terça-feira, 18 de maio de 2021

VOTO IMPRESSO DEIXARIA BOLSONARO SEM ARGUMENTOS PARA CONTESTAR VITÓRIA DE LULA, POR VIVALDO BARBOSA

É muito estranho vermos setores progressistas, de esquerda, democráticos e vinculados aos valores republicanos defender a urna eletrônica sem impressão do voto. O voto invisível.

Anuncia-se amplamente que em nenhum lugar do mundo, ou quase, esta urna sem impressão do voto é utilizada.

Assistimos, recentemente, na eleição americana, os eleitores colocarem a cédula na máquina, que lê o voto e o computa, e a cédula cair numa urna e lá ficar guardado.

Trump quis desacreditar as eleições e tentou contestar a vitória de Biden. Os votos foram recontados em quatro estados e Trump ficou falando sozinho.

Só conseguiu algumas dezenas de fanáticos celerados para invadir o Capitólio e saiu ainda mais desmoralizado. Os votos recontados celebraram a vitória de Biden, que saiu ainda mais legitimado.

No Brasil, nenhuma recontagem pode ser feita porque não existe voto para ser recontado. É invisível.

Muitos alegam que nenhuma fraude foi apontada em 25 anos.

Claro, não há o que apontar, ninguém vê nada, tudo depende da maquininha e das pessoas que preparam e operam a maquininha. O eleitor tem que confiar nos espíritos, ficar possuído de imensa fé.

Na chamada República Velha, a falava-se de “eleição a bico de pena”. A pena fazia as atas que proclamavam os eleitos.

Contra isto se fez a Revolução de 1930, chefiada por Getúlio Vargas. O voto passou a ser feito em cédulas, contadas e recontadas.

Com o avanço tecnológico, disseram-nos que a urna eletrônica eliminaria fraudes verificadas em muitos pontos do País.

Celebramos. Só que as fraudes, que efetivamente aconteciam em muitos lugares, podiam ser desmanchadas por recontagens sob o crivo de juízes da Justiça Eleitoral, muitas vezes dedicados.

E agora, com voto invisível? Nenhuma fraude pode ser apontada, muito menos apurada.

Na última eleição, o candidato a vereador na cidade de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, Diamante Negro, brizolista de tradição, líder de seu bairro populoso, agora candidato pelo PT, impressionava pelas movimentações que fazia, o candidato a prefeito se encantava com suas caminhadas.

No final, uma ninharia de votos. Estupefato e com reação indignada dos moradores do bairro, que reclamavam seus votos, correu à Justiça Eleitoral.

Lá mostraram pra ele uma folhinha da urna com seus minguados votos, nada mais podia ser feito.

Na República Velha, exibiam as atas feitas a bico de pena; agora, a folhinha da urna eletrônica.

Aliás, o prefeito bolsonarista eleito naquela cidade surpreendeu todas as expectativas, foi eleito da noite pro dia. Muitos dizem, na noite da contagem dos votos pela urna eletrônica.

A urna eletrônica surgiu com muita publicidade pelos meios de comunicação. O cineasta Arnaldo Jabor, algo porta-voz do governo FHC no horário nobre de televisão, fez verdadeiras poesias de louvor à urna eletrônica.

Muitos externaram preocupação, a figura de Leonel Brizola à frente, com sua força política e moral, e tentaram agregar a impressão do voto à urna eletrônica.

Simples assim: o eleitor veria o voto dado, se estivesse de acordo, apertaria “confirma” e o voto cairia em uma urna.

Se houvesse contestação válida aos votos daquela urna, o juiz determinaria abrir e recontar os votos.

Como deputado federal batalhei muito para isto, ao lado de Brizola.

Técnicos e especialistas sempre apontavam as possibilidades de fraude. Mas o TSE se movimentava, o presidente na época, Nelson Jobim, à frente, nada conseguimos.

Mais tarde, deputados e senadores, que entendem mais de eleição do que juízes, aprovaram lei determinando a impressão do voto agregada à maquininha, com apoio do Presidente da República, que a sancionou.

O TSE escorregou, tergiversou, não aplicou a lei.

Levanta pretextos de custos, distorcidos, pois calculavam não apenas as peças agregadas, mas todo o custo da urna com impressão.

Acontece que os orçamentos da República são feitos pelo Congresso, não pelo Judiciário.

Aliás, o TSE construiu imenso prédio em Brasília, altamente luxuoso.

O Congresso fez mais duas leis e o TSE acionou a Procuradoria Geral da República para levar o caso ao STF, que considerou a lei inconstitucional.

De estarrecer: violaria o sigilo do voto.

Como, se o voto ficaria guardado na urna?

Aliás, a respeito, a Suprema Corte da Alemanha considerou que não imprimir o voto, e este ficar invisível, sem controle material, sem possibilidade de recontagem, viola os direitos do eleitor, fere o regime democrático e desacredita a República.

É séria e grave a preocupação com a urna eletrônica sem voto impresso.

De um lado, o mesmo grupo comanda o TSE na preparação e operação da urna e a mesma empresa ganha todas as licitações, quando são feitas. Ninguém os conhece, sem nenhuma responsabilidade pública.

Por outro lado, os que defendem a urna sem voto impresso são os setores conservadores “mais modernos”, com apoio dos meios de comunicação, que sempre tiveram atuação política nítida nos últimos tempos da vida brasileira.

Sempre de maneira contrária aos interesses populares e nacionais. E os que estão à frente do TSE impedindo a adoção do voto impresso já revelaram às escâncaras seus posicionamentos.

Agora, o Ministro Roberto Barroso acaba de fazer pronunciamento nacional (é incrível, mas um juiz se dirige à nação para se posicionar sobre processo eleitoral, usando recursos públicos para defender sua posição política).

Aliás, o Ministro Roberto Barroso assumiu posição muito incisiva votando pela manutenção da prisão do Presidente Lula na questão da prisão em segunda instância, coisa estranha que o STF criou no direito brasileiro contra texto da Constituição.

E mais incisivo ainda foi agora ao votar favorável ao Moro, decretado suspeito pelo Supremo, e pela continuidade dos processos contra Lula pela Lava Jato de Curitiba, considerados nulos.

Surge estarrecedora a posição de alguns da área progressista favorável à urna eletrônica sem voto impresso, ao lado do conservadorismo mais requintado.

E dizem ser contra porque Bolsonaro está defendendo a impressão do voto, como muitos da esquerda o fazem e já o fizeram.

Talvez, pela primeira vez, Bolsonaro defenda uma coisa com sentido. E dizem que Bolsonaro faz isto porque tem vínculos com a milícia, a impressão do voto beneficiaria a milícia.

Mas como, se o voto fica guardado na urna? O problema da milícia é grave, mas submeter as estratégias políticas progressistas à questão da milícia é pensar política de maneira muito estreita.

A impressão do voto agregada à urna eletrônica nos livraria de um problema delicado: como está pintando a derrota de Bolsonaro, com a recontagem ele e sua turma ficariam sem base para contestar a eleição de Lula.

Viomundo.

segunda-feira, 17 de maio de 2021

JAIR BOLSONARO, O BURRO E O CAVALO PRESIDENTE. POR FERNANDO BRITO

Jair Bolsonaro, para variar, já cumpriu a sua cota diária de estupidez, dizendo que são “idiotas” os brasileiros que apelam para que as pessoas permaneçam em casa ou, podendo, façam isso.

É claro que o presidente trabalha com o instinto básico das pessoas, cansadas da pandemia, a ponto de termos, agora, índices de isolamento menores do que na primeira fase da pandemia, em março/abril do ano passado.

Como qualquer marqueteiro irresponsável, diz o que as pessoas, cansadas do sofrimento que a pandemia a todos impõe, querem ouvir, não o que elas devem ouvir para preservarem suas vidas e as de suas famílias. A atração pelo fácil, sabe-se, é o atalho certo para o erro.

Bolsonaro está menos submetido à critica pelas ações e omissões no combate sanitário e na questão das vacinas contra a Covid, em si, do que pelo menosprezo, a grosseria, o charlatanismo e pela indiferença com que trata a mortandade absurda pela pandemia.

Fomos, de fato, muito mal, ao ponto de recém-divulgado estudo do Ipea – um órgão de governo, por sinal – registra que “o Brasil registrou, em proporção de sua população total, mais mortes por covid-19 em 2020 do que 89,3% dos demais 178 países com dados compilados pela Organização Mundial de Saúde (OMS)”. Quando a comparação leva em conta a idade da população, proporcionalmente, o país fica pior que os de 94,9% dos mesmos 178 países.

Mas, procure-se entre todos estes países algum em que seu presidente ou chefe de governo tenha pronunciado 10% das frases idiotas e debochadas que disse o presidente brasileiro. Bolsonaro, na calda de ignorância em que vive mergulhado, não percebe ou não se importa com a repugnância que sua figura provoca no país, achando que a Nação é mesmo o amontoado de peruas, carolas, marombados, tios de churrasco e outros personagens que habitam seu universo.

É, portanto, menos porque vai mal, mas porque evidencia-se mau, desumano e insensível que Bolsonaro vai derretendo entre todos os setores de classe média e o povão, no fogão da crise econômica.

E está prisioneiro de um duplo problema. Se os sinais de desaceleração da pandemia se confirmarem – o que acho improvável – Bolsonaro a rua contra si.

Mas se houver uma nova onda, será a terceira vez que ela o engolfará com a boca aberta a reboar asneiras.

Tijolaço.

NÃO VI OBSTÁCULOS EM CLÁUSULAS CONTRATUAIS DA PFIZER PARA COMPRA DE VACINAS, DIZ GILMAR MENDES

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, se encontrou com o então ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, no final de 2020 para discutir a obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19.

O encontro foi um dos temas da entrevista que Mendes deu ao jornal O Globo. Na conversa, Pazuello citou as exigências da farmacêutica Pfizer para negociar o imunizante com o Brasil, no que Mendes afirmou não ver “grandes obstáculos”, uma vez que vários países também estavam fechando contrato com a empresa.

O ex-secretário da Comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten, também procurou Mendes para discutir o assunto, mas com uma postura diferente da adotada por Pazuello: a queixa do secretário era quanto a demora na compra das vacinas.

“Antes dele (Wajngarten) já tinham estado aqui o então ministro Pazuello com o ministro José Levi (ex-advogado-geral da União). Foi quando iríamos julgar o caso da vacinação obrigatória. Pazuello tinha falado das dificuldades que havia no contrato com a Pfizer, as exigências da arbitragem ou a exigência de que eles não fossem responsabilizados no Brasil”, disse Mendes.

“Depois, Wajngarten fez a mesma ponderação, só que em sentido contrário, dizendo: “Todos os países estão assinando esse acordo, por que que nós não estamos?”. Ele se queixou da burocracia. Numa segunda vez ele esteve aqui, mas já não falava da Pfizer, mas sim da Sputnik”, afirmou Mendes. “Ele pareceu ansioso como cidadão e como integrante do governo. Ficam sempre atribuindo a mim mais influência do que eu propriamente tenho, né? (Ele veio) mais a guisa de pedir aconselhamento: “Ah, o senhor podia conversar com a AGU. Isso precisa ser agilizado”. A mim me pareceu que ele estava preocupado que se deflagrasse o processo (de vacinação)”.

Mendes também comentou as declarações do presidente Jair Bolsonaro se eximindo de culpa pela pandemia de covid-19, afirmando que o STF deu atribuição a estados e municípios para adotarem medidas para combater a doença. “Essa é uma abordagem parcial do fenômeno. O que o tribunal tem dito é que, diante do quadro da pandemia, estados e municípios teriam a primazia de definir medidas de isolamento social para evitar a falta de leitos. É claro que também se percebeu que, na ausência de uma ação e coordenação da União, estados e municípios poderiam tomar essa deliberação. Nunca se excluiu a União desse processo. Se houve a exclusão, foi uma autoexclusão”.

GGN.

domingo, 16 de maio de 2021

MORE BRUNO COVAS E OS IDEAIS TUCANOS DOS ANOS 80, POR FERNANDO BRITO

Triste, sob todos os aspectos humanos – 41 anos, jovem, um filho ainda garoto deixado só – a morte de Bruno Covas, o prefeito de São Paulo ocorre num tempo em que, também, o velho PSDB morre também e deixa de ser o grande partido conservador brasileiro, desde que se descolou do PMDB, nos anos 80, sob o comando do avô de Bruno, Mário Covas, para pretender ser, como chegou a ser, no período Fernando Henrique Cardoso, o partido da versão brasileira do neoliberalismo, versão tardia da dupla Reagan/Tatcher, com o seu famoso “choque de capitalismo”.

Bruno era, talvez, o último e esmaecido ícone daqueles tempos, paradoxalmente ao lado do provecto FHC que, apesar disso, não soube segurar o leme e embarcou, numa vergonhosa omissão em 2018 e acabou por ficar, ali, cúmplice do bolsonarismo, como todo o partido. Apertado entre o Dória que Alckmin colocou no ninho em 2016, conseguiu sobreviver, dizia ele que anulando o voto, ao “BolsoDória” de 2018.

Fosse assim ou não, só venceu Guilherme Boulos ano passado porque a direita despejou-lhe votos, mas também porque a sua situação pessoal carreava-lhe simpatias.

O PSDB servia-lhe de uma casca, de uma memória progressista que o partido abandonou há 30 anos, quando passou a cortejar Fernando Collor de Mello, e só por causa do velho Covas não fez parte de seu governo desastroso.

É triste, porém, que ele se vá. Que, na verdade, eles se vão: o novo Covas, tão cedo partido e o velho Covas, que, naquele 1989, não se esqueceu que vinha dos trabalhadores do Porto de Santos e não hesitou e foi combater o Collor da vez.

Tijolaço.

O ‘REI DO ÓDIO’ TEM GADO, MAS OS ESTÚPIDOS NÃO VÊEM O MONSTRO QUE CRIARAM, POR FERNANDO BRITO

Já vem de meses a história do Cinderelo da centro direita, aquele que ia surgir esplendoroso e cujo destino seria calçar direitinho no desejo dos brasileiros de “nem Bolsonaro, nem Lula”, disparando nas pesquisas para vencer as eleições de 2022.

Já estamos quase na metade do ano e nada do Cinderelo e vai chegar o fim de 2021 sem que o distinto dê as caras. Até o Luciano Huck, um dos pretendentes a isso está deixando para trás a pretensão de ser a mais velha novidade na disputa eleitoral e aceitando a muito bem paga vaga do Faustão nos domingos globais.

O que surge parece e é piada: até Danilo Gentili e João Amoedo querem se lançar ao páreo.

E, agora, fixaram-se na ideia de que podem tirar da eleição o monstrengo que fizeram presidente em 2018, apostando no seu derretimento total ou num impeachment que, embora cheio de razões há muito tempo, só agora passa a interessar porque ele é um estorvo eleitoral e não tem condições para “entregar a encomenda” de vender patrimônio e retirar direitos sociais.

O vezo golpista de parte de nossa elite é mesmo incorrigível. E é tão burra que até um microcéfalo como Jair Bolsonaro a desmonta.

Não entende que Bolsonaro conta com ela com o que ela própria procura construir no eleitorado para ter chances em 2022: um ódio e uma exclusão política que não admite o convívio com forças progressistas e de natureza social que Lula encarna.

Será que pensam que as pessoas não percebem que a busca alucinada pelo tal “3ª via” é, a esta altura, nada mais tem a ver com a perspectiva de encontrar alguém capaz de vencer Bolsonaro, mas com quem possa derrotar, com o mesmo ódio antipetista, o ex-presidente Lula?

E que Jair Bolsonaro desarma esta estratégia não se tornando mais flexível e agregador, mas fazendo exatamente o contrário: firmando-se e afirmando-se cada vez mais o inimigo, o adversário, o cruzado do antilulismo?

O que, por exemplo, Ciro Gomes ganhou com sua estratégia de apresentar-se como “Lula, PT, de jeito nenhum”? Cair de 12 para 6% nas pesquisas? O que Dória deixando de ser o “odiador” paulista do Lula por tornar-se crítico acerbo de Bolsonaro, depois do BolsoDória de 2018? Mesmo com seu desempenho com a vacina – ainda que com as tiradas demagógicas – correto e digno de todo aplauso, perdeu seu eleitorado e qualquer viabilidade eleitoral, que lhe falta até para dominar seu partido.

A exibição a cavalo de Jair Bolsonaro hoje, diante de suas manadas fundamentalistas bem poderia ser o retrato do que ele fez com a direita brasileira: é o “macho” que a montou e a controla.

Até mesmo o ex-deus Moro, artífice-mor do desastre que culminou com sua eleição foi destruído e o que remanesceu de seus “eleitores”, na sua falta, migra para o ex-capitão.

E, se Bolsonaro está a cavalo, a direita está à pé, assistindo Lula comer pelas beiradas seus eleitores e até mesmo seus quadros políticos mais lúcidos, que já buscam uma política de alianças com petista que elhes assegure posições regionais e bancadas parlamentares, que é do que vivem por falta de organicidade, que um dia tiveram com os tucanos.

Direita orgânica quem tem – com o paradoxo de adorar agrotóxicos, na plantação e na vida social – quem tem é Bolsonaro.

Tijolaço.

sábado, 15 de maio de 2021

REJEIÇÃO A BOLSONARO REACENDE PRESSÃO POR SEU IMPEACHMENT, POR FERNANDO BRITO

É claro que, numa Câmara dos Deputados controlada com mão de ferro pelo Centrão, não há condições políticas de avançar, ao menos por enquanto, um processo de impeachment contra Jair Bolsonaro e a maior prova é que o presidente da Casa, Arthur Lira, senta-se hoje sobre mais de uma centena de pedidos, sem que um só ande.

Mas a pesquisa Datafolha, publicada no início da tarde de hoje, registrando, pela primeira vez, um número de brasileiros que apoia o afastamento do presidente do seu cargo (49%) superior ao dos que consideram que o Congresso não deveria abrir um processo de impeachment (46%), mostra que a situação do ex-capitão nunca esteve tão frágil.

O perfil dos “fora, Bolsonaro”, basicamente, acompanha a divisão dos votos em Lula e na reeleição do atual presidente: mais forte entre as mulheres, os habitantes do Nordeste, entre os mais pobres e entre os jovens, enquanto o “Bolsonaro fica” predomina no Sul, entre os empresários e grupos evangélicos.

Os números, claro, deverão piorar com o andamento da CPI da Covid e a disposição parlamentar em “testar” a aceitação ao impedimento é sempre uma tentação para que, depois de garantir verbas para seus redutos, também queira se livrar da carga eleitoralmente pesada de estar com alguém tão rejeitado como o ‘ex-mito’.

A Folha, aliás, transcreveu o insólito lembrete do próprio Arthur Lira, semanas atrás, ao dizer que “remédios políticos no Parlamento” que deveriam acender “um sinal amarelo para quem quiser enxergar”.

Pois é, esta história de que “só Deus me tira daqui” que Bolsonaro anda repetindo não é muito prudente. Até porque Deus não está nem um pouco interessado em emenda parlamentar para arranjar verbas eleitorais.

Tijolaço.

PESQUISAS ELEITORAIS REMOTAS SÃO ENVIESADAS E FAVORECEM BOLSONARO, DIZ MARCOS COIMBRA DO VOX POPULI

Na última quarta-feira (12), o DataFolha divulgou uma pesquisa feita em caráter presencial em que o ex-presidente Lula (PT) dispara no primeiro turno com 41% das intenções de voto ante 23% de Jair Bolsonaro (sem partido). No segundo turno o petista venceria o atual presidente, marcando 55% contra 32% (leia mais aqui). O resultado divulgado, que diverge muito dos números de outras sondagens realizadas de maneira retoma (pela internet ou telefone), é explicado por Marcos Coimbra, do Instituto Vox Populi, à TVGGN. Para ele, sondagens à distância não funcionam bem na realidade brasileira. São enviesadas e favorecem Bolsonaro, virtual candidato à reeleição, porque ele tem mais apoio entre os estratos socialmente mais favorecidos da população. “É óbvio que uma pessoa que aceitou responder um questionário que recebeu pelo computador já está vários degraus além do cidadão comum”, declara o sociólogo.

Para defender sua tese de que pesquisa remota não funciona no Brasil, o sociólogo usa como exemplo um levantamento recente que apontou Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde, à frente de Bolsonaro, Lula, do ministro da Economia Paulo Guedes, do vice-presidente Hamilton Mourão e Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo. “Basta este resultado, do Mandetta pau a pau com o Lula, e ganhando do Bolsonaro, para você esquecer essa pesquisa”, defende Coimbra.

A disparidade dos resultados entre pesquisas remotas e presenciais está relacionada à desigualdade social do país. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 46 milhões de brasileiros não têm acesso à rede mundial de computadores e mais de 41 milhões não têm celular. “Em um País como o nosso, a pesquisa presencial é a única maneira de ouvir o que pensa o conjunto da população”, afirma Coimbra. Ele analisa que levantamentos remotos só servem para comprovar que Bolsonaro está em alta na classe média e alta.

A possível chegada de uma terceira onda da pandemia de coronavírus pode, novamente, suspender a realização de pesquisas de campo e favorecer o líder extremista de direita nos próximos resultados. “Inventou- se que era possível fazer pesquisa remota no Brasil”, mas ele espera que o “padrão de pesquisa brasileira”, ou seja, pesquisas presenciais, retorne com mais força.

DESEMPENHO DE LULA EM 2022 E TERCEIRA VIA

Na entrevista ao jornalista Luís Nassif [assista abaixo], Coimbra avalia que Lula deve se consolidar e melhorar seu desempenho nas próximas pesquisas, enquanto a tendência para Bolsonaro é se fragilizar e piorar. Quinze anos após a sua última empreitada nas urnas, na reeleição em 2006, “Lula vai poder se reencontrar com uma parte grande do eleitorado brasileiro que gostava dele antes e se reapresentar para um eleitorado mais jovem”, afirma. Há espaço, portanto, para Lula crescer, o que reduz as chances de uma terceira via. Vídeo:

GGN.

sexta-feira, 14 de maio de 2021

EX-MINISTRO EDUARDO PAZUELLO GANHA O DIREITO A UM SILÊNCIO COMPROMETEDOR, POR FERNANDO BRITO

Como se esperava, Eduardo Pazuello ganhou o direito de, querendo – e sempre que quiser -, silenciar diante das perguntas dos senadores da CPI.

Um ganho para Bolsonaro, uma derrota para o general e para o Exército.

Serão horas de humilhação e, ainda pior, de improvável autocontrole do ex-ministro, porque a garantia que o ministro Ricardo Lewandowski lhe deu foi para calar diante de perguntas onde pudesse produzir provas contra si e, portanto, assim se caracterizará qualquer questão que o faça calar.

Numa palavra: cada tema, cada situação, cada ação governamental, cada ato do Ministério diante do qual ele se cale tem, implicitamente, o valor de uma suspeita, o peso de uma silenciosa mentira, a covardia de enfrentar um problema.

Vai haver problemas em perguntas que, a rigor, não podem ser consideradas passíveis de auto-incriminá-lo, mas que incriminem a outros.

Por exemplo: “o senhor recebeu orientação do Presidente da República ou de qualquer outra pessoa estranha ao governo sobre o “tratamento precoce”? “O senhor sabia das articulações de Fábio Wajngarten para a compra de vacinas da Pfizer”? O que o senhor acha da presença do presidente da República em aglomerações, sem uso da máscara? Como o senhor se sente diante de mais de 430 mil (ou 440 mil, até quarta, dia do depoimento) pessoas”?

Calar será uma vergonha, dar uma resposta fria, uma desfaçatez.

Ainda haverá Manaus e Manaus, será um momento de humilhação constrangedora, porque Pazuello viveu lá e tem (ou tinha) pretensões eleitorais no Estado.

Talvez mesmo caiba dizer que a quarta-feira será um dia de um desastre de proporções amazônicas para o general que, mesmo em silêncio, será visto como o algoz que obedece ao que um psicopata manda.

Tijolaço.

QUEM A GLOBO CHOCA ESCONDENDO FAVORITISMO DE LULA?; FERNANDO BRITO

Se o distinto amigo e a cara amiga acham que o “choca” aí do título é relativo a “chocar”, no sentido de escandalizar, esqueça.

A Globo esconde o favoritismo de Lula na pesquisa Datafolha , da qual a emissora só publica rejeição crescente de Jair Bolsonaro, sem uma palavra quando ao favoritismo que o mesmo levantamento atribui a uma candidatura do ex-presidente, quase aplicando um “capote” ao escancarado candidato à reeleição.

Chocar, aí, é o que ela tenta fazer à espera de que ecloda de um ovo um providencial candidato de direita que não seja o Frankenstein que colocou no Planalto na esteira do lavajatismo.

Como jornalismo, é abjeto, por esconder da população um fato relevante, a pesquisa de opinião que a própria Globo sempre usa como métrica eleitoral.

Na política, e uma estupidez, porque tudo o que Lula não quer é ir para a vitrine.

Duvida?

Visitem as páginas das redes sociais do ex-presidente e vejam se ele faz algum “carnaval” com os números do Datafolha.

Zero.

Não é o marketing e não é, como já se apontou aqui, o “dedo do Duda (Mendonça)”, nem a mão de João Santana, que estão construindo esta vantagem cada vez mais larga.

Lula sabe que seu favoritismo cresce naquilo que o velho Brizola chamava de “o processo social”, não no Jornal Nacional.

Tudo o que ele não quer é ser “posto em campanha” marqueteira, mas em campanha política.

A hora de sua exposição será, no que depender dele, adiada o quanto puder e, quando soar, será soada por ele, do jeito que sempre fez e sabe fazer, o de juntar as pessoas.

Aglomerar, como se diz nestes tempos, hora que ainda não chegou.

Lula não vai se oferecer, vai ser buscado.

Tijolaço.

quinta-feira, 13 de maio de 2021

PAZUELLO ARRASTA O EXÉRCITO PARA A SUA COVARDIA, POR FERNADO BRITO

O caráter fraco, a incompetência, a desídia, a indiferença ao sofrimento humano e a covardia de Eduardo Pazuello já estão, a esta altura, suficientemente evidentes e materializadas em seus atos e omissões. Sobretudo, nos dois últimos que praticou: o expediente sórdido de apelar a uma visivelmente falsa alegação de Covid para adiar o depoimento à CPI e, agora, a autorização para que a Advocacia Geral da União impetre, em seu nome, habeas corpus preventivo, para ficar calado ao, finalmente, aproximar-se o dia de sua oitiva pelos senadores.

O mais constrangedor, agora, é o que ele atira sobre a sua condição de militar e sobre o Exército no qual é um dos altos oficiais.

Ainda que se aceite, com um bom litro d’água para engolir que era uma “missão” e não um arranjo político a sua ida para o cargo de ministro da Saúde, sem qualificação alguma para isso e capacidade político-administrativa grau zero para o momento sanitário difícil em que vivemos, mesmo assim Pazuello é um anão moral.

Primeiro, constrangeu sua arma a não pedir, tanto no exercício do cargo de Ministro quanto depois de sua infeliz passagem por ali, passagem para a reserva. Nem do ponto de vista da carreira – seja do posto, seja dos ganhos – lhe faria algum mal: está no ápice de sua trajetória possível, porque oficiais-intendentes, como ele, não podem ir além das três estrelas de generalato que já tem.

Por mais que se lhe faça a franquia de trajar roupa civil, ele é um fardado, da ativa.

Em seguida, levou o comandante do Exército a afirmar ao presidente do CPI, senador Omar Aziz, que seu subordinado não podia comparecer à audiência por “estar em quarentena” por ter tido contato com oficiais contaminados pelo vírus, mas o que se via ela ele passeando sem máscara nos corredores do Hotel de Trânsito do Exército e recebendo ministros para “combinar” o depoimento. Agora, com o pedido de HC, que torna evidente que tudo não passava de uma manobra, deixa seu comandante numa situação para lá de canhestra, por ter se tornado, mesmo provavelmente não querendo, cúmplice de uma fraude.

O pior, porém, é o fedor nauseante da covardia, que fez o próprio vice-presidente e também general Hamilton Mourão dizer que ele “não pode se furtar a comparecer e prestar lá seu depoimento”.

Porque o general poderá ganhar o direito ao silêncio, mas não o direito de não comparecer e muito menos o de escapar de repetir que “tem o direito de ficar calado” e, a cada uma destas ser acusado de covarde, fujão, medroso e a receber o desafio à sua própria presumível condição de oficial combatente.

E se responder às perguntas da minguada “tropa de choque” do bolsonarismo na CPI e calar-se perante os outros senadores vai escapar de ser chamado de “trigrão e tchuchuca” dependendo de quem fala com ele vai reclamar que um general do Exército.

Por isso, a covardia de Pazuello não é a rendição de um indivíduo: é a exposição de seus companheiros de farda e de posto.

Tijolaço.

BOLSONARO AUMENTA O PRÓPRIO SALÁRIO E DE UM GRUPO DE MINISTROS EM QUASE 70%, E´O 'TETO DUPLO'

Portaria publicada no final de abril e editada pelo próprio presidente Bolsonaro permite que os salários de algumas autoridades furem o teto e ultrapassem o valor de R$ 66 mil.

Entre os beneficiados com a nova portaria, Bolsonaro deve ter o aumento mais modesto Foto (Marcos Corrêa/PR)

Um grupo seleto de servidores, incluindo o presidente Jair Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão e ministros militares, terá aumento de salário de até 69%, estourando o teto de R$ 39.293,32 do funcionalismo. Com a regra, editada pelo presidente Bolsonaro, os salários de algumas autoridades podem passar de R$ 66 mil. As informações são da Folha de São Paulo.

A portaria foi publicada no dia 30 de abril pela Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia e entrou em vigor neste mês, com efeito nos salários a partir de junho. O impacto fiscal anual da medida é estimado pelo governo em aproximadamente R$ 66 milhões, mas pode variar.

Conforme a Folha, a portaria inova ao criar uma espécie de teto duplo, uma vez que o limite da remuneração incidirá de forma separada para cada um dos vínculos no caso de aposentados e militares inativos que retornaram à atividade no serviço público. Na prática, o teto total mensal para esse grupo privilegiado passa a ser de R$ 78.586,64.

Entre os beneficiados com a nova portaria, Bolsonaro deve ter o aumento mais modesto. O presidente recebe R$ 30,9 mil de salário e mais R$ 10,7 em outros benefícios, mas é feito um corte de R$ 2.300 para que o teto seja obedecido. Agora, a remuneração atingirá R$ 41,6 mil, uma alta de 6%.

General da reserva, o vice-presidente Hamilton Mourão terá reajuste de 63%. O abatimento de R$ 24,3 mil para respeitar o teto não deve mais ser feito. Assim, a remuneração mensal passa de R$ 39,3 mil para R$ 63,5 mil, diferença de 62%.

O ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, terá o maior reajuste entre os militares do primeiro escalão federal. O desconto mensal de R$ 27 mil poderá ser incorporado, elevando o salário mensal para R$ 66,4 mil, incremento de 69%.

Já o ministro da Defesa, Walter Braga Netto,  terá aumento de R$ 22,8 mil, totalizando R$ 62 mil por mês, 58% a mais. Número 1 do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno deve passar a receber R$ 23,8 mil a mais, totalizando R$ 63 mil, alta de 60%.

Titular do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, com elevação de R$ 17,1 mil, indo a R$ 56,4 mil por mês (aumento de 44%).

O Ministério da Economia informou à Folha que 70% das mil pessoas que serão beneficiadas pela regra são médicos e professores. O teto duplo vale para profissionais dessas áreas que acumulam funções.

 A pasta afirma que a portaria adequa o cálculo do teto a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU).

Dom Total.

A LIBERDADE PELAS MÃOS DO POVO PRETO É A VERDADEIRA HISTÓRIA DO 13 DE MAIO E DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO

Movimento negro e pesquisadores ressaltam luta social de cativos e abolicionistas como causa do fim da escravidão.

Racismo e violência do Estado ainda assolam a população negra 133 anos depois da Abolição - Foto: Carl de Souza/AFP.

A sanção da Lei Áurea, que há exatos 133 anos aboliu oficialmente o trabalho escravo no Brasil, consolidou o 13 de Maio como uma data de protestos contra violências que atravessaram séculos e continuam vitimando a população negra. 

Uma realidade que, por si só, coloca em xeque a narrativa registrada por muito tempo nos livros de história de que os males da escravidão teriam sido sanados no momento seguinte à assinatura de Princesa Isabel.

Matheus Gato, professor da Universidade de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Núcleo Afro do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), afirma que o 13 de Maio é uma data importante pelo simbolismo que adquiriu nas lutas sociais do Brasil e pelo processo social que fora interrompido, transformando o significado de pertencimento dos negros à nação brasileira. 

Mas, explica que, ao longo do século 20, a data engendrou uma série de disputas de imaginário sobre como realmente se deu o processo da abolição.

“Primeiro, tínhamos uma narrativa que enfatizava muito a importância do Estado, na qual a abolição aparece como uma dádiva e não como uma conquista de movimentos sociais, uma conquista popular. De uma certa maneira, o 13 de Maio fez parte dessa narrativa de que as conquistas do povo brasileiro, no fundo, foram concessões. Aí está a armadilha ideológica”, aponta Gato. 

Enxergar o processo da Abolição como farsa, a partir da anulação do protagonismo das camadas populares, é uma tônica histórica do movimento negro, como defende Seimour Souza, ativista da Uneafro Brasil. 

Segundo ele, o 13 de Maio representa uma abolição para a população branca que escravizava negros e negras, e que, após a assinatura da lei, não indenizou a população preta e permaneceu sem criar mecanismos de amparo e inclusão no mercado de trabalho aos ex-escravos e seus descendentes.

Por isso, é importante relembrar a data e suas consequências, mas em uma perspectiva completamente oposta à celebração ou reconhecimento à monarquia, regime então vigente no Brasil quando foi promulgada a lei abolicionista.

“O 13 de Maio é um dia de denúncia contra o Estado brasileiro que ainda é responsável pela condição de miserabilidade e vulnerabilidade que a população negra enfrenta. Não só hoje, mas ao longo da história. Tudo isso se dá por um tipo de abolição inconclusa, que deixou ao léu milhares de pessoas por todo Brasil”, afirma Seimour. 

O analista ressalta que a luta do povo negro pela abolição surgiu desde o primeiro momento que uma pessoa escravizada foi trazida da África, contra um regime que buscava manter o controle social dos corpos negros, sem qualquer benevolência:

“Nossa luta não começou ontem, não começa hoje. Nossos ancestrais um dia ousaram sonhar com a liberdade, e nós somos frutos desses sonhos. Somos frutos de uma gente que sobreviveu ao horror com altivez, de uma gente que sonhou com um futuro diferente. Somos frutos de teóricos e militantes como Abdias Nascimento, Lélia Gonzáles, Guerreiro Ramos, que há muito tempo denunciam a farsa da abolição”. 

Para Matheus Gato, apontar a abolição como um engodo, de forma crítica, é interessante na medida que alerta para a existência e a persistência do racismo, a despeito do fim da escravidão. Ele pondera, entretanto, que há o risco de incorrer em uma visão simplificada dos processos sociais. 

O pesquisador traça um paralelo com a Constituição de 1988, já que, embora até hoje muitos direitos previstos na Carta Magna não sejam de fato assegurados, a Constituição Cidadã não deixa de ser uma conquista da luta pela democracia.

Gato ainda cita a convocação da Coalizão Negra Por Direitos para manifestações em todo país nesta quinta-feira (13), pelo fim do racismo, do genocídio negro e das chacinas como um exemplo de ressignificação da data histórica, como um dia importante na consciência antirracista. 

A mobilização exige justiça para as vítimas na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, e de todas as operações policiais que resultaram em mortes nas favelas e comunidades do Brasil.

Ainda que 1888 e 2021 sejam momentos históricos muito diferentes, o pesquisador sublinha que, ao olhar para ambos, a retirada de direitos da população negra é um dos principais pontos em comum.

“Era isso que estava em jogo com a abolição. E é isso que está em jogo com a luta contra a violência de Estado. A pergunta é essa. A população negra tem ou não tem direitos civis? Se existe algum tipo de permanência e continuidade que tenha paralelo, embora a linguagem seja diferente e o tempo e as questões sejam outras, é que a instabilidade e a insegurança dos direitos civis dos afrobrasileiros permanece como uma dura realidade”, diz Gato, organizador do livro Treze de Maio: e outras estórias do pós-Abolição. 

A obra reúne, de forma inédita, contos de Raul Astolfo Marques, escritor e intelectual negro que viveu em São Luís do Maranhão durante a passagem do século 19 para o 20. Os textos retratam como as pessoas negras, em particular, enfrentaram as mudanças e transformações do pós-abolição, dando ênfase para importância dos movimentos sociais e da resistência as novas dinâmicas de inclusão e exclusão que surgiram desde então.

“HERÓIS INVISÍVEIS”

Na opinião de Seimour Souza, da Uneafro Brasil, a historiografia oficial tentou apagar a resistência de expoentes do movimento negro não dando visibilidade para suas trajetórias. Ainda que a história de Zumbi dos Palmares e Dandara, por exemplos, tenham se tornado mais conhecidas nas últimas décadas, muitos lutadores como Zacimba Gaba, Tereza de Benguela e Luísa Mahin, entre outros, não recebem o devido reconhecimento.

Gato, por sua vez, endossa que a compreensão coletiva do que foi a abolição enquanto processo social, de mobilização civil, também é afetada por esse apagamento que atingiu “não só randes abolicionistas negros ou brancos, como Joaquim Nabuco, mas gente comum que aceitou esconder uma pessoa escravizada, fugida. As rotas de fuga, a formação dos quilombos. Essa agência popular, de modo geral, ficou apagada nesse processo”. 

Ele afirma ainda que a mobilização dos extratos populares que lutaram pela liberdade do povo negro “mudou a estrutura de percepções no Brasil”.

“A Abolição não é só uma reforma política. Foi passar a pensar o mundo de uma forma completamente diferente do que era. Reorganizar a forma como classifica as pessoas. Mudam-se sentimentos e concepções.”

LUIZ GAMA, DO JORNALISMO AOS TRIBUNAIS

Ainda que tenham tentado contar outra história sobre o processo da abolição e apagar o passado escravocrata, de acordo com Ligia Fonseca Ferreira, escritora e professora de Letras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), nos últimos 30 anos se fortaleceu uma corrente historiográfica, acompanhada pelo atuação do movimento negro, que juntos batalham pelo reconhecimento das figuras que fizeram a história do Brasil.

Entre os abolistas que são referências está o chamado “quarteto negro” composto por André Rebouças, José do Patrocínio, Ferreira de Menezes e o pioneiro Luiz Gama, um dos mais proeminentes pensadores e ativistas do século 19.

Ferreira é especialista na obra de Gama, considerado o maior abolicionista do país.  Nascido em 1830 na cidade de Salvador (BA), era filho de pai branco de origem portuguesa e Luiza Mahin, negra livre que participou de insurreições de escravizados.

Foi vendido como escravo aos 10 anos de idade e se alforriou apenas aos 17. Autodidata, aprendeu a ler e a escrever sozinho, e sem cursar a universidade, estudou Direito para advogar em defesa de escravos. 

Respeitadíssimo pelos demais abolicionistas e o mais velho deles, era chamado por José do Patrocínio como "nosso general". Gama advogou pela libertação de mais de 500 escravos, sem cobrar honorários, sustentando-se como jornalista.

Em setembro do ano passado, Ferreira organizou e lançou Lições de Resistência: artigos de Luiz Gama na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro, livro publicado pela Edições Sesc, com objetivo de jogar luz à obra jornalística de Gama.

"Luiz Gama insere uma perspectiva negra em órgãos da imprensa de São Paulo de forma pioneira. Nos primeiros periódicos ilustrados como Diabo Coxo e Cabrião, ao lado do cartunista italiano Ângelo Agostini. E depois na imprensa abolicionista e republicana. Luiz Gama é uma presença constante nesses movimentos todos. Fazia da imprensa um lugar para expor suas ideias e mostrar para o povo brasileiro, nas palavras dele, "a maneira extravagante" como se administra a Justiça do Brasil”, comenta Ferreira.

Ela destaca que, à época, tanto o jornalismo como o Direito eram lugares de influência, de poder, onde era rara a presença de homens negros. 

Para a publicação da obra, a especialista mergulhou em arquivos físicos e digitais para realizar um levantamento desde 1864, data na qual a primeira publicação de Gama foi localizada, que vai até 1882, ano em que o intelectual publicou seu último artigo 15 dias antes de morrer.

A docente da Unifesp ressalta a importância da obra por possibilitar que os leitores “leiam Luiz Gama e não sobre Luiz Gama”, conhecendo de fato a obra original e a dimensão da trajetória do abolicionista.

“A faceta do jornalista não pode ser esquecida. Não é lembrar a memória de um abolicionista, apenas, mas lembrar a dinâmica de um homem que tinha um público, que era ouvido. Escrevia para ser lido. Ele dispensava porta-vozes.  Como costumo dizer, ele não só escrevia notícia, mas ele era notícia.”

A professora da Unifesp detalha que, também enquanto poeta, Gama marcou a literatura brasileira. Grande orador, defendia os direitos dos escravizados com a autorização de advogado provisionado, que o permitia exercer a profissão mesmo sem o bacharelado. 

Em um momento em que ainda não havia defensoria pública, Luiz Gama possibilitou, com seu trabalho, o acesso de inúmeros negros à justiça / Reprodução/Nação.

Nas matérias jornalísticas, não perdia a chance de denunciar a conivência de juízes para manutenção da propriedade escrava, dando publicidade às ideias abolicionistas com grande habilidade retórica e agudas análises político-jurídicas.

“Temos relatos e comprovação documental que Luiz Gama encarnou uma liderança, uma coisa improvável, rara, especialmente em meados do século 19, onde se acreditava na inferioridade racial e na incapacidade congênita dos negros, africanos e descendentes, de praticarem as artes e ciências. Luiz Gama então, nesse sentido, vai mostrar exatamente o contrário de tudo isso.”

A memória de Luiz Gama é celebrada pela imprensa negra do século 20 pelas associações negras e pela maçonaria, que garantiu que seu nome Gama batizasse ruas e avenidas pelo Brasil.

 ‘‘Se algum dia [...] os respeitáveis juízes do Brasil, esquecidos do respeito que devem à lei, e dos imprescindíveis deveres, que contraíram perante a moral e a nação, corrompidos pela venalidade ou pela ação deletéria do poder, abandonando a causa sacrossanta do direito, e, por uma inexplicável aberração, faltarem com a devida justiça aos infelizes que sofrem escravidão indébita, eu, por minha própria conta, sem impetrar o auxílio de pessoa alguma, e sob minha única responsabilidade, aconselharei e promoverei, não a insurreição, que é um crime, mas a ‘resistência’, que é uma virtude cívica [...]’’ 

LUIZ GAMA, CORREIO PAULISTANO, 10 DE NOVEMBRO DE 1871

O anti-monarquista aguerrido morreu em 1882, anos antes de assistir seus dois grandes sonhos, para qual tanto contribuiu, tornarem-se realidade: a abolição e a Proclama da República, em 1889.

 Mais de cem anos depois, Seimour Souza, militante do movimento negro, condena a continuidade de políticas de embranquecimento e de eugenia, a exemplo da violência policial.
"Somos submetidos historicamente a um cotidiano de violência, ao cárcere, à morte, a um verdadeiro genocídio e a perseguição de expressões religiosas de matriz africana. É a continuidade do extermínio. Uma tentativa de apagamento étnico e a despeito disso o movimento negro vem há anos denunciando essa grande farsa que é a democracia racial", finaliza o militante da Uneafro.

Brasil de Fato.

PESQUISA PRESENCIAL DO DATAFOLHA LULA SEPULTA A ‘3ª VIA’, POR FERNANDO BRITO

Há um dado que explica a diferença dos dados da pesquisa eleitoral do Datafolha, que aponta uma disparada no favoritismo, agora absoluto, do ex-presidente Lula na disputa presidencial em 2022.

Ela é presencial e não por telefone, como a maioria das que vinham sendo realizadas até agora e, portanto, não tem as distorções provocadas por este tipo de acesso ao eleitor que as feitas por via telefônica.

O resultado é acachapante e mais, até do que os números mais que expressivos: Lula vence do primeiro turno com 41% das intenções de voto contra 23% de Jair Bolsonaro e, num possível 2° turno, aplicar um implacável 55% a 32% no atual presidente.

Num resultado eleitoral real, no qual não se contam nulos ou brancos, isso quer dizer mais de 60% dos votos válidos, tanto quantos recebeu em 2002 e 2006.

O resultado da pesquisa tem, porém, mais indicadores do que o simplesmente numérico. A política vale mais.

O primeiro deles é a “murchada” que ele induz ao surgimento de uma “terceira via”.

De Amoedo a Moro, todos os demais candidatos ficam entre 2% e 7%. Isto é, não existem como “perspectiva de poder”, como costumam dizer os políticos.

Ou seja, não atraem apoios políticos de outras forças pela expectativa de estarem ou orbitarem o poder.

Será que alguém acha que os contatos de políticos de centro e centro-direita com Lula, na semana passada, são pelos olhos do ex-presidente?

Informações importantes: Lula captura, num segundo turno, a maioria dos votos dos que preferem, na primeira volta eleitoral, Ciro (6%), Dória (3%) e Luciano Huck (4%), enquanto Bolsonaro, claro, herda a grande maioria dos moristas, que seriam 7%.

O ex-presidente, segundo o Datafolha, está vencendo Bolsonaro até entre os que ele acha serem a sua maior força: ele tem 35% entre os evangélicos, ante 34% de intenção de voto pró-Bolsonaro entre os que se declaram com esta confissão religiosa.

O favoritismo absoluto de Lula não vai fazer, entretanto, que ele adote uma linha politicamente mais estreita, por duas básicas e óbvias razões.

A primeira, que ela estimularia o “salto alto”, o “já ganhou”, tantas vezes fatal.

A segunda, e mais importante, é que ele sabe que é preciso que a vitória precisa ser estrondosa, com a redução do bolsonarismo sendo tão evidente que faça recolherem-se os ímpetos golpistas e sirva como balde de gelo na febre de ódios fundamentalistas que ele conseguiu injetar na sociedade.

Ainda não é hora de fazer subir a onda Lula que, adiante, não será uma “marolinha”, mas um tsunami.

Tijolaço.