quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

BIDEN PEDE ‘ESFORÇO DE GUERRA’ CONTRA PANDEMIA, POR FERNANDO BRITO

O pronunciamento de Joe Biden na Casa Branca, para anunciar novas medidas – e, sobretudo uma nova atitude – do governo norte-americano contra a Covid-19.

Biden não pintou um quadro cor-de-rosa, ao contrário: destacou que os EUA, apesar de terem apenas 4% da população mundial, respondem por 25% dos casos da doença e por mais de 20% das mortes registradas no planeta e que estas 400 mil mortos são mais que as vidas perdidas na 2ª Guerra Mundial.

Nada de “a pandemia está no finzinho”: Biden antecipou que a marca de meio milhão de mortos será alcançada no mês que vem.

Ao contrário do que ocorre hoje – e do que é a tradição federalista dos EUA – anunciou a presença direta do Governo Federal na execução da vacinação, com a abertura de centros de vacinação e acompanhamento direto da União no andamento das iniciativas dos estados em matéria de imunização.

Disse, ainda, que vai usar a legislação que permite ao governo requisitar ou reter em território nacional de insumos e equipamentosv- materiais de testes, seringas e vacinas – necessários a cumprir a meta vacinal.

Foi impossível não sentir vergonha de não termos aqui um governante capaz de chamar a si a responsabilidade do combate à pandemia e que, avisando que “as coisas vão piorar antes de melhorar”, mas que sem um “esforço de guerra” não se vencerá a doença.

O plano federal de enfrentamento da pandemia, que Biden lançou hoje pode ser lido no site da Casa Branca.

Tijolaço.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

LEWANDOWSKI MANDA ANVISA PRESTAR INFORMAÇÕES SOBRE VACINA SPUTNIK V

A Sputnik V já está em uso na Argentina, Bolívia, Venezuela e Paraguai. No Brasil, a farmacêutica União Química apresentou pedido para uso emergencial para 10 milhões de doses.

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, determinou nesta quarta (20) que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) preste informações sobre o andamento do pedido de uso emergencial da vacina Sputnik V, desenvolvida pela Rússia.

Lewandowski vai utilizar as informações da agência para decidir sobre um pedido do governo da Bahia. O Estado requer ao STF autorização para utilizar as vacinas que contratou (50 milhões de doses) independente da aprovação da Anvisa.

O pedido tem como respaldo uma medida provisória que prevê uso de vacinas aprovadas por agências sanitárias estrangeiras e a Organização Panamericana de Saúde (Opas).

“Considerada a afirmação do autor [governo da Bahia], feita na petição inicial, de que já foi requerida a autorização temporária para uso emergencial da vacina Sputnik V, informe, preliminarmente, a Anvisa, no prazo de até 72 (setenta e duas) horas, se confirma tal afirmação e, em caso positivo, esclareça qual o estágio em que se encontra a aprovação do referido imunizante, bem assim eventuais pendências a serem cumpridas pelo interessado”, escreveu o ministro.

A Sputnik V já está em uso na Argentina, Bolívia, Venezuela e Paraguai. No Brasil, a farmacêutica União Química apresentou pedido para uso emergencial para 10 milhões de doses que estão prontas e viriam da Rússia.

A Anvisa teria alegado que apenas vacinas com estudos clínicos em andamento no Brasil podem ter essa autorização.

GGN

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

ABERTA A TEMPORADA DE DISCUSSÃO SOBRE O IMPEACHMENT, POR LUIS NASSIF

Até o final do mês a abertura ou não do processo de impeachment dependerá da vontade de Rodrigo Maia. A probabilidade maior é que não abra. Abrindo, o impeachment tem mais chances de ser bem sucedido.

Bolsonaro ao lado dos generais Augusto Heleno, Walter Braga Netto e Fernando Azevedo. (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Vamos retomar o organograma para facilitar o desenho do cenário.

Conforme o cenário da semana passada, crise econômica e sanitária aumentariam as tensões sociais, podendo erodir a base de sustentação política de Jair Bolsonaro junto ao Congresso, o Supremo e as Forças Armadas.

Pelo cenário, à medida em que se sentisse acuado, Bolsonaro apelaria às Forças Armadas, às suas milícias armadas e seguidores radicais.

Ontem, os filhos de Bolsonaro divulgaram trechos de conversas dele com grupos de ultradireita. Nela, diz que quem define a democracia são as Forças Armadas, levanta o fantasma do comunismo e outras bobagens.

PEÇA 1 – BOLSONARO ACUADO

Há um conjunto de sinais mostrando que Bolsonaro se sente acuado.

A mencionada invocação das Forças Armadas.

O esforço despendido para eleger a presidência da Câmara e do Senado. São cargos essenciais para bloquear futuras tentativas de pedidos de impeachment.

A ênfase com que o Ministro da Saúde, general Pazuello, negou qualquer recomendação para tratamento precoce do Covid-19, mesmo com inúmeras manifestações pró-cloroquina e com a recomendação expressa para que a rede de saúde básica de Manaus adotasse tratamentos alternativos. Na negativa insistente, ficaram nítidas as recomendações da Advocacia Geral da União (AGU), para prevenir futuros processos por crimes de responsabilidade. Pazuello está se prevenindo para a avalanche de processos que cairá sobre sua cabeça.

Esse mesmo cuidado foi expresso pela diretoria da Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária), ao autorizar as vacinas sob o argumento de não existir nenhum tratamento alternativo recomendado.

PEÇA 2 – APOSTA PERDIDA

Assim como Donald Trump, Bolsonaro colocou todas suas fichas na cloroquina, inclusive como alternativa ao isolamento social. A diferença é que Trump percebeu a tempo a loucura e recuou. Na saída do governo, vangloriava-se do sucesso do desenvolvimento de vacinas pelo país.

Bolsonaro permaneceu na mesma trincheira, bancando até o final a aposta – em uma clara demonstração de que age por instinto, não por cálculo.

Perdeu a aposta. Não apenas porque o Instituto Butantã, trunfo do governador paulista João Dória Jr, conseguiu lançar a primeira vacina, como pelas trapalhadas de Pazuello na compra das tais vacinas indianas. Chegou a preparar um avião para buscar vacinas na Índia enquanto a própria imprensa indiana mostrava o estranhamento das autoridades do país com o anúncio do governo brasileiro, de que fecharia as compras de vacinas.

Mas não apenas isso. O sentimento de alívio com a vacina se espalhou por todo o país,  reduzindo o alarido dos grupos anti-vacina. A vacina se tornou uma ideia vitoriosa.

Para tentar disfarçar a derrota, o presidente anti-vacina passou a exigir a entrega das vacinas do Butantã ao Ministério da Saúde, para uma distribuição equitativa pelos estados. Foi uma enorme bobagem. Se nada falasse, as vacinas seriam entregues naturalmente para o Ministério, pois a centralização na Saúde é parte da lógica das campanhas de imunização brasileira. Ao pressionar, Bolsonaro apenas mostrou o desespero com o fato de Dória ter saído na primeira foto da vacinação.

A derrota, mas o avanço da segunda onda por todo o país, ampliará o desgaste de Bolsonaro. As pesquisas mais recentes já mostraram queda de popularidade.

Esse desgaste terá impacto sobre Forças Armadas, Congresso e Supremo.

PEÇA 3 – AS FORÇAS ARMADAS

Com o apoio tácito a Bolsonaro e as trapalhadas do Ministro da Saúde, general Pazuello, as Forças Armadas experimentam o maior desgaste da história desde a redemocratização.

Pazuello acabou com o mito da excelência gerencial das FFAAs. Mostrou uma inequívoca dificuldade até em sua área de especialização, a logística. Ao lado do general Augusto Heleno, Luiz Eduardo Ramos e Braga Neto, formam uma quina  inócua, depois da venda da ideia de que seriam os agentes de racionalidade do governo.

Hoje em dia, Bolsonaro é uma carga pesada. Certamente o Alto Comando não se desgostaria de alguma solução constitucional que deixasse o general Hamilton Mourão na presidência.

PEÇA 4 – A DISCUSSÃO DO IMPEACHMENT

Ainda é cedo para conclusões taxativas sobre o impeachment. As extravagâncias de Bolsonaro, mais as cenas chocantes de Manaus, alertaram setores influentes sobre a ameaça Bolsonaro e aumentaram alguns graus no impichômetro..

Há um mal-estar nítido entre Ministros do Supremo, parlamentares de vários partidos e da mídia. É um movimento de mal estar que tende a ganhar força. No momento atual, ainda não permite apostar no impeachment.

Mas há um fator aleatório no ar: a possibilidade ou não do presidente da Câmara abrir o processo de impeachment contra Bolsonaro.

A mera abertura do processo mudaria totalmente a dinâmica da crise.

Por ora, cada absurdo de Bolsonaro provoca reações de indignação que, por falta de consequências imediatas, se perdem no ar.

A abertura do processo do impeachment, mesmo em um Congresso ainda majoritariamente bolsonarista, inverte a dinâmica. Toda a reação contra Bolsonaro se concentraria no impeachment, em uma dinâmica que poderia se tornar irresistível, como foi no caso de Dilma Rousseff.

Por enquanto, o candidato de Bolsonaro à Câmara, Arthur Lira, é considerado favorito.

De qualquer modo, até o final do mês a abertura ou não do processo de impeachment dependerá da vontade de Rodrigo Maia, atual presidente da Câmara.

A probabilidade maior, é que não abra o processo. Abrindo, a probabilidade maior é que o impeachment seja bem sucedido.

GGN

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

O GENERAL PAZUELLO ROLA EM SEU PRECIPÍCIO, POR FERNANDO BRITO

Ontem escreveu-se aqui que, se o domingo foi terrível para o governo federal e para o general da Saúde, Eduardo Pazuello, a segunda-feira também seria cheia de desencontros por conta do festival de improvisos que deriva da militarização do Plano Nacional de Imunização e de um esquema feito às pressas, em busca de conveniências políticas e não de rotinas administrativas.

E não aconteceu diferente, com uma completa bagunça em algo simples como mandar as vacinas do Aeroporto de Guarulhos para as capitais brasileiras.

“Senhores, houve atraso e problemas no embarque das cargas. Algumas capitais não receberam conforme previsto. Estou aguardando nova informação do DLOG (Departamento de Logística) e Coordenação da Vacinação”, diz mensagem de Pazuello, obtida pelo Estadão, aos governadores estavam que nem baratas tontas esperando pelos containers, como aqueles passageiros cujas bagagens se perdem no aeroporto.

No Rio, tão longe de São Paulo que um voo não leva nem 50 minutos, as caixas chegaram quase às 17 horas e estão sendo levadas às pressas para a base da estátua do Cristo Redentor, para o que seria um ato solene de início da vacinação que, do jeito que as coisas vão, pode simbolizar um “Que Deus nos Ajude”. Lá pelas 18:30, com uma réstia de luz, o cartão postal vacinal “deu ruim”.

O dia D virou dia “dããã…” e a Hora H virou hora “hããã?

Na entrevista sobre a situação do Amazonas, Pazuello demonstrou estar à beira de um ataque de nervos, destratando os repórteres e mentindo descaradamente quando afirmou que ele ou o ministério jamais falaram em tratamento precoce (que é a tal hidroxicloquina), mas em “atendimento precoce”. Falso, e a mais recente prova disso é o “twitter” que foi marcado pela rede social (veja abaixo) como enganoso e prejudicial justamente por sugerir que haveria um tratamento precoce.

Pazuello, portanto, acrescentou ao seu currículo, além do inepto, desorganizado e confuso também o nada honroso título de mentiroso.

Ah, e fujão, porque encerrou a entrevista abruptamente, aos berros, quando foi confrontado com isso.

Do Tijolaço.

 

sábado, 16 de janeiro de 2021

A BOTINA E A VACINA, POR FERNANDO BRITO

Os governantes deste país estão dedicados, na questão da vacina, a um jogo de gato e rato. Ou, se preferirem, de rato e rato.

É famosa a história onde o “coronel” da roça, para garantir o voto dos camponeses meeiros prometia-lhes uma botina nova, mas só um pé era entregue antes da votação. Por “segurança”, o segundo só depois.

Quem diria que no Brasil do século 21 trocaríamos a botina por vacina.

Ser alguém duvidava, ainda, que a aceitação, pelo Butantã, de entregar todas as suas vacinas ao governo federal tinha ligação com a aprovação da Coronavac pela Anvisa, que vá olhar os termos em que este responde ao ofício enviado pelo Ministério da Saúde: Butantã diz que vai entregar Coronavac ao governo federal assim que receber aval da Anvisa, noticia o Estadão.

“Por fim, ressaltamos que a disponibilização deverá ocorrer tão logo seja concedida a autorização pela agência reguladora”.

Jura que não parece aquelas cenas de filme policial, onde se discute se primeiro entrega-se o resgate ou se liberta o refém?

Não é preciso dizer que entrega da vacina à União foi condição para sua (ainda incerta) homologação.

Tudo é jogada de esperteza e de “contra-esperteza”. O Ministério quer todas as vacinas para que Dória não roube a cena do início da vacinação; o Butantã pede que informe quantas serão as doses de São Paulo para entregá-las direto à Secretaria de Saúde paulista – “como de praxe” – e que que Eduardo Pazuello confirme quando serão o “Dia D” e a “Hora H” do início da vacinação.

Como Jair Bolsonaro não vai assistir o primeiro brasileiro a receber a “vachina”, Doria nem se importa que seja ao mesmo tempo: a foto e o “triunfo” serão dele.

É a isso que se reduziu o combate a uma doença que já deixou muito para trás a marca dos 200 mil corpos sem vida e que caminha para fechar o mês de janeiro com 30 mil mortes ou mais.

Se a gente não chamar quem faz isso de bandidos, a quem chamará?

Do Tijolaço.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

COM AUMENTO NO NÚMERO DE CASOS, BOLSONARO E DORIA SE ATACAM

Enquanto o Brasil ultrapassa os 200 mil mortos por Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro e o governador João Doria discutem e se atacam.

Enquanto o Brasil ultrapassa os 200 mil mortos por Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro e o governador João Doria discutem e se atacam. Nesta sexta (15), o governador chamou Bolsonaro de “facínora” e o presidente retrucou, dizendo que “homem ele não é”.

A declaração de Doria foi dada à tarde, em São Paulo, em encontro com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP), candidato à Presidência da Casa.

“Um governo sem rumo, sem plano, sem meta e, principalmente, sem coração. Será que o Brasil, que já se mobilizou nas ruas pela mudança das Diretas Já, outros movimentos cívicos importantes, vai continuar e não vai reagir?”, questionou.

“Ele quer jogar a responsabilidade para cima de mim? Será que ele tem coragem, que homem ele não é, nós sabemos que esse pilantra não é homem”, foi a resposta do presidente da República, ao programa Brasil Urgente, da TV Band.

E disse que Doria “está morto politicamente”.

“Com palavras de baixo calão, como esse governador está falando, me chamando de facínora, isso é coisa de irresponsável. É um cara que tá morto politicamente em São Paulo. Ele não sai na rua em São Paulo. Não vai na padaria comprar um pão, não vai na praia. Não tem mais prestigio para absolutamente nada. Agora está em um desespero para me atingir.”

Do GGN

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

PAZUELLO E BOLSONARO SÓ MERECEM O NOME DE ‘MONSTROS DE MANAUS’, POR FERNANDO BRITO

O colapso no fornecimento de oxigênio para centenas ou milhares de brasileiros e brasileiras que estão internados nos hospitais de Manaus estava mais do que avisado e era mais do que sabido que isso causaria a morte de muitos deles, com os pulmões atacados pela infecção.

Os pedidos de ajuda à União – e também a outros estados – foram muitos e em vão.

Hoje, funcionários dos hospitais, desesperados, transportavam em macas os poucos cilindros que conseguiam ou que eram trazidos por parentes dos pacientes, arrumados sabe lá Deus como.

O Ministério da Saúde sabia do desastre iminente, o Ministro da Saúde sabia da tragédia anunciada e o presidente da República, com quem Pazuello tratou do assunto hoje cedo, sabia.

A fabricante White Martins, que tem fábrica em Manaus, não dá conta de uma demanda que quintuplicou em 5 dias e está pedindo ajuda para trazer mais cilindros da Venezuela, sem que se saiba de qualquer apoio diplomático para isso.

Ao contrário, o coronel Franco Duarte, representante do Ministério da Saúde no Amazonas (sim, um coronel) prefere colocar a culpa nos pacientes que “não está no leito de UTI” que, por ficar com o cilindro de oxigênio próximo a ele, abre a torneirinha para ampliar o fluxo e ter uma “sensação de bem estar”.

Só agora à noite estão chegando aviões da FAB com alguns cilindros, enquanto o Amazonas tenta “exportar” doentes para outros estados e coloca Manaus sob toque de recolher noturno, diante de mais um recorde de casos.

Que nome merece esta gente?

Os monstros de Manaus?

Como é que meteram o Exército Brasileiro metido neste genocídio sem que tenhamos generais que se indignem com a morte de seus compatriotas sufocados, sem ar, numa agonia horrenda.

Será que o “I can’t Breath” – “eu não posso respirar”, em inglês – vai ser o grito silencioso dos manauaras?

Do Tijolaço.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

COMO SERÁ O FIM DOS GRUPOS DE MÍDIA NACIONAIS, POR LUIS NASSIF

Confira a análise de Luis Nassif sobre os últimos acontecimentos da conjuntura politica e econômica nacional no boletim desta quarta-feira, 13 de janeiro.

O balanço da covid-19 não foi divulgado devido a problemas com a divulgação dos dados do Ministério da Saúde

Sobre a coletiva feita pelo general Pazuello, Nassif diz que “quando você pega os números em relação ao tamanho da encrenca, são números mínimos (…) Como se jogam com os números sem comparação, fica todo mundo no ar achando que tem algum resquício de competência, mas não tem”

“O início do tal do ‘dia D, hora H, momento F’ está programado para a próxima terça-feira, dia 19, e alguns fatos chamam a atenção, como o desastre da comunicação do Instituto Butantan, pressionado pelo João Doria Jr.”

“Tem um meme bem interessante sobre como comunicar essa questão da vacina: se você tomar a vacina Coronavac, você tem 50% de chance de não se infectar. Mas, se você se infectar, tem 78% de chance de não sentir nada. E se sentir algo, tem 100% de chance de não precisar ser internado”

“Mas o que acontece: como essa discussão leiga sobre a eficácia geral/global deu baixa, o Doria fez um carnaval com o Instituto Butantan (…) O Doria apresenta os dados incompletos, e chora, e logo depois são obrigados a informar os dados completos e dá esse baque”

“Essa partidarização, politização da vacina é um desastre. E não está restrito ao Bolsonaro (…) É uma irracionalidade em todos os níveis”

A respeito da realização do Enem, Gregório Grisa comenta sobre os problemas em manter a realização das provas em janeiro – sendo que, em consulta aos estudantes, a escolha foi pela realização das provas em maio.

“A definição do Enem para janeiro, e a recente manutenção da data, representa mais um capítulo de toda a dificuldade do governo federal de fazer o que é elementar para impedir a expansão do coronavírus”, afirma Grisa.

“Socialmente falando, o Enem coincide com o mês em que se encerrou o auxílio emergencial para milhões de famílias, o que afeta estudantes mais pobres. Diante de todas essas inseguranças, o Enem deve reproduzir inequidades de maneira ainda mais intensa do que já faz, e deve ter uma abstenção significativa”, pontua Grisa.

Sobre ciência e tecnologia, Nassif lembra que Bolsonaro “continua destruindo tudo o que se tem de patrimônio de ciência e tecnologia”, citando o veto da liberação total dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Com relação a CEITEC – empresa responsável pelo desenvolvimento de microchips essenciais para informatização do país – e a liminar que derrubou a assembleia que escolheria o liquidante da empresa, Nassif detalha os interesses por trás do processo.

“Você fecha a CEITEC, pega os técnicos da CEITEC, leva para uma fundação. A CEITEC sem os técnicos e sem a empresa funcionando, o valor vai lá para baixo, daí entra alguém, uma empresa de fora, compra aquele equipamento e recontrata as equipes”, explica Nassif.

“A ignorância, a incapacidade de juntar informações para segurar essas loucuras é muito grande. É um desrespeito com o país. Temas dessa envergadura e o cara (Paulo Guedes) montar negócios…”

Para Nassif, a situação envolvendo Donald Trump ajudou a clarear o que está acontecendo no Brasil de Jair Bolsonaro. “Quando você lê o noticiário americano, o grande receio que se tem lá – inclusive do FBI – são as milícias armadas espalhadas pelo país e ameaçando matar políticos. Gente, isso é uma realidade concreta no Brasil. Concreta e com agravantes. Aqui, você não tem uma Polícia Militar tão disciplinada como você tem lá. Você tem bases da Polícia Militar aqui que são cooptadas pelo bolsonarismo (…) E vai se deixando isso num crescendo até isso ficar irreversível”

“A liberdade de imprensa está sofrendo a maior ameaça desde a ditadura militar”, diz Nassif. Ao abordar a situação dos grupos de mídia no Brasil, Nassif lembra que o papel da mídia é elemento central na manutenção das democracias, uma vez que “ela tem o domínio sobre o principal agente das democracias, que é o eleitor, a opinião pública”.

“Durante o século XX, todo o modelo da mídia consistiu em ser o principal agente de influência da opinião pública (…) Com a primeira agência de notícias, você tem a primeira manipulação eleitoral, que é muito similar com o que o Trump tentou na Geórgia e que também tivemos no Brasil, em 1982”

“Como o telégrafo sem fio tinha acesso a todas as informações, se identificou que havia empates técnicos em alguns Estados-chave”.

“Então, o sujeito que montou a primeira agência de informação (a Associated Press), que era o dono da rede de telégrafos sem fio, se associou ao The New York Times. Eles fizeram um carnaval e houve uma manipulação, uma fraude que garantiu os votos de alguns Estados para o candidato republicano. Foi a primeira grande fraude que se teve com o uso dos veículos de comunicação. Então, você sempre teve essa ligação entre comunicação e política”

Nassif explica que, com as redes de rádio e televisão, esse poder se torna praticamente imbatível – e esse poder da mídia sobre a opinião pública foi monetizado, garantia recursos para a mídia, seja de forma legítima (via assinatura ou publicidade, por exemplo) até compra e venda de opinião.

“Era uma manipulação sempre de mão única. O grande ativo do jornal era o controle sobre aquela base de leitores, ouvintes, espectadores, e a capacidade de passar a mensagem dos anunciantes, dos parceiros políticos ou das guerras comerciais. Mas o cliente era dele. E esse modelo vigorou até o advento da Internet”

Nos países emergentes, as mídias nacionais se defenderam contra a globalização dos grupos de mídia – “especialmente no pós-guerra, as multinacionais americanas entram em todos os locais, especialmente na América Latina. Os grupos de mídia não”

Esse bloqueio ocorreu uma vez que os grupos de mídia nacionais tinham influência política, conseguem leis para impedir a entrada de grupos estrangeiros – “se quiser entrar, tem que entrar comigo aqui”, pontua Nassif.

E as concessões públicas de rádio e televisão já estavam nas mãos de grupos de mídia associados a políticos. “Atropelando a Constituição, você tem todas essas redes nacionais (…) ligadas a políticos. Isso impedia a entrada de grupos estrangeiros para cá”

Com a Internet, surgem dois tipos de grupos: o que usa o padrão convencional de mídia (como aconteceu com os portais, a partir da ascensão e queda da America Online), e a padronização tecnológica que explode em todas as partes do mundo.

“E como um serviço fechado vai concorrer com um serviço aberto, onde você tem conteúdo de todo mundo? Nesse segundo momento, entra o Google e as redes sociais, que não geram conteúdo. Eles passam a organizar o conteúdo global e a ser transmissores do conteúdo global”

Outras formas de comunicação avançam, como a TV a cabo (que é a porta de entrada para os grupos multinacionais em diversos países), a Internet propriamente dita e os serviços segmentados, como streaming.

“De um lado, os grupos de mídia vão se fundindo e criando supergrupos (…) O segundo grupo são as big techs, que passam a trabalhar o conjunto de usuários e desenvolver outros modelos de negócio, como a publicidade programática (…)”

“Se você for ver o modelo de negócio da mídia desde o início do século, tem a publicidade que depende da abrangência do público que você foca, e tem a venda de ideias (e entram ideias políticas) e disputas de negócios. É a monetização da opinião pública”

“Todo o controle do público é do grupo de mídia de uma forma unilateral, ele manda a informação e o sujeito recebe. Quando vem as big techs, é diferente: ele tem aquele público disseminado e ele vende para terceiros o direito de fazer a manipulação que ele quiser do seu público”

“A partir daí surgem Cambridge Analytica, surgem as Primaveras arrebentando com a democracia de países, porque não se faz mais a manipulação. Eles (big techs) entregam as ferramentas para quem quiser manipular mediante pagamentos”

“Sempre que se tem mudanças de padrão tecnológico, a mídia endoida, porque tem uma mudança de padrão tecnológico da comunicação, alguns grupos vão conseguir pular para o novo modelo e outros não. Então ficam todos desesperados sem saber como se colocar”

E isso acontece no Brasil, onde você tem a internet se expandindo no começo dos 2000 e os grupos nacionais de mídia endividados e em crise. “Eles apelam para o modelo Murdoch, que desmoraliza o jornalismo brasileiro”

“No fundo, eles (grupos de mídia nacionais) queriam o privilégio de defender todos os interesses internacionais, mas serem os intermediários. Então, eles defendiam a abertura da economia para todos os setores, menos para a mídia. Defendiam o fim de todos os subsídios, menos para a mídia. Esse jogo começa a acabar com a TV a cabo e a internet”

Nassif diz que um trunfo que a mídia hegemônica tinha era uma aliança com o pessoal das confederações de futebol e a FIFA, que garantiam a eles a prioridade da transmissão dos campeonatos esportivos. “Os campeonatos de futebol sempre se constituíram na grande âncora de audiência de todos esses campeões nacionais de mídia. “Com a TV a cabo, você tem toda a pulverização de audiência, mas é o futebol que garantia aquele predomínio da audiência. ”

Por isso, quando a Record começou a ganhar mais musculatura, tentou competir com a Globo no campo dos campeonatos, em comprar direitos de campeonatos”

“A realpolitik americana consegue quebrar isso com o FBI indo até a Suíça, prendendo o pessoal da FIFA e fazendo parceria com outros Ministérios Públicos para denunciar essas manobras. Quais são os únicos Ministérios Públicos que não atuaram? Os Ministérios Públicos brasileiros. É vergonhoso. Ao mesmo tempo em que se aprofundavam as relações entre Lava-Jato, Departamento de Justiça, FBI, a Globo dava todo apoio à Lava-Jato e ficava incólume em relação a essas outras denúncias”

Diante de todos os imbroglios judiciais e os problemas de financiamento, os grupos de mídia nacionais jogaram a toalha e começam a trabalhar pela ampliação do percentual de capitais estrangeiros.

“Eles querem 49% de capital estrangeiro para manter o controle. Que grupo estrangeiro vai se associar com um grupo de mídia nacional com gestão familiar, ausência de compliance jornalístico e de negócios, mistura de negócios familiares com negócios da empresa, quem toparia ficar sócio?”

Do GGN

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

VELOCIDADE DE TRANSMISSÃO DA COVID CRESCE E BOLSONARISTAS ATACAM CORONAVAC, POR FERNANDO BRITO

O Boletim do Imperial College de Londres, assinalando um crescimento de mais de 35% no nível de transmissão da Covid-19 no Brasil deveria estar de deixando de cabelo em pé as nossas autoridades sanitárias para que o “Dia D e Hora H” da vacinação aconteçam logo.

O índice de transmissão, identificado pela sigla Rt saltou de 1,04 para 1,41, o que quer dizer que, antes, se 100 pessoas infectadas transmitiam para 104 agora, nas mesmas circunstâncias, repassam o vírus para 140.

Em tese, isso significaria um aumento semelhante no número de infecções, internações e mortes em poucos dias.

Na prática, vai significar exatamente isso. O renomado instituto inglês estima 7.640 mortes na semana começada ontem, o mesmo número que a pior semana já registrada até agora, a de 19 a 25 de julho.

Embora seja suficiente para interromper esta avalanche de mortes e de internações hospitalares, a vacina do Butantã, pelo perfil de testes ultra-severos aplicados em sua fase 3 (apenas pessoas de serviço hospitalar, expostas fortemente ao Sars-Cov2) e pelas inúmeras chicanas antes de apresentar-se o número modesto numa “guerra de eficácia” que tem inconfessáveis objetivos comerciais. sofreu hoje um baque de confiança que vai ajudar o Governo Federal a postergar o início da vacinação, se é que não vão voltar atrás na compra dos imunizantes do Butantan.

A campanha dos bolsonaristas antivacina está exultante e criando a crença de que a vacina é inútil. O chefe deve estar se coçando para dizer o mesmo e talvez o faça.

Estamos cada ver mais num mato sem cachorro, ou sem vacina, porque os dois milhões que viriam da Índia, é claro, vão demorar e, mesmo assim, não se funcionam para uma campanha de vacinação massiva e em todo o nosso território.

Do Tijolaço.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

FORD SAI DO BRASIL. VIVA A DIREITA SUICIDA! POR FERNANDO BRITO

Só não é um atropelamento de caminhão na economia brasileira porque a empresa já havia anunciado o fim da produção de caminhões que mantinha há 62 anos no Brasil em outubro do ano passado.

Mas agora, a Ford fecha de vez, encerrando também a produção brasileira de veículos de passeio, iniciada há mais de meio século, quando lançou o Corcel.

Perto de 7 mil trabalhadores – a fábrica tinha lançado um programa de demissões voluntárias em setembro passado – perderão o emprego no curto e médio prazo, à medida que a fabricação de peças vá sendo transferida, como a de veículos, para o Uruguai e para a Argentina. Quatro ou cinco vezes mais perderão os empregos na cadeia de fornecimento da empresa.

Sim, Argentina, aquela que Bolsonaro disse que “viraria uma Venezuela” e que teria filas de cidadãos fugindo para o Brasil em busca da sobrevivência.

Não é uma decisão surpreendente, porém.

Desde o ano passado, a Ford vinha anunciando a intenção de vender a fábrica de São Paulo e o governador João Doria tentou intermediar a venda para um grupo que detém licença de fabricação de marcas coreanas e chinesas, mas o negócio fracassou.

O governo federal, olimpicamente, lavou as mãos.

Embora trabalhasse com ociosidade, pela queda nas vendas, a Ford representava perto de 15% da capacidade instalada de produção de veículos do país, que já havia perdido, mês passado, as linhas de montagem da Mercedes.

Claro que os obturados ideologicamente (já estão fazendo isso nos comentários dos sites de notícias) vão culpar os custos trabalhistas e “o PT”, mas que diferença para o tempo em que um governo de um ex-operário metalúrgico fazia do Brasil o destino preferido para a instalação de novas fábricas de veículos.

É bem possível que o presidente desta cada vez mais republiqueta reaja com um “e daí?” e diga que é “o mercado” que deve decidir que empresa vive ou morre, fica ou sai.

Os governo que se sucederam ao golpe de 2016 não têm política industrial, não têm foco no crédito produtivo, não querem saber de nada que não seja o lucro especulativo e a exportação de produtos primários.

Abrimos mão de ter uma indústria brasileira de automóveis nos anos 60, assistimos o boom das estrangeiras instaladas aqui por 50 anos e, agora, vamos ver estas progressivamente dizendo adeus a Pindorama.

 Do Tijolaço.

domingo, 10 de janeiro de 2021

IMPOR A DOR PARA LUCRAR COM O ALÍVIO, POR FERNANDO BRITO

Boa parte da sociedade brasileira ainda não se deu conta de que, se temos um governo bandido, seus métodos para lidar com a realidade são os criminosos: fazer aquilo que o faça ter mais ganhos, sem limites éticos, morais ou mesmo humanitários.

Não preciso explicitar o modelo histórico que referenda este raciocínio, hein?

Fernanda Brigatti e Tayguara Ribeiro publicam hoje, na Folha, boa reportagem dos depoimentos de quem está ficando sem o que resta do auxílio-emergencial e sobre o imenso contingente de brasileiros que eles compõem.

Dão nome e rosto a pessoas que são milhões:, 4 em cada 10 brasileiros em idade de trabalhar, ou 67,9 milhões de beneficiários.

E convertem em pequenas grades necessidades – o ‘dicumê’ - os R$ 32,4 bilhões por mês que o auxílio injeta no consumo popular.

(cabe um parêntesis: com a apropriação pelos mais ricos da riqueza nacional, este dinheiro também é rapidamente bombeado para o andar de cima, e não mais o será).

Não é, portanto, necessário ser um grande economista – servem até os da “Escola de Chicago” para percebê-lo – a que grau de crise social nos levará a descontinuidade do auxílio em meio a um inevitável quadro de semi-paralisia a que o recrudescimento da pandemia nos está levando.

Portanto, não é um erro: é um plano.

Não tente entender o que faz Jair Bolsonaro pelo prisma da capacidade administrativa ou pelo do desenvolvimento econômico ou, muito menos, pelo do bem-estar social.

Sua ótica é outra, a mesma que têm as milícias: a legitimação da opressão pelo senso comum da ordem, seja a legal, seja a econômica.

O agravamento da situação econômico-social é peça indispensável na sua equação de poder. Surgir, como salvador, daqui a três ou quatro meses, com uma nova rodada de auxílios é muito mais rentável politicamente que mantê-lo agora e evitar a amplificação do caos.

É assim que a mente bolsonariana funciona e nenhum problema para ela há em dizer hoje o que negava ontem ou vice-versa, porque esta história de coerência é para os tolos ideológicos.

Não está sendo assim no caso das vacinas?

“Minha especialidade é matar”, já disse o ex-capitão, e não há dúvida de que o valor da salvação é tanto maior quanto seja grande a desgraça.

Do Tijolaço.

sábado, 9 de janeiro de 2021

A EUROPA EM 2021, POR BOAVENTURA SANTOS

Bandeira de Portugal. | Foto: Reprodução/Internet do Publico

Portugal tem boas condições para ser o timoneiro da UE neste período. Mas será lamentável se não aproveitar esta posição invejável para se libertar da chantagem dos países frugais e para cumprir plenamente a Leis de Bases da Saúde, dando ao SNS a centralidade que ele merece.

Portugal assume a presidência da União Europeia num momento de definições fundamentais que afetam as rotinas políticas e sociais dos tempos ditos normais. Desde a gestão da vacinação anti-covid-19 e do “Brexit” à preparação de um mundo ocidental pós-Trump e de uma Europa pós-Merkel, os desafios são enormes. Em vez de distinguir, como é uso convencional, entre problemas internos e internacionais, refiro-me aos temas estruturais que afetam tanto o interior como o exterior da UE. Identifico os seguintes temas principais: desigualdade e coesão; identidade histórica e reparações; direitos humanos e democracia; paz e guerra fria.

Desigualdade e coesão. A UE sai da crise pandémica com cerca de 9% de quebra do PIB. O risco da pobreza aumentou, mas é muito desigual entre os países da União e aponta para uma segmentação: entre 25%-32% para um grupo de países e entre 12%-17% para o outro grupo. O desemprego entre os jovens é de 17,3%, mas chega a 40% em Espanha. Tendo em conta que a quarta revolução industrial (inteligência artificial) vai causar adicional turbulência neste domínio, é urgente que a UE avance para uma política de rendimento básico universal que complemente e não substitua as outras políticas sociais. A legitimidade desta medida — hoje objeto de uma iniciativa cidadã na UE — está patente nas palavras de António Guterres no discurso de abertura da 75.ª sessão da Assembleia Geral da ONU em 2020: “a nova geração de proteção social [deve] incluir o seguro universal de saúde e a possibilidade do rendimento básico universal.” Agora, sem o Reino Unido, talvez haja espaço para aprofundar as políticas europeias, mas tal projeto só pode ter êxito na base de mais democracia interna na UE e da redução das assimetrias regionais.

A pandemia veio mostrar a falência do neoliberalismo e da prioridade dada à mercantilização da vida social. O Estado democrático social é, por agora, a única alternativa à barbárie da economia de morte que pretende transformar a letalidade da pandemia numa forma de darwinismo social que resolva os problemas da segurança social. A saúde é um bem público e não um negócio. Os serviços nacionais de saúde precisam de recuperar a sua centralidade, o que não se consegue com o mero reforço emergencial. Apesar de ter financiado em quase mil milhões de euros a investigação para a produção das vacinas, a UE está a comprá-las a um alto preço, talvez o negócio do século para as empresas privadas que as produzem. Não são conhecidos os detalhes dos contratos, sobretudo no que respeita à responsabilidade por eventuais efeitos secundários. E não podemos esquecer que entre os dez países com mais milionários três são da UE (Alemanha, França, Itália) e que na Alemanha 12% do aumento da sua riqueza dos super-ricos deu-se na área da saúde.

Identidade histórica e reparações. A Europa continua a ter dificuldade em saldar as contas com o passado, não apenas do mais remoto mas também do mais recente. O colonialismo não foi um progresso civilizacional, foi antes um instrumento violento para saquear as riquezas de grande parte do mundo extra-europeu. Obviamente que um processo histórico tão longo envolveu muitas outras relações, mas a principal foi o saque, um saque que continua hoje. O bem-estar relativo dos europeus não é pensável sem esse saque. As transferências de recursos do Sul Global para o Norte Global continuam a ser muitas vezes superiores às de sentido contrário. A recusa em descolonizar a história da Europa está na origem do racismo, que continua a inquinar as relações entre cidadãos europeus, da política equivocada de imigração, da transformação do Mediterrâneo em cruel cemitério líquido. É também a recusa em descolonizar a história que abre as portas ao crescimento da xenofobia, da islamofobia, do anti-semitismo e, em geral, ao incremento da extrema-direita. Em tempos de pandemia, a melhor maneira de a Europa se reconciliar com o mundo seria contribuir ativamente para que o mundo menos desenvolvido, grande parte do qual foi alguma vez colónia europeia, tivesse acesso rápido e gratuito à vacinação contra o coronavírus. A identidade histórica deveria estar também presente nas relações com países cuja pertença à Europa se transformou em disputa política, sobretudo nos casos da Rússia e da Turquia. Com 27 milhões de mortos na Segunda Guerra Mundial, foram os russos quem mais contribuiu para a libertação do jugo nazi.

Direitos humanos e democracia. A Europa orgulha-se de ser hoje o continente que mais consistentemente respeita a democracia e os direitos humanos. Sem entrar no mérito desta afirmação, importa-me sobretudo salientar o que implica levar a sério estes valores. Implica, antes de tudo, reconhecer que neste domínio houve retrocessos graves nos últimos 30 anos. A pandemia veio mostrar que a degradação das políticas sociais levadas a cabo por imposição das receitas neoliberais, de que a Comissão Europeia tem sido a grande promotora, tornou mais difícil a defesa da vida. Por um lado, o agravamento das desigualdades sociais, a erosão dos direitos laborais e a consequente precarização dos modos de vida compõem uma das variáveis mais diretamente relacionadas com a taxa de mortalidade da infecção. Por outro lado, a degradação dos serviços públicos incapacitou os Estados para dar a melhor resposta à emergência sanitária. Como vamos entrar num período de pandemia intermitente, levar a sério os direitos humanos significa inverter de imediato as lógicas de investimento público. Uma política robusta de promoção de direitos humanos e de democracia obriga a enfrentar sem calculismos a degradação destes valores na Hungria e na Polónia levada a cabo em nome de uma chamada “democracia iliberal”, uma contradição nos termos. A democracia liberal pode e deve ser criticada por ser pouca, não por ser muita.

Paz e guerra fria. Levar a sério os direitos humanos e a democracia implica seguir convictamente uma política de paz, o que repercute tanto no plano interno como no plano externo. Contra o que seria de esperar num período de emergência sanitária a nível planetário, a nova guerra fria entre os EUA e a China tornou-se mais violenta nos últimos meses. Perante o seu declínio como primeira potência mundial, os EUA têm vindo a acionar mecanismos cada vez mais agressivos para conter o que designam como expansionismo imperial chinês. As revistas que formulam a política externa dos EUA (e.g. Foreign Affairs) falam abertamente da possibilidade de conflito armado nos próximos dez anos, no que são apoiadas pelo poderoso complexo militar-industrial. Os EUA querem envolver neste processo todos os seus aliados e exigem solidariedade incondicional. Como a superioridade mais inequívoca dos EUA em relação à China é militar e como neste domínio a UE é um parceiro insignificante, a menos que a NATO se transforme num instrumento de agressão militar (mais do que tem sido já em tempos recentes, dos Balcãs à Líbia), uma aliança nestes termos não interessa à Europa.

A UE deve libertar-se rapidamente da cruzada persecutória contra o Irão e a Venezuela. Será que o fantoche Juan Guaidó, que já nem sequer é deputado e é contestado pela oposição venezuelana a Nicolás Maduro, vai continuar a ser considerado Presidente legítimo deste país e a presidir ao saque das reservas internacionais venezuelanas?

Os termos que interessam são estes: na longa duração histórica (quando os EUA não existiam) a China foi até ao século XIX a maior potência económica mundial; segundo a McKinsey, em 2040 a China representará 40% do consumo total de bens e serviços;  a China acaba de promover a Associação Económica Regional Integral, que é imensamente mais vasta que o mercado comum europeu; a Índia, atualmente governada pela extrema-direita, não pode ser um aliado especial da UE apenas porque não integra esta associação; a UE não pode ser aliada incondicional, nem da China (não é uma democracia e os direitos humanos são vistos como obstáculos) nem dos EUA (estes só aceitam o unilateralismo; Biden será menos pró-europeu do que se imagina; a luta contra os privilégios das gigantes norte-americanas da comunicação, a GAFA­ — Google, Apple, Facebook e Amazon — deve continuar). Acresce que a UE deve libertar-se rapidamente da cruzada persecutória contra o Irão e a Venezuela. Será que o fantoche Juan Guaidó, que já nem sequer é deputado e é contestado pela oposição venezuelana a Nicolás Maduro, vai continuar a ser considerado Presidente legítimo deste país e a presidir ao saque das reservas internacionais venezuelanas?

Portugal tem boas condições para ser o timoneiro da UE neste período. Tem tido um bom desempenho na defesa da vida na pandemia, inequivocamente patente nos dados; foi relativamente baixa a politização da pandemia; manteve um nível de coesão política e de consenso com a comunidade científica que só a direita mais reacionária não reconhece; pese embora o sistémico comportamento do SEF, tem uma política de imigração mais positiva que outros países europeus; sendo um tradicional aliado do Reino Unido, pode ser artífice de entendimentos num período que vai conhecer atritos. Mas será lamentável se não aproveitar esta posição invejável para se libertar da chantagem dos países frugais e para cumprir plenamente a Leis de Bases da Saúde, dando ao SNS a centralidade que ele merece.

Do GGN

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

AUGUSTO ARAS DISPARA GOLPE FATAL CONTRA LAVA JATO, VIABILIZA COMPARTILHAMENTO DE DADOS SIGILOSOS

Augusto Aras, procurador-geral da República. Foto: Reprodução

Portaria assinada nesta sexta-feira permite acesso de informações aos integrantes do Ministério Público Federal pelo Brasil.

Uma portaria assinada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, permite compartilhamento interno das informações obtidas em investigações realizadas pelo Ministério Público Federal, incluindo dados sigilosos da operação Lava Jato.

Apenas o arquivo da força-tarefa da Lava Jato de Curitiba (PR) possui um total de 1000 terabytes, que estão em poder da Sppea (Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise), órgão da PGR (Procuradoria-Geral da República).

No caso do banco de dados da Lava Jato, estão reunidas informações (parte delas sigilosa) de pessoas e empresas, incluindo os acordos de delação premiada e de leniência. O procurador que estiver trabalhando em determinada investigação poderá acessar os arquivos em busca de elementos.

Para isso, será necessário formalizar e justificar o pedido e, quando o pedido for aprovado, a Sppea fará a pesquisa e o encaminhamento de um relatório ao solicitante. A distribuição também pode ocorrer por iniciativa do procurador responsável pelo ofício onde os dados estão vinculados.

Segundo o jornal Folha de São Paulo, a ideia foi anunciada por Aras no final do ano passado, e assinada nesta sexta-feira (08/12) em conjunto com a corregedora-geral do MPF, Elizeta Ramos, regulamenta como será o recebimento, o armazenamento e o compartilhamento das informações.

Do GGN

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

BRASIL TEM RECORDE DE MORTES E PAZUELLO, O SEM-VACINA, ANUNCIA “PLANO MÃO-GRANDE”, POR FERNANDO BRITO

Acaba de sair o boletim de hoje do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde, acusando 1.841 mortes nas últimas 24 horas, acrescidos dos “atrasos” da contagem de anteontem no Rio e no Amazonas. Na contagem do Ministério da Saúde, foram 1.524, o segundo mais alto desde o início da pandemia.

No número de casos, tivemos quase 88 mil nas contas oficiais do Ministério, o maior desde que começou a crise da Covid-19.

Ao mesmo tempo em que, com isso, superamos a marca das 200 mil mortes (200.498), assistia-se pela televisão o espetáculo dantesco da “entrevista” do ministro da Saúde: grosseiro, despreparado, autoritário, chegou a dizer que a imprensa “não tem delegação” para interpretar as notícias, apenas para reproduzi-las.

O general vá plantar suas batatas em ditaduras, onde ser jornalista é apenas reproduzir as declarações das autoridades.

Não somos seus subordinados para dizer-lhe “sim, senhor” e deixar de indagar, apontar contradições e apurar a verdade com perguntas – como as que não se fez a ele, que saiu antes de responder qualquer indagação, deixando os auxiliares de dentes à mostra para responderem duas ou três formuladas sem nenhum vigor – e interpretar o que se diz e o que se sabe.

O ministro seguiu sem anunciar objetivamente o que será a vacinação, ficando nas já famosas “três hipóteses”: 20 de janeiro, 10 de fevereiro e início de março. E tudo o que pode ser feito será não por obrado ministério, mas porque São Paulo está aceitando – será que isso tem a ver com a aprovação da Coronavac pela Anvisa? – ser garfado nas doses que acumulou, importadas da China.

Os dois milhões de doses indianas são uma mera cortina de fumaça, um subterfúgio para tentar dissimular que a única chance de Bolsonaro vacinar é com “as vacinas do Dória”. Sejamos justos: Doria ofereceu o Butantan para apoiar o plano nacional de imunização e o governo federal recusou-o a patadas. Agora, talvez esteja diante do dilema de entregá-las e minguar o seu plano de vacinação ou não poder fazê-lo por falta de registro da vacina.

As vacinas a serem produzidas pela Fiocruz dependem de dois fatores. O primeiro, a chegada do componente ativo da vacina, até agora não entregue no Brasil. O segundo, da incerta capacidade de processar este insumo em grandes quantidades, o que não está, ao menos publicamente, bem esclarecido.

As negociações com os laboratórios farmacêuticos, que Pazuello pintou como os chantagistas que de fato são, são as mesmas que tiveram outros países. Esqueceu-se Pazuello, porém, que as dificuldades ficaram maiores e as quantidades das vacinas oferecidas minguaram porque só muito tarde – e sem muita garra – o Brasil foi ao mercado mundial para pretender comprá-las.

Estamos com gente morrendo como moscas e com gente completamente incapaz no comando do país e de seu sistema sanitário.

Aliás, não é gente incapaz: é gente má, que está se lixando para vacinar o povo brasileiro. Quem duvidar disso, tampe o nariz e assista à live de Jair Bolsonaro, daqui a pouco, fazendo pouco da vacina e tirando a credibilidade da vacina.

Do Tijolaço.