Não
surpreendem a ninguém os números publicados pela Folha, com base em levantamento da prefeitura
paulistana, que reveram ter quase dobrado a população de rua no centro de São
Paulo.
Mais
de 100 mil, ou muito mais, porque os próprios recenseadores admitem que não há
como chegar a cada vão de viaduto.
“O
número de indivíduos abordados não representa a quantidade de pessoas
que vive de fato nas ruas. (…) há, por exemplo, moradores da periferia que
passam dias e noites vivendo nas calçadas da região central em busca de
doações, mas em parte do mês retornam a suas casas, pessoas que estão de
passagem pela cidade, entre outras situações”.
Não
é diferente no Rio e nem deve ser na maioria das grandes cidades brasileiras.
Qualquer
um que passe pelas calçadas da Zona Sul carioca percebe que explodiu o número
de pessoas deitadas sobre caixas de papelão e cobertas com trapos.
Mães
com crianças, implorando aos passantes que lhes comprem um pacote de balas,
homens pedindo que se lhes ajude a comprar uma refeição.
Não
é novidade, não mesmo, mas era uma imensa e feia ferida deste país que vinha
cicatrizando lentamente, como sempre é com as grandes chagas.
De
alguma forma, timidamente, a sociedade, através do Estado – e, mesmo eu não
sendo seu fã, admito, das ONGs – dava-lhes o remédio do trabalho e da
consciência de que, sim, imundos, maltrapilhos, miseráveis, e, ainda que, como
escreveu Drummond, estejam “vagabundos que o mundo repeliu, mas zombam e
vivem”, continuam sendo seres humanos.
Desde
o inverno da selvageria, já não são. São, oficialmente, va-ga-bun-dos,
suspeitos da droga e do furto, quando não apenas incômodos a nos pedir um
cigarro ou uma moeda.
Para
prová-lo, dizem que só querem dinheiro, comida, sexo e bebida. Tudo o que nós,
os “normais”, afinal, queremos, é o seu pecado.
Inclinam-se
em ângulos as soleiras, para impedir que se sentem junto as vitrines do
comércio, espetam-se com pedras ou tapam-se com blocos as pontes, para que não
se deitem. Nem isso, o descanso precário e duro do cimento, podem ter.
Inútil,
eles estão por aí, e por aí mais numerosos estarão a cada dia em que
continuarem a dizer que este país precisa empobrecer para crescer, precisa
viver pior para poder, num imaginário dia distante, viver melhor, precisa ser
selvagem para ser seguro.
Assim
como não os matarão, não matarão o sentimento que nos civiliza, o da
solidariedade e o de sermos capazes de sofrer com o sofrimento alheio, como
sofreu o adolescente que tirou o agasalho que usava num junho como este, há
mais de 40 anos, para dar a um homem velho que tiritava de frio tendo apenas um
muro frio proteger-lhe as costas. Perdeu a única vaidade de roupa que já teve,
mas ganhou o que lhe aqueceria o peito por toda a vida.
Olhem
a foto da Folha, que reproduzo. São como corpos jazidos de uma guerra, de
uma chacina.
Para
muitos, com o defeito de estarem vivos, pois mortos atrapalhariam menos o
sossego público.
Mas
não estão.
Um
dia, deixaremos de ser maus e brutos, e meu país dará, de novo, a mão para que
seus filhos se levantem.
Do
Tijolaço
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