Ontem
à noite, o discurso do presidente Joe Biden foi a pá de cal no modelo de
desmonte do estado norte-americano, iniciado na era Reagan.
Ontem
à noite, o discurso do presidente Joe Biden foi a pá de cal no modelo de
desmonte do estado norte-americano, iniciado na era Reagan.
Fio
uma inversão completa nos objetivos da política econômica, algo que nem Barack
Obama – mais à esquerda – conseguiu. Não mais foco em Wall Street, mas na
classe média, que construiu os Estados Unidos. Defesa dos pobres, das crianças,
do aumento do salário mínimo, da economia verde, da solidariedade nacional, da
proteção às famílias, da universalização da educação. Ao mesmo tempo, o
chamamento para a compra de produtos americanos e para a mobilização do país
para a disputa tecnológica e econômica com a China.
É
um capítulo a mais, e o mais significativo, da mudança radical do
ultraliberalismo que dominou o mundo nos últimos 40 anos.
Enquanto
Biden alertava para o custo da saúde nos EUA, Paulo Guedes propunha a
privatização do SUS em encontro fechado.
Os
reflexos sobre o Brasil se darão em cima de dois grupos, ambos disputando as
chamadas pautas progressistas: a esquerda progressista, que tem como base o PT;
e a nova direita progressista, um grupo de pessoas de boa vontade, que tenta
empoderar o centro-direita com teses politicamente corretas, tentando
reescrever um liberalismo menos selvagem, mas mantendo a hegemonia do
mercado.
Em
muitos pontos, há concordância, especialmente nas proposições de boa vontade. O
conflito surge nos temas em que se exteriorizam disputas de poder e pelo
orçamento.
OS
PONTOS DE CONFLITO
Sindicatos
Setores
modernos no país ainda não entenderam o papel essencial dos sindicatos no
fortalecimento dos setores em que atuam. A rigor, apenas o pai do
neoliberalismo brasileiro – Fernando Collor – deu-se conta da relevância dos
grandes pactos setoriais, entre empresas, sindicatos, fornecedores, nas câmaras
setoriais que criou.
Muitos
setores embarcam em um paradoxo suicida: aceitam mudanças que podem trazer
benefícios individuais a cada empresa, sem se dar conta das perdas para o setor
em geral, pela superficialidade das análises.
Nos
Estados Unidos houve o enfraquecimento gradativo dos sindicatos. Quando teve
início a transferência da produção para a China, os industriais americanos não
tinham aliados para impedir a sangria. Daí a ênfase do novo presidente Joe
Biden, no re-fortalecimento do movimento sindical como parte de um esforço
geral de recuperação do mercado e da produção interna americana.
Por
aqui, ocorreu o mesmo fenômeno. Até alguns anos atrás, era possível acompanhar
pactos entre a Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e
Equipamentos) com centrais sindicais, especialmente na crise de 2008. Com a
ascensão do governo Temer teve início o desmonte da estrutura sindical. E as
indústrias perderam seus grandes aliados.
Da
parte das esquerdas, há dificuldade dos sindicatos em entender a nova ordem e
definir alianças horizontais fora da bolha, ou em mudar o modelo de atuação
para abrigar os setores informais da economia. Ou mesmo em mudar as regras de
disputa para abrir espaço para uma co-gestão com outras forças, inclusive de
oposição.
EDUCAÇÃO
PARTICIPATIVA
No
final do segundo governo Lula, as Conferências Nacionais produziram alguns
ensaios de pactos que poderiam ter mudado a história do país. Um deles foi o
pacto pela educação, no qual ONGs empresariais, movimentos sociais, sindicatos
de professores, associações de secretarias de educação começaram a formar um
consenso que poderia consolidar um futuro partido da educação – como existe o
partido da saúde, suprapartidário.
Aceitava-se
que os professores tinham que ter melhores salários, melhores condições de
ensino e, a partir daí, serem avaliados e cobrados. Depois, se diluiu e a
centro-direita educacional tucana se curvou ao estilo yuppie autoritário de
Maria Helena Guimarães, e sua suposta racionalidade gerencial. É impossível
qualquer política de qualidade – em empresas, ou em setores sociais – sem a
participação dos que entregam o produto final.
O
apoio da nova direita progressista ao enquadramento da educação em atividade essencial
– diluindo a influência dos sindicatos e até o exercício da greve – é o indício
mais evidente dessa miopia típica do gerencialismo burocrático. Nenhuma
empresa, pública ou privada, consegue implementar programas de qualidade sem
conquistar coração e mentes dos trabalhadores da ponta.
Da
parte das esquerdas, ainda há uma enorme resistência aos sistemas de avaliação.
GERENCIALISMO
BUROCRÁTICO
Um
exemplo simples, colhido também na área de educação. As escolas rurais garantem
o ensino a populações vulneráveis, do campo. Mas também reduzem as notas do
estado no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Fechando as
escolas rurais, o Estado piora seus indicadores sociais, deixa de cumprir seus
compromissos em relação aos Índice de Desenvolvimento Humano, mas melhora o
IDEB. E, com a melhoria do IDEB, melhora os indicadores de eficácia financeira
e o governo sai consagrado.
ORÇAMENTO
Outro
ponto hipócrita são os discursos solidários a favor do combate à miséria, à
desigualdade, a favor das políticas distributivas, desde que não se inclua o
pobre no orçamento. Cria-se um vício insanável, de colocar como meta das
políticas públicas – especialmente educação e saúde – a redução dos gastos, de
fazer o mesmo com menos – e não de fazer mais com mais.
Não
é possível discutir recursos para a área social sem analisar os impactos das
políticas monetária e fiscal e da Lei do Teto. É discutir consequência sem
causa. Não adianta o bom mocismo de criticar as disparidades de renda sem se debruçar
sobre o modelo tributário e sobre a distribuição dos tributos, recaindo sobre o
consumo (e, por causa disso, sobre classes de menor renda) e isentando os altos
ganhos.
CONSUMIDORES
X ACIONISTAS
Estatais
estratégicas
Uma
das maiores distorções atuais é a não compreensão do papel das empresas
estatais, especialmente em setores estratégicos. Por tal, entendam-se setores
que impactam a economia como um todo, ou que produzam insumos estratégicos
essenciais.
Por
exemplo, Correios, energia, bancos de desenvolvimento, saneamento público,
Sistema Único de Saúde.
Os
progressistas de mercado não conseguem medir retorno social ou econômico. A
única métrica é a lucratividade, porque se reflete na distribuição de dividendos.
E muita distribuição de dividendos significa menos investimento.
Com
a pandemia, essa lógica perversa será revertida.
Mas
ainda há um longo caminho a percorrer até que a racionalidade se imponha sobre
os enquadramentos políticos.
GGN.
0 comments:
Postar um comentário