sábado, 20 de fevereiro de 2021

XADREZ DA MARCHA IRRESISTÍVEL DO MILITARISMO, POR LUIS NASSIF

Pelos dados que mostraremos na sequência, não interprete as últimas manifestações do Supremo - como a prisão do ex-PM Daniel Silveira, como um xeque no militarismo. Pelo contrário.

PEÇA 1 – para entender o xadrez

Para entender o jogo atual, é necessário dividir o bolsonarismo em duas vertentes: a militar e os aloprados.

Os aloprados são os discípulos de Olavo de Carvalho, cujo pé de bode para entrar no poder são os filhos de Bolsonaro, Eduardo e Carlos. E também o próprio presidente, que os considera seus verdadeiros seguidores.

A banda militar é a que se associa a Bolsonaro através dos generais Augusto Heleno e Hamilton Mourão, trazendo depois outros Ministros militares.

No período preparatório para a posse de Bolsonaro, os dois lados se digladiaram intensamente, disputando cada palmo de governo. Armados com dados da inteligência, os militares apareciam com dossiês sobre diversos candidatos a cargos no governo, visando desqualificá-los para ocupar espaço.

Posteriormente, houve conflitos pesados entre militares e olavistas, por ocupação de espaço.

Pelos dados que mostraremos na sequência, não interprete as últimas manifestações do Supremo – como a prisão do ex-PM Daniel Silveira, como um xeque no militarismo. Pelo contrário, as medidas adotadas podem ter sido exclusivamente em defesa do Supremo. Mas foram precedidas por contatos com os militares.

Como revelou o presidente do STF, Luiz Fux, em entrevista à Folha, houve um contato com o Ministro da Defesa Fernando Azevedo, que esclareceu partes do livro de Villas Boas. No livro, Villa Boas dizia que o Twitter publicado na véspera do julgamento de Lula pelo STF – e encarado como ameaça – havia sido preparada com o Alto Comando. Azevedo esclareceu que Villas Boas pretendia soltar um Twitter mais radical. Em função disso, generais do Alto Comando o procuraram e o convenceram a amenizar a mensagem.

Com o saldo conduto definido, Fux conversou com Alexandre Moraes que avançou com mão de ferro sobre o deputado. Obviamente, em defesa do Supremo. Mas, tendo como subproduto o fortalecimento da banda militar do governo.

PEÇA 2 – o falcão Alexandre de Moraes

Alexandre de Moraes recebeu a incumbência de assumir a tarefa e não apenas por seu estilo impetuoso. Mas também por uma ligação umbilical com a militarização de governos.

Na Secretaria de Segurança de São Paulo, governo Geraldo Alckmin, foi figura central na radicalização da segurança, com uma série de medidas polêmicas, e na colocação de militares na área pública.

Em 2015, sob seu comando, uma tropa de choque da Polícia Militar invadiu o Centro Paula Souza, arrastando estudantes para fora.

Não tomou nenhuma medida contra uma chacina promovida por Policiais Militares para vingar a morte de um colega. Resultou em 19 pessoas mortas e 5 feridas e nenhuma apuração conclusiva.  Em sua gestão, houve aumento generalizado de violência policial. Segundo a explicação, “confrontos com a policia cresceram porque a criminalidade está mais violenta”. E também impôs sigilo em operações.

Depois, como Ministro da Justiça de Temer,  paralisou a polícia nacional de Direitos Humanos por 90 dias. Aliás, mal assumiu, Temer extinguiu o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direito Humanos, tornando-os secretarias sob o Ministério da Justiça.

No episódio das chacinas dos presídios em Manaus, que levou à morte 56 pessoas, montou rapidamente uma plano de segurança liberando a violência policial, a ponto de provocar a demissão de 8 diretores do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

Com ele teve início a militarização do governo federal. Indicou um coronel da Polícia Militar, Roberto Alegretti, para dirigir a Secretaria Nacional de Política Sobre Drogas (SENAD). E também o aumento da repressão contra crianças e adolescentes.

Para fortalecer o governo Temer, e conquistar a adesão militar, lançou a Operação Hashtag, contra um grupo de radicais que atuava em redes sociais, às vésperas dos Jogos Olímpicos de 2016. Era um grupo sem acesso a armas e o máximo que foi identificado foi a comemoração  dos atentados de Nice por mensagem privada.

No entanto, foram classificados como célula do grupo terrorista Estado Islâmico do Iraque e do Levante Brasil.  Foi o primeiro trabalho juntando ABIN, PF e Forças Armadas e agências internacionais. E denunciados de acordo com a Lei 13.260, sancionada pela presidente Dilma Rousseff, tipificando crimes de terrorismo.

15 pessoas foram presas temporariamente por 60 dias. Foram denunciados inicialmente 8 pessoas. Em junho de 2017, mais 6 pessoas.

Houve plena repercussão do “jornalismo investigativo”. No dia 21 de julho de 2016, a frase de abertura do Jornal Nacional foi taxativa: “Dez suspeitos de terrorismo na cadeia”. E endossava acriticamente a versão do governo, de que os dez suspeitos “planejavam ataques durante as Olimpíadas”.

Na entrevista coletiva, Moraes tergiversou. Admitiu que era “uma célula amadora, sem nenhum preparo”. Segundo ele, a operação precipitara-se porque “os suspeitos teriam começado os preparativos para uma ação”. A prova seria a tentativa de comprar uma arma AK-47, pela Internet, por um deles, Alisson Luan de Oliveira, 19 anos. Depois, descobriu-se que era um e-mail de 2015, e não nas vésperas das Olimpíadas.

Com a imprudência dos apressados, Moraes apontou como líder da suposta celular Levi Fernandes de Jesus, de 21 anos. O inquérito da PF não comprovou a liderança. A acusação foi feita pelo notório Ministério Público Federal do Paraná e aceita pelo juiz Marcos Josegrei da Silva.

Na fase inicial, houve interrogatórios policiais sob total incomunicabilidade, veto ao acesso de um defensor público, negação de audiência de custódia e de ciência dos reais motivos da prisão.

No final do inquérito não havia nada, nem risco de atentado, nem planos de atentado e não era célula terrorista, apenas um grupo de rede social.

O clima de paroxismo criado levou ao linchamento de outro detido, Valdir Pereira da Rocha, na cadeia pública de Várzea Grande próximo a Cuiabá. Ele não foi denunciado pelo MPF, por considerar sua participação secundária. Mas, em função do alarde teve uma prisão preventiva (por outro crime) revogada e colocado na prisão com outros detentos. Foi linchado por ser “terrorista”.

A exposição do caso na TV certamente contribuiu para esta morte. Depois que foi divulgado que não havia provas contra Valdir, o próprio Comando Vermelho pediu a cabeça dos líderes da chacina, mostrando um senso de justiça superior ao de Moraes no episódio do massacre de Osasco.

Os abusos foram evidentes. A defensoria apontou as falhas principais do inquérito:

* nenhum dos acusados adquiriu artefatos terroristas, traçou planos de atentado, adquiriu passagens rodoviárias ou aéreas, ou detinham documentos com efetivo intento migratório e de engajamento terrorista.”

* estavam geograficamente distantes;

* parte das provas foi colhida de forma irregular nos grupos de conversa do Telegram, “agente infiltrado não-policial” e “sem autorização judicial”, provavelmente um jornalista do Fantástico recolhendo material para uma reportagem.

A denúncia do MPF-PR é curiosa. Informa que os acusados usavam aplicativos criptografados para trocar informações sensíveis, “mas continuavam utilizando os meios de publicações públicos para promover, também abertamente, o Estado Islâmico e atrair novos membros”. Como se um grupo terrorista profissional fosse fazer apologia de crime em redes sociais abertas.

PEÇA 3 – a militarização com Temer

Mal assumiu, em maio de 2016, Temer retirou o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) com controle sobre a ABIN (Agencia Brasileira de Inteligência) e entregou ao comando do general Sérgio Etchgoyen.

Temer criou o Ministério Extraordinário de Segurança Pública, transferiu para lá Raul Jungman e colocou em seu lugar, no Ministério da Defesa, o general Joaquim Luna e Silva.

O primeiro sinal foi a já mencionada entrega a um militar, Roberto Allegretti, coronel da PM, da Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas.  No dia 1o de março de 2016, Allegretti criou polêmica ao defender o uso de fardas por crianças, para ajudar a construir, na sua identidade, um “militar que participa de algum ato heróico”.

Entregou também a Funai (Fundação Nacional do índio) ao general Franklimberg Ribeiro de Freitas, indicado pelo Partido Social Cristão (PSC), partido que sempre procurou criminalizar as demarcações de terras indígenas. A reação de diversos setores o fez recuar na indicação.

A chefia de Gabinete da Casa Civl também foi entregue a um militar,.

Foi decorrência óbvia da indicação de Sérgio Etchegoyen para Chefe do Gabinete de Segurança Institucional. A indicação foi aprovada pelos comandantes das três forças, puxada pelo general Villa Boas, comandante do Exército.

Outra decisão que afrontava a Constituição foi entregar o comando da intervenção do Rio de Janeiro a um general, contrariando o que dispunha a Constituição. Ao mesmo tempo, alterou a legislação para que crimes praticados por militares, nas operações de rua, fossem julgados pela Justiça Militar.

Culminou com a transferência do Ministro Raul Jungmann para o recém criado Ministério Extraordinário de Segurança Pública, colocando no Ministério da Defesa o general Joaquim Luna e Silva – o mesmo que assumiu, agora, a presidência da Petrobras.

Colocou na chefia do de gabinete da Casa Civil o general Roberto Severo Ramos.

A militarização obedecia a uma lógica natural, depois que a Lava Jato, com a anuência do STF, destruiu o sistema político brasileiro e permitiu a ascensão ao comando do país do mais suspeito grupo político pós-redemocratização – o Centrão. Sabendo que seria um governo fraco, com vários integrantes na mira da Justiça, Temer e Alexandre Moraes trataram de cooptar o segmento militar.

PEÇA 4 – o pensamento militar

A eleição de Bolsonaro foi o coroamento de uma volta gradativa dos militares ao jogo político.

Recentemente, em entrevista ao Deutsch Welle, o antropólogo Piero Leirner, sintetizou os pontos básicos da construção do pensamento militar brasileiro contemporâneo.

Com o fim da ditadura militar, não houve uma punição sequer pela quebra de hierarquia, como não houve nenhuma apuração de crimes contra a humanidade, a partir do pacto da anistia, na qual Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim, Ministros do STF, julgaram falar em nome do povo.

Esse silêncio obsequioso foi abrindo espaço cada vez mais para a volta do protagonismo militar. Em sua opinião, a politização do Exército renasceu  em 2007, com a reação à homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Em abril de 2008, o comandante militar da Amazônia, o notório general Augusto Heleno, reuniu-se com o comandante do Exército, Enzo Peri, para explicar as críticas à reserva em palestra no Clube Militar sob o título significativo de “Brasil, Ameaças à Sua Soberania”.  E sofreu punição.

A politização atingiu o paroxismo quando o general Villas Boas assumiu o comando do Exército, exercitando um falso discurso legalista para fora, e estimulando a politização da força para dentro, refletindo a adesão das famílias militares às manifestações de rua pelo impeachment. Segundo Leirner, “tais assuntos eram intensamente discutidos com o alto-comando, para mantê-los informados e garantir o alinhamento até os escalões mais baixos e o pessoal da reserva.”

A partir de 2014, a politização ganhou novos ares, inclusive com a permissão para campanha dentro de uma Academia Militar. O que foi feito por Bolsonaro entre 2014-2018, obviamente com pleno conhecimento e autorização do Alto Comando.

Para legitimar sua atuação, o Exército criou sua versão de “inimigo externo”. O tema preferencial passou a ser a Amazônia, a vulnerabilidade das fronteiras, a ação contra o crime organizado, elementos centrais do que foi definido como o nova doutrina de segurança, a “guerra híbrida”.

Em cima desse novo padrão, cria-se o Programa Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), que passa a exigir do Exército contatos frequentes com o Judiciário, Ministério Público Federal, Polícia Federal e ação política no Congresso, disputando verbas.

Paralelamente, iam criando uma nova narrativa, à altura da “guerra híbrida”, como a versão interna de que setores do PT eram os próprios agentes produtores de ameaças híbridas. Nesse quadro inseriam as ONGs que atuavam na Amazônia e que seriam agentes para a criação de territórios estrangeiros no país. No livro, aliás, Villas Boas endossa outras bandeiras obscurantistas, tratando o “politicamente correto” como uma bandeira petista para levar o país ao caos. “ O politicamente correto seria, na visão dele, o “disfarce” que as ações imperialistas tomariam para consolidar toda essa arquitetura de ameaças às Forças Armadas e ao Brasil”, explica Leirner. Por esses caminhos tortuosos, foi sendo criada a coesão ideológica entre os militares, transformando a resistência do PT em questão militar.

Um dos pontos centrais da “guerra híbrida” era a manipulação de informações através de redes sociais. Lembra ele que em 2019, o general Rego Barros admitiu que coube ao Exército “mergulhar de cabeça no submundo das mídias sociais, e se tornar o órgão público com maior influência no mundo digital do Brasil”.

Leiner defende a hipótese de que, nas eleições de 2018, a campanha de fake news de Bolsonaro teve participação direta de militares. Mostrava ele que a cúpula bolsonarista contava com a participação de diversos membros das Forças Armadas que já tiveram contato com essas doutrinas da “guerra híbrida”. Além do fato de Bolsonaro ser o candidato favorito da maioria dos 17 generais de quatro estrelas.

Em 14/10/2018, o mesmo Piero Leiner já antecipava o uso de tática militar de ponta na campanha de Bolsonaro. Segundo ele, “a comunicação de Bolsonaro tem se valido de métodos e procedimentos bastante avançados de estratégias militares, manejados de maneira muito inteligente, precisa, pensada. Não se trata exatamente de uma campanha de propaganda; é muito mais uma estratégia de criptografia e controle de categorias, através de um conjunto de informações dissonantes”, explicava ele.

O princípio básico consistia em “um conjunto de ataques informacionais que usa instrumentos não convencionais, como as redes sociais, para fabricar operações psicológicas com grande poder ofensivo, capazes de ‘dobrar a partir de baixo’ a assimetria existente em relação ao poder constituído”.

Em que consiste exatamente isso?

As características principais da guerra híbrida eram as fake news e as contradições entre as principais figuras da campanha, disputando opiniões, divulgando informações desencontradas que “criam um ambiente de dissonância cognitiva”, desnorteando as pessoas, as instituições e a imprensa”.  Nos ambientes de dissonância, diz ele, a troca de informações passa a ser filtrada por critérios de confiança, atuando como “estações de repetição”, liberando Bolsonaro para produzir conteúdo.

Bolsonaro só aparecia depois que os fake news estavam assimilados, dando nos seguidores a ideia de empoderamento, de confirmação de suas teorias e de relacionamento horizontal. Ao contrário dos “poderosos”, que transmitem suas informações de maneira vertical, como políticos, imprensa e instituições.

Para Leirner, por fim, a proliferação de notícias falsas colabora para o deslocamento de poder dentro de instituições centrais à democracia, como a Justiça e as Forças Armadas. “Hoje vemos  setores do Estado, especialmente do judiciário, entrando em modo invasivo, cada um se autorizando a tentar estabelecer uma espécie de hegemonia própria”, diz.

Mesmo tendo mais racionalidade que o bolsonarismo raiz, o pensamento militar não elaborou projetos ambiciosos de construção nacional – como ocorreu nos anos 30 e 64 como agentes da industrialização do país. Hoje em dia, seu pensamento político restringe-se a temas morais e visões conspiratórias sobre a Amazônia.

PEÇA 5 – “antes que um aventureiro lance mão

Sábias palavras de Dom João VI para Dom Pedro 1, aconselhando a colocar a coroa na cabeça, antes que algum aventureiro lançasse mão.

Períodos de vácuo de poder abrem espaço para toda sorte de ambições.

No STF, o amadorismo político e marqueteiro do do Ministro Luis Roberto Barroso julgou que poderia estimular um ativismo político do Judiciário, em parceria com o mercado, para acelerar a entrada do Brasil na era iluminista.

Cabeças com maior compreensão sobre as estruturas de poder, como Gilmar Mendes, trataram de se aproximar do Exército, visando pactos de não-agressão. Culminou com o presidente da corte, Dias Toffoli, convocando um militar como assessor especial.

Por tudo isso, seja qual for o desfecho do governo Bolsonaro, a militarização do poder ganhou uma dinâmica que, se não for revertida, mais cedo ou mais tarde, se tornará irreversível, mesmo com desastres épicos como a participação do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde.

GGN.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

SETE SITUAÇÕES NAS QUAIS BOLSONARO E ALIADOS CONTRIBUÍRAM PARA A ESCASSEZ DE VACINAS

Bolsonaro não consegue nem colocar uma máscara

Nesta quinta-feira (18), o Brasil completa um mês do início da campanha de imunização contra o novo coronavírus, mas, até a última segunda-feira (15), no entanto, apenas 1,31% das doses de vacinas necessárias para imunizar toda a população brasileira foram aplicadas.

São 5,54 milhões de aproximadamente 420 milhões de doses necessárias, segundo o consórcio dos veículos de imprensa. No total, 5.285.981 pessoas tomaram a primeira dose, e 256.813, a segunda.

Uma das explicações para a baixa taxa de imunização até o momento é a quantidade escassa de doses, que, por sua vez, é explicada pela ausência de um planejamento por parte do governo de Jair Bolsonaro e do Ministério da Saúde.

Segundo Evaldo Stanislau de Araújo, infectologista do Hospital das Clínicas da USP e membro da diretoria da Sociedade Paulista de Infectologia (SPI), “nós vamos conviver com essa situação que ninguém desejava, mas que reflete certamente o planejamento ausente que foi feito por parte do Ministério da Saúde em relação às vacinas”.

Para além da falta de planejamento, o comportamento do governo federal e de seus aliados no Congresso Nacional, desde o início da pandemia, foi caracterizado pelo aspecto negacionista em relação à imunização, concretizado tanto em declarações que lançaram dúvidas sobre a imunização quanto em polêmicas com laboratórios farmacêuticos, governadores brasileiros e órgãos independentes do governo.

Desde então, os fatos que contribuíram para a situação atual de escassez de doses se acumulam. Relembre alguns deles:

Congresso Nacional x Anvisa

O diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, solicitou ao presidente a exclusão de um trecho da Medida Provisória (MP) nº 1.003, que autoriza o governo federal a aderir ao Instrumento de Acesso Global de Vacinas Covid-19 – Covax Facility. O trecho em questão estabelece um prazo de cinco dias para que a Anvisa autorize o uso emergencial de vacinas que já tenham liberação internacional.

Com o texto aprovado no Congresso Nacional tendo o trecho incluído, não haverá outro caminho que não a aprovação, afirmou Barra Torres, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. “Qualifico esse momento como o mais grave que estamos vivendo da saúde pública nacional nas últimas décadas. Se for dessa modalidade, sem análise técnica da Anvisa, eu não tomarei e não aconselharei ninguém a fazê-lo”, declarou.

“Se isso prosperar, a Anvisa passa a ter papel meramente cartorial, deixa de ter seu poder de análise. O texto acrescenta essa questão que seria automática (a aprovação), completamente isenta de análise”, disse o chefe da Anvisa ao Estadão.

O posicionamento do diretor da Anvisa foi criticado pelo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), que ameaçou “enquadrar” o órgão. “O que eu apresentar para enquadrar a Anvisa passa aqui (na Câmara) feito um rojão. Eu vou tomar providências, vou agir contra a falta de percepção da Anvisa sobre o momento de emergência que nós vivemos. O problema não está na Saúde, está na Anvisa. Nós vamos enquadrar”, afirmou o deputado.

A tentativa de “enquadrar” a Anvisa faz parte de um movimento do governo federal de tentativas de não depender da Coronavac, associada ao governador paulista, João Doria. Nesse sentido, o Ministério da Saúde tenta avançar na compra das vacinas Sputnik V e da Covaxin, desenvolvidas, respectivamente, na Rússia e na Índia. No entanto, a Anvisa ainda aguarda mais dados sobre a segurança e a eficácia dos imunizantes.

Embates com a Pfizer

No dia 23 de janeiro, o governo federal divulgou uma nota criticando publicamente o laboratório farmacêutico Pfizer por cláusulas impostas para comercialização do imunizante.

Uma das medidas autorizava o governo brasileiro a assumir responsabilidade sobre possíveis efeitos adversos causados pela vacina – as cláusulas que Bolsonaro considera “abusivas” estão previstas em recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e se aplicam a imunizantes aplicados no Brasil há décadas.

Além dos EUA, a União Europeia, Japão, Canadá, Israel, Austrália, México, Equador, Chile, Costa Rica, Colômbia, Panamá e todos os demais países que compraram a vacina da Pfizer aceitaram essas exigências.

“Causaria frustração em todos os brasileiros [comprar as 70 milhões de doses oferecidas pela Pfizer em agosto], pois teríamos (…) que escolher, num país continental com mais de 212 milhões de habitantes, quem seriam os eleitos a receberem a vacina”, argumentou o Ministério da Saúde, em janeiro.

Na época, Bolsonaro afirmou que “na Pfizer, está bem claro no contrato: ‘nós não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral’. Se você virar um jacaré, é problema de você. Não vou falar outro bicho aqui para não falar besteira. Se você virar o super-homem, se nascer barba em alguma mulher aí ou um homem começar a falar fino, eles não têm nada a ver com isso”.

O posicionamento foi recebido com indignação por setores da oposição. A deputada federal Gleisi Hoffmann, presidenta nacional do PT, afirmou: “Essa nota é pura confissão de culpa, perdemos 70 milhões de doses nessa brincadeira! Criminoso, Bolsonaro estaria no banco dos réus em qualquer lugar do mundo.”

Cancelamento do acordo das vacinas CoronaVac

Em outubro de 2020, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, anunciou um acordo para a compra de 46 milhões de doses da CoronaVac, produzida em parceria entre o laboratório chinês Sinovac e o Instituto Butantan.

No entanto, um dia depois, Bolsonaro afirmou que a “vacina chinesa de João Doria” não seria comprovada e cancelou o acordo. “Já mandei cancelar, o presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade”, disse Bolsonaro, nas redes sociais.

Na mesma semana, o presidente afirmou que não compraria nenhuma vacina da China, uma vez que o país teria um “descrédito muito grande”.

“A da China nós não compraremos, é decisão minha. Eu não acredito que ela transmita segurança suficiente para a população. A China, lamentavelmente, já existe um descrédito muito grande por parte da população, até porque, como muitos dizem, esse vírus teria nascido por lá”, disse o presidente.

“Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”

Em novembro do ano passado, Bolsonaro comemorou quando os testes da CoronaVac no Brasil foram suspensos, após a morte de um dos voluntários. “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar a todos os paulistanos a tomá-la. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”, escreveu Bolsonaro nas redes sociais.

Dias depois, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária concluiu que a morte daquele voluntário não tinha relação com a vacina.

“Ninguém vai tomar a sua vacina na marra não, tá ok?”

Na mesma linha, durante uma transmissão ao vivo em suas redes sociais, o presidente afirmou que ninguém tomaria a CoronaVac “na marra”.

“Ninguém vai tomar a sua vacina na marra não, tá ok? Procura outro. E eu, que sou governo, o dinheiro não é meu, é do povo, não vai comprar a vacina também não, tá ok? Procura outro para pagar a tua vacina aí”, disse o capitão reformado.

“A pressa pela vacina não se justifica”

Já em dezembro de 2020, o presidente declarou que não entende o porquê da pressa pela vacina, seguindo os passos de seu ministro da Saúde, que disse não entender porque há tanta “ansiedade” pela imunização.

“A pressa pela vacina não se justifica, porque você mexe com a vida das pessoas”, disse. “Não há guerra, não há politização da minha parte. Nós esperamos uma vacina segura. Parece que a Inglaterra começou a vacinar agora. Por que a gente tem que ser o primeiro?”

Desencontro com o governo indiano

Também em janeiro de 2021, o porta-voz do Ministério do Exterior indiano, Anurag Srivastava, afirmou ao jornal Hindustan Times que o governo brasileiro havia se precipitado ao enviar um avião àquele país para buscar 2 milhões de doses do imunizante produzido pelo Instituto Serum em parceria com a Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca. O porta-voz também disse que era “cedo demais” para enviar a vacina ao Brasil

“O processo de vacinação está apenas no começo na Índia. É muito cedo para dar uma resposta específica sobre o fornecimento a outros países, porque ainda avaliamos os prazos de produção e de entrega. Isso pode levar tempo”, disse Anurag Srivastava. As vacinas chegaram ao Brasil somente 10 dias depois da declaração do porta-voz.

Prefeitos e escassez de vacinas

Nesta terça-feira (16), a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) divulgou uma nota na qual afirma que a escassez de doses de vacina está diretamente ligada à condução do Plano Nacional de Imunizações pelo governo federal. Também cobrou respostas do Poder Executivo diante da falta de vacina.

No dia 14 de janeiro, a FNP solicitou ao ministro da Saúde encontros frequentes para o acompanhamento da vacinação no país. Na reunião, o combinado foi de uma reunião entre a comissão de prefeitos e a pasta a cada 10 dias. Passados mais de 30 dias, no entanto, nenhuma reunião foi agendada.

Menos vacinas que todos

“É urgente que o país tenha um cronograma com prazos e metas estipulados para a vacinação de cada grupo: por faixa etária, doentes crônicos, categorias de profissionais etc. Disso depende, inclusive, a retomada da economia, a eração de emprego e renda da população“, afirmam os prefeitos. 

Na corrida da vacinação, segundo a plataforma Our Word In Data, o Brasil está atrás de Rússia, China, União Europeia, Chile, Estados Unidos, Reino Unido, Emirados Arábes e Israel.

O Ministério da Saúde informou que vai disponibilizar, até julho deste ano, 230 milhões de doses de vacinas contra o coronavírus. O planejamento conta com imunizantes ainda não autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), como o russo Sputnik V e o indiano Covaxin.

Em reunião com governadores nesta quarta-feira (17), o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, apresentou os contratos para compras de mais vacinas e detalhes sobre o cronograma de entrega e a quantidade adquirida.

Em nota, a pasta informou que os acordos de compra de vacinas com os laboratórios responsáveis pela Sputnik V e a Covaxin devem ser fechados ainda nesta semana. No entanto, os processos para autorização dos imunizantes na Anvisa nem mesmo começaram.

A Bharat Biotech, empresa responsável pela Covaxin ainda não deu entrada no pedido de registro. Já a Sputnik V ainda não é considerada uma vacina em testes no Brasil pela Anvisa.

Ainda de acordo com o Ministério da Saúde, 2 milhões de doses da AstraZeneca/Fiocruz, importadas da Índia, e 9,3 milhões da Sinovac/Butantan, produzidas no Brasil serão entregues ainda este mês. No mês seguinte, estão previstas outras 34,9 milhões.

RBA.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

EM TOQUE DE REUNIR EXTREMISTA, BOLSONARO USA DANIEL SILVEIRA

"Ameaça de deputado ao Supremo não foi um tresloucado gesto individual", escreve o jornalista Rodrigo Vianna. "Daniel Silveira ataca o STF no momento em que ministros da Corte Suprema enfrentam (tardiamente) o golpismo dos militares; Bolsonaro acena aos generais e tenta manter reunidos os apoiadores mais radicais de sua base social"

O bolsonarismo, movimento de inspiração e traços fascistas, segue um padrão: colocar-se sempre em movimento.

O presidente e seus asseclas avançam sobre as instituições: já controlam o poder Executivo, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e agora acabam de eleger aliados para presidir Câmara e Senado. Dos três poderes da República, só o Judiciário mantém-se ainda relativamente imune.

As alianças do bolsonarismo no Parlamento mostram a capacidade de Jair Bolsonaro de fazer um discurso (falso) anti institucional e, ao mesmo tempo, conquistar posições nas instituições - em parceria com setores da "velha política" que ele antes fingia combater.

A cada vez que ensaia esse tipo de aproximação, Bolsonaro colhe entre aliados "liberais" a avaliação benevolente de que "agora entendeu", e de que merece uma "segunda chance. A capa da revista Veja, os acenos do mercado financeiro para Artur Lira e a acomodação de setores da direita tradicional com o bolsonarismo indicam a incapacidade da elite "tradicional" de enxergar o óbvio: Bolsonaro tem um projeto autoritário e o fim último de seu projeto é a destruição do que resta de Democracia.

Reparemos também que há um outro padrão nas ações bolsonarescas. A cada vez que perde apoio na população, ele radicaliza o discurso e incentiva o ataque. Finge recuar, para logo em seguida atacar. Sem trégua nem limite.

Isso já ocorrera em maio/junho de 2020, no início da pandemia. Àquela altura, com a economia paralisada e com um discurso de "gripezinha" e "e daí?" diante das mortes, Bolsonaro viu sua popularidade despencar. O auxílio emergencial ainda não havia chegado para socorrê-lo...

Foi naquele momento, temendo a derrocada, que o presidente incentivou manifestações em defesa do Golpe. Sobrevoou de helicóptero a praça dos Três Poderes, andou a cavalo pela Esplanada, foi a um ato em defesa do AI-5 em frente ao Comando do Exército. Fez isso tudo para garantir que não perderia a fatia mais radical de seus apoiadores: aqueles 20% do país que parecem apoiar um projeto autoritário, aconteça o que acontecer.

Agora, a estratégia se repete. Bolsonaro cai nas pesquisas, porque o auxílio emergencial acabou e Guedes (com os bancos) chantageia milhões de brasileiros às portas da fome: quer trocar a renovação da "ajuda" por mais cortes e "sacrifícios".

O novo auxílio deve ser implantado só em março, ou abril, mas só surtirá algum efeito dois ou três meses depois. O primeiro semestre de 2021 será de uma árida travessia para os brasileiros, e para o governo que se esfarela enquanto faltam empregos, vacinas e até oxigênio.

O que faz o bolsonarismo? Apela de novo para o toque de reunir extremista!

A ação de Daniel Silveira, ao atacar e ameaçar o STF, não foi um gesto tresloucado e desmedido, individual. Há método nisso. O mais perigoso: Silveira (um bolsonarista extremado) ataca o STF no momento em que ministros da Corte Suprema enfrentam (tardiamente) o golpismo dos generais.

É evidente que Bolsonaro usa Daniel Silveira para dizer ao generalato: contem conosco para enfrentar o STF.

Bolsonaro usa também esses personagens (frágeis, recalcados, em busca de atenção - como Sara Winter, ou o deputado quebrador de placa) para promover uma escalada verbal que o ajuda a agrupar suas tropas mais extremistas.

Assim como já fizera em 2020, o STF reagiu com a firmeza devida. Prendeu Silveira em flagrante. Fica claro que o deputado desejava a prisão e cumpria uma missão: gravou vídeo enquanto era preso, dobrando a aposta contra o STF, numa tática de instigar os mais radicais do bolsonarismo.

A tática é inteligente mas, a cada movimento desse tipo, o encanto se quebra na base social que elegeu o capitão. Partes dos (ainda) apoiadores de Bolsonaro se desprende. O presidente e seus asseclas têm uma margem limitada para acionar esse dispositivo de "radicalizar pra manter as tropas reunidas". A cada movimento, as tropas se tornam menores. E quanto menores, mais perigosas.

O covarde Daniel Silveira já quebrou a placa de Marielle em 2018; em 2021, achou que tinha forças para quebrar a ordem democrática. Mas sua ação pode ter ajudado a desenhar mais uma rachadura no muro bolsonarista, que precisa ser golpeado várias vezes para ser enfim derrubado em 2022 - ou, se possível, antes disso.

É fundamental resistir aos arroubos e ameaças, punir os extremistas e isolar o bolsonarismo. Mas é preciso entender que Jair não age sozinho. O troglodita Daniel Silveira é um sinal da aliança que o capitão busca reforçar com os generais. O governo é cada vez mais um governo militar.

247.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

COM MAIS 1.167 ÓBITOS EM 24 HORAS, BRASIL ULTRAPASSA 240 MIL MORTOS POR COVID-19

País está próximo de alcançar também a marca de 10 milhões de casos. Próximas semanas devem ser ainda piores, em razão das aglomerações durante o Carnaval.

O Brasil segue seu programa de vacinação frágil e com incertezas. No fim de semana, o país superou a marca de 5 milhões de doses aplicadas

O Brasil superou hoje (16) a marca oficial de 240 mil mortos por covid-19. As últimas 24 horasregistraram 1.167 vítimas do novo coronavírus. Desde o dia 21 de janeiro, o país registra média diária, calculada em sete dias, superior a mil óbitos, de acordo com o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass).

Números da covid-19 no Brasil. Fonte: Conass

O número de casos também teve grande aumento. Foram 63.612 novos doentes. O país está a poucos dias da marca de 10 milhões de infectados e de 250 mil vítimas. De acordo com o levantamento de hoje, são 9.921.981 contaminados desde o início do surto no Brasil, em março.

O surto de covid-19 no Brasil segue fora de controle e a perspectiva é de aumento de casos e mortes para as próximas semanas. O descontrole é atestado pelo Imperial College de Londres, referência mundial em estudos sobre a pandemia. Além disso, o último fim de semana foi de grandes aglomerações por todo o país, no período que seria marcado pelo Carnaval. Mesmo cancelado pelas autoridades em todo o país, muitas festas clandestinas ocorreram.

Outro ponto que atesta o descontrole da pandemia no país é a média semanal de mortes. A última semana foi a segunda mais letal de todo o histórico da crise sanitária. Foram 7.520 mortos no período, sendo superado apenas pela semana entre os dias 19 e 25 de julho, com 7.714 vítimas, quando o país vivia seu pior momento até então.

Curvas epidemiológicas médias de casos e mortes. Fonte: Conass

CASO GRAVE

Em números absolutos, o estado mais afetado do país é São Paulo. As cidades paulistas somam 1.927.410 infectados e mais de 56 mil mortos, sem contar com a subnotificação, denunciada por cientistas e reconhecida por autoridades em todo o país. O estado, sozinho, só é superado em casos e mortos por 12 países, ficando à frente em números da tragédia sanitária em nações como o Peru e Equador.

Algumas cidades paulistas passam por colapso em seus sistemas de saúde. É o caso de Araraquara, que amanheceu hoje com 100% das UTIs ocupadas. “Na manhã desta terça-feira, 16 pacientes aguardavam sem leitos para internação. Após diálogo que firmamos ontem à noite com o governador João Doria, recebemos hoje as visitas do secretário estadual de Saúde, Jean Gorinchteyn, e do secretário estadual de Desenvolvimento Regional, Marco Vinholi. Estivemos no hospital de campanha para apresentar nossa estrutura de enfrentamento à covid-19”, dise o prefeito, Edinho Silva (PT).

Edinho foi reconhecido internacionalmente durante a primeira onda pelas ações assertivas no combate à covid-19. A cidade mantém uma das maiores taxas de testes por habitantes do país. Também seguiu orientações rígidas de isolamento. Agora, além das consequências da flexibilização da quarentena em todo o estado. Araraquara também registra casos com as novas cepas do coronavírus (as chamadas mutações de Manaus e do Reino Unido).

“Vinholi e Gorinchteyn anunciaram que o governo do estado irá investir R$ 1,5 milhão na abertura de mais 95 leitos na região, sendo 70 deles em Araraquara. Desses 70, o hospital de campanha receberá 40 (30 UTIs de suporte ventilatório e 10 de enfermaria) e o Pronto-Socorro do Melhado terá mais 30 leitos de enfermaria. A situação é muito crítica, pois a cidade amanheceu tecnicamente em colapso de saúde, com pacientes aguardando leitos para internação e todos os leitos ocupados”, completou o prefeito.

VACINAS

O Brasil segue seu programa de vacinação frágil e com incertezas. No fim de semana, o país superou a marca de 5 milhões de doses aplicadas. Entretanto, há incertezas sobre a disponibilidade de novas doses. No atual ritmo, o país não consegue concluir a vacinação massiva nem mesmo em 2022.

A segunda dose já foi aplicada em cerca de 250 mil pessoas – ou seja, apenas 0,12% da população está efetivamente imunizada, enquanto a primeira dose já foi aplicada em 2,5% dos brasileiros. Como referências, China e Estados Unidos já vacinaram mais de 50 milhões de habitantes e o Reino Unido 15 milhões. A Inglaterra se destaca entre os países com maior porcentagem de vacinados, com cerca de 24% da população já imunizados.

RBA.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

E PRECISA PRESSIONAR O SENHOR, DR. FACHIN?, POR FERNANDO BRITO

A nota oficial emitida pelo ministro Luís Edson Fachin, dizendo que a pressão de militares sobre o Poder Judiciário é “intolerável e inaceitável” – depois da confissão do general Eduardo Villas Boas de que o famoso tuíte com que pressionou o Supremo Tribunal Federal a negar o habeas corpus no qual o ex-presidente Lula pedia para recorrer em liberdade das sentenças de Sergio Moro – deveria ter direito a um jazigo especial no já vasto “cemitério nacional de notas de repúdio”.

Três anos depois de ter sido pressionado, sem nenhuma reação e, sobretudo, tendo feito exatamente aquilo que se desejava com as pressões: recusar o direito constitucional da presunção da inocência quando o assunto era Lula e que só depois foi reconhecida numa Ação Direta de Constitucionalidade.

Fachin é hoje, dentre o próprio STF, um ministro de quem não se espera a imparcialidade nos casos relativos ao ex-presidente. Independente do que se ponha em votação que diga respeito a Lula, tem-se a certeza de qual será o voto de Fachin: contra o ex-presidente.

Não há linguajar empolado, como o que gosta de usar o ministro, que possa esconder este fato.

Não é que Fachin não deva ser pressionado. Quando se trata de decidir contra Lula ele o faz, sem pressão alguma.

Tijolaço.

domingo, 14 de fevereiro de 2021

NA VALA DE MORO, VOLVER!; POR FERNANDO BRITO

Durante muito tempo “analista militar ” da Folha de S. Paulo, Igor Gielow é dos repórteres do jornal paulista que mais acessos e fontes tem nas Forças Armadas. A sua narrativa, hoje, sobre os bastidores da conspiração militar do então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas – a expressão não é apenas minha, mas também da insuspeita Miriam Leitão, hoje, em sua coluna “Três generais e uma desonra” – é parte da conclusão aterradora de que tivemos – e será que ainda temos? – um “Partido dos Generais”, disposto a reuniões secretas de seu “Comitê Central” para decidir apenas entre eles quais são os rumos que o país pode tomar.

Está claríssimo que o “Partido dos Generais” tomou Jair Bolsonaro como sua montaria para alcançar o poder no país, , certamente sem contrar que ele próprio, encilhado pela disciplina e obediência que traíram antes, a servirem de cavalgadura ao ex-capitão e, com isso, colocariam a Força Terrestre a patear na lama em que estamos metidos.

Recorro, outra vez, à absolutamente antilulista Miriam Leitão que, ao falar dos três desastrosos “Eduardos” do Exército – o Villas Bôas, o Luiz Eduardo Ramos e o Pazuello- diz que eles “ajudaram, com vários outros, a construir uma desonra para a instituição, apoiam o governo que tira dos militares a exclusividade em armas pesadas, que podem estar sendo usadas na formação de milícias de extrema-direita como as dos Estados Unidos. Mostraram ao país que topam tudo pelo poder.”

E topam articuladamente, porque ficou claro que não houve um desbordamento pessoal de Eduardo Villas Boas – com o tal segredo que Bolsonaro, a ele, disse publicamente que “morrerá conosco”.

O que se passou na cúpula militar é, em tudo, uma cópia fardada do que aconteceu na Lava Jato e que, agora, se sabe.

E o destino desta camada de militares, que se uniram a um – a expressão é de Ernesto Geisel – um “mau militar” vai, infelizmente, se refletir no apequenamento do Exército Brasileiro, que terá de ser “enquadrado” à democracia, a não ser que esteja disposto a virar força auxiliar das milícias.

Quem leva o Exército Brasileiro para a lama deve ir para lá em seu lugar.

Tijolaço.

sábado, 13 de fevereiro de 2021

OPERAÇÃO TARTARUGA ESCONDE A FALTA DE VACINA. E NINGUÉM PROTESTA…, POR FERNANDO BRITO

São números oficiais: o Estado do Rio de Janeiro faz uma verdadeira “Operação Tartaruga” com a aplicação das vacinas contra a Covid-19 para esconder da população a realidade da falta de imunizantes em quantidade minimamente compatível com a urgência de vacinar as pessoas.

Foram aplicadas ontem 14.737 doses, nos mais de 500 postos de vacinação do Estado.

Isso equivale a 0,0895% (nove em cada grupo de 10 mil) da população estadual e, neste ritmo, seriam necessários 1.117 dias para dar à todos os 16,4 milhões de cariocas e fluminenses a primeira dose da vacina. Ou seja, até março de 2024, daqui a três anos. E olhe que são duas doses.

Esta é a “razão” do amalucado calendário adotado na cidade do Rio de Janeiro de vacinar numa “contagem regressiva” – 99 anos, 98, 97…

Na prática, o que isso fez foi adiar a aplicação de vacinas para os idosos, que tiveram de esperar mais de duas semanas por doses que já existiam e que foram “economizadas” para dar a impressão de que caminhava tudo bem e sem problemas.

Os postos de saúde na capital ficaram absolutamente ansiosos e, tanto no Rio quanto em São Paulo perderam-se doses de vacina: frascos abertos sem que houvessem idosos “específicos” para assinar.

Todas as pouco mais de 350 mil doses aplicadas no Estado poderiam ter sido aplicadas em menos de uma semana. Gastaram-se três.

Garante-se a imagem simpática do velhinho sendo vacinado na cobertura da televisão e ameniza-se a pressão da opinião pública para que se consiga trazer mais doses.

Não temos uma campanha de vacinação em massa, temos um espetáculo de “narrativa”.

Tijolaço.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

COMO OS MINISTROS DO STF RECAUCHUTAM SUAS BIOGRAFIAS, POR LUIS NASSIF

Mas a purgação do Ministro Luiz Edson Fachin é a mais dramática. Ao que tudo indica, Fachin é (era) um jurista de princípios consolidados.

À medida que as mazelas da Lava Jato e de Sérgio Moro vão desnudando a farsa da operação, e que o governo de Jair Bolsonaro vai demonstrando o preço pago pelo desmonte das instituições, começa um esforço de alguns Ministros do Supremo para recauchutar suas biografias.

A divulgação das conversas da Vaza Jato teve efeito corrosivo sobre a imagem da operação. Assim como o anti-lulismo foi o instrumento que agregou uma frente política ampla, que abalou a democracia – com a participação de Ministros do Supremo, mídia, mercado, militares -, a frente anti-Lava Jato vai juntando setores dos mais improváveis, criando uma nova onda de opinião pública que junta advogados garantistas, Procurador Geral da República, parte da mídia, juristas que endossaram o golpe do impeachment.

A primeira trinca na operação ocorreu com a prisão e denúncia de Michel Temer. Denunciar e prender Eduardo Cunha estava na conta. Mas Temer, não, pois poderia comprometer a política de desmonte do Estado e de negócios da privatização.

A fenda ampliou-se com a Vaza Jato, na qual Glenn Greenwald se valeu da mesma receita da LJ para conquistar a mídia: ofereceu a carne fresca de notícias de impacto à mídia.

A desfaçatez dos diálogos rompeu de vez com a blindagem.

Nesse aggiornamento da opinião pública, é interessante acompanhar os esforços dos Ministros do STF para recauchutar sua biografia.

Um dos principais agentes de desestabilização dos governos Lula e Dilma, Gilmar Mendes se converteu no mais ativo crítico da Lava Jato chegando a defender julgamento justo para o próprio Lula. Tornou-se um campeão da democracia, valendo-se de sua principal característica: a coragem. No julgamento da liberação dos arquivos da Vaza Jato para a defesa de Lula, Carmen Lúcia também mostrou-se sensível à nova onda.

Mas a purgação de Ministro Luiz Edson Fachin é a mais dramática. Ao que tudo indica, Fachin é (era) um jurista de princípios consolidados. Antes do STF, notabilizou-se pela defesa dos direitos sociais e tem suficiente sensibilidade pública para temer o julgamento da história. Ao mesmo tempo, está preso ao apoio incondicional que deu à LJ. Sua cara, para a historia, será do Ministro que convalidou a destruição institucional do país, permitido os maiores abusos nos julgamentos da Lava Jato.

Mas, como mostrei em outro artigo, há um Anjo e um Demônio habitando Fachin. O Anjo aparece ocasionalmente em entrevistas, artigos, relembrando o Fachin pré-Lava Jato, coalhado de bons propósitos, de visão humanista e de respeito ao papel constitucional do Judiciário. O Demônio se apresenta no que interessa: seus votos no Supremo.

Ontem, em entrevista ao advogado curitibano Tarso Violin, o Ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, acionou seu lado Anjo, para tentar explicar que o Demônio não é tão feio assim. É!

Indicado Ministro do STF, o Demônio apossou-se dele e atingiu paroxismos com a Lava Jato.

Sobre a operação, Fachin defendeu-se dizendo que não demoniza nem diviniza a Lava Jato e como magistrado não analisa o conjunto da obra e não faz narrativas políticas: analisa ação penal e conjunto de fatos. Defendeu a ideia de um Supremo contra-majoritário, não cedendo ao clamor das vozes publicadas, e sim ao respeito à Constituição. O Judiciário não pode ser transformado em caixa de ressonância da sociedade disse ele. É caixa de ressonância da ordem jurídica e democrática, votada e escolhida pelo poder constituinte originário, diz ele.

Não bate com sua atuação. Endossou todos os abusos da Lava Jato. Repito: todos! Nos momentos críticos – como em um embargo da defesa do Lula, em pleno ano eleitoral – Fachin jogou com os prazos, transferiu a decisão para o pleno nas vésperas do recesso da corte, sabendo que, na sua volta haveria pouquíssimo tempo para ser julgada a possibilidade de Lula concorrer às eleições – quando era  favorito nas pesquisas.

Enfim, Fachin sabe que a história sabe o que ele fez nos últimos verões. E o julgamento será implacável.

Como tem um preço alto a pagar, está oferecendo um pagamento elevado, assumindo bandeiras relevantes – e corajosas – alertando para os riscos de um golpe político-militar em 2022. Fala da transição imperfeita da ditadura para a democracia. Provavelmente se refere à não punição dos abusos do regime militar e da Lei da Anistia negociada por Nelson Jobim e Sepulveda Pertence, que abriu espaço para a volta da militarização da esfera pública – a maior ameaça à democracia, na visão de Fachin. Recorde-se que há anos o presidente da casa, Luiz Fux, mantém em sua gaveta o processo de reavaliação da Lei da Anistia.

Alerta que o maior risco à democracia é a volta da militarização do poder civil, admite que a profissionalização das organizações de controle ocorreu dentro do regime democrático – que ele ajudou a destruir, com o apoio do STF na demonização da política.

São discursos corajosos e eivados de fé na democracia. Mas não basta.  Enquanto não provar seu respeito aos direitos e à Constituição através de seus votos, suas manifestações extra-autos apenas ajudarão a consolidar a ideia de que se trata de um carrasco que chora depois de cada execução. E se prepara para a execução seguinte.

Quanto a seu parceiro Luís Roberto Barroso, nada se espere, nem gestos de coragem tardia, nem preocupação com o julgamento da história. Para ele, basta viver intensamente o presente.

GGN.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

QUEDA NOS SERVIÇOS DEVE EMPURRAR PIB 2020 PARA MENOS 5%, POR FERNANDO BRITO

Vista isoladamente – menos 0,2% sobre novembro – o índice do IBGE para o setor de serviços divulgado hoje parece pouco expressivo, sobretudo depois do tombo de mais de 6% revelado ontem para o comércio. Mas tanto frente às expectativas do mercado financeiro – que era de alta de 0,4% – quanto colocado em perspectiva anual – queda de 7,8 no acumulado do ano, frente ao acumulado em 2019 – o resultado é um balde de gelo do discurso da recuperação econômica.

É o pior registrado desde que o IBGE passou a medir, com os métodos atuais, o desempenho do setor e deixa para trás, com muita folga, o pior resultado da série, os menos 5% de 2016.

O impacto disto sobre o PIB é imenso, por os serviços representam, no Brasil, três quartos da atividade econômica. Portanto, o número representa uma carga negativa superior a 5% no total das contas nacionais, nas quais só terá peso positivo a agricultura, pois a indústria fechou o ano com queda de 4,5%.

O pior não é nem isso, uma vez que os resultados negativos de 2020 eram inevitáveis frente à pandemia, mas o efeito no que os economistas chamam de “carry over” sobre o PIB, ao menos do primeiro trimestre de 2021, ou seja, no efeito estatístico que um PIB em trajetória de alta (ou de baixa) arrasta para o período de medição posterior àquele em que foi registrado.

Em lugar de “recuperação em V“, o melhor que se pode esperar do PIB do 4° trimestre é que fique em zero e o que o do 1° tri de 2021 seja levemente negativo.

Tijolaço.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

CARNAVAL CHEGA COM NÚMEROS RECORDES NA COVID, POR FERNANDO BRITO

1.350 mortes ontem e, hoje, provavelmente, um número de óbitos igual ou maior, porque os números de oito estados disponíveis até agora – São Paulo, Paraná, Ceará,, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Tocantins – já somam 794 vítimas da Covid 19 nas últimas 24 horas.

Portanto, o resultado a ser divulgado ao final do dia tem perspectivas sombrias, talvez até um recorde de fatalidades desde o início da pandemia.

Contraditoriamente, há uma sensação de que “o pior já passou’ e estamos todos conformados com que as cenas de aglomeração humana vão se repetir no Carnaval, como algo inevitável.

Afinal, a vacina está aí e aceitamos que, num país capaz de vacinar 80 milhões de idosos em três meses nas campanhas da gripe, esteja tudo bem em, com 20 dias, apenas 4 milhões tenham recebido o imunizante: 2% da população, pouco mais de 1% do número de doses necessárias à dupla aplicação que será necessária.

Ficamos todos, porém, compreensivelmente emocionados com as cenas, de fato emocionantes, de velhinhos de 95, 98, 100 anos sendo vacinados, o que tocante e positivo, mas está longe de representar um processo de imunidade coletiva.

Finalmente, temos de reconhecer que prevaleceu a posição estúpida de Jair Bolsonaro, de que só os idosos e doentes devem ficar isolados e que os demais devem circular, trabalhar e até passear como ele faz a toda hora e, certamente, fará no Carnaval que só não vai existir oficialmente.

Tijolaço.