Criminoso prende o
inocente e STF deixa de aplicar regra constitucional de direitos e garantias
individuais: a inversão do direito em cenas de realismo fantástico.
O caso Moro versus Lula – o primeiro representando a
classe dominante brasileira e elite reacionária do país, o segundo incorporando
os anseios por inclusão de amplos setores da população – é um gritante caso de
inversão do direito.
Quem é o criminoso confesso? Moro. Por quê?
Ao interceptar e divulgar conversa telefônica entre a então
Presidenta da República Dilma Rousseff e o ex-Presidente Lula, em desrespeito à
prerrogativa de foro dela, o Juiz Sérgio Moro ignorou o art. 10 da Lei 9.296,
de 24 de julho de 1996:
Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de
comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da
Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.”
Moro não tinha autoridade judicial para interceptar a
referida conversa. A respeito desse dispositivo legal, não se pode alegar o
mero descuido do juiz Sérgio Moro. A má fé e o caráter doloso ficam patentes na
sua decisão de publicar as conversas telefônicas entre o ex-Presidente Lula e a
então Presidenta Dilma Rousseff, após estar plenamente informado da situação.
Ademais, ele tentou justificar a própria conduta de interceptar e publicar as
conversas telefônicas envolvendo a então Presidenta, ao rever, um dia depois,
em decisão de 17 de março de 2016, o ato em que determinara a suspensão das
interceptações.
Além disso, atuou no processo referente ao imóvel de Guarujá,
até o fim, contra o art. 36 da Lei Complementar nº 35/1979 (Lei Orgânica da
Magistratura Nacional):
“Art. 36 - É vedado ao magistrado:
III - manifestar, por qualquer meio de comunicação,
opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo
depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais,
ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do
magistério” (grifei).
O juiz Sérgio Moro foi useiro e vezeiro em se manifestar
sobre os processos referentes ao ex-Presidente Lula antes do julgamento,
demonstrando sua clara inclinação para a condenação. Participou, por exemplo,
como homenageado da estreia festiva de filme em que se atribuía ao
ex-Presidente os crimes de que era acusado nos referidos processos. Nesse
sentido, havia suspeição para julgar, nos termos do art. 145 do Código de Processo
Civil, pois ele se apresentou como juiz “interessado no julgamento do processo
em favor de qualquer das partes”. Portanto, todo o processo concernente ao
imóvel de Guarujá deveria ser anulado ou considerado nulo. A defesa arguiu a
suspeição, mas seus argumentos consistentes não foram aceitos em nenhuma das
instâncias.
Quem é inocente? Lula. Por quê?
A inocência de Lula decorre não somente da constatação de que
não houve provas contra ele, apenas suspeitas e convicções. É evidente que os
fatos alegados não poderiam configurar corrupção passiva, pois ocorreram depois
que deixara o cargo e não foi definido o ato de ofício que teria praticado ou
não praticado, ou cuja prática ou omissão teria sido prometida durante o seu
mandato ou antes, para fins da vantagem solicitada ou recebida. Nos dizeres da
sentença do juiz, houve apenas “atos indeterminados”.
Para coroar esse processo político de perseguição ao
ex-Presidente Lula, o STF decidiu manifestamente contra a Constituição, não
aplicando a regra clara que prescreve: “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art.
5ª, inciso LVII, da Constituição Federal - grifei). Tratava-se de um “caso
fácil”, mas o STF se embananou em argumentar como se fosse um “caso difícil”,
que exigiria razões no plano dos princípios. Parafraseando Manuel Bandeira, os
Ministros “macaquearam a sintaxe” jurídica alemã e estadunidense. Com vagos e
abusivos argumentos de princípios afastou-se uma regra de direitos e garantias
individuais que não suscita controvérsias. O julgamento inicia-se com a
inapropriada citação de decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos
por parte do relator Edson Fachin, como se Lula estivesse sendo julgado como
violador de direitos humanos. Culmina com o voto absurdo da ministra Rosa
Weber, que se manifestou contra o seu próprio entendimento por “respeito” ao
colegiado (imaginemos se se tratasse da execução de uma pena de morte:
respeitaria a ministra o colegiado contra a regra constitucional e sua própria
convicção em questão de direito?). Entre banalidades e artimanhas esdrúxulas,
no meio de rasgos de oligofrenia, pequenez e despudor jurídicos, a sessão do
STF, em 4 de abril de 2018, seguida da ordem precipitada e inconstitucional de
prisão de Lula por Moro, não foi apenas um teatro de absurdos, mas sobretudo
uma expressão grotesca de realismo fantástico, que seria bem narrada pelo
imortal Gabriel García Márquez.
GGN
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