
Mas
é o que se depreende de seu texto.
Sergio
Moro é um caso extremo, irreversível, absoluto, de analfabetismo jurídico.
Ou
então é muito pior que isso.
***
No
Conjur
SENSO
INCOMUM
Livre
apreciação da prova é melhor do que dar veneno ao pintinho?
Depois
de ver que aqui em Pindorama estão querendo, a fórceps, enfiar o bayesianismo e
o explanacionismo para “dentro” da teoria da prova (ver aqui), algumas questões devem ser postas aos leitores.
Penso que teorias como bayesionismo e explanacionismo podem ser úteis em
determinados aspectos da filosofia e áreas ligadas à economia e gestão.
Trata-se da discussão de probabilidades, “calculadas” a partir da lógica, na
busca de caminhos para uma (melhor) tomada de decisão. Bayesianismo,
explanacionsimo e outras teorias quetais podem ser úteis para análises
econômicas envolvendo risco nas decisões. E há autores que trabalham com essas
teorias na Análise Econômica do Direito (AED).
Mas,
atenção: isso não quer dizer “decisão jurídica” e tampouco que se possa condenar
alguém com base em cálculos de probabilidades. Usam análises para aferir
eficiência de (e entre) fins e meios. O erro nas teorias desse tipo é o de
pensar que o único critério de controle da ação seria o de analisar como que se
“relacionam” fins (vazios) e meios (indeterminados) em busca de um resultado
eficiente. Como o Direito, mormente o Penal e Processual Penal, trata de
direitos fundamentais à liberdade e integridade, parece-me que tais teorias não
podem ser aplicadas aqui, sob pena de estarmos criando uma espécie
contemporânea de ordálias ou “prova do demônio”: atirem o réu às
probabilidades! Direito e democracia não combinam com qualquer forma de teoria
cética ou não cognitivista moral (uso aqui o conceito de Arthur Ferreira Neto
em seu livro Metaética e a fundamentação do direito). Teorias céticas
constituem um problema, porque, nelas, há uma crença de que a verdade, com um
mínimo grau de objetividade, não importa. Quer dizer: paradoxalmente, para
essas teorias “é verdade que não existe verdade”. Com isso, o Direito — e a
teoria prova — são transformados em uma katchanga (real ou não).
Queria
ver, por exemplo, alguma sentença que usasse, efetivamente, a fórmula do
Teorema de Bayes. A relação do bayesianismo com a AED é, para mim,
absolutamente temerária. O próprio criador da AED (Ronald Coase) não o fez.
Aproveito para dizer que: a) quem aposta na AED adere a um tipo de ceticismo externo
ou interno (ver aqui o belo texto de Marcos Marrafon sobre isso); b) a AED
foi uma reação ao positivismo (formalismo), sendo uma versão 2.0 do realismo
jurídico, cujo resultado pode ser visto no cotidiano do irracionalismo das
decisões do judiciário brasileiro; c) AED? Você gosta? Então veja este exemplo,
advindo de um dos corifeus da AED, R. Posner – que, aliás, custou uma enorme
dor de cabeça, quando falou da venda de crianças. (ver aqui).
Aliás,
defender a AED no Brasil é um grande e barulhento tiro no pé, porque, por ela,
muitas operações da Justiça-MPF-PF podem ser severamente criticadas — mormente
a operação carne fraca, assim como a divulgação das gravações do presidente
Temer com Joesley (nesse dia, a bolsa perdeu 200 bilhões), porque mais causam
prejuízo que felicidade (no sentido utilitarista — que, como se sabe, está por
detrás da AED) — sem considerar os altos custos em diárias e logística das
operações.
Bom,
só para avisar, eu não sou adepto da AED. Logo, essas contradições não são
problema meu nem são problemas que atrapalham minha análise. Ah: e também não
sou contra a lava jato – sou contra os desmandos e autoritarismos que a
operação institucionaliza.
Minha
oposição a qualquer teoria ceticista (emotivista, não-cognitivista moral e/ou
pragmaticista, todos parentes entre si) está assentada na CHD – Crítica
Hermenêutica do Direito – tendo por suporte a ideia de que existem padrões
objetivos que sustentam “o certo e o errado”. Meu Dicionário de Hermenêutica e
o livro Diálogos com Lenio Streck mostram isso à saciedade. Direito sem teoria
da decisão vira irracionalidade na veia. Estamos cheios de profetas sobre o
passado. No Brasil existem até realistas (retrôs) que sustentam que precedentes
são fonte primária de direito. Aceita-se, no atacado, que, primeiro se decide
e, só depois, busca-se a fundamentação. Ou seja: atravessam a ponte, chegam do
outro lado e depois voltam para construir…a ponte pela qual passaram. Aporias
em cima de aporias. Processualismo…sem processo. Bingo.
O
que quero dizer é que, para uma teoria da prova, não se pode jogar com
probabilidades, intuições, deduções e subjetivismos tipo “busco a verdade
real”. No fundo, isso dá tudo no mesmo, porque há um desprezo por critérios
substantivos e uma ode à ficcionalização das respostas. Na verdade, teorias
como essas querem dar respostas antes das perguntas. Fazem “deduções” porque
constroem, artificialmente, as premissas.
Porque
a “teoria do pintinho envenenado” é melhor!
Para
quem aposta em teses intuitivas, emotivistas, probabilísticas e quer trazer
isto para a seara dos direitos e garantias de liberdade (processo penal),
sugiro algo mais “seguro”, como o “Teorema do Pinto” (o apelido é dado por
mim), “praticado” pela Tribo Azende, da África central. Sem intuicionismo e sem
deduções, a tribo, para construir a prova e “buscar a verdade”, lança mão do
que chamo de “fator benge”, que consiste em dar para um pintinho um veneno
previamente preparado (há um ritual para isso) e, se o pinto morrer, o réu é
considerado culpado. Se o pinto sobreviver, é absolvido[1].
Pergunto:
Qual é a diferença da “teoria do pintinho benge” e a inversão do ônus da prova
que ainda é aplicado pelos tribunais da pátria? Qual é a diferença da teoria do
pintinho e a tese bayesianista pela qual Pr(A) e Pr(B) são as probabilidades a
priori de A e B Pr(B|A)? Ou que Pr(A|B) são as probabilidades a posteriori de B
condicional a A e de A condicional a B respectivamente? Ou que o réu Tício deve
ser condenado porque a hipótese fática H foi tomada como verdadeira por Caio
porque é a que melhor explica a evidência E? Ou que, pela AED, Tício… O leitor
pode complementar.
Falemos
sério. O Brasil tem um precário ensino jurídico. E práticas judiciárias que não
possuem racionalidade. Em São Paulo, um grupo estrangeiro comprou um conjunto
de faculdades e despediu mais de duas centenas de professores, trocou o
currículo e esticou o percentual de aulas em EAD (que não deixa de ser
resultado de uma “análise econômica”, se me permitem a ironia). Como se o
direito fosse mero instrumento. Ora, fala-se em bayesianismo e quejandos e,
pelo país afora, nas salas de aula ainda se ensina que Kelsen é um positivista
exegético, que cumprir a letra da lei é uma atitude positivista, que princípios
são valores, que o juiz deve decidir conforme sua consciência, etc. E o
professor posta no Facebook a sua maior conquista — a de ver aprovado um artigo
seu no Conpedi.
Erros
e epistem(olog)ias fakes que se refletem na operacionalidade do direito nos
fóruns e tribunais. Por que há tanta insegurança e falta de previsibilidade?
Simples: Porque não há critérios. Porque não há preocupação com um mínimo grau
de objetividade e respeito à coerência e à integridade do direito (aliás, isso
é obrigação legal – artigo 926 do CPC). Porque sequer se cumpre a objetividade
mínima do texto como ponto de partida limitador de um processo hermenêutico.
Pergunto: O que são a livre apreciação da prova e o livre convencimento se não
argumentos emotivistas (ou coisa desse gênero)? Por isso, envenenar o pinto
pode ser mais eficiente. Um relógio parado também acerta hora duas vezes ao
dia.
Deixemos
o bayesianismo na (e para a) filosofia moral e a lógica. Quero no direito a
preservação de garantias. Quem tem de provar robustamente a culpa do réu é o
Estado. Isso não pode vir de presunções. E nem de probabilidades. E duvido
alguém provar a existência de um fato a partir do Teorema de Bayes.
Além
de tudo, determinadas teorias, analisadas no plano filosófico, constituem-se em
um paradoxo: se estiverem certas, estão erradas, isto é, se estiverem certas, a
filosofia e seus dois mil anos não serviram para nada. Matemos os filósofos.
Matem o cantor e chamem o garçom, diria Fausto Wolff.
Para
encerrar, conto uma historinha bem ao gosto dos realistas retrôs brasileiros
(que são, todos, não cognitivistas morais), com uma advertência – A anedota
abaixo é uma carapuça – ponha-a quem quiser. Quem a conta é o professor Arthur
Ferreira Neto:
“Um
professor alemão, responsável pela disciplina Niilismo, que se enquadra em
qualquer dos não cognitivismos acima, foi indagado por um aluno acerca do
significado de um conceito complexo e um tanto obscuro que estaria ele
apresentando em aula. Respondeu o professor: – não sei a resposta agora; mas,
não se preocupe, porque até amanhã inventarei uma”.
Bingo!
Bem assim se faz na cotidianidade das práticas jurídicas e nas salas de aula de
Pindorama. Como diz a mãe de um amigo meu, nem tudo que parece, é. Mas se é,
parece.
Para
quem conseguiu chegar até aqui: Escrevi esta coluna para falar das
mistificações que começam a ser feitas a partir do uso de teorias exóticas para
dentro da teoria da prova no processo penal brasileiro. Já teve até decisão em
que se disse que não havia prova, mas a doutrina que tratava do assunto
autorizava a condenação (e citava Malatesta). Que se use teses sofisticadas
como o bayesianismo onde se quiser. Mas não na teoria da prova. Por favor, não
vamos conspurcar a já combalida teoria da prova. Temos 350 mil presos
cautelarmente que teriam melhor destino se, para os seus processos, fosse
utilizada a teoria do pintinho envenenado… A chance de cada réu seria maior. Ou
estou exagerando?
Salvemos,
pois, a professorinha, com seu toco de giz. Salvemos as teorias da verdade. Não
desistamos da (busca da) verdade!
Post
scriptum: lendo a sentença condenatória do ex-Presidente Lula prolatada pelo
Juiz Sérgio Moro, deu-me a nítida impressão que o réu teria mais chance de ser
absolvido se tivesse sido usado o “Teorema do Pintinho Envenenado”, que faz
sucesso na tribo Azende, da Africa Central.
***
Lenio
Luiz Streck é doutor em Direito (UFSC), pós-doutor em Direito (FDUL), professor
titular da Unisinos e Unesa, membro catedrático da Academia Brasileira de
Direito Constitucional, ex-procurador de Justiça do Rio Grande do Sul e
advogado.
Do
Cafezinho
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