Há
cerca de um mês, escrevi aqui nesta coluna que o governo Bolsonaro estava nas
cordas e poderia até cair. Alguns acharam que era delírio e que eu confundia a
realidade com meus desejos. Em outras palavras, acusaram-me de wishful
thinking, como se diz em inglês.
No
entanto, o que aconteceu desde então parece confirmar o que escrevi: o governo
está cambaleando e corre realmente o risco de não chegar até o fim do seu
mandato. Bolsonaro vive o seu pior momento.
Os
fatores fundamentais do enfraquecimento recente do governo são conhecidos.
Destacaria o atraso e os embates na aprovação do orçamento de 2021, que
provocaram verdadeira crise política, desgastaram o ministro da Economia e
devem ter deixado um rescaldo de desconfiança entre o governo e a sua base parlamentar.
Mais importante do que isso: as vitórias sucessivas de Lula no Supremo, que
reforçaram dramaticamente o principal adversário político de Bolsonaro.
Mas
o que pesa, sem dúvida, acima de tudo, é a criação da CPI da Covid no Senado,
com composição desfavorável ao governo e Renan Calheiros na relatoria.
Bolsonaro está visivelmente apavorado com o que pode sair dessa CPI. Pode ser a
antessala do impeachment.
Não
vamos nos enganar, entretanto. O governo não está morto! Tem muitos
instrumentos de poder. E pode até se recuperar. Espero que os adversários
políticos de Bolsonaro não cometam o erro que cometeram os adversários
políticos de Lula em 2005. O leitor lembra do que aconteceu? Lula estava no seu
ponto mais baixo com o escândalo do “mensalão”. O seu braço político principal,
José Dirceu, teve que deixar o governo. Lula parecia liquidado.
Os
seus adversários decidiram, se bem me recordo, não levar o impeachment adiante.
Tinham medo do vice de Lula, José Alencar, que era um crítico ferrenho do
sistema financeiro e dos juros altos. Alencar, embora empresário, estava à
esquerda de Lula em matéria de política econômica. Melhor então deixar o
Presidente sangrar até o fim do governo e derrotá-lo nas urnas em 2006.
Felizmente, Lula se recuperou e venceu Alckmin no segundo turno das eleições
daquele ano. Partiu daí para um segundo período de governo que, contrariando a
regra da “maldição do segundo mandato”, foi muito melhor do que o primeiro.
Lula deixaria o governo em 2010 consagrado, com altíssimos índices de aprovação.
Elegeu, sem grandes dificuldades, a sua sucessora, Dilma Rousseff, uma
tecnocrata desconhecida do grande público. O povo queria votar na “mulher do
Lula”. E votou.
Uma
recuperação semelhante não poderia acontecer com Bolsonaro? Política é o reino
da imprevisibilidade. Mas imaginem o seguinte cenário, que não é implausível.
Com o avanço da vacinação no segundo semestre de 2021, a situação da epidemia
começa a se normalizar e a economia se recupera um pouco. Bolsonaro pode então
começar a cantar vitória de novo. Não vamos esquecer que o povo brasileiro tem
expectativas bem rebaixadas, modestas mesmo. Pouco ou nada espera dos seus
governantes. E outra: é preciso reconhecer que Bolsonaro, por detestável que
seja, sabe falar a linguagem popular. Só há dois políticos de destaque no
momento que sabem, de fato, falar com o povo. Lula e, infelizmente, Bolsonaro.
Por
isso, é que digo e repito: é hora de partir para a jugular! Liquidar,
ou começar a liquidar, este governo nocivo, destrutivo, antinacional e antipopular
no seu momento de maior fraqueza, isto é, nos próximos, digamos, 3 ou 4 meses.
E não me venham falar em “golpe”. Este governo, cometeu crimes de
responsabilidade em série. Motivos para o impeachment, dentro da Constituição e
da lei, são abundantes. Nunca um governo deu tantas razões para ter o seu
mandato interrompido.
Falta
o povo nas ruas? Então, vamos para a rua! A revolta é tanta, que muitos
atenderão um chamado para a mobilização. Não podemos ficar em casa,
acovardados, com medo da pandemia, assistindo passivamente o País ser
destroçado.
Há
motivos para temer o vice de Bolsonaro? Dizem alguns que o vice é “tóxico”. Mas
não creio que ele ofereça perigo remotamente comparável ao que representa a
continuação de Bolsonaro na Presidência. Mourão não foi eleito, não tem
carisma, não tem liderança. Será provavelmente um presidente fraco, que se
limitará a conduzir o país, em cenário de menos tumulto, até as eleições de
fins de 2022. Posso, claro, estar redondamente enganado. Mas não creio.
Teme-se,
também, que Mourão na Presidência venha a favorecer uma candidatura da direita
tradicional, atualmente denominada de “terceira via”. Esse candidato da direita
não-bolsonarista, o falso “centro”, teria provavelmente apoio de um governo
federal presidido por Mourão. Mas e daí? Melhor Lula enfrentar um candidato
desses, razoavelmente civilizado, do que correr o risco de perder para
Bolsonaro.
O
leitor lulista dirá: mas Lula é o favorito, Bolsonaro estará muito desgastado,
Lula vencerá as eleições no segundo turno de qualquer maneira etc. Pode bem
ser. Mas é um risco que não devemos correr! A reeleição de Bolsonaro talvez
seja mesmo um evento de baixa ou média probabilidade – e mesmo isso é
discutível – mas, em caso de materialização desse risco, o resultado é catastrófico
para o País. Mais quatro anos de inépcia, ideias retrógradas, falta de projeto,
perversidade e destruição do Estado, da sociedade brasileira e da própria
Nação. Esse é o tipo de risco que não podemos correr.
E
tem mais o seguinte: quem quer assistir mais um ano e 8 meses de destruição,
patrocinada por Bolsonaro e sua equipe de quinta categoria? Os primeiros dois
anos e quatro meses já mostraram do que são capazes. Já não é suficiente?
Uma
conjectura para terminar. A direita tradicional, que se apresenta como
“terceira via”, só parece viável como segunda via. Tudo indica que o falso
“centro” só é competitivo nas eleições de 2022 se Bolsonaro ou Lula saírem do
páreo. Lula não conseguem mais tirar. Mas é uma ilusão imaginar que a turma da
bufunfa já se conformou com nova presidência de Lula. Até aceitarão, se não
houver remédio. Mas querem trabalhar outra candidatura, acredito.
Os
cálculos eleitorais da direita não-bolsonarista favorecerão o impeachment? Que
assim seja.
Uma
versão resumida deste artigo foi publicada na revista “Carta Capital” em 30 de
abril de 2021. O autor é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de
Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor executivo no FMI
pelo Brasil e mais dez países. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o
livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um
economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e
nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, começou a
circular em março de 2021. E-mail: paulonbjr@hotmail.com;Twitter:
@paulonbjr;Canal YouTube: youtube.nogueirabatista.com.br; Portal: www.nogueirabatista.com.br
Tijolaço.