Instumento para auxiliar partos complicados
Jorge Odón teve a ideia
enquanto dormia. De alguma maneira, disse, seu inconsciente fez um salto entre
um vídeo que ele tinha visto no YouTube sobre como extrair uma rolha de dentro
de uma garrafa de vinho e a ideia de que o mesmo princípio poderia salvar bebês
presos no canal de parto.
O argentino Odón, que
tem 59 anos e é mecânico de automóveis, construiu o primeiro protótipo de seu
dispositivo na cozinha de sua casa, usando um vidro como modelo do útero, a
boneca de sua filha no lugar do bebê preso no canal e uma bolsa e manga de
tecido costuradas por sua mulher como instrumento que salvaria a vida do bebê.
Por mais improvável que possa parecer, a ideia ganhou o endosso da Organização
Mundial de Saúde, e uma empresa americana de tecnologia médica acaba de obter a
licença para produzir o dispositivo.
Com o Instrumento Odón,
um assistente desliza um saco plástico dentro de uma manga plástica
lubrificada, posicionando-o em volta da cabeça do bebê, infla o saco, para que
agarre a cabeça, e puxa o saco até o bebê emergir do canal. Médicos dizem que o
instrumento tem potencial enorme para salvar bebês em países pobres e,
possivelmente, reduzir os partos por cesárea em países ricos.
De acordo com o médico
Mario Merialdi, da OMS, complicações potencialmente graves ocorrem em 10% dos
137 milhões de partos realizados anualmente em todo o mundo. Mais ou menos 5,6
milhões de bebês nascem mortos ou morrem pouco depois de nascer, e 260 mil
mulheres morrem ao dar à luz. A obstrução do trabalho de parto, que pode
ocorrer quando a cabeça do bebê é grande demais ou quando a mãe está exausta e
para de ter contrações, é um fator importante nessas mortes.
Nos países ricos, o
sofrimento fetal resulta numa corrida para a sala de cirurgia. Mas em clínicas
médicas pobres em áreas rurais, disse Merialdi, "se o bebê não sai, a
mulher não tem a quem recorrer". As opções usadas hoje em casos desse tipo
são o fórceps -uma espécie de tenaz grande e arredondada- ou a extração por
vácuo, com ventosas colocadas sobre o couro cabeludo da criança. Quando usados
por pessoas não treinadas, esses métodos podem provocar hemorragias, esmagar a
cabeça do bebê ou torcer a espinha dele.
O dispositivo de Odón
será manufaturado pela Beckton, Dickinson and Company, ou BD, de Nova Jersey.
"Minha primeira reação, assim que vi o dispositivo, foi positiva",
contou Gary M. Cohen, vice-presidente-executivo do setor de saúde global da BD.
Foi no Fórum Econômico Mundial, em Davos, Suíça, onde Merialdi lhe pediu que
estudasse a possibilidade de produzir o instrumento.
O dispositivo já foi
testado em 30 mulheres argentinas. Todas estavam em hospitais, já tinham dado à
luz antes e apresentavam trabalho de parto normal. Agora a OMS vai
supervisionar ensaios com outras mulheres.
Odón contou que, sete
anos atrás, funcionários dele estavam imitando um vídeo mostrando que é
possível recuperar uma rolha empurrada para dentro de uma garrafa vazia,
inserindo na garrafa um saco plástico de supermercado, soprando o saco até ele
envolver a rolha e então puxando-o para fora.
Às 4h da manhã ele
acordou sua mulher e lhe contou a ideia que tinha acabado de ter. Odón recorda:
"Ela disse que eu estava maluco e voltou a dormir". Na manhã
seguinte, um amigo o apresentou a um obstetra.
O médico o incentivou,
e ele continuou a trabalhar sobre a ideia. O saco costurado por sua mulher deu
lugar a um saco de polietileno, e um útero de plástico tomou o lugar do vidro.
Com a ajuda de um
primo, Odón foi apresentado ao diretor de obstetrícia de um grande hospital de
Buenos Aires. O diretor tinha um amigo na OMS que conhecia o Dr. Merialdi. Numa
conferência médica realizada na Argentina em 2008, Merialdi reservou dez
minutos para falar com Odón durante uma pausa para um café. O encontro acabou
durando duas horas.
Desde então, Odón
continuou a aperfeiçoar o dispositivo, patenteando cada modificação para que
possa receber royalties em algum momento. Cohen disse que ainda é cedo para
saber quanto a BD cobrará pelo instrumento, mas cada um deve custar menos de
US$ 50 para ser fabricado.
Merialdi disse ser a
favor da ideia ter fins levemente lucrativos, porque já viu outras ideias com
potencial de salvar vidas ter dificuldade em ser concretizadas por falta desse
elemento, como as injeções de sulfato de magnésio, que previnem a eclampsia
fatal, e os corticosteróides, que aceleram o desenvolvimento dos pulmões de
bebês prematuros.
Da Folha
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