Peça 1 – a falência das
democracias representativas
Até alguns anos atrás, cabia à esquerda a defesa da democracia
direta, em lugar da democracia representativa. Sua estrutura complexa, seus
ritos, suas limitações, faziam com que os avanços sociais e a modernização
política, na democracia direta, ocorressem em ritmo muito lento.
Com as redes sociais, esse descompasso se acentuou. As redes
sociais passaram a refletir e a multiplicar, de forma imediata, expectativas e
anseios da sociedade. E a democracia representativa continuou presa a modelos
estáticos e, em todos os países, contaminada pelo financiamento de campanha e
pelas formas de imbricação com o capital privado.
Lá por volta de 2008, 2009, o GGN divulgou os primeiros
trabalhos mostrando a decadência e a crise próxima das democracias
representativas. De um lado, as ONGs começaram a tomar o lugar dos
parlamentares, na representação de setores. De outro, os blogs (antes da
explosão das redes sociais) tomando o lugar da mídia convencional e acentuando
o desarranjo nos sistemas de opinião pública.
Estava em xeque não apenas o sistema partidário, como os
partidos políticos, o modelo sindical, os modelos convencionais de mídia. Hoje
em dia, há uma destruição de tudo o que representa a velha ordem ou signifique
poder: partidos políticos, Justiça, universo de celebridades, grupos de mídia,
modelo sindical, em uma autêntica rebelião das massas e de advento do imbecil
coletivo.
Peça 2 – os casos
internacionais
Dois episódios recentes mostram essa tendência destrutiva.
Na França, a rebelião contra o reajuste dos combustíveis,
paralisando o país em manifestações espontâneas que, por isso mesmo, não
dispõem de lideranças para negociar. É uma onda que tende a se espalhar pelo
país.
No Japão, a destruição do mito Carlos Ghosn, o mitológico
libanês-brasileiro que revolucionou a indústria automobilística do país.
Ghosn conquistou feitos notáveis, como salvar a Nissan da
falência, transformando-a na mais lucrativa grande indústria automobilística do
mundo. Agora, estava trabalhando na recuperação da terceira grande montadora
japonesa, a Mitsubishi Motors.
Conseguiu se impor em ambientes com culturas totalmente
diversas, como a Michelin no Brasil e nos EUA, a Renault, na França. E, seu
maior feito, recuperar a Nissan e a Mitsubishi em um país impenetrável para
ocidentais de qualquer nível.
Tornou-se uma lenda no Japão. Mesmo assim, foi preso, acusado
de sonegação e de se valer das mordomias da empresa.
Mesmo sendo graves, os pecados de Ghosn não eram capitais. Em
vez de uma condenação pecuniária, procuradores japoneses optaram por destruir o
personagem, com a mesma sanha punitivista com que procuradores brasileiros
destruíram empresas, setores inteiros e milhões de empregos.
Quanto vale um Ghosn ativo e quanto vale um Ghosn preso? É
uma conta fácil de fazer. A onda punitivista não fecha a conta do
custo e beneficio. O prazer da vingança custa caro. Um executivo é um
ativo real, tem valor de mercado, custa décadas para formar.
Se no Japão e na França o espírito persecutório se impõe na
opinião pública, o que não dizer de um país coalhado de instituições toscas,
como o Brasil?
Peça 3 – a ditadura
brasileira
As manifestações do novo Ministro das Relações Exteriores –
um gnomo ameaçando devassar a gestão do gigante Celso Amorim -, as manifestações
dos três príncipes-herdeiros de Jair Bolsonaro, o festival de mentiras que
cercou a saída dos cubanos do Mais Médicos, o indiciamento de Fernando Haddad,
são indícios veementes do caminho em direção à ditadura.
Se vai ser bem sucedido ou não, a história dirá. Mas, com
esse risco no caminho, fica clara a estratégia do presidente do STF (Supremo
Tribunal Federal) Dias Toffoli, de propor um pacto dos três poderes.
Esta semana, ele recebeu Bolsonaro, Sérgio Moro, enfatizou a
legalidade no impeachment de Dilma Rousseff e na prisão de Lula. A exemplo do
episódio da ditadura – justificando o golpe de 64 como culpa dos radicais de
esquerda e direita -, a ideia é flexibilizar os conceitos de democracia e de
direito, para evitar chacinas maiores do estado de direito.
Ou seja, na democracia mitigada aceitam-se abusos contra
Lula, o endosso ao golpe do impeachment, a reinterpretação da história do país,
para evitar possíveis Noites de São Bartolomeu que estão no radar dos
conquistadores.
Vale conferir qual será a atitude do STF quando o estado de
exceção se ampliar e ultrapassar os limites desse novo normal. Vai se encolher
novamente, ou a linha de defsa irá funcionar?
Peça 4 – o novo normal
A grande questão é que, no quadro de selvageria atual, a
velha mídia perdeu totalmente a condição de mediadora dos conflitos em que se
envolve o poder público.
Antes uma extravagância qualquer era combatida com o uso da
razão, argumentos razoáveis, e a divulgação de manifestações de intelectuais e
celebridades – que ajudavam a definir os limites dos atos e manifestações de
poder.
Agora, tudo isso foi por água abaixo. Qualquer argumento
racional é derrubado com um zurro dessa nova elite troglodita.
Os novos influenciadores não são jornalistas, atores de
novelas, cantores populares, mas Youtubers valendo-se de pantomimas e slogans
simplórios como formas de comunicação. E apelando, sempre, para os dois
instintos mais primitivos: o ódio contra o medo.
A maneira como esse novo normal se insere no dia-a-dia fica
mais clara nas especulações sobre quem serão os novos ministros de Bolsonaro.
Falta um apanhado hilário (não fosse trágico) da maneira como
se apresentam os candidatos. Só faltou se vestirem de dançarinas do cancan e
rebolarem frente às câmeras das redes sociais. Mais curioso ainda é a maneira
como suas extravagâncias são interpretadas pela mídia.
No Twitter, Xico Graziano, ex-assessor pessoal de Fernando
Henrique Cardoso, radicaliza a cada dia suas mensagens, na esperança de
encontrar um lugar na Arca de Bolsonaro. Chegou a deblaterar contra a
influência esquerdista nas escolas. Imediatamente um jornal o apresentou como
favorito para o Ministério do Meio Ambiente. Ou seja, basta um besteirol
preconceituoso qualquer, para, na leitura torta dos repórteres, o sujeito se
habilitar a um cargo relevante.
Aí, a impávida Maitê Proença entra em cena, para dizer que o
povo não quer direitos não: quer comida. E ganha uma manchete como nova
favorita ao Meio Ambiente. Toca o pobre Xico Graziano e empunhar a clava do
preconceito, marretando sem dó a cabeça de algum MST, para recuperar o espeço
perdido.
Até que um dos príncipes herdeiros entra em cena, e tuita uma
mensagem para pararem com especulações bestas sobre futuros Ministros.
Esse quadro já estava desenhado anos atrás, quando ficou clara
a maior eficiência das igrejas sobre partidos políticos e sindicatos. Grande
parte delas se vale apenas da pauta moral e da autoajuda. Não há um conjunto de
valores consolidados, como nos partidos políticos e sindicatos, com mudanças
lentas de conduta, dependendo do aval de assembleias ou maiores parlamentares.
Peça 5 – a recuperação
da racionalidade
Em um ponto qualquer do futuro, é possível que se defina um
novo modelo capaz de domar a bestificação das ruas.
No momento, há sinais de que a pauta moral se espalhou por
todos os poros do país, da classe média ao Judiciário, do Ministério Público às
Polícias Militares.
Não há consenso sobre nada além do punitivismo contra os
|inimigos|. Entrou-se em uma espiral que induzirá, a cada dia, a mais retórica,
mais incontinência verbal, mais fanfarronice inútil – como a desse
inacreditável futuro chanceler.
Em outros momentos, seria possível prever o esgotamento da
barbárie e a volta do pêndulo. Hoje em dia, não. Apesar dos alertas do general
Mourão, que atuará como espécie de preceptor de adultos imprevisíveis.
racionalidade está conseguindo se impor em duas
decisões solitárias.
A primeira, do indicado para a Controladoria Gral da União,
Wagner de Campos Rosário, propondo isenção de punição a empresas que revelarem
corrupção. E a obrigação de empresários denunciados de vender a empresa,
punindo a pessoa física, mas preservando a empresa.
A segunda, a indicação de Ivan Monteiro para presidente do
Banco do Brasil. Funcionário de carreira do banco, ele estava na diretoria
financeira da Petrobras. Monteiro é considerado funcionário exemplar e técnico
competente.
GGN
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