Confira o comentário de Nassif na íntegra logo abaixo:
Como
a falta de comando no MPF resultou, nos últimos anos, em ações anticorrupção
mais onerosas para o país do que a própria corrupção
Saiu
na Ilustríssima da Folha S. Paulo, deste domingo (02), um belo artigo, escrito
por Caio Farah Rodriguez, com o título 'Além de enfrentar a corrupção, Lava Jato impõe capitalismo a
empresários', mostrando a lógica sistêmica dos acordos de leniência.
Farah
Rodriguez não compara a Lava Jato com a operação italiana Mãos Limpas, mas sim
compara com um caso que foi à Suprema Corte norte-americana em 1954, sobre a
discriminação contra uma menina negra em uma escola. Na sentença, qual foi a
ideia aplicada? Você tem hábitos arraigados de corrupção, discriminação, por
exemplo, e o papel da sentença não é, meramente, punir, ela tem que definir uma
maneira de romper com aquele sistema já estratificado. Então, nesse caso da
menina, a escola foi obrigada a aceitá-la, mas, não apenas isso, teve que
aplicar a condução adequada para a garota. Então, o distrito teve que
providenciar a segurança dela. Assim, foi sendo criado todo um microuniverso em
torno daquele ato para romper com hábitos estratificados.
No
caso do acordo de leniência, Farah Rodriguez mostra idealmente quais seriam os
reflexos da Lava Jato, mesmo com todos os erros cometidos. Então você pega uma
grande empresa, por exemplo a Odebrecht, faz um acordo de leniência
suficientemente severo, porque se não for cumprido o que se definiu no pacto a
empresa acaba. Então isso obriga a empresa, dentro daquele universo dela, a
estender as relações virtuosas a todo o seu corpo de fornecedores e de
clientes, porque ela não pode mais aceitar o tipo de jogo ilegal.
Dessa
forma você vai criando esses universos saneados, digamos, que acabam se
ampliando e rompendo a cadeia da corrupção. No caso brasileiro, o artigo coloca
bem isso, existe toda uma estrutura viciada, histórica e política que acabou
virando regra em todas as relações com o setor público.
Mas
o artigo não aborda todos os eixos, entrando no campo jurídico, sociológico e
político. Quando você lança ações anticorrupção com essa envergadura e com
interesses partidários, claramente definidos, você confere um poder na ponta e
está tratando com pessoas humanas, como se diz. No judiciário, sempre que você
vê uma falha, uma fraqueza de um magistrado, de um ministro da alta corte, os
juristas operadores do direito dizem: 'mas ele é humano'. Mas esses são
excessivamente humanos.
Então,
o artigo analisa, conceitualmente, idealmente os desdobramentos da Lava Jato,
mas não fala do conjunto de abusos que acabam cometendo quando não se tem
comando a frente do Ministério Público.
Vamos
pegar um exemplo, do caso Gripen - Como o MPF criminalizou a compra do Gripen. Aqui eu uso um
artigo do Roberto Godoy, repórter especialista do Estadão, muito bom, na área
de defesa, chamado 'Novo caça brasileiro começa a alçar voo'. A política foi um
feito extraordinário para o Brasil, você teve a licitação do FX, inicialmente
se queria o Sukhoi, da Suécia, mas os Estados Unidos pressionaram pela Boeing.
Dilma acabau optando pelo Gripen, sueco, porque a aeronáutica tinha optado por
ele, por ser o que permitia a maior transferência de tecnologia.
Resultado:
temos hoje os primeiros aviões que estão em teste. Assim que as 36 unidades
começarem a chegar, em 2019, em pouco tempo o Brasil estará participando desse
restrito universo dos países que vão disputar esse mercado dos aviões
supersônicos.
Tempos
atrás, nos anos 1990, houve o projeto do Supertucano da FAAB, onde a Embraer
participou do desenvolvimento. Com isso a empresa brasileira ganhou grande
competência técnica nessa área de supersônicos, o que até então não tinha. O
acumulo de conhecimento ajudou, posteriormente, a Embraer a lançar sua linha de
aviões comerciais maiores. Do mesmo modo a tecnologia absorvida com o Gripen
vai permitir grandes avanços na própria aviação civil.
Esse
programa, portanto, foi um processo sistêmico envolvendo Forças Armadas, a
decisão política com o então ministro Nelson Jobim, com o Lula, principalmente,
a Dilma refazendo o diagnóstico inicial e aceitando que o grande avanço seria a
transferência de tecnologia. Porém, tudo isso foi resumido pelo Ministério
Público a um caso de escândalo absolutamente inverossímil.
O
que o MPF considerou? Tinham muitos consultores da SAAB-SCANIA, sendo um deles
um senhor que conheceu o Lula anos atrás, ainda no tempo da indústria
automobilística, e, para fazer uma graça, resolveu o Lula, já fora do governo,
arrumar esse senhor como patrocinador para um campeonato de rugby do seu filho.
Então,
o que fazem esses procuradores? Pegam uma licitação de 10, 15 bilhões de
dólares e dizem que aqueles 2 milhões, ou 1,5 milhão de reais de patrocínio tem
uma vinculação. Por que isso acontece? É uma profunda ignorância econômica de
todo processo de transferência de tecnologia. O coitado do procurador vai para
o Distrito Federal, saí um dos factoides dos jornais, de viés partidário e
político, daí aquilo é transformado em representação que vai parar na mão do
procurador que tem que mostrar serviço, daí ele sai buscando pelo em ovo de
todo o jeito.
O
grande erro é a fala de comando que perdurou durante todos esses anos no
Ministério Público Federal.
O
que um procurador deveria fazer? Quando começa esse terremoto de buscar
escândalo em qualquer lugar, realizar um curso chamando os procuradores, forma
um grupo de trabalho para discutir o que são os financiamentos do BNDES, o que
é o acordo FX, como foi toda a tramitação, as instâncias que foram envolvidas.
Isso tudo faltou nesse período. Então, o procurador recebe a representação e
tem que mostrar serviço. Veja, portanto, o desperdício que ocorreu esses anos
todos com o conjunto de factoides, desviando procuradores de trabalhos em cima
dos escândalos que existem efetivamente.
Em
suma, um grande desperdício de mão de obra especializada atendendo a um jogo
com a mídia e, com isso, se partidarizando com a mídia. É isso que se espera da
nova Procuradora-Geral, é impedir esses desperdícios e que uma ação
anticorrupção acabe ficando mais onerosa para o país do que a própria
corrupção. Os primeiros pontos que ela coloca na sua plataforma são relevantes.
Então, o que esperamos, é essa profissionalização que traz esses princípios, a
renovação que traz esperança para o MPF e que ele possa se constituir,
efetivamente, em uma força inteligente, e não nessa força cega em que se
transformou com esse exibicionismo e essa falta de limites da Lava Jato.
Foto: Saab Planet Do GGN
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