Peça 1 – o
fundamentalismo de Bolsonaro
Algumas decisões dos últimos dias mostram que o governo
Bolsonaro caminha para a implantação de um fundamentalismo religioso no país,
uma Teocracia, atropelando qualquer veleidade de racionalidade e de
pragmatismo. A pequena esperança de que houvesse um grupo interno com alguma
racionalidade – os chamados generais da infraestrutura – se dilue.
Ernesto Araújo, indicado por Olavo de Carvalho para o
Ministério das Relações Exteriores, é membro da ultradireita mais pirada, para
quem a salvação do mundo está no presidente norte-americano Donald Trump.
Nos EUA, Trump está em escala descendente, acossado por todos
os lados. No círculo fechado do Partido Republicano, é dado como irrecuperável,
inclusive para tentar a reeleição. Tinha 90% da mídia contra ele. Agora, tem
100%. E o Brasil vai atrelar seu vagão nesse trem.
Com personagem de tal nível, o Brasil desaparecerá do mapa
diplomático mundial.
O segundo, o fim do programa Mais Médicos, com Bolsonaro
brandindo argumentos irracionais, sem a menor preocupação com a situação de
saúde dos municípios beneficiados pelo programa.
Terceiro, a intenção de mudar a embaixada brasileira de
Israel para Jerusalém. No início, não havia nenhuma explicação plausível para a
medida. Só agora ficou claro que a motivação é de cunho estritamente religioso.
Grupos influentes de evangélicos acreditam que, segundo a Bíblia, o caminho da
salvação passa por Jerusalém. Pouco importa o fato de os países árabes serem
grandes importadores de produtos brasileiros. Pelas últimas indicações, Bolsonaro
fincará pé na proposta de fundo bíblico enquanto monta sua Arca de Noé.
Quarto, os ataques do futuro Ministro Paulo Guedes ao
Mercosul e à Argentina, de longe o maior importador de carros brasileiros.
Como um governo fundamentalista enfrentará os problemas que
se avizinham?
Peça 2 - a economia
internacional
No plano internacional, há uma deterioração no ambiente
externo.
No começo do ano, o mercado especulava se os juros
norte-americanos chegariam em 3% ao ano. Agora, especula-se se irá parar em 3%
ou seguir adiante.
Para entender o jogo:
Nas últimas décadas, a grande força deflacionária da economia
norte-americana foram as manufaturas da Ásia - da mesma maneira que os
alimentos da América Latina no início do século 20. Em ambos os casos, ocorreu
uma inflação de ativos, não de bens e serviços.
Agora, identificam-se novas pressões de preços. A inflação
continua sendo de ativos, devido ao fato da política monetária expansionista
norte-americana - a chamada quantitative easing - não ter atacado o
problema central, as bolhas de ativos.
A estratégia de Donald Trump era desvalorizar o dólar, para
aumentar a competitividade da produção interna. Com a política de juros do FED,
ocorrerá o contrário: uma nova valorização do dólar. Ao mesmo tempo, com a
crise econômica rondando a Itália e a Alemanha, haverá maior probabilidade de o
Banco Central Europeu continuar comprando US$ 40 bilhões de euros/mês. Com isso
haverá um descolamento progressivo do dólar.
Na medida em que não conseguirá desvalorizar o dólar, a
maneira de Trump melhorar a competitividade norte-americana será através da
elevação de tarifas, acirrando a guerra comercial. Como não há formas de
substituir internamente as importações da Ásia, o resultado será as empresas
norte-americanas passarem a pagar mais caro pelos produtos importados,
produzindo uma inflação de custos.
A reação do FED deverá ser de novos aumentos da taxa básica
de juros, com a consequente nova valorização do dólar.
As consequências sobre o Brasil serão da seguinte ordem:
Maior desvalorização cambial em relação ao dólar. O mercado
já trabalhar com a possibilidade de dólar a R$ 4,00 no próximo anos.
Aumento da taxa Selic. Mercado já trabalha com a hipótese de
Selic a 8% no próximo ano.
E, aí, surgem nítidas as vulnerabilidades do governo Bolsonaro.
Peça 3 – o fator Paulo
Guedes
O atual presidente do Banco Central, Ilan Goldjan, é um
representante clássico do mercado internacional. Foi considerado o melhor
presidente de Banco Central do planeta, pelo feito de segurar a inflação, pouco
importa se à custa de 13 milhões de desempregados e do comprometimento do
crescimento brasileiro. Mas, enfim, é o representante máximo das instituições
internacionais de mercado.
Foram duas as razões para não ter aceitado o convite de
permanecer no banco.
O primeiro, o anúncio de que Guedes passaria a trabalhar com
duas metas: a da inflação e a cambial. É decisão relevante, mas que não se
anuncia de véspera, menos ainda sem consultar o presidente convidado a
permanecer no BC..
O segundo, a afirmação de Guedes de que poderia vender US$
100 bilhões das reservas cambiais acumuladas. Ora, se ele garantia plena
autonomia para o BC, como se outorga o poder de decisão sobre as reservas?
Independentemente do mérito ou não das medidas, é evidente
que desnudaram o bonapartismo de Guedes.
Em seu lugar, irá Roberto Campos Neto, que, pelo que me
dizem, herdou do avô o ideologismo de sua fase jornalística, em vez do
pragmatismo de seu período de homem público.
O problema maior é que não haverá nenhuma recuperação da
economia se a política econômica ficar subordinada aos cânones do mercado. A
recuperação dependerá de investimentos públicos no grau correto. Isso demanda
convicção econômica e competência de gestão, algo que, por enquanto, parece
longe dos predicados de Guedes.
Serão trës macacos em loja de louças: Bolsonaro, Guedes e o
futuro articulador político Onix Lorenzoni, tido como igualmente desastrado e
com pouca capacidade de articulação.
Peça 4 – razão versus
religião
E aí se entra no busílis do problema. Passado período da
graça, os meses iniciais que a opinião pública concede a todo governante que
inicia, o que ocorrerá quando se manifestar a desilusão popular?
O pior sinal, até agora,
sobre o futuro governo Bolsonaro, foi a desistência do general Oswaldo Ferreira
de ficar no governo, depois que Bolsonaro recuou na ideia de entregar a ele a
Casa Civil da Infraestrutura. Os chamados generais da infraestrutura pareciam o
único ponto de racionalidade na equipe de transição, impedindo o mergulho no
fundamentalismo religioso que aflorou com a escolha do futuro Ministro das
Relações Exteriores.
Agora, pipocam informações sobre as alianças que estão sendo
fechadas com a ultradireita internacional. E o colunista Merval Pereira, de O
Globo, belo setorista da direita, informa que Eduardo Bolsonaro, o filho que
indicou o chanceler, pretende assumir a liderança intelectual da direita na
América Latina. Imagine-se o resultado!
A se medir pelos Twitters do general Heleno – que vai ocupar
o Gabinete de Segurança Institucional – vai haver caça às bruxas em todas as
instâncias. E com a contribuição decisiva do futuro Ministro da Justiça Sérgio
Moro. Esse fato será acirrado pela desimportância total conferida pelo grupo de
Bolsonaro às organizações internacionais, fato que reduzirá sua capacidade de
impedir a instalação do estado policial.
Quando se manifestar a decepção com a economia, a grande arma
que restará a Bolsonaro será a caça aos infiéis.
Faltam informações sobre o nível de aceitação das
elucubrações olavianas (de Olavo de Carvalho) pelo Alto Comando das Forças
Armadas.
GGN
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