Nesta
quinta-feira (18), o Brasil completa um mês do início da campanha de imunização
contra o novo coronavírus, mas, até a última segunda-feira (15), no entanto,
apenas 1,31% das doses de vacinas necessárias para imunizar toda a população
brasileira foram aplicadas.
São
5,54 milhões de aproximadamente 420 milhões de doses necessárias, segundo o
consórcio dos veículos de imprensa. No total, 5.285.981 pessoas tomaram a
primeira dose, e 256.813, a segunda.
Uma
das explicações para a baixa taxa de imunização até o momento é a quantidade
escassa de doses, que, por sua vez, é explicada pela ausência de um
planejamento por parte do governo de Jair Bolsonaro e do Ministério da Saúde.
Segundo
Evaldo Stanislau de Araújo, infectologista do Hospital das Clínicas da USP e
membro da diretoria da Sociedade Paulista de Infectologia (SPI), “nós vamos
conviver com essa situação que ninguém desejava, mas que reflete certamente o
planejamento ausente que foi feito por parte do Ministério da Saúde em relação
às vacinas”.
Para
além da falta de planejamento, o comportamento do governo federal e de seus
aliados no Congresso Nacional, desde o início da pandemia, foi caracterizado
pelo aspecto negacionista em relação à imunização, concretizado tanto em
declarações que lançaram dúvidas sobre a imunização quanto em polêmicas com
laboratórios farmacêuticos, governadores brasileiros e órgãos independentes do
governo.
Desde
então, os fatos que contribuíram para a situação atual de escassez de doses se
acumulam. Relembre alguns deles:
Congresso
Nacional x Anvisa
O
diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, solicitou ao presidente a
exclusão de um trecho da Medida Provisória (MP) nº 1.003, que autoriza o
governo federal a aderir ao Instrumento de Acesso Global de Vacinas Covid-19 –
Covax Facility. O trecho em questão estabelece um prazo de cinco dias para que
a Anvisa autorize o uso emergencial de vacinas que já tenham liberação
internacional.
Com
o texto aprovado no Congresso Nacional tendo o trecho incluído, não haverá
outro caminho que não a aprovação, afirmou Barra Torres, em entrevista ao
jornal O Estado de S. Paulo. “Qualifico esse momento como o mais grave que
estamos vivendo da saúde pública nacional nas últimas décadas. Se for dessa
modalidade, sem análise técnica da Anvisa, eu não tomarei e não aconselharei
ninguém a fazê-lo”, declarou.
“Se
isso prosperar, a Anvisa passa a ter papel meramente cartorial, deixa de ter
seu poder de análise. O texto acrescenta essa questão que seria automática (a
aprovação), completamente isenta de análise”, disse o chefe da Anvisa ao
Estadão.
O
posicionamento do diretor da Anvisa foi criticado pelo líder do governo na
Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), que ameaçou “enquadrar” o órgão. “O que eu
apresentar para enquadrar a Anvisa passa aqui (na Câmara) feito um rojão. Eu
vou tomar providências, vou agir contra a falta de percepção da Anvisa sobre o
momento de emergência que nós vivemos. O problema não está na Saúde, está na
Anvisa. Nós vamos enquadrar”, afirmou o deputado.
A
tentativa de “enquadrar” a Anvisa faz parte de um movimento do governo federal
de tentativas de não depender da Coronavac, associada ao governador paulista,
João Doria. Nesse sentido, o Ministério da Saúde tenta avançar na compra das
vacinas Sputnik V e da Covaxin, desenvolvidas, respectivamente, na Rússia e na
Índia. No entanto, a Anvisa ainda aguarda mais dados sobre a segurança e a
eficácia dos imunizantes.
Embates
com a Pfizer
No
dia 23 de janeiro, o governo federal divulgou uma nota criticando publicamente
o laboratório farmacêutico Pfizer por cláusulas impostas para comercialização
do imunizante.
Uma
das medidas autorizava o governo brasileiro a assumir responsabilidade sobre
possíveis efeitos adversos causados pela vacina – as cláusulas que Bolsonaro
considera “abusivas” estão previstas em recomendações da Organização Mundial da
Saúde (OMS) e se aplicam a imunizantes aplicados no Brasil há décadas.
Além
dos EUA, a União Europeia, Japão, Canadá, Israel, Austrália, México, Equador,
Chile, Costa Rica, Colômbia, Panamá e todos os demais países que compraram a
vacina da Pfizer aceitaram essas exigências.
“Causaria
frustração em todos os brasileiros [comprar as 70 milhões de doses oferecidas
pela Pfizer em agosto], pois teríamos (…) que escolher, num país continental
com mais de 212 milhões de habitantes, quem seriam os eleitos a receberem a
vacina”, argumentou o Ministério da Saúde, em janeiro.
Na
época, Bolsonaro afirmou que “na Pfizer, está bem claro no contrato: ‘nós não
nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral’. Se você virar um jacaré,
é problema de você. Não vou falar outro bicho aqui para não falar besteira. Se
você virar o super-homem, se nascer barba em alguma mulher aí ou um homem
começar a falar fino, eles não têm nada a ver com isso”.
O
posicionamento foi recebido com indignação por setores da oposição. A deputada
federal Gleisi Hoffmann, presidenta nacional do PT, afirmou: “Essa nota é pura
confissão de culpa, perdemos 70 milhões de doses nessa brincadeira! Criminoso,
Bolsonaro estaria no banco dos réus em qualquer lugar do mundo.”
Cancelamento
do acordo das vacinas CoronaVac
Em
outubro de 2020, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, anunciou um acordo para
a compra de 46 milhões de doses da CoronaVac, produzida em parceria entre o
laboratório chinês Sinovac e o Instituto Butantan.
No
entanto, um dia depois, Bolsonaro afirmou que a “vacina chinesa de João Doria”
não seria comprovada e cancelou o acordo. “Já mandei cancelar, o presidente sou
eu, não abro mão da minha autoridade”, disse Bolsonaro, nas redes sociais.
Na
mesma semana, o presidente afirmou que não compraria nenhuma vacina da China,
uma vez que o país teria um “descrédito muito grande”.
“A
da China nós não compraremos, é decisão minha. Eu não acredito que ela
transmita segurança suficiente para a população. A China, lamentavelmente, já
existe um descrédito muito grande por parte da população, até porque, como
muitos dizem, esse vírus teria nascido por lá”, disse o presidente.
“Mais
uma que Jair Bolsonaro ganha”
Em
novembro do ano passado, Bolsonaro comemorou quando os testes da CoronaVac no
Brasil foram suspensos, após a morte de um dos voluntários. “Morte, invalidez,
anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar a todos os paulistanos a
tomá-la. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais
uma que Jair Bolsonaro ganha”, escreveu Bolsonaro nas redes sociais.
Dias
depois, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária concluiu que a morte daquele
voluntário não tinha relação com a vacina.
“Ninguém
vai tomar a sua vacina na marra não, tá ok?”
Na
mesma linha, durante uma transmissão ao vivo em suas redes sociais, o
presidente afirmou que ninguém tomaria a CoronaVac “na marra”.
“Ninguém
vai tomar a sua vacina na marra não, tá ok? Procura outro. E eu, que sou
governo, o dinheiro não é meu, é do povo, não vai comprar a vacina também não,
tá ok? Procura outro para pagar a tua vacina aí”, disse o capitão reformado.
“A
pressa pela vacina não se justifica”
Já
em dezembro de 2020, o presidente declarou que não entende o porquê da pressa
pela vacina, seguindo os passos de seu ministro da Saúde, que disse não
entender porque há tanta “ansiedade” pela imunização.
“A
pressa pela vacina não se justifica, porque você mexe com a vida das pessoas”,
disse. “Não há guerra, não há politização da minha parte. Nós esperamos uma
vacina segura. Parece que a Inglaterra começou a vacinar agora. Por que a gente
tem que ser o primeiro?”
Desencontro
com o governo indiano
Também
em janeiro de 2021, o porta-voz do Ministério do Exterior indiano, Anurag
Srivastava, afirmou ao jornal Hindustan Times que o governo brasileiro havia se
precipitado ao enviar um avião àquele país para buscar 2 milhões de doses do
imunizante produzido pelo Instituto Serum em parceria com a Universidade de
Oxford e a farmacêutica AstraZeneca. O porta-voz também disse que era “cedo
demais” para enviar a vacina ao Brasil
“O
processo de vacinação está apenas no começo na Índia. É muito cedo para dar uma
resposta específica sobre o fornecimento a outros países, porque ainda
avaliamos os prazos de produção e de entrega. Isso pode levar tempo”, disse
Anurag Srivastava. As vacinas chegaram ao Brasil somente 10 dias depois da
declaração do porta-voz.
Prefeitos
e escassez de vacinas
Nesta
terça-feira (16), a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) divulgou uma nota na
qual afirma que a escassez de doses de vacina está diretamente ligada à
condução do Plano Nacional de Imunizações pelo governo federal. Também cobrou
respostas do Poder Executivo diante da falta de vacina.
No
dia 14 de janeiro, a FNP solicitou ao ministro da Saúde encontros frequentes
para o acompanhamento da vacinação no país. Na reunião, o combinado foi de uma
reunião entre a comissão de prefeitos e a pasta a cada 10 dias. Passados mais
de 30 dias, no entanto, nenhuma reunião foi agendada.
Menos
vacinas que todos
“É urgente que o país tenha um cronograma com prazos e metas estipulados para a vacinação de cada grupo: por faixa etária, doentes crônicos, categorias de profissionais etc. Disso depende, inclusive, a retomada da economia, a eração de emprego e renda da população“, afirmam os prefeitos.
Na
corrida da vacinação, segundo a plataforma Our Word In Data, o Brasil está
atrás de Rússia, China, União Europeia, Chile, Estados Unidos, Reino Unido,
Emirados Arábes e Israel.
O
Ministério da Saúde informou que vai disponibilizar, até julho deste ano, 230
milhões de doses de vacinas contra o coronavírus. O planejamento conta com
imunizantes ainda não autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), como o russo Sputnik V e o indiano Covaxin.
Em
reunião com governadores nesta quarta-feira (17), o ministro da Saúde, Eduardo
Pazuello, apresentou os contratos para compras de mais vacinas e detalhes sobre
o cronograma de entrega e a quantidade adquirida.
Em
nota, a pasta informou que os acordos de compra de vacinas com os laboratórios
responsáveis pela Sputnik V e a Covaxin devem ser fechados ainda nesta semana.
No entanto, os processos para autorização dos imunizantes na Anvisa nem mesmo
começaram.
A
Bharat Biotech, empresa responsável pela Covaxin ainda não deu entrada no
pedido de registro. Já a Sputnik V ainda não é considerada uma vacina em testes
no Brasil pela Anvisa.
Ainda
de acordo com o Ministério da Saúde, 2 milhões de doses da AstraZeneca/Fiocruz,
importadas da Índia, e 9,3 milhões da Sinovac/Butantan, produzidas no Brasil
serão entregues ainda este mês. No mês seguinte, estão previstas outras 34,9
milhões.
RBA.
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