Não conheço pessoalmente Márcio Fagundes, mineiro,
jornalista, pai de dois filhos, ex-marido de uma grande amiga, residente
honorário de Belo Horizonte. Honorário é por minha conta porque acho que quem
mora lá já garante todas as honras de uma linda metrópole, histórica,
despojada, mas altaneira.
Não sei quais são ou foram seus hábitos, usos e costumes, nem
tenho sua ficha corrida. Mas falta não faz, sua foto diz tudo. Mostra, grita,
esperneia, aponta, define, mais que uma datiloscopia. É aquela história, a
gente bate o olho nela e vê sem precisar ser médium ou sensitivo de berço como
é e quem é a pessoa.
Já os amigos próximos, de rua, de bares, de trabalho, de
reuniões, do cafezinho na esquina, da esquina sem cafezinho, todos eles dizem a
mesma coisa. Até mesmo o Sindicatodos Jornalistas Profissionais de Minas
Gerais, através de nota pública, um dos aglomerados de trabalhadores sérios e
competentes da palavra, da notícia, do fato, tal como ele é, não do jeito que
os editores querem ou mesmo os donos das emissoras, jornais e assemelhados
pretendem para encobrir, tergiversar ou inventar notícias.
Isentos de vícios, artifícios e ofícios, repudiam a prisão do
colega, profissional reconhecido, ilibado, construído nas linhas e entrelinhas
da verdade tal qual ela se mostra e apresenta, não a que interessa e alimenta.
Os tempos de agora já não trazem mais as cores de outrora.
Pois Márcio foi retirado de casa às 6 da manhã da
quarta-feira, 18 de abril, pela truculência policial, sem limites, sem freios,
sem medida. Viram a cena trágica, corroída, insuportável, os filhos, vizinhos e
o dia que pensava em começar claro, limpo, com um bom e belo horizonte.
Quebrou-lhe o alvorecer da natureza soberba mais um golpe contra o cidadão
comum, sem privilégios, favores, incentivos e conluios perpetrado por decisão
de nossa justiça (?), assim mesmo, minúscula, sem a estatura de um Ruy Barbosa,
Sobral Pinto, Evandro Lins e Silva, de tantos outros que já tinham a defesa dos
direitos humanos e sociais correndo pelas veias.
Trabalhou na Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte, onde um
de seus representantes, então vereador, hoje foragido e procurado por
corrupção, se envolveu em transações ilícitas de licitações. Na época Márcio
era superintendente de comunicação, não tendo nada a ver com a parte
administrativa. Maldita máquina hierárquica e meritocrata que se aproveita,
subverte, corrompe, manda e desmanda, porque tem anel no dedo, diploma na
parede, cargo representativo, pose de semideus, ou até de deus mesmo, como
muitos dos que se arrotam defensores da legalidade e transparência.
Para se precaver, Márcio sempre assinava a papelada da
burocracia com as iniciais O.P. (ordem da presidência) para se livrar de futuras
complicações. Mas não valeu nesse caso. Foram atrás dele achando que tinha
coisas escondidas em casa. Só acharam ele, a filha e muitos livros, além do
aconchego familiar, do reduto inviolável do lar. O arrancaram de lá assim
mesmo, não satisfeitos com a rasteira que levaram ao não encontrarem nada que
imaginavam. Mas deixaram feridas as emoções dos filhos, vizinhos, de Márcio e
derrubaram a presunção de inocência. Filmava tudo isso às escâncaras uma equipe
da Globo que já estava na porta do prédio de apartamentos, como sempre, antes
mesmo dos policiais chegarem!
Sua história sabemos porque ele está rodeado de amigos,
colegas e profissionais que o estimam e sabem quem ele é. Mas quantos outros,
mulheres e homens incógnitos, estão por aí afora sendo levados diariamente aos
camburões para serem esquecidos nas masmorras da brutalidade, insanidade,
truculência, medievalismo, sem qualquer lei e ordem. Afinal, para que servem
leis se não se encontram policiais, promotores e juízes que as respeitem em
nome do povo, pelo povo e para o povo? Quando é que nosso país vai sair das
fraldas sujas da prepotência, discriminação, elitismo e violência branca?
Como diriam nossos pais, estamos num mato sem cachorro,
embora hajam muitos cachorros soltos por aí. Levaram Márcio por conta
certamente da famigerada, oportunista e sórdida aplicação tupiniquim da teoria
do domínio do fato. Basta que alguém trabalhe em qualquer hierarquia pública em
posição de mando ou de serviço direto ao mando para que seja considerado
culpado diante de um ilícito, apenas por suspeita, convicção judicial, ou
qualquer power-point da vida que mostre qualquer esquema estapafúrdio de causa
e efeito saído de mente doentia.
Tudo isso começou com a aplicação errada, fraudulenta,
suspeita e oportunista da teoria, desenvolvida pelo jurista alemão Claus
Roxin**, por Joaquim Barbosa no julgamento do processo conhecido por mensalão.
De lá para cá a justiça brasileira abraçou o absurdo jurídico, tal como
aplicado aqui, para incriminar e condenar muitos outros numa penada, sem
nenhuma prova palpável, concreta, objetiva. Instalou-se a presunção de culpa,
afundou-se o preceito constitucional da presunção de inocência.
Pois no caso de Márcio, vale somente o domínio da foto. Basta
olhá-la para ver uma pessoa visualmente sem tiques de banditismo, malandragem,
golpismo, safadeza, pilantragem, especialidades de muitos representantes
políticos nacionais. As provas? Seu passado, se quiserem, sua ficha corrida,
tudo isso reforça,a correta aplicação do domínio do fato, quando todos os
colegas, amigos e profissionais, representados pelo Sindicato, servem de provas
suficientes e atestam a honradez de personalidade, comportamento e atitude do
presumido culpado. Além do fato dele mesmo já ter ido muito antes ao Ministério
Público, espontaneamente, dar seu depoimento sobre todo o caso.
Os tempos estão sombrios, mas com as mentes claras temos
muito o que fazer para desfazer manchas e pragas fascistas se espalhando na
sociedade brasileira. Márcio é um dos atingidos por esse vírus pestilento.
Juntemo-nos aos jornalistas e demais democratas e progressistas para combater e
livrar a nação dessa doença impiedosa, desumana, maligna e contagiosa.
Salvemo-nos todos antes que o vírus venha também atrás de nós!
Do GGN/Justificando por José Carlos Peliano, economista, poeta e
escritor.
**www.https://leonardoboff.wordpress.com/2012/11/02/dominio-do-fato-e-fato-do-dominio/
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