Terceirização,
uberização e desmonte das leis laborais conquistadas no século XX marcam o
cenário atual.
Desemprego
e informalidade são as duas realidades mais comuns para os trabalhadores
durante a pandemia - Folha Litoral.
Primeiro
de maio, Dia Internacional do Trabalhador e da Trabalhadora mais do que um
feriado, carrega um histórico de luta por direitos. Ao invés de celebrar, neste
2021, a classe trabalhadora tem ainda mais motivos para reivindicar. De acordo
com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), durante
o último ano de pandemia, houve uma redução de 8,8% nas horas trabalhadas, o
que representa a perda de 255 milhões de empregos de tempo integral ao redor de
mundo, quatro vezes mais do que em 2019.
Nos
primeiros quatro meses do ano, a tendência se manteve, com a diminuição de 3%
das horas trabalhadas em todo o planeta, equivalente a 90 milhões de empregos.
No
Brasil a situação não é diferente, o país entra em 2021 com uma taxa de
desemprego de 14,2%, quase 14 milhões de desocupados, de acordo com Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para aqueles que ainda possuem
alguma renda, a informalidade foi a saída.
Cerca
de 34 milhões de trabalhadores, quase 40% da população economicamente ativa do
Brasil, está no setor informal. São as pessoas que fazem bico, diaristas,
ambulantes, pessoas que trabalham como freelancer, entre outras.
“A
gente chega nesse 1º de maio, a nível mundial, com uma situação de bastante
debilidade da classe trabalhadora do ponto de vista estrutural. Algo
que vem de um processo mais amplo de erosão do trabalho assalariado”, analisa o
sociólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB), Ricardo Festi.
RETROCESSOS
Na
última terça-feira (27), o presidente Jair Bolsonaro editou uma nova Medida Provisória autorizando a suspensão dos
contratos de trabalho por até quatro meses, o adiamento do pagamento do fundo
de garantia (FGTS) e a diminuição dos salários em até 70%. Em 2020, com uma MP
similar, 1,5 milhão tiveram os salários reduzidos e 9,8 milhões os contratos
suspensos.
A
socióloga Tábata Berg identifica que a precarização se expressou um tripé:
terceirização, uberização e desmonte das leis trabalhistas.
“A
gente tem um desmonte progressivo da CLT, com propostas de reformas
trabalhistas cada vez mais duras. Essa é a realidade para os trabalhadores em
todo o mundo, mas é ainda mais perverso nesse contexto, com um contingente
significativo de trabalhadores que nunca experimentaram direitos sociais e direitos
trabalhistas”, aponta a também pesquisadora da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp).
DESIGUALDADE
Se
o panorama geral é negativo, ao fazer um recorte de gênero e raça é possível
perceber que o cenário pode ser ainda pior. As mulheres negras são 60% da
população desempregada, segundo o IBGE. Também são as que passam mais tempo
buscando emprego, 24% de 3 a 6 meses, e 18% passaram até um ano.
Além
disso, são as piores remuneradas, uma mulher negra ganha em médio R$10,95 por
hora, enquanto as mulheres brancas ganham cerca de R$18,15 por hora trabalhada,
já os homens brancos tiveram uma média de R$20,79 de remuneração, segundo
levantamento de 2020 do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos
(Dieese).
Entre
a juventude, quase um terço dos jovens brasileiros estão desempregados e 78%
possui baixos salários ou contrários temporários.
A
falta de renda gera uma reação em cadeia, com o aumento da fome da pobreza.
Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), 118
milhões de mulheres latino-americanas passaram a viver em situação de pobreza
em 2020 – maior índice dos últimos 20 anos.
O
Brasil voltou a fazer parte do mapa de fome da ONU, quase 60% dos lares brasileiros
realizam menos de três refeições ao dia, com 125,6 milhões de pessoas em
situação de insegurança alimentar.
MOBILIZAÇÃO
A
devastação gerada pela pandemia no mundo do trabalho exigiria ainda mais
radicalidade dos sindicatos e outras formas de organização da classe nesse 1º
de maio. No entanto, o descontrole dos contágios e a alta letalidade do vírus
no Brasil, impedem a realização de grandes manifestações de rua.
Para
esse ano, as centrais sindicais convocaram debates online com o
lema “a vida primeiro”.
Para
ambos sociólogos, o panorama dramático se agrava com a crise econômica iniciada
em 2018 e com ascensão de governos de extrema direita.
E
desde então os setores mais precarizados tem dado o ritmo das agendas de luta.
No Brasil, em outros países da América Latina e na Europa, os entregadores por
aplicativo realizaram mobilizações massivas e, em alguns lugares, conquistaram
melhores condições de trabalho.
“A
gente tem um contexto de avanço da extrema direita, mas também tem muitos focos
de luta, como os entregadores em todo o mundo têm se organizado e conseguido
vitórias importantes. As lutas dos trabalhadores e trabalhadoras nesse 1º de
maio vai ser diferente do século XX e já começa a se desenhar esse perfil”,
aponta Tábata Berg.
Para
Ricardo Festin, é importante retomar o trabalho de base e o diálogo entre o
movimento sindical, social e estudantil para enfrentar o desmonte da concepção
de trabalho consolidada nas décadas anteriores.
“É
necessário pensar um novo programa que dê conta nesse novo mundo do trabalho,
que supere uma nostalgia fordista. Como vamos pensar direitos sociais,
políticos, que não retorne as formas de intensificação e exploração da classe
trabalhadora. Como vamos atender as maiorias que são minorizadas”, conclui.
Brasil de Fato.
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