online. A reportagem pediu as fotos do evento à procuradoria, mas a assessoria de imprensa respondeu que “infelizmente tivemos um problema no nosso backup e perdemos alguns registros de anos anteriores, inclusive esse evento”. Questionada via Lei de Acesso, o MPF fez uma dupla negativa: “E mesmo que tivéssemos estas imagens, elas precisariam de autorização de uso das pessoas fotografadas (palestrantes e espectadores), documento que não foi requisitado no evento”.
Meses depois, foi a vez de Thaméa ir a Washington para dar um curso ao FBI sobre a Lava Jato, conforme revela um diálogo com Deltan Dallagnol em 11 de Outubro de 2016 a partir das 16:47:23. “O FBI pediu pra eu falar sobre a Lavajato no curso em Washington, tudo bem? Vc me mandaria um material em Inglês? Eles tb. querem q eu fale sobre as 10 Measures!!!! show heim? até eles já sabem da campanha!!!”
Deltan responde: “Animal. Não é tudo bem. É tudo excelente!!!!!”
As mensagens foram reproduzidas com a grafia encontrada nos arquivos originais recebidos pelo The Intercept Brasil, incluindo erros de português e abreviaturas.
Segundo um documento constante dos arquivos da Vaza Jato, em 2015 havia nove policiais americanos lotados na embaixada de Brasília e no Consulado de São Paulo, incluindo do FBI, da Polícia de Imigração e Alfândega e do Departamento de Segurança Interna.
Com base nos diálogos e em apuração complementar, a Agência Pública conseguiu localizar, além de Leslie Backschies, 12 nomes de agentes do FBI que atuaram nos casos da Lava Jato em solo brasileiro. 
Pela lei, nenhum agente americano pode fazer diligências ou investigações em solo brasileiro sem ter autorização expressa do Ministério da Justiça, pois as polícias não têm jurisdição fora dos seus países de origem. O FBI e a embaixada dos Estados Unidos se negam a detalhar publicamente o que fazem seus agentes no Brasil. Mas um documento da própria embaixada, obtido pela Pública, revela como funciona esse trabalho. Trata-se de um anúncio em 19 de outubro de 2019 em busca de um “investigador de segurança” para trabalhar na equipe do adido legal e passar 70% do tempo fazendo investigações. “Essas investigações são frequentemente altamente controversas, podem ter implicações sociais e políticas significativas”, diz o texto do anúncio, escrito em inglês. O anúncio avisa que o policial terá de viajar de carro, barco, trem ou avião por até 30 dias “para áreas remotas de fronteira e para todas as regiões do Brasil”.
Questionada pela Pública sobre a atuação de agentes do FBI em território brasileiro e sobre a parceria com os membros da Lava Jato, a embaixada americana respondeu através de uma nota: “O FBI colabora com as autoridades brasileiras, que conduzem todas as investigações no Brasil, inclusive todas as investigações que envolvem o Brasil e os EUA. As autoridades federais e estaduais brasileiras trabalham rotineiramente em parceria com as agências policiais dos EUA em uma ampla gama de questões. Os Estados Unidos e o Brasil mantêm uma excelente cooperação policial na FCPA, mas também no combate ao crime transnacional e em muitas outros ámbitos de interesse mútuo. Procuramos oportunidades de aprender com todas as nossas investigações. Um intercâmbio de boas práticas faz parte da boa cooperação que desfrutamos com nossos colegas brasileiros”.
Há dezenas de menções ao FBI e seus agentes nos diálogos constantes da Vaza-Jato analisados pela Agência Pública e Intercept Brasil. Fica claro que o relacionamento mais constante é entre membros da PF brasileira e agentes do FBI.
À frente da Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) da Procuradoria-Geral da República, o procurador Vladimir Aras alertou diversas vezes para problemas legais envolvendo a colaboração direta com agentes do FBI.
Uma conversa bastante tensa, em 11 de fevereiro de 2016, revela até que ponto a PF mantinha proximidade com o FBI e desconfiava do governo de Dilma Rousseff. A ponto de o próprio chefe da Lava Jato, Deltan Dallagnol, admitir ao secretário de Cooperação Internacional da PGR que a PF preferia tratar direto com os americanos a seguir as vias formais.
Às 11:27:04, Deltan pede que Aras olhe um email enviado para os Estados Unidos. Aras se surpreende com o teor: tratava-se de um pedido de extradição de um suspeito da Lava Jato. Não fica claro quem é a pessoa a quem se referem. O pedido, informal, havia sido enviado ao Escritório de Assuntos Internacionais (OIA, na sigla em inglês) diretamente por Dallagnol, sem passar pela Secretaria Cooperação Internacional da PGR nem pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), do Ministério da Justiça, autoridade central responsável, de acordo com um tratado bilateral. O diálogo dá a entender que um mandado de prisão ainda estava por ser decretado pelo então juiz Sergio Moro.
“Passa o nome e os dados que vamos atrás. Fizemos isso com o advogado de Cerveró”, responde Aras. “Nosso parceiro preferencial para monitorar pessoas tem sido o DHS, mas podemos trabalhar com o FBI também. Quanto antes tivermos os dados, melhor”, explica Aras, referindo-se ao Departamento de Segurança Interna dos EUA (DHS, na sigla em inglês). Aras prossegue explicando que o pedido de extradição teria que passar pelo DEEST, o Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça, além do Ministério de Relações Exteriores, “um parceiro importante”.
“Não é bom tentar evitar o caminho da autoridade central, já que, como vc sabe, isso ainda é requisito de validade e pode pôr em risco medidas de cooperação no futuro e a “política externa” da PGR neste campo”, explica Vladimir.
“O que podemos fazer agora é ajustar com o FBI e com o DHS para localizar o alvo e esperar a ordem de prisão, que passará pelo DEEST. Podemos mandar simultaneamente aos americanos”, ele prossegue.
Em resposta, Deltan é direto. “Obrigado Vlad por todas as ponderações. Conversamos aqui e entendemos que não vale o risco de passar pelo executivo, nesse caso concreto. Registra pros seus anais caso um dia vá brigar pela função de autoridade central rs”, escreveu, deixando no ar a sugestão para que Aras se ocupasse do assunto se um dia comandasse o MPF ou o Ministério da Justiça. “E registra que a própria PF foi a primeira a dizer que não confia e preferia não fazer rs”.
Vladimir insiste: “Já tivemos casos difíceis, que foram conduzidos com êxito”.
“Obrigado, Vlad, mas entendemos com a PF que neste caso não é conveniente passar algo pelo executivo”.
Vladimir responde que “A questão não é de conveniência. É de legalidade, Delta. O tratado tem força de lei federal ordinária e atribui ao MJ a intermediação”.
Procurada pela reportagem, a Força-Tarefa da Lava Jato reiterou, através de nota, que “além dos pedidos formais por meio dos canais oficiais, é altamente recomendável que as autoridades mantenham contatos diretos. A cooperação inclui, antes da transmissão de um pedido de cooperação, manter contatos, fazer reuniões, virtuais ou presenciais, discutir estratégias, com o objetivo de intercâmbio de conhecimento sobre as informações a serem pedidas e recebidas”. Leia a resposta completa no final desta reportagem.
Para a professora de direito penal e econômico na Fundação Getulio Vargas, Heloísa Estellita, o episódio é “lamentável”. “Não temos notícia de como o procurador procedeu e se procedeu a alguma medida. Mas não deixa de ser lamentável que, mesmo corretamente orientado por colega especialista em cooperação internacional e zeloso pela legalidade, o procurador tenha manifestado que, em tese, preferiria outro caminho”, avalia. “Como o procurador especialista alerta, a hipótese de circundar a autoridade competente poderia não só causar problemas institucionais no Brasil, como gerar descrédito para as instituições brasileiras perante autoridades estrangeiras”.
Naquele mesmo ano, alguns meses depois, a relação com a polícia americana voltaria a ser tema de debate entre os procuradores, desta vez pelo Chat Acordo ODE, onde discutiam o contrato de leniência com a construtora Odebrecht.
O tema da conversa, iniciada às 15:29:40 do dia 31 de agosto de 2016, era o sistema de informática My Web Day, que, assim como o Drousys, era usado pelo Setor de Operações Estruturadas, um departamento da Odebrecht que geria os pagamentos de propinas a políticos de vários países. Os membros da Lava Jato pediram informalmente ajuda ao FBI para quebrar as senhas de ambos os sistemas. O pedido foi feito em agosto de 2016, quase um ano antes da Lava Jato receber oficialmente os arquivos do Mywebday e Drousys a partir da assinatura do acordo de leniência com a Odebrecht, o que ocorreu em agosto de 2017, segundo reportagem de O Globo.
Naquele dia o procurador Paulo Roberto Galvão explicou que pediu auxílio do FBI para “quebrar” ou “indicar um hacker” para acessar o sistema My Web Day. Em resposta, o promotor Sérgio Bruno, que coordenava a Lava Jato em Brasília, afirma que o então Procurador Geral da República Rodrigo Janot chegou a ter uma reunião na embaixada americana para pedir ajuda com os sistemas criptografados da Odebrecht.
“O canal com o FBI é com certeza muito mais direto do que o canal da embaixada. O FBI tb já tem conhecimento total das investigações, enquanto a embaixada não teria”, informa Paulo Roberto. “De minha parte acho útil manter os dois canais”.
Depois, ele explica: “A nossa foi sim com o adido, porém o que fica em SP. O mesmo que acompanha o caso LJ”.
As trocas entre FBI e a Lava Jato em relação ao sistema My Web Day continuaram nos meses seguintes, mas parecem ter sido infrutíferas. Em outubro de 2016, Paulo Roberto Galvão compartilhou no chat “Acordo Ode” uma resposta em inglês de David Williams, adido do FBI na embaixada americana, sobre as possibilidades indicadas pelos experts em criptologia do FBI.
A comunicação demonstra que o assunto já fora tratado, pessoalmente, com o procurador Carlos Bruno Ferreira, da Secretaria de Cooperação Internacional da PGR. “Se não me engano o assunto de baixo é o mesmo que o Carlos Bruno explicou para mim recentemente na despedida do Adido Frank Dick na embaixada do Reino Unido (certo Carlos?)”, escreve, em português fluente, prometendo consultar os “cyber experts” do FBI. O problema é que o MywebDay usava uma poderosa criptografia que só podia ser descriptografada usando 3 componentes. E a Odebrecht dizia que tinha perdido dois deles, tendo apenas a senha. A criptografia usava o programa Truecrypt.
“Eu acho que em resumo o que eles estão falando é que sem os arquivos-chave, é impossível no cenário da Odebrecht destravar o volume do TrueCrypt apenas com uma senha”, escreveu como resposta David Williams. “Eles podem fazer uma análise forense nas imagens que têm os dados do TrueCrypt, e fazer uma tentativa para localizar os outros arquivos-chave. Se essa análise é algo que você gostaria de receber assistência, avise-nos e podemos ver se é algo que o FBI pode tentar”.
“Caros, na Suíça aparentemente o pessoal da Odebrecht disse q teria condições de abrir o sistema. Vamos entender melhor isso”, encerra Paulo.
No final de 2016, a Odebrecht, junto com sua subsidiária Braskem – à época uma joint-venture com a Petrobras – fez um acordo com o DOJ pelo qual ambas concordaram em pagar uma indenização de no mínimo US$ 3,2 bilhões aos EUA, Suíça e Brasil – total depois reduzido para US$ 2,6 bilhões – por práticas de corrupção ocorridas fora dos EUA.
Procurada pela reportagem, a Lava Jato afirmou, através de nota, que “os dados do sistema Drousys, entregues ao MPF no bojo do acordo de leniência firmado pelo Grupo Odebrecht, já foram objeto de perícia submetida à avaliação do Poder Judiciário brasileiro e auxiliaram no fornecimento de provas a diversas investigações e acusações criminais”. A resposta completa está no final da reportagem.
Porém, apenas em agosto de 2017 cinco discos rígidos com cópia de dados do software MyWebday foram entregues oficialmente aos procuradores da Lava Jato como parte do acordo, segundo reportagem de O Globo. Os arquivos para descriptografá-los continuavam desaparecidos – e mais uma vez a Lava Jato precisou da ajuda dos americanos.
Discutindo a reportagem do Globo, o procurador Roberson Pozzobon, colega de Dallagnol em Curitiba que chegou a negociar a abertura de uma empresa de palestras em sociedade com ele, reclamou: “Da forma como ele colocou, parece que não nos empenhamos (e ainda estamos nos empenhando) para buscar acessar essas informações (quando os dispositivos foram enviados até o FBI para ver se seria possível acessar sem as senhas)”, escreveu ele no chat “Filhos do Januario 2 – SAIR” em 6 de fevereiro de 2018.
A colaboração com o FBI nas investigações em relação à Odebrecht levou a um dos maiores acordos assinados até então pelo DOJ com uma empresa internacional, no valor de US$ 2,6 bilhões de multa.
Como a Odebrecht não é uma empresa de capital aberto e portanto não tem suas ações vendidas na bolsa nos Estados Unidos – como era o caso da Braskem – o acordo descreve algumas situações que estariam sob a jurisdição americana.
Por exemplo, a Odebrecht teria usado contas em bancos de Nova York para transferir dinheiro para contas Offshore em Belize e nas Ilhas Virgens Britânicas que, afinal, seria “em parte” usada para o pagamento de propina em países latino-americanos. O DOJ vai além. “A Odebrecht, os seus empregados e agentes, tomaram diversos passos enquanto nos Estados Unidos para aprofundar o esquema. Por exemplo, em 2014 e 2015, enquanto estavam em Miami, na Flórida, dois funcionários da Odebrecht tiveram condutas relativas a certos projetos dentro do esquema, incluindo reuniões com outros co-conspiradores para planejar ações a serem tomadas em conexão com a Divisão de Operações Estruturadas, a movimentação de produtos de crimes, e outras condutas criminosas”.
Após ser alvo da Lava-Jato e de ter assinado acordo nos EUA, a Odebrecht passou a ser investigada em diversos países onde mantinha contratos na América Latina. Em junho de 2019, a empresa pediu recuperação judicial.
Segundo o jornal Mimai Herald, foi justamente a crença de que o dinheiro lavado pelos membros do regime chavista – incluindo a propina da Odebrecht – acabou no mercado imobiliário do sul da Flórida que levou à criação no ano passado de um Esquadrão de Corrupção Internacional em Miami. O esquadrão é subjugado à Unidade de Investigação liderado por Leslie Backschies, a agente que fala português fluentemente e apoiou as 10 medidas contra a corrupção de Deltan e companhia, segundo as mensagens da Vaza Jato.
A expressão usada por Leslie Rodrigues Backschies para descrever o impacto político das investigações do FBI sobre corrupção estrangeira é que são “politicamente sensíveis”.
“Esses casos são muito sensíveis politicamente, não somente nos Estados Unidos mas no exterior,” explicou a agente especial em entrevista à Associated Press. “Quando você está olhando para oficiais estrangeiros em outros governos — quer dizer, veja, na Malásia, o presidente não foi reeleito. Nós vimos presidentes derrubados no Brasil. Esses são os resultados de casos como esses. Se você está olhando para membros do alto escalão de governos, há muitas sensibilidades.”
É por conta de tamanhas “sensibilidades” que, diferentemente de outros casos criminais, todos os casos de FCPA são dirigidos pela unidade especializada do Departamento de Justiça em Washington – mesmo que tenham se iniciado em um distrito distante da capital. O DOJ é chefiado pelo Procurador-Geral dos Estados Unidos, uma espécie de Ministro da Justiça, nomeado diretamente pelo presidente.
Segundo a reportagem da Associated Press, os supervisores do FBI se encontram com advogados do Departamento de Justiça a cada 15 dias para avaliar potenciais investigações e possíveis consequências políticas e econ.
A mudança na carreira de Leslie acompanhou uma mudança de foco do Departamento de Justiça e do FBI na última década. A partir de uma percepção de que a lavagem de dinheiro ajudava o financiamento do terrorismo, os agentes americanos passaram a se dedicar cada vez mais a casos de corrupção transnacional e lavagem de dinheiro usando a legislação FCPA, que tem jurisdição ampliada para o mundo todo. Hoje, a maioria dos casos de FCPA não tem nada a ver com terrorismo.
A mudança trouxe dividendos para o DOJ e possibilitou uma renovada parceria com polícias e Ministérios Públicos de todo o continente americano. E se solidificou. Em 2017, pela primeira vez a Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos – já sob o governo de Donald Trump – incluiu o “combate à corrupção estrangeira” como prioridade para a segurança interna dos cidadãos americanos.
Antes dele, a estratégia definida por Barack Obama em 2015 já mencionava a corrupção internacional como ponto de atenção – mas ela não tinha uma lista de “ações prioritárias”.
Em março de 2015, o FBI abriu três esquadrões dedicados à corrupção internacional em Nova York, Los Angeles e Washington, triplicando o número de agentes dedicados a investigar violações da FCPA e “crimes de cleptocracia” – foram de 10 agentes para 30. Até o final de 2017 os recursos para o FBI investigar corrupção transnacional aumentaram em 300%, segundo o seu ex-chefe “Ren” McEachern.
O anúncio oficial explicava o foco na investigação de “cleptocracias”, “oficiais estrangeiros que roubam dos tesouros dos seus governos às custas dos seus cidadãos” e afirmava ainda que os agentes do FBI iriam contar com “operações secretas, informantes e fontes”, além de “parceria com nossas contrapartes internacionais – facilitada pela nossa rede de adidos legais situados estrategicamente ao redor do mundo”.
A explicação de Leslie para o foco do FBI na corrupção internacional – e por que investigar empresas que cometeram corrupção fora dos Estados Unidos ajuda a melhorar a segurança dos cidadãos americanos – é rocambolesca. “Queremos que se cumpra a lei. Se a lei não é cumprida, você terá certas sociedades nas quais eles [os cidadãos] sentem que os governos deles são tão corruptos, que irão buscar outros elementos que são considerados fundamentais, que eles vêem como limpos ou algo contra o regime corrupto, e isso se torna uma ameaça para a segurança nacional [dos Estados Unidos]”.
“Uma coisa quando eu falo com empresas, eu digo ‘Quando você paga um suborno, você sabe onde o dinheiro está indo? Sua propina está indo para financiar terrorismo?’”, completa, sem explicar como isso ocorre.
Em julho de 2019, Leslie Backschies participou de mais um evento para discutir corrupção internacional, dessa vez em Washington, DC, e desvendou mais uma atuação “sensível” da polícia americana no exterior. Segundo o site Market Insight a agente especial afirmou que o FBI tem a estratégia de valer-se de membros de governos de outros países para buscar investigar casos de FCPA.
Ela afirmou que, quando há uma mudança de regime, uma nova administração às vezes pede ajuda para investigar a corrupção no governo anterior. E quando um novo governo chega a um país, pode haver servidores restantes do governo anterior que querem relatar a corrupção.
A atuação do FBI em casos fora do seu território tem gerado diversas críticas entre juristas, que apontam que os Estados Unidos se comporta como “polícia do mundo”.
“Eu tenho alguns clientes que quase nem tocaram nos Estados Unidos, e eles perguntam: até onde isso vai se estender? E, você sabe, até certo ponto, qual o interesse dos EUA?” questiona o advogado Adam Kauffman, um ex-procurador do distrito de Nova York que trabalhou com Sergio Moro na investigação sobre o caso Banestado, quando ele era juiz federal.
Ele deu uma entrevista à Agência Pública em Nova York em junho de 2019, antes do vazamento dos diálogos da Força-Tarefa. “Em muitos casos, quando o governo [americano] processa esses casos de corrupção, as pessoas admitem a culpa porque estão com medo, e conseguem um acordo bom, então o governo garante jurisdição sobre coisas que são muito tênues. Mas ninguém questiona isso, então se torna mais e mais comum e a jurisdição vai para mais e mais longe”.
“Porque jurisdição”, reflete Adam, “é como gravidez. Ou você tem ou você não tem. Você não pode ter um pouquinho de jurisdição e você não pode estar um pouquinho grávida. Onde está o limite?”.
Respostas da Lava Jato
Procurada pela Pública, a força-tarefa da Lava Jato respondeu por email. Leia a íntegra das respostas a seguir:
Um dos diálogos vazados ao The Intercept Brasil atesta que em 31 de agosto de 2016 o FBI tinha “total conhecimento” das investigações feitas pela Lava Jato sobre a empresa Odebrecht. Como funcionava essa atuação do FBI em parceria com os investigadores da Lava Jato? Como se dava essa transmissão de informações?
Não se trata de atuação em parceria, mas de cooperação entre autoridades responsáveis pela persecução criminal em seus países, conforme determinam diversos tratados internacionais de que o Brasil é signatário. O intercâmbio de informações entre países segue igualmente normas internacionais e também leis brasileiras. Além dos pedidos formais por meio dos canais oficiais, é altamente recomendável que as autoridades mantenham contatos diretos. A cooperação inclui, antes da transmissão de um pedido de cooperação, manter contatos, fazer reuniões, virtuais ou presenciais, discutir estratégias, com o objetivo de intercâmbio de conhecimento sobre as informações a serem pedidas e recebidas.
A parceria com o FBI, que incluiu a busca de quebrar a criptografia do sistema Drousys, foi criticada por alguns advogados como um possível risco à soberania nacional por poder ser usada contra uma empresa brasileira por um governo estrangeiro. Qual é a posição da Lava Jato sobre isso?
Não recebemos da jornalista dados sobre a “busca de quebrar a criptografia do sistema Drousys”, nem sobre “foi criticada por alguns advogados como um possível risco à soberania nacional por poder ser usada contra uma empresa brasileira por um governo estrangeiro”. De todo modo, os dados do sistema Drousys, entregues ao MPF no bojo do acordo de leniência firmado pelo Grupo Odebrecht, já foram objeto de perícia submetida à avaliação do Poder Judiciário brasileiro e auxiliaram no fornecimento de provas a diversas investigações e acusações criminais.
Os diálogos demonstram ainda que em pelo menos uma ocasião o chefe da Lava Jato manteve contatos diretor com o DOJ em temas de extradição e cooperação internacional – uma atribuição do DRCI /MJ – e expressou a decisão de evitar passar pelo Executivo, no caso o Ministério da Justiça, durante o governo de Dilma Rousseff. Por que a Lava Jato preferia evitar a Autoridade Central e se comunicar diretamente com o Departamento de Justiça Americano? Esse tipo de postura não poderia prejudicar a imagem internacional das instituições brasileiras perante autoridades estrangeiras?
Conforme respondido no item “1”, além dos pedidos formais por meio dos canais oficiais, é altamente recomendável que as autoridades mantenham contatos diretos. A cooperação inclui, antes da transmissão de um pedido de cooperação, manter contatos, fazer reuniões, virtuais ou presenciais, discutir estratégias, com o objetivo de intercâmbio de conhecimento sobre as informações a serem pedidas e recebidas.
A Lava Jato continua trocando informações e colaborando com o FBI em solo brasileiro? Existem ainda empresas brasileiras que são investigadas pelo FBI com base na legislação FCPA?
A força-tarefa da Lava Jato no Paraná não comenta sobre eventuais investigações em curso.
Do 247/Pública/Intercept

terça-feira, 30 de junho de 2020

NUM GOVERNO DE FRAUDES, POR QUE NÃO UM MINISTRO DE FRAUDES? POR FERNANDO BRITO


A saída de Carlos Decotelli no Ministério da Educação, no qual nem chegou a entrar – este governo parece ter uma atração não resolvida por “Viúvas Porcinas” – é só mais um episódio no lodaçal ético, moral e político que desde o início foi, e cada vez mais é, o governo Bolsonaro. Todos os que o habitam, do chefe ao “vira-latas adotado” todos são uma fraude.
Sim, porque há outras, além das acadêmicas que Decotelli partilha com Ricardo Salles e Damares Alves.
Há fraude na afetação lítero-ideológica de um ministro das Relações Exteriores que luta, diariamente, para fazer o Brasil menos respeitado no mundo e para arruinar qualquer parceria, inclusive com Donald Trump, perante quem nos desmoralizamos como sabujos.
Há fraude na Saúde, onde um general dá serviço em meio a um morticínio, há fraude na Infraestrutura, onde se entrega obras de governos anteriores como se fossem deste, sem que uma palavra sobre quem as fez seja dita.
Há fraude na Economia, onde se acena com achegada de capitais que não vieram nem virão, porque o país está desmoralizada. Há na Justiça, onde trocou-se um juiz ambicioso por um jovem burocrata que ama a carreira e já sonha com o STF, há fraude no embaixador do hambúrguer, no astronauta de travesseiros, há fraude na fundação de defesa dos negros que zomba dos próprios negros, na cultura de “Malhação”, em todas as figuras esdrúxulas que povoam este governo.
Há, sobretudo, fraude em generais medíocres e ambiciosos, que além das boquinhas, acumpliciam-se com a dissolução da soberania e do patrimônio nacional.
E, agora, há a fraude-mor, a do presidente “Paz e Amor”, que junta seus cacos da aventura que ensaiou tentar contra a democracia e que, agora, cuida apenas de tentar enterrar imundícies em que seu clã meteu-se.
Ironicamente, deste mar de fraudes e mentiras, sai a frase que ele pretendeu como slogan: a verdade nos libertará.
Do Tijolaço

segunda-feira, 29 de junho de 2020

PESQUISA MOSTRA MAIORIA CONTRA REABERTURA. A VOZ É A DO DINHEIRO, POR FERNANDO BRITO

O lado mais interessante da pesquisa Datafolha divulgada agora à tarde, onde se demonstra que a maioria da população (52%) é contra a liberação do comércio que está sendo adotada às pressas por prefeitos e governadores de todo o país, contra 42% que apoiam (o que é compreensível pela angústia, após semanas seguidas de restrições) é que ela revela de onde vêm as pressões para que tudo reabra.
É o dinheiro, apenas isso.
São os empresários a única parcela da população que dá suporte a esta imprudência mortal, com 60% deles apoiando o que está sendo rejeitado pela maioria.
Minto: há um grupo dissonante ante os 65% da população afirma que a pandemia está piorando no país e isso, registra a Folha, coincide com a avaliação de pesquisadores que dizem que, em duas semanas, estaremos lamentando perto de 2 mil mortes a cada dia.
É só entre os que ainda seguem apoiando Jair Bolsonaro – nem mesmo entre os que lhe deram o voto – é que crê-se que a epidemia “está melhorando” (51%), muito mais do que entre o conjunto da população (28%).
De fato, só o fanatismo explica a cegueira.
Do Tijolaço

domingo, 28 de junho de 2020

A REJEIÇÃO À DITADURA NO DATAFOLHA HOJE É NA VERDADE UMA REJEIÇÃO A BOLSONARO, POR FERNANDO BRITO


pesquisa Datafolha publicada hoje pelo jornal é, na prática, mais expressiva do que a divulgada dias atrás, na qual se registrava que Jair Bolsonaro contava com 32% de apoio, contra 44% de rejeição.
Pois o apoio à democracia (75%) e à intangibilidade dos outros poderes (59% e 56% em relação ao Congresso e ao STF) não apenas subiram fortemente desde a posse o ex-capitão como os indicadores opostos, (simpatia a ditadura, 13%, fechamento do Congresso, 11%, e do Supremo, 14%) mostram que o “programa” bolsonarista é amplamente recusado pela opinião pública, mesmo no momento de crise e insatisfação que atravessamos.
É isso, afinal, o que está em jogo: não é possível, como pretende Fernando Henrique Cardoso e parte da mídia, “ter um pouco mais de tolerância” com o bolsonarismo, desde que ele fique dentro dos marcos formais da democracia.
Porque, na fronteira do autoritarismo, ele é uma permanente ameaça às liberdades, sempre foi e sempre será, porque o autoritarismo é a sua própria natureza.
Apenas os muito tolos – ou pior, os dissimulados, que não assumiram em 2018 que suportariam até a ascensão de um protofascista ao poder em nome da destruição da esquerda – podem crer que Bolsonaro pode ser “contido” pelas instituições.
Seu recolhimento dos últimos dias não é uma conversão recente ao Estado de Direito que ele atacou durante toda a sua vida política, defendendo a ditadura, a tortura, a brutalidade. É apenas uma trégua para rearmar-se, um recuo para fortalecer-se, um passo atrás para tentar avançar dois na sua caminhada insana, que a direita e seu braço midiático tolerou e facilitou em nome do desmonte de um Estado, ainda que timidamente, nacional e social.
Mesmo nesta quadra horrorizante de História, com brasileiros morrendo como moscas diante de uma conduta totalmente insana do governo brasileiro ante a pandemia do novo coronavírus, parte dos “tolerantes” mitiga sua opinião de olho na consumação total do projeto de aniquilação dos direitos sociais e da soberania nacional, a “parte boa”, para eles, do atual governo.
Não existe, na política, a história dos “males que vêm para o bem”. Não podem haver, para um país, políticas positivas que venham de um regime político excludente e opressor.
Afinal, porque reprimir e esconder aquilo que seria bom para este povo sofrido e esta economia em ruínas?
Dizer não, sempre não, a Jair Bolsonaro é a única forma de dizer “sim” ao Brasil e a seu povo.
Do Tijolaço

sexta-feira, 26 de junho de 2020

UM PAÍS EM DISSOLUÇÃO, POR FERNANDO BRITO

Se nos deixarmos envolver na rotina dos escândalos - não raro mais de um por dia – que se sucedem no país é possivel que deixemos de ver o essencial do que está ocorrendo.
E o fato é que somos um país em dissolução, em todos os campos da vida coletiva.
A epidemia é, sem dúvidas, o mais dramático e terrível, pelas vidas que nos rouba, mas não é o único.
A projeção do FMI de uma queda de 9,1% de queda do PIB brasileiro é ainda um cálculo modesto, quando se confirmar que não faltam muitos dias para que tudo tenha de retroceder, em matéria de reinício das atividades econômicas, pelo agravamento dos números que não param de crescer.
Diante disso, não temos, mais de três meses depois de iniciada esta catástrofe, qualquer diretriz séria para recuperar o já fraco desempenho pré-pandemia, os programas de financiamento às pequenas empresas não chegaram a elas. A sua capacidade de manter empregos já se esgotou e, mesmo com esta reabertura improvisada, quem voltou a funcionar está fazendo com uma força de trabalho reduzida e, frequentemente, em escala.
Mas há algo que é pior do que tudo isso – e é boa parte da causa de tudo isso.
É que perdemos o governo – e em todos os níveis – como um elemento capaz de aglutinar e dar direção à sociedade.
Justamente no momento em que – aqui e no mundo – os governos são as únicas ferramentas que podem oferecer algum rumo a uma economia que só não está quebrada nos setores voltados para a pura especulação financeira.
E não temos governo em quatro níveis: municipal, estadual, federal e nem no que se poderia chamar de inteiração internacional, pois viramos párias no mundo, até mesmo no mundo do dinheiro, bem pouco preocupado com ética.
A obra iniciada para destruir um governo de centro-esquerda cresceu tanto que está, também, destruindo um governo de extrema-direita. E, pior, destruindo o país que sonhava, não faz muito, em finalmente ocupar o espaço que tem direito como gigante. Adormecido, desperto, depois histérico e, agora, esfarelando-se.
GGN

quinta-feira, 25 de junho de 2020

NOVA LEI DO SANEAMENTO PERMITIU PASSAR A BOIADA DA PRIVATIZAÇÃO DA ÁGUA, POR LUIS NASSIF

Nas próximas décadas, a água será a mais importante commodity do planeta. O Brasil possui água em abundância, aquíferos, rios. É um bem público. Por isso não pode ser propriedade nem de estados, municípios, menos ainda de empresas privadas.
Quando li as primeiras críticas ao projeto da Lei do Saneamento, mencionando a “privatização da água”, confesso que achei que fosse algum exagero de setores mais estatizantes.
Lendo o projeto, no entanto, um dos parágrafos era inusitado:
2º As outorgas de recursos hídricos atualmente detidas pelas empresas estaduais poderão ser segregadas ou transferidas da operação a ser concedida, permitidas a continuidade da prestação do serviço público de produção de água pela empresa detentora da outorga de recursos hídricos e a assinatura de contrato de longo prazo entre esta empresa produtora de água e a empresa operadora da distribuição de água para o usuário final, com objeto de compra e venda de água.
O projeto institui, de fato, essa figura esdrúxula da “empresa produtora de água”, um personagem diferente da empresa que cuidará do saneamento. Ela definirá o que fazer e como fazer com a água. A regulação será apenas sobre a empresa de distribuição da água.
Como assim? O bem público por excelência, a água, terá um proprietário, alguém intitulado de “produtor de água”?
Ora, a água serve para inúmeras finalidades. É um direito essencial, condição essencial de sobrevivência, garantidora da saúde. É geradora de energia, ponto central de saneamento, pesca, hidrovias. Nas bacias hidrográficas, o mau uso em uma ponta afeta o uso em outra. Essa complexidade e integração exige uma engenharia social complexa para a boa gestão. De repente, todo esse conjunto de direitos essenciais ficará sob a guarda de um “produtor de água”?
Aproveitaram o Covid-19 para passar a maior boiada da história recente do país. Nem mesmo a compra de grandes extensões de terras brasileiras por estrangeiros, é um risco maior do que essa loucura – endossada pela mídia.
Ora, há espaço para setor privado e público. Há setores em que o setor privado é mais eficaz. Outros em que o controle estatal é relevante. Entram aí os setores ligados ao conceito de segurança, cuja atividade afeta outros setores. E outros que são monopólio natural. A água cumpre todos os requisitos para não ser privatizada.
Hoje em dia, está em discussão no Congresso americano a Lei de Acessibilidade, Transparência, Equidade e Confiabilidade da Água, propondo US$ 35 bilhões por ano para revisar a infraestrutura de água no país.
Recentemente, a Sociedade Americana de Engenheiros Civis atribuiu à infraestrutura de água potável dos EUA o grau D (o último das agências de risco) e D+ para infraestrutura de águas residuais.
No país mais rico do planeta, 1,7 milhão de americanos não têm acesso a instalações hidráulicas básicas, como banheiro, chuveiro e água corrente básica. Cerca de 200 mil família não possuem sistema de esgoto. Em alguns locais da Carolina do Sul, famílias são obrigadas a viajar 30 km por mês para coletar água potável.
E está se falando de um país com renda média elevada, sem problemas de seca e sem problemas de miséria aguda.
Segundo Bernie Sander, candidato a candidato do Partido Democrata para as eleições, antes da Covid-19, quase 14 milhões de famílias não conseguiam pagar suas contas de água, devido ao aumento e preços de mais de 40% desde 2010.
Pelas projeções, dentro de cinco anos, a inadimplência poderia afetar um terço das famílias americanas.
O objetivo da Lei de Acessibilidade seria conceder subsídios às famílias e comunidades para reparos na infraestrutura hídrica, substituição das linhas de transporte de água e possibilidade de filtrar com segurança compostos tóxicos de sua água potável. Permitiria melhorar também poços domésticos e sistemas sépticos.
Nas próximas décadas, a água será a mais importante commodity do planeta. O Brasil possui água em abundância, aquíferos, rios. É um bem público. Por isso não pode ser propriedade nem de estados, municípios, menos ainda de empresas privadas. Municípios têm direito de dispor sobre os serviços de saneamento, opinar sobre o uso da água. Mas nem mesmo eles podem ser proprietários.
Do GGN

O “THE NEW YORK TIMES” E O MODO “COMO O VÍRUS VENCEU” NOS EUA (COMO AQUI), POR FERNANDO BRITO

A edição de hoje do The New York Times tem uma impressionante reportagem de capa – “Como o vírus venceu” – onde se rastreia a disseminação dos casos de infecção e morte pelo novo coronavírus nos Estados Unidos desde que o país tinha apenas 15 casos detectados e o presidente Donald Trump desdenhava do perigo, dizendo que em alguns dias estes seriam “reduzidos a zero“.
No mesmo briefing de imprensa – as semelhanças não são mera coincidência – ele desdenhava dos efeitos do Covid-19, dizendo que a gripe comum matava milhares de vezes mais e ninguém se preocupava com ela.
O trabalho da equipe do NY Times é precioso, analisando “padrões de viagem, infecções ocultas e dados genéticos para mostrar como a epidemia saiu de controle”.
E registra, com situações concretas, como as autoridades públicas deixaram de tomar as providências duras que poderiam ter salvo dezenas de milhares de vidas.
Rastreamos a disseminação oculta da epidemia para explicar por que os Estados Unidos não conseguiram detê-la. A cada momento crucial, as autoridades americanas estavam semanas ou meses atrás da realidade do surto.
As conclusões são duras e deveriam servir como advertências para nós, que tivemos a sorte de estarmos, em relação aos EUA, “atrasados” na disseminação da epidemia, basicamente porque lá é incomensuravelmente maior o movimento de viajantes internacionais e, claro, foram eles os vetores do que se transformaria em pandemia.
Os principais especialistas federais em saúde concluíram, no final de fevereiro, que o vírus provavelmente se espalharia amplamente nos Estados Unidos e que as autoridades do governo logo precisariam instar o público a adotar medidas de distanciamento social, como evitar multidões e ficar em casa.
Mas Trump queria evitar perturbar a economia. Por isso, alguns de seus conselheiros de saúde, por insistência de Trump, disseram aos americanos no final de fevereiro que continuassem a viajar no país e seguir suas vidas normais.
A história está toda ali, na primeira fase da expansão da doença. Mas a segunda fase ainda está por ser escrita, com o país voltando a registrar números recordes de contaminação (37 mil ontem, 47% a mais que há duas semanas). As mortes, ainda em queda (se é que se pode chamar quase 800 óbitos de “queda”) logo seguirão a mesma macabra tendência.
Estamos, outra vez, recebendo avisos, mas parece que, de novo, eles serão ignorados. Nossas autoridades públicas se amparam no fato de que, salvo em alguns casos, o sistema de leitos de internação não entrou em colapso – claro que por ter sido fortemente expandido – e acham que este perigo “já passou”, abrindo todo o comércio e os serviços e falando até em volta às aulas.
Serão atropelados pela realidade, como os norte-americanos foram e estão sendo.
Do Tijolaço

quarta-feira, 24 de junho de 2020

BEKWYJKÀ METUKTIRE, ESPOSA DO CACIQUE RAONI, PRESENTE!

A guerreira trilhou mais de oito décadas junto de Raoni, acompanhando, dando suporte, criando uma história conjunta.
Foto: Patrick e Sue Cunningham (Eke e Nhogogo)
A esposa do Cacique Raoni, Bekwyjkà Metuktire, morreu hoje, dia 23, após um infarto seguido por um acidente vascular encefálico. A guerreira trilhou mais de oito décadas junto de Raoni, acompanhando, dando suporte, criando uma história conjunta.
Instituto Raoni, através de seus colaboradores, soltou nota de pesar pela perda de Bekwyjkà. Leia a seguir.
“O *Instituto Raoni* vem, com imenso pesar e tristeza, comunicar o falecimento de Bekwyjkà Metuktire, esposa do Cacique Raoni.
Manifestamos nossa dor e os mais profundos sentimentos pela perda dessa nobre mulher, mãe, esposa, avó, guerreira e tantos outros adjetivos que são atribuídos a ela por toda sua história e trajetória de amor, carinho e companheirismo junto ao cacique Raoni.
Nascida na antiga aldeia Kapot, em 1930, filha do cacique Tapiete e Kokoyaumti Metuktire, Bekwyjkà conheceu o cacique Raoni ainda muito jovem.
Tanta história, tanta luta, tanta ternura e tanto companheirismo
“Olhei para o céu e de longe vi uma estrela, a mais bela de todas e na minha admiração, ela se aproximou e desceu aqui na terra. Então pude ver que ela era ainda mais linda… essa é a minha estrela”. Fala do Cacique Raoni em referência a sua esposa.
Um amor verdadeiro, o forte o bastante para estar do lado do cacique Raoni por mais de 8 décadas e com ele construir uma bela família, mãe de Kokonã, Bekwyjrày, Kokotô, Prejky, Atoronget, No`ôktire (em memória), Ymoro (em memória) e Tedjê (em memória).
Com a saúde já bastante comprometida e bem debilitada devido a idade avançada, Bekwyjkà teve complicações devido a um IAM – Infarto Agudo do Miocárdio, seguido por um AVE – Acidente Vascular Encefálico. A sua caminhada aqui na terra terminou hoje, 23 de junho de 2020, na aldeia Metuktire.
Hoje a estrela Bekwyjkà volta a brilhar no céu e nós continuamos a admirá-la, ainda que nossos corações estejam entristecidos, somos gratos pela oportunidade de tê-la conosco.
Siga em paz Bekwyjkà, que sua passagem seja iluminada, que sua família seja confortada e que nosso Cacique Raoni seja amparado por todo amor e carinho que sempre recebeu de sua amada esposa.
Uma homenagem de toda equipe do Instituto Raoni”
Do GGN

terça-feira, 23 de junho de 2020

AS LIGAÇÕES DE WASSEF COM EX-PROCURADOR LIGADO A SERRA, POR LUIS NASSIF

Saindo da procuradoria, Santoro continuou ligado a Serra e ao PSDB, tornando-se advogado do partido. É creditado a ele o mérito do fato de Serra ter passado incólume, até agora, de todos os inquéritos em que está envolvido. Atuou também junto ao jornal mineiro.
Os jornais tentaram localizar ações tendo Frederick Wassef como advogado. Não encontraram nenhuma. A explicação de Wassef é que gosta de atuar na retaguarda, montando as estratégias, sem aparecer.
Não é bem isso. No modelo americano de escritório de advocacia há a figura do investigador associado, o sujeito com familiaridade com delegacias, política, meandros do Judiciário. Era essa a função de Wassef. 
Até pouco tempo atrás ele prestava esse serviço no escritório de José Roberto Santoro – figura notória na vida política nacional. Santoro era procurador da República quando foi convocado pelo então Ministro da Saúde José Serra para trabalhar na Funasa (Fundação Nacional de Saúde).
Junto com ele, Serra convocou o delegado federal Marcelo Itagiba. E contratou a Fence, empresa especializada em escuta telefônica.
Esse grupo foi o responsável pela Operação Lunus, no escritório de campanha de Roseana Sarney, em uma manobra ruidosa que localizou financiamento de campanha, em dinheiro vivo. Os pacotes foram empilhados para servirem de fundo para uma reportagem no Jornal Nacional, que praticamente liquidou com as pretensões políticas de Roseana. De lá mesmo, um dos integrantes do grupo mandou um fax para o Palácio do Planalto, dando conta do sucesso da operação.
Santoro coordenou o inquérito sem ter competência ou ser responsável por ele.
Mais tarde, Santoro demonstrou sua familiaridade com o submundo, sendo flagrado em reunião secreta, de madrugada, na sede da Procuradoria Geral da República, tentando cooptar o bicheiro Carlinhos Cachoeira para alimentar o grupo com informações.
Esse esquema foi o principal alimentador de dossiês durante todo o período, todos a serviço de Serra, formando um dos grupos mais barras-pesadas da política brasileira. Foram dossiês contra o PT, contra concorrentes de Serra no PSDB (como o MInistro da Educação Paulo Renato de Souza), contra Aécio Neves.
Saindo da procuradoria, Santoro continuou ligado a Serra e ao PSDB, tornando-se advogado do partido. É creditado a ele o mérito do fato de Serra ter passado incólume, até agora, de todos os inquéritos em que está envolvido. Atuou também junto ao jornal mineiro Em Tempo, para embaraçar invesigações sobre o governador capixaba Paulo Hartung.
Essas vinculações podem explicar a indicação do ex-deputado tucano Júlio Semeghini para Secretário Executivo do Ministério de Ciência e Tecnologia.
Através de Wassad, sua companheira Maria Cristina Bonner conseguiu contratos milionários de Tecnologia da Informação.
Hoje em dia, Wassad é a parte mais vulnerável do esquema Bolsonaro, ao lado de Fabrício Queiroz.
Do GGN

OS FAKENEWS DE PAULO GUEDES EM RELAÇÃO À CARGA TRIBUTÁRIA, POR LUIS NASSIF

Em relação a tributação sobre Renda, lucro e ganhos de capital, Brasil ocupa a 34ª posição, com apenas 6,5% do PIB, contra uma média de 11,4%.
O discurso do Ministro da Economia Paulo Guedes está despregando cada vez mais de qualquer veleidade de lógica econômica.
Há alguns meses, seu Secretário Executivo comemorou a queda do PIB com um argumento delirante. A queda foi maior no setor público. O que significa que o Estado está perdendo participação, permitindo um crescimento maior do PIB privado.
Trata-se de uma forma de analisar o PIB inedita na história da economia. Na medição do PIB, gastos do governo equivalem a receita do setor privado. Ou seja, os salários pagos a funcionários, a fornecedores, os investimentos públicos servem para irrigar a economia, através da compra de produtos do setor privado. Portanto, não há a menor lógica em separar PIB público de PIB privado.
Tempos depois, com a economia desbando, Guedes exercitava um discurso otimista sustentando que, quando passasse a pandemia, o Brasil seria o país que mais rapidamente recuperaria o crescimento, por ter sido menos afetado que os demais países. Todos os indicadores internacionais colocam o Brasil como a economia mais afetada e de pior desempenho no combate ao Covid-19.
Ontem, outra afirmação de Paulo Guedes chocou economistas em geral.
Em uma apresentação, Guedes inovou no cálculo da carga tributária. A conta correta consiste em comparar o volume de impostos arrecadados como proporção do PIB. Guedes resolveu somar a carga tributária com o déficit fiscal, resultando em um novo conceito de carga tributária inédita no mundo.
Com essa conta, o Brasil passou a ter a 8ª carga tributária do mundo.
Os dados de Guedes foram desmontados por David Dacache, economista e integrante da Rede MMT Brasil – os economistas que defendem o novo conceito de política monetária, com flexibilização da emissão de moedas pelo Banco Central.
Primeiro, Dacache mostrou os levantamentos da OCDE (o grupo de países desenvolvidos). Nele, o Brasil registra uma carga tributária abaixo da média, menor do que a de 22 países e acima de 9 países.
Quando se analisa a distribuição da carga, aparecem as iniquidades fiscais. Em relação à carga tributária sobre renda, lucros e ganhos de capital, por exemplo, a da Dinamarca é quatro vezes maior que a brasileira.
Para os ricos pagarem pouco, obviamente os pobres têm que pagar muito.
Dacache e Lucas Dicandia montaram uma tabela sobre as principais formas de arrecadação e o percentual da receita fiscal no Brasil, comparada com outros países.
Entre os 34 países analisados, o Brasil tem a 24ª carga tributária, como proporção do PIB.
Em relação a tributação sobre Renda, lucro e ganhos de capital, ocupa a 34ª posição, com apenas 6,5% do PIB, contra uma média de 11,4%.
Em relação à folha de salários, responde por 8,5% do PIB, contra média de 4,8%. E não é maior devido ao aumento da informalidade, com o desemprego e com a flexibilização da legislação trabalhista.
Nos impostos sobre a propriedade, o Brasil ocupa o 18º lugar, com 1,5% do PIB.
E em Bens e Serviços, a tributação indireta que incide maciçamente sobre a baixa renda, o Brasil tem a 3ª carga mais elevada, com 15,4%, contra a média da OCDE de 11,2%.
O trabalho de Dacache e Dicandi é um elemento precioso para espantar fake News frequentemente espalhados por Guedes e sua equipe.
Do GGN

XADREZ DE CRISTINA BONER, WASSEF E O NEGÓCIO DO POUPATEMPO, POR LUIS NASSIF

Com o tempo, e a parceria com Wassef, Cristina refez sua influência em Brasília. Provavelmente, com a exposição trazido pelo companheiro, os processos aos quais responde devem se acelerar.
PEÇA 1 – O ENVOLVIMENTO COM A OPERAÇÃO PANDORA
Cristina Boner voltou ao noticiário através de seu companheiro Frederick Wassef, o “Anjo”, advogado da família Bolsonaro e pessoa que escondeu Fabrício Queiroz em sua casa.
Nos anos 90 Cristina se tornou a maior revendedora Microsoft para a América Latina, sempre vendendo para a área pública. Sua base de atuação era Brasília, governo federal e o Governo do Distrito Federal.
Cristina Boner chegou em São Paulo em 2005, quando, eleito prefeito, José Serra levou para lá várias empresas que atuavam com o governo do Distrito Federal. E alguns executivos do polêmico Banco Regional de Brasília.
No Distrito Federal, seu ponto de apoio era o empresário e vice-governador Paulo Otávio.
Em 2007 separou do marido Bruno Basso e tornou público seu relacionamento com o advogado Frederick Wassef, o “Anjo”. A partir dali, todos os passos de Cristina Boner foram acompanhados e apoiados por Wassef, inclusive nas ações interpostas por seu ex-marido.
Em novembro de 2009 explodiu o escândalo chamado de “mensalão do DEM”, o sistema de propinas do governador José Roberto Arruda, do Distrito Federal.
Logo depois, foi deflagrada a Operação Caixa de Pandora, do Ministério Público Federal, conduzido pela Procuradora Raquel Dodge, e tendo Cristina como um dos personagens centrais.
O escândalo abateu a TBA em pleno voo. Perdeu a representação da Microsoft, da Oracle e da indiana Tata. E decidiu se reinventar.
Em 2010 fundou a GlobalWeb e colocou em nome de uma filha. No anúncio do lançamento, a empresa nascia com mais de R$ 30 milhões em contratos em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e, segundo ele, nos Estados Unidos.
Por trás desses contratos, o mesmo estilo de Cristina Boner de atuar com o setor público. E, agora, tendo como carro-chefe o Poupatempo, com um modelo de consórcios que permitia, em cada estado, incluir empresas de interesse dos respectivos governadores.
PEÇA 2 – O MODELO POUPATEMPO
Em São Paulo, Cristina aproximou-se de Luiz Salles. Provavelmente já o conhecia de Brasília, por suas ligações com Paulo Otávio, o vice-governador e seu padrinho nos negócios com o Governo do Distrito Federal. Salles, Paulo Otávio e Fernando Collor eram tão únicos que acompanharam Collor à Argentina, em sua viagem de núpcias.
Por volta de 2007, Cristina e Luiz Salles iniciaram a parceria para o Poupatempo, com um modelo de consórcio que poderia ser transportado para todo o país. A porta de entrada foi Julio Semeghini, que desde o governo Mário Covas tratava das questões de tecnologia para o PSDB.
Consistia em montar um consórcio onde havia o formulador, Luiz Salles, o responsável pela TI (a TBA através de sua empresa B2BR) e parceiros indicados pelos governantes interessados no projeto.
Com base nesse modelo, em 2008 Luiz Salles criou o Shopping do Cidadão, para ser o integrante central dos diversos consórcios criados a partir de então.
Foi Luiz Salles quem apresentou Frederick Wassef à Cristina, para resolver um problema de um desfalque de 500 mil dólares na empresa.
Montada a parceria, entraram no mercado do Rio de Janeiro em parceria com George Sadalla, o empresário caixa do governador do Rio Sérgio Cabral.
Lá, o instrumento jurídico foi o Consórcio  Agiliza Rio, que tinha como principal agente George Sadalla, além de operador financeiro, responsável pelo Poupatempo.
O consórcio era integrado pelo Shopping Cidadão, de Luiz Salles, a CEI Shopping Centers, B2BBR Informática do Brasil, a Bequest Soluções, Vex Logística e Gelpar, Empreendimentos e Participações.
O dono da Gelpar era George Sadalas, que ficou com 25% do consórcio.
A Vex Logística era o novo nome da Facility, empresa de Arthur César de Menezes Soares Filho, Rei Arthur, outro dos parceiros de Cabral.
A quadrilha foi desbaratada pela Operação C’Est Fini, do Ministério Público Federal.
Em depoimentos na 7a Vara Criminal, Cabral admitiu:  “Houve uma determinação minha para que ganhasse o consórcio pertencente ao senhor Jorge Sadala”.
Em pouco tempo, portanto, Cristina Boner se tornou personagem central em dois dos principais inquéritos que correram no período, a Caixa de Pandora e o C’Est Fini.
Mesmo assim, prosseguiu incólume em sua caminhada.
PEÇA 3 – A ESTREIA COM SÉRGIO CABRAL
O modelo estreou no Rio em 2009, justamente quando implodia o esquema José Roberto Arruda, comprometendo Cristina Bonner.
Nas conversas com Durval Barbosa, o operador de Arruda, Cristina tentou convencê-lo a implantar o modelo no Distrito Federal. A conversa ficou registrada nos vídeos que serviram de base para as investigações da Caixa de Pandora.
Em 2010 o modelo foi para Minas Gerais, logo após Aécio se desincompatibilizar do governo para disputar as eleições, deixando como sucessor seu braço direito (administrativo) Antonio Anastasia.
O tema foi levantado em 2018 pela Agência Sportlight
Sadala era conhecido como o ponto de contato entre Sérgio Cabral e Aécio Neves. Aécio foi seu padrinho de casamento.
O Poupatempo mineiro era o projeto UAI, Unidade de Atendimento Integrado. Das seis empresas do Consórcio Agiliza, três estavam presentes na formação do vencedor da disputa mineira: a Shopping do Cidadão Serviços de Informática, a Gelpar Empreendimento e Participações, de George Sadala e a B2BR, de Cristina Boner.
O grupo tentou entrar em Mato Grosso, através do Consórcio Cidadão, formado pelas mesmas empresas.
Hoje, o modelo está espalhado por diversos estados e cidades do país.
Apesar de pessoas próximas ao negócio afiançarem que a empresa está desativada, em 2016 foi quinta empresa de tecnologia com mais contratos com o governo federal.
PEÇA 4 – A GLOBALWEB
A empresa foi criada em 2010, quando estourou o escândalo do mensalão do DEM inviabilizando a TBA.
No seu site, há uma página para o compliance da empresa:
“COMPLIANCE GLOBALWEB CORP
INTEGRIDADE, RESPEITO, RESPONSABILIDADE E COMPROMISSO COM A SOCIEDADE”
“A condução de negócios pela Globalweb Data Services Corp é pautada pelo devido comprometimento com seus valores de integridade, atuando de forma responsável, transparente, legal e ética. Este mesmo comprometimento é requerido de todos os terceiros que se relacionam com a Globalweb Data Services Corp, pelo que é constantemente apoiado e encorajado pela empresa”.
Com o tempo, e a parceria com Wassef, Cristina refez sua influência em Brasilia. Provavelmente, com a exposição trazido pelo companheiro, os processos aos quais responde devem se acelerar.
Do GGN

domingo, 21 de junho de 2020

NOS 16 ANOS DA MORTE DE BRIZOLA, A FALTA QUE ELE FAZ AGORA, POR FERNANDO BRITO

Hoje se completam 16 anos da morte de Leonel Brizola, de quem este blog toma emprestado o nome, pelos 20 anos em que partilhamos ideias e atitudes, tempo grande da vida de quem agora, sem a menor pretensão de ser seu porta-voz tardio, aprendeu com duas décadas diárias de convívio com um dos grandes da história das lutas populares.
Nunca digo, diante de fatos políticos do dia-a-dia, o que pensaria ou diria Brizola. Não me cabe, a mim ou a ninguém, pretender substituir quem é insubstituível.
A pedido de minha caríssima amiga Juliana Brizola, doce e combativa neta de Leonel, gravei um vídeo onde me aventuro a dizer o que, em cada corda da saudade que tenho, que Brizola, nestes dias de dor, seria um leão no país em que, diante da tragédia que vivemos, miam como gatos medrosos.
E divido com os leitores.
Do tijolaço

sábado, 20 de junho de 2020

WEINTRAUB, O SENHOR DOS ANÉIS QUE PERDEU OS DEDOS, POR LUIS NASSIF

E o pobre Weintraub despediu-se da vida pública tentando desesperadamente abraçar Bolsonaro que manteve-se frio, calado e inerte que nem uma bóia furada, com receio de afundar com o náufrago.

A imagem mais significativa nesses tempos de balbúrdia foi a foto do Ministro da Educação Abraham Weintraub agarrado a Jair Bolsonaro, como quem segura uma bóia em alto mar. E Bolsonaro inexpressivo e calado como uma bóia.
Os olhos súplices de Weintraub pareciam dizer: não me abandone, não me abandone. O pedido não era em relação a Bolsonaro, mas à fé cega de que poderia cometer todas as impropriedades impunemente e que agora se esboroa, a ponto de ter que fugir do país com receio de ser preso.
É o mesmo sentimento avassalador que coloca em pânico  Youtubers bolsonaristas, arruaceiros, brigões de rua, especializados em se reunir em bando e agredir os mais fracos, mas temerosos da ação da polícia.
De repente, foram alçados a uma posição em que o chefe do chefe da polícia se tornou o chefe do bando, liberando geral para promover badernas impensáveis sem serem incomodados. E eles, os valentões de rua, passaram a replicar o estilo baderneiro na política nacional, sem receio de serem incomodados pela polícia.
Xingando, arregimentaram seguidores; xingando, alguns se tornaram parlamentares. Eleitos, continuaram moleques de rua, sempre confiando no guarda-chuva protetor do chefe do chefe da policia.
Weintraub fez caminho inverso. Trabalhou por décadas no Banco Votorantim. Lá, tentava se destacar dos colegas exibindo uma mini-erudição que, em todo caso, era superior a dos colegas, que só se importavam com números. O banco quebrou, sim, por erros enormes cometidos no financiamento de veículos. Foi salvo por uma sociedade providencial com quem? Com um banco público, o Banco do Brasil. Com a crise do banco, a auto-estima de Weintraub foi para o ralo. E, para levantá-la, recorreu ao mago dos egos, Olavo de Carvalho, cuja pregação tem o condão miraculoso de convencer qualquer imbecil que sua imbecilidade, no fundo, é uma genialidade incompreendida.
Entrando no Ministério da Educação, Weintraub seguiu uma estratégia comum aos que sofrem de baixa auto-estima. Aplicou o estilo  que Joaquim Barbosa – muito mais erudito e sério que ele, saliente-se –  praticava no meio jurídico: quando estiver com os amigos de praia, mostre sua erudição; quando estiver com os eruditos, exponha seu estilo de garoto de praia. Um juiz formal, ou um especialista em qualquer tema sério, dificilmente terá equilíbrio para discutir no campo destinado aos garotos de praia.
Foi assim que Weintraub decidiu aplicar a retórica de rua no MEC. Lá, poderia enfim ter sua revanche da vida. Não precisaria mais puxar o saco de chefes, se submeter às regras de convivência com colegas, perder o sono com sua falta de competência, com sua incapacidade de entregar resultados. Bastaria cultivar uma pessoa – Jair Bolsonaro – e atender ao seu baixíssimo grau de exigência:  entregar bazófias, ataques ao marxismo cultural, extravagâncias e ataques à mídia, e nada mais lhe seria cobrado.
A reunião ministerial do dia 22 de abril foi a grande celebração nacional do puxa-saquismo. Houve uma disputa surda entre os inacreditáveis Onyx Lorenzoni, Pedro Guimarães, presidente da Caixa Econômica Federal, e Weintraub, para ver quem melhor agradaria o chefe, quem levaria o troféu puxa saco de ouro.
Guimarães usou um discurso imbatível.
Primeiro, atacou com a ira dos justos os PMs cariocas que estavam prendendo pessoas que desrespeitavam o isolamento, um dos temas preferenciais de seu chefe. Depois, trouxe um fato patético, o amigo cuja filha foi transportada no camburão, o lado familia contra o Estado, outro tema preferencial do chefe. Finalmente, chegou ao cerne do discurso que sensibiliza as bestas-feras do supremacismo branco: mexeu com minha família, leva tiro. Alguém mexeu com sua família? Ninguém. Mas poderiam ter mexido. E se poderiam ter mexido, eu poderia pegar uma de minhas 19 armas e poderia sair à rua atirando, sem me importar com minha vida. A chamada bazófia sem risco, típica do Barão de Munchausen.
Pode declaração maior de amor a Bolsonaro? Família, anti-isolamento, armamento contra as instituições.
Inferiorizado pelo versão tupiniquim de “os brutos também amam”, Weintraub precisava de uma saída de maior rompante. E aí o diabo lhe soprou no ouvido e ele saiu com a frase célebre dizendo ser necessário prender “aqueles vagabundos” do Supremo. Falou, blasfemou e olhou indagativo para Bolsonaro, perguntando com os olhos: “me saí melhor que o Pedro?”.
Aí, descobre que o chefe do chefe da Polícia estava blefando, que não tinha o poder que alardeava, por isso não poderia oferecer a proteção que prometia.
E o pobre Weintraub despediu-se da vida pública tentando desesperadamente abraçar Bolsonaro que manteve-se frio, calado e inerte que nem uma bóia furada, com receio de afundar com o náufrago, e imaginando que os próximos presos poderão ser seus filhos.
Do GNN

ADVOGADO QUE ABRIGOU QUEIROZ DIZ QUE NÃO ABRIGOU QUEIROZ, POR FERNANDO BRITO

Atenção terraplanistas e adeptos de discos-voadores: Frederico Wassef, o advogado de Jair Bolsonaro que Bolsonaro diz que não é seu advogado diz, na Folha, que não deu abrigo a Fabrício Queiroz em sua casa em Atibaia, onde Fabrício Queiroz estava abrigado.
É o samba do causídico doido!
Parece brincadeira, mas é sério: falando à repórter Cátia Seabra, Wassef falou exatamente isto:
“Nunca telefonei para Queiroz, nunca troquei mensagem com Queiroz nem com ninguém de sua família. Isso é uma armação para incriminar o presidente.” (…)” Não escondi ninguém”(…)”Estão me atribuindo coisas que não fiz. O escritório estava vazio. Os móveis estavam do lado de fora da casa. Tudo estava fora do lugar.”
Nunca antes na história deste país viu-se tamanho espetáculo de cara-de-pau.
Daqui a pouco Queiroz vai perguntar, candidamente: “mas quem é Flávio Bolsonaro? Não conheço!”.
O caso Queiroz é, agora, também o caso Wassef.
Bolsonaro negou que ele seu advogado, mas Wassef respondeu que tem uma procuração do presidente, assinada no dia 21 de setembro.
Ainda hoje, o Ministério Público aponta que o ex-capitão Adriano da Nóbrega, o miliciano fuzilado na Bahia, integrava o núcleo político do filho 01 de Bolsonaro, Flávio.
Os fatos vão se precipitar.
A história de que Queiroz se materializou em Atibaia, sem que ninguém o tivesse escondido lá não se sustenta nem durante a tarde modorrenta de um sábado.
Tijolaço