O governo de Flávio Dino abre a caixa-preta da gestão de Roseana Sarney
Família: Murad, secretário de Saúde, favoreceu a
filha
A derrota
da família Sarney nas eleições para o governo do Maranhão em 2014 deu fim a um poder
hegemônico que perdurou por 50 anos no estado. Com a queda da oligarquia, o
cordão umbilical que unia o Legislativo e o Executivo estaduais foi rompido.
Pouco carismática, a nova geração do PMDB maranhense dependia das relações familiares
dentro da administração local para se firmar ou se proteger. Agora órfãos do
poder político de seus pais, os jovens integrantes do grupo passaram a ser
alvos de investigações que antes jamais prosperavam.
Ao
assumir o Palácio dos Leões, sede do Executivo estadual, o governador Flávio Dino, do PCdoB, criou a
Secretaria de Transparência e Controle para coordenar auditorias sobre
irregularidades nas pastas da gestão anterior. O secretário Rodrigo Lago herdou
perto de 1,2 mil processos parados, muitos deles abertos durante o mandato da
ex-governadora Roseana Sarney. Segundo relatórios da secretaria aos quais CartaCapital teve
acesso, uma das pastas que mais danos provocou ao Erário foi a Saúde, comandada por Ricardo Murad, cunhado da
ex-governadora.
Além
de graves suspeitas de superfaturamento, que chegavam a duplicar os valores de
contratos, e de pagamentos de obras inexistentes em novas unidades
hospitalares, muitas delas sem uso, a gestão de Murad é investigada por
beneficiar duas deputadas estaduais do PMDB eleitas em 2014: Andrea Murad, sua
filha, e Nina Melo, cujo pai é o ex-governador tampão Arnaldo Melo, sucessor de
Roseana após sua renúncia em dezembro do ano passado. Uma auditoria coordenada
por Lago serviu ainda de base a uma ação civil pública sobre as irregularidades
no contrato firmado entre a secretaria e a empreiteira de Edison Lobão Filho,
filho do ex-ministro de Minas e Energia Edison Lobão e candidato peemedebista
derrotado na disputa ao Executivo estadual.
Andrea
Murad foi a segunda deputada mais votada para a Assembleia Legislativa do
estado em 2014. Para tanto, beneficiou-se do poder político da família em
Coroatá, município de quase 70 mil habitantes governado por Teresa Murad,
esposa do ex-secretário de Saúde. Segundo uma auditoria conclusiva da
Secretaria de Transparência, Andrea utilizou um helicóptero contratado com
recursos da pasta comandada por seu pai para realizar viagens de campanha em
2014.
Em
18 de setembro do ano passado, a menos de um mês das eleições, a então
candidata viajava em um helicóptero alugado pela Secretaria de Saúde quando fez
um pouso forçado na região de São João dos Patos, a 545 quilômetros de São
Luís. A aeronave pertencia à PMR Táxi Aéreo, cujo proprietário, Cristiano
Lindner Ribas, doou por intermédio de outra empresa 120 mil reais para a
campanha de Andrea. Em oitivas conduzidas pelas autoridades estaduais em maio e
junho deste ano, pilotos da PMR afirmaram que o helicóptero era de uso
exclusivo da pasta, pois era o único da empresa adaptado para transportar
pacientes. Ainda assim, o diário de bordo indica que 12 dos 21 voos realizados
em setembro tiveram como destino a cidade de Coroatá. Os pilotos confirmaram
que transportaram Andrea em diversas ocasiões no helicóptero durante a
campanha. Em nota, a deputada afirma que a PMR era a única empresa de táxi
aéreo homologada no estado e que os serviços foram contratados, pagos e
declarados à Justiça Eleitoral.
Roseana
Sarney e Arnaldo Melo não podem mais
proteger suas crias. Créditos: Antônio
Martins
Eleita
deputada estadual com a quinta maior votação, Nina Melo também está na mira das
autoridades. Proprietária da Clínica do Coração, em Colinas, Nina foi
contemplada com um contrato mensal de 250 mil reais com a Secretaria de Saúde
para a realização de consultas cardiológicas. O valor integral era repassado
caso a clínica atendesse um número máximo de pacientes. Para atender à
exigência, Nina declarou à Secretaria de Saúde ter realizado, em 16 de dezembro
de 2014, 160 consultas cardiológicas. Para cumprir a jornada descomunal, a
deputada teria de atender um paciente a cada 10 minutos, caso trabalhasse por
24 horas ininterruptas. Três dias depois, na data de sua diplomação como
deputada, Nina afirmou ter feito 40 consultas em Colinas antes de embarcar num
carro para uma viagem de seis horas rumo a São Luís, onde chegou pontualmente
ao local da cerimônia realizada às 4 da tarde. Procurada pela reportagem, a
deputada não respondeu.
Já
o caso que envolve a empresa de Lobão Filho veio à tona durante a campanha para
o governo do estado. Sua empresa, a Difusora Incorporação e Construção, firmou
um contrato sem licitação de 360 mil reais com a Secretaria de Saúde para
alugar por 12 meses um imóvel de cinco andares para o Centro Ambulatorial de
Atenção à Saúde do Paciente Oncológico. Segundo a auditoria do governo de Dino,
o contrato gerou um dano de 252,9 mil reais ao Erário estadual, pois o centro
começou a funcionar apenas seis meses após a assinatura do contrato. Em 2014,
Lobão Filho afirmou que o negócio foi fechado antes da campanha e que estava
afastado do cotidiano de suas empresas. Em novembro passado, a Justiça
determinou a imediata suspensão dos pagamentos.
Além
das suspeitas de ter favorecido aliados políticos, Ricardo Murad é diretamente
investigado por outra irregularidade na Saúde. Na última quinta-feira 13, a
Justiça Federal no Maranhão exigiu o bloqueio de 17,5 milhões de reais em bens
do ex-secretário e outros 13 réus. Murad é acusado de ter favorecido a empresa
Proenge Engenharia e Projetos LTDA na assinatura de dois contratos irregulares.
A Proenge teria recebido, segundo a ação civil aceita pela Justiça, 3,6
milhões de reais pela elaboração de projetos básicos e executivos que teriam
sido realizados e pagos anteriormente. Além dos bens bloqueados, a empresa, que
doou 40 mil reais para a campanha de Andrea Murad, teve os sigilos fiscal e
bancário quebrados. Em nota, Murad afirma que Dino induz a Justiça Federal a um
equívoco e chama de "falsa" a auditoria da Secretaria de
Transparência sobre o caso.
As
irregularidades investigadas pelas autoridades em parte explicam a condição
precária da Saúde no Maranhão, estado com a mais alta taxa de mortalidade infantil
do País e ainda envolvido no combate a doenças como a hanseníase e a doença de
Chagas. Fora as irregularidades na pasta, a Secretaria de Transparência revelou
um déficit de 103 milhões de reais para pagamentos compulsórios de
aposentadorias e pensões e um desvio de quase 34 milhões de reais da
Universidade Virtual do Estado do Maranhão. Com uma dívida herdada de 1,3
bilhão de reais da gestão anterior, abrir a caixa-preta é uma tarefa
obrigatória e aparentemente interminável para o governo de Dino. Não se auditam
50 anos de baronato da noite para o dia.