sábado, 15 de maio de 2021

REJEIÇÃO A BOLSONARO REACENDE PRESSÃO POR SEU IMPEACHMENT, POR FERNANDO BRITO

É claro que, numa Câmara dos Deputados controlada com mão de ferro pelo Centrão, não há condições políticas de avançar, ao menos por enquanto, um processo de impeachment contra Jair Bolsonaro e a maior prova é que o presidente da Casa, Arthur Lira, senta-se hoje sobre mais de uma centena de pedidos, sem que um só ande.

Mas a pesquisa Datafolha, publicada no início da tarde de hoje, registrando, pela primeira vez, um número de brasileiros que apoia o afastamento do presidente do seu cargo (49%) superior ao dos que consideram que o Congresso não deveria abrir um processo de impeachment (46%), mostra que a situação do ex-capitão nunca esteve tão frágil.

O perfil dos “fora, Bolsonaro”, basicamente, acompanha a divisão dos votos em Lula e na reeleição do atual presidente: mais forte entre as mulheres, os habitantes do Nordeste, entre os mais pobres e entre os jovens, enquanto o “Bolsonaro fica” predomina no Sul, entre os empresários e grupos evangélicos.

Os números, claro, deverão piorar com o andamento da CPI da Covid e a disposição parlamentar em “testar” a aceitação ao impedimento é sempre uma tentação para que, depois de garantir verbas para seus redutos, também queira se livrar da carga eleitoralmente pesada de estar com alguém tão rejeitado como o ‘ex-mito’.

A Folha, aliás, transcreveu o insólito lembrete do próprio Arthur Lira, semanas atrás, ao dizer que “remédios políticos no Parlamento” que deveriam acender “um sinal amarelo para quem quiser enxergar”.

Pois é, esta história de que “só Deus me tira daqui” que Bolsonaro anda repetindo não é muito prudente. Até porque Deus não está nem um pouco interessado em emenda parlamentar para arranjar verbas eleitorais.

Tijolaço.

PESQUISAS ELEITORAIS REMOTAS SÃO ENVIESADAS E FAVORECEM BOLSONARO, DIZ MARCOS COIMBRA DO VOX POPULI

Na última quarta-feira (12), o DataFolha divulgou uma pesquisa feita em caráter presencial em que o ex-presidente Lula (PT) dispara no primeiro turno com 41% das intenções de voto ante 23% de Jair Bolsonaro (sem partido). No segundo turno o petista venceria o atual presidente, marcando 55% contra 32% (leia mais aqui). O resultado divulgado, que diverge muito dos números de outras sondagens realizadas de maneira retoma (pela internet ou telefone), é explicado por Marcos Coimbra, do Instituto Vox Populi, à TVGGN. Para ele, sondagens à distância não funcionam bem na realidade brasileira. São enviesadas e favorecem Bolsonaro, virtual candidato à reeleição, porque ele tem mais apoio entre os estratos socialmente mais favorecidos da população. “É óbvio que uma pessoa que aceitou responder um questionário que recebeu pelo computador já está vários degraus além do cidadão comum”, declara o sociólogo.

Para defender sua tese de que pesquisa remota não funciona no Brasil, o sociólogo usa como exemplo um levantamento recente que apontou Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde, à frente de Bolsonaro, Lula, do ministro da Economia Paulo Guedes, do vice-presidente Hamilton Mourão e Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo. “Basta este resultado, do Mandetta pau a pau com o Lula, e ganhando do Bolsonaro, para você esquecer essa pesquisa”, defende Coimbra.

A disparidade dos resultados entre pesquisas remotas e presenciais está relacionada à desigualdade social do país. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 46 milhões de brasileiros não têm acesso à rede mundial de computadores e mais de 41 milhões não têm celular. “Em um País como o nosso, a pesquisa presencial é a única maneira de ouvir o que pensa o conjunto da população”, afirma Coimbra. Ele analisa que levantamentos remotos só servem para comprovar que Bolsonaro está em alta na classe média e alta.

A possível chegada de uma terceira onda da pandemia de coronavírus pode, novamente, suspender a realização de pesquisas de campo e favorecer o líder extremista de direita nos próximos resultados. “Inventou- se que era possível fazer pesquisa remota no Brasil”, mas ele espera que o “padrão de pesquisa brasileira”, ou seja, pesquisas presenciais, retorne com mais força.

DESEMPENHO DE LULA EM 2022 E TERCEIRA VIA

Na entrevista ao jornalista Luís Nassif [assista abaixo], Coimbra avalia que Lula deve se consolidar e melhorar seu desempenho nas próximas pesquisas, enquanto a tendência para Bolsonaro é se fragilizar e piorar. Quinze anos após a sua última empreitada nas urnas, na reeleição em 2006, “Lula vai poder se reencontrar com uma parte grande do eleitorado brasileiro que gostava dele antes e se reapresentar para um eleitorado mais jovem”, afirma. Há espaço, portanto, para Lula crescer, o que reduz as chances de uma terceira via. Vídeo:

GGN.

sexta-feira, 14 de maio de 2021

EX-MINISTRO EDUARDO PAZUELLO GANHA O DIREITO A UM SILÊNCIO COMPROMETEDOR, POR FERNANDO BRITO

Como se esperava, Eduardo Pazuello ganhou o direito de, querendo – e sempre que quiser -, silenciar diante das perguntas dos senadores da CPI.

Um ganho para Bolsonaro, uma derrota para o general e para o Exército.

Serão horas de humilhação e, ainda pior, de improvável autocontrole do ex-ministro, porque a garantia que o ministro Ricardo Lewandowski lhe deu foi para calar diante de perguntas onde pudesse produzir provas contra si e, portanto, assim se caracterizará qualquer questão que o faça calar.

Numa palavra: cada tema, cada situação, cada ação governamental, cada ato do Ministério diante do qual ele se cale tem, implicitamente, o valor de uma suspeita, o peso de uma silenciosa mentira, a covardia de enfrentar um problema.

Vai haver problemas em perguntas que, a rigor, não podem ser consideradas passíveis de auto-incriminá-lo, mas que incriminem a outros.

Por exemplo: “o senhor recebeu orientação do Presidente da República ou de qualquer outra pessoa estranha ao governo sobre o “tratamento precoce”? “O senhor sabia das articulações de Fábio Wajngarten para a compra de vacinas da Pfizer”? O que o senhor acha da presença do presidente da República em aglomerações, sem uso da máscara? Como o senhor se sente diante de mais de 430 mil (ou 440 mil, até quarta, dia do depoimento) pessoas”?

Calar será uma vergonha, dar uma resposta fria, uma desfaçatez.

Ainda haverá Manaus e Manaus, será um momento de humilhação constrangedora, porque Pazuello viveu lá e tem (ou tinha) pretensões eleitorais no Estado.

Talvez mesmo caiba dizer que a quarta-feira será um dia de um desastre de proporções amazônicas para o general que, mesmo em silêncio, será visto como o algoz que obedece ao que um psicopata manda.

Tijolaço.

QUEM A GLOBO CHOCA ESCONDENDO FAVORITISMO DE LULA?; FERNANDO BRITO

Se o distinto amigo e a cara amiga acham que o “choca” aí do título é relativo a “chocar”, no sentido de escandalizar, esqueça.

A Globo esconde o favoritismo de Lula na pesquisa Datafolha , da qual a emissora só publica rejeição crescente de Jair Bolsonaro, sem uma palavra quando ao favoritismo que o mesmo levantamento atribui a uma candidatura do ex-presidente, quase aplicando um “capote” ao escancarado candidato à reeleição.

Chocar, aí, é o que ela tenta fazer à espera de que ecloda de um ovo um providencial candidato de direita que não seja o Frankenstein que colocou no Planalto na esteira do lavajatismo.

Como jornalismo, é abjeto, por esconder da população um fato relevante, a pesquisa de opinião que a própria Globo sempre usa como métrica eleitoral.

Na política, e uma estupidez, porque tudo o que Lula não quer é ir para a vitrine.

Duvida?

Visitem as páginas das redes sociais do ex-presidente e vejam se ele faz algum “carnaval” com os números do Datafolha.

Zero.

Não é o marketing e não é, como já se apontou aqui, o “dedo do Duda (Mendonça)”, nem a mão de João Santana, que estão construindo esta vantagem cada vez mais larga.

Lula sabe que seu favoritismo cresce naquilo que o velho Brizola chamava de “o processo social”, não no Jornal Nacional.

Tudo o que ele não quer é ser “posto em campanha” marqueteira, mas em campanha política.

A hora de sua exposição será, no que depender dele, adiada o quanto puder e, quando soar, será soada por ele, do jeito que sempre fez e sabe fazer, o de juntar as pessoas.

Aglomerar, como se diz nestes tempos, hora que ainda não chegou.

Lula não vai se oferecer, vai ser buscado.

Tijolaço.

quinta-feira, 13 de maio de 2021

PAZUELLO ARRASTA O EXÉRCITO PARA A SUA COVARDIA, POR FERNADO BRITO

O caráter fraco, a incompetência, a desídia, a indiferença ao sofrimento humano e a covardia de Eduardo Pazuello já estão, a esta altura, suficientemente evidentes e materializadas em seus atos e omissões. Sobretudo, nos dois últimos que praticou: o expediente sórdido de apelar a uma visivelmente falsa alegação de Covid para adiar o depoimento à CPI e, agora, a autorização para que a Advocacia Geral da União impetre, em seu nome, habeas corpus preventivo, para ficar calado ao, finalmente, aproximar-se o dia de sua oitiva pelos senadores.

O mais constrangedor, agora, é o que ele atira sobre a sua condição de militar e sobre o Exército no qual é um dos altos oficiais.

Ainda que se aceite, com um bom litro d’água para engolir que era uma “missão” e não um arranjo político a sua ida para o cargo de ministro da Saúde, sem qualificação alguma para isso e capacidade político-administrativa grau zero para o momento sanitário difícil em que vivemos, mesmo assim Pazuello é um anão moral.

Primeiro, constrangeu sua arma a não pedir, tanto no exercício do cargo de Ministro quanto depois de sua infeliz passagem por ali, passagem para a reserva. Nem do ponto de vista da carreira – seja do posto, seja dos ganhos – lhe faria algum mal: está no ápice de sua trajetória possível, porque oficiais-intendentes, como ele, não podem ir além das três estrelas de generalato que já tem.

Por mais que se lhe faça a franquia de trajar roupa civil, ele é um fardado, da ativa.

Em seguida, levou o comandante do Exército a afirmar ao presidente do CPI, senador Omar Aziz, que seu subordinado não podia comparecer à audiência por “estar em quarentena” por ter tido contato com oficiais contaminados pelo vírus, mas o que se via ela ele passeando sem máscara nos corredores do Hotel de Trânsito do Exército e recebendo ministros para “combinar” o depoimento. Agora, com o pedido de HC, que torna evidente que tudo não passava de uma manobra, deixa seu comandante numa situação para lá de canhestra, por ter se tornado, mesmo provavelmente não querendo, cúmplice de uma fraude.

O pior, porém, é o fedor nauseante da covardia, que fez o próprio vice-presidente e também general Hamilton Mourão dizer que ele “não pode se furtar a comparecer e prestar lá seu depoimento”.

Porque o general poderá ganhar o direito ao silêncio, mas não o direito de não comparecer e muito menos o de escapar de repetir que “tem o direito de ficar calado” e, a cada uma destas ser acusado de covarde, fujão, medroso e a receber o desafio à sua própria presumível condição de oficial combatente.

E se responder às perguntas da minguada “tropa de choque” do bolsonarismo na CPI e calar-se perante os outros senadores vai escapar de ser chamado de “trigrão e tchuchuca” dependendo de quem fala com ele vai reclamar que um general do Exército.

Por isso, a covardia de Pazuello não é a rendição de um indivíduo: é a exposição de seus companheiros de farda e de posto.

Tijolaço.

BOLSONARO AUMENTA O PRÓPRIO SALÁRIO E DE UM GRUPO DE MINISTROS EM QUASE 70%, E´O 'TETO DUPLO'

Portaria publicada no final de abril e editada pelo próprio presidente Bolsonaro permite que os salários de algumas autoridades furem o teto e ultrapassem o valor de R$ 66 mil.

Entre os beneficiados com a nova portaria, Bolsonaro deve ter o aumento mais modesto Foto (Marcos Corrêa/PR)

Um grupo seleto de servidores, incluindo o presidente Jair Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão e ministros militares, terá aumento de salário de até 69%, estourando o teto de R$ 39.293,32 do funcionalismo. Com a regra, editada pelo presidente Bolsonaro, os salários de algumas autoridades podem passar de R$ 66 mil. As informações são da Folha de São Paulo.

A portaria foi publicada no dia 30 de abril pela Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia e entrou em vigor neste mês, com efeito nos salários a partir de junho. O impacto fiscal anual da medida é estimado pelo governo em aproximadamente R$ 66 milhões, mas pode variar.

Conforme a Folha, a portaria inova ao criar uma espécie de teto duplo, uma vez que o limite da remuneração incidirá de forma separada para cada um dos vínculos no caso de aposentados e militares inativos que retornaram à atividade no serviço público. Na prática, o teto total mensal para esse grupo privilegiado passa a ser de R$ 78.586,64.

Entre os beneficiados com a nova portaria, Bolsonaro deve ter o aumento mais modesto. O presidente recebe R$ 30,9 mil de salário e mais R$ 10,7 em outros benefícios, mas é feito um corte de R$ 2.300 para que o teto seja obedecido. Agora, a remuneração atingirá R$ 41,6 mil, uma alta de 6%.

General da reserva, o vice-presidente Hamilton Mourão terá reajuste de 63%. O abatimento de R$ 24,3 mil para respeitar o teto não deve mais ser feito. Assim, a remuneração mensal passa de R$ 39,3 mil para R$ 63,5 mil, diferença de 62%.

O ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, terá o maior reajuste entre os militares do primeiro escalão federal. O desconto mensal de R$ 27 mil poderá ser incorporado, elevando o salário mensal para R$ 66,4 mil, incremento de 69%.

Já o ministro da Defesa, Walter Braga Netto,  terá aumento de R$ 22,8 mil, totalizando R$ 62 mil por mês, 58% a mais. Número 1 do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno deve passar a receber R$ 23,8 mil a mais, totalizando R$ 63 mil, alta de 60%.

Titular do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, com elevação de R$ 17,1 mil, indo a R$ 56,4 mil por mês (aumento de 44%).

O Ministério da Economia informou à Folha que 70% das mil pessoas que serão beneficiadas pela regra são médicos e professores. O teto duplo vale para profissionais dessas áreas que acumulam funções.

 A pasta afirma que a portaria adequa o cálculo do teto a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU).

Dom Total.

A LIBERDADE PELAS MÃOS DO POVO PRETO É A VERDADEIRA HISTÓRIA DO 13 DE MAIO E DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO

Movimento negro e pesquisadores ressaltam luta social de cativos e abolicionistas como causa do fim da escravidão.

Racismo e violência do Estado ainda assolam a população negra 133 anos depois da Abolição - Foto: Carl de Souza/AFP.

A sanção da Lei Áurea, que há exatos 133 anos aboliu oficialmente o trabalho escravo no Brasil, consolidou o 13 de Maio como uma data de protestos contra violências que atravessaram séculos e continuam vitimando a população negra. 

Uma realidade que, por si só, coloca em xeque a narrativa registrada por muito tempo nos livros de história de que os males da escravidão teriam sido sanados no momento seguinte à assinatura de Princesa Isabel.

Matheus Gato, professor da Universidade de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Núcleo Afro do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), afirma que o 13 de Maio é uma data importante pelo simbolismo que adquiriu nas lutas sociais do Brasil e pelo processo social que fora interrompido, transformando o significado de pertencimento dos negros à nação brasileira. 

Mas, explica que, ao longo do século 20, a data engendrou uma série de disputas de imaginário sobre como realmente se deu o processo da abolição.

“Primeiro, tínhamos uma narrativa que enfatizava muito a importância do Estado, na qual a abolição aparece como uma dádiva e não como uma conquista de movimentos sociais, uma conquista popular. De uma certa maneira, o 13 de Maio fez parte dessa narrativa de que as conquistas do povo brasileiro, no fundo, foram concessões. Aí está a armadilha ideológica”, aponta Gato. 

Enxergar o processo da Abolição como farsa, a partir da anulação do protagonismo das camadas populares, é uma tônica histórica do movimento negro, como defende Seimour Souza, ativista da Uneafro Brasil. 

Segundo ele, o 13 de Maio representa uma abolição para a população branca que escravizava negros e negras, e que, após a assinatura da lei, não indenizou a população preta e permaneceu sem criar mecanismos de amparo e inclusão no mercado de trabalho aos ex-escravos e seus descendentes.

Por isso, é importante relembrar a data e suas consequências, mas em uma perspectiva completamente oposta à celebração ou reconhecimento à monarquia, regime então vigente no Brasil quando foi promulgada a lei abolicionista.

“O 13 de Maio é um dia de denúncia contra o Estado brasileiro que ainda é responsável pela condição de miserabilidade e vulnerabilidade que a população negra enfrenta. Não só hoje, mas ao longo da história. Tudo isso se dá por um tipo de abolição inconclusa, que deixou ao léu milhares de pessoas por todo Brasil”, afirma Seimour. 

O analista ressalta que a luta do povo negro pela abolição surgiu desde o primeiro momento que uma pessoa escravizada foi trazida da África, contra um regime que buscava manter o controle social dos corpos negros, sem qualquer benevolência:

“Nossa luta não começou ontem, não começa hoje. Nossos ancestrais um dia ousaram sonhar com a liberdade, e nós somos frutos desses sonhos. Somos frutos de uma gente que sobreviveu ao horror com altivez, de uma gente que sonhou com um futuro diferente. Somos frutos de teóricos e militantes como Abdias Nascimento, Lélia Gonzáles, Guerreiro Ramos, que há muito tempo denunciam a farsa da abolição”. 

Para Matheus Gato, apontar a abolição como um engodo, de forma crítica, é interessante na medida que alerta para a existência e a persistência do racismo, a despeito do fim da escravidão. Ele pondera, entretanto, que há o risco de incorrer em uma visão simplificada dos processos sociais. 

O pesquisador traça um paralelo com a Constituição de 1988, já que, embora até hoje muitos direitos previstos na Carta Magna não sejam de fato assegurados, a Constituição Cidadã não deixa de ser uma conquista da luta pela democracia.

Gato ainda cita a convocação da Coalizão Negra Por Direitos para manifestações em todo país nesta quinta-feira (13), pelo fim do racismo, do genocídio negro e das chacinas como um exemplo de ressignificação da data histórica, como um dia importante na consciência antirracista. 

A mobilização exige justiça para as vítimas na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, e de todas as operações policiais que resultaram em mortes nas favelas e comunidades do Brasil.

Ainda que 1888 e 2021 sejam momentos históricos muito diferentes, o pesquisador sublinha que, ao olhar para ambos, a retirada de direitos da população negra é um dos principais pontos em comum.

“Era isso que estava em jogo com a abolição. E é isso que está em jogo com a luta contra a violência de Estado. A pergunta é essa. A população negra tem ou não tem direitos civis? Se existe algum tipo de permanência e continuidade que tenha paralelo, embora a linguagem seja diferente e o tempo e as questões sejam outras, é que a instabilidade e a insegurança dos direitos civis dos afrobrasileiros permanece como uma dura realidade”, diz Gato, organizador do livro Treze de Maio: e outras estórias do pós-Abolição. 

A obra reúne, de forma inédita, contos de Raul Astolfo Marques, escritor e intelectual negro que viveu em São Luís do Maranhão durante a passagem do século 19 para o 20. Os textos retratam como as pessoas negras, em particular, enfrentaram as mudanças e transformações do pós-abolição, dando ênfase para importância dos movimentos sociais e da resistência as novas dinâmicas de inclusão e exclusão que surgiram desde então.

“HERÓIS INVISÍVEIS”

Na opinião de Seimour Souza, da Uneafro Brasil, a historiografia oficial tentou apagar a resistência de expoentes do movimento negro não dando visibilidade para suas trajetórias. Ainda que a história de Zumbi dos Palmares e Dandara, por exemplos, tenham se tornado mais conhecidas nas últimas décadas, muitos lutadores como Zacimba Gaba, Tereza de Benguela e Luísa Mahin, entre outros, não recebem o devido reconhecimento.

Gato, por sua vez, endossa que a compreensão coletiva do que foi a abolição enquanto processo social, de mobilização civil, também é afetada por esse apagamento que atingiu “não só randes abolicionistas negros ou brancos, como Joaquim Nabuco, mas gente comum que aceitou esconder uma pessoa escravizada, fugida. As rotas de fuga, a formação dos quilombos. Essa agência popular, de modo geral, ficou apagada nesse processo”. 

Ele afirma ainda que a mobilização dos extratos populares que lutaram pela liberdade do povo negro “mudou a estrutura de percepções no Brasil”.

“A Abolição não é só uma reforma política. Foi passar a pensar o mundo de uma forma completamente diferente do que era. Reorganizar a forma como classifica as pessoas. Mudam-se sentimentos e concepções.”

LUIZ GAMA, DO JORNALISMO AOS TRIBUNAIS

Ainda que tenham tentado contar outra história sobre o processo da abolição e apagar o passado escravocrata, de acordo com Ligia Fonseca Ferreira, escritora e professora de Letras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), nos últimos 30 anos se fortaleceu uma corrente historiográfica, acompanhada pelo atuação do movimento negro, que juntos batalham pelo reconhecimento das figuras que fizeram a história do Brasil.

Entre os abolistas que são referências está o chamado “quarteto negro” composto por André Rebouças, José do Patrocínio, Ferreira de Menezes e o pioneiro Luiz Gama, um dos mais proeminentes pensadores e ativistas do século 19.

Ferreira é especialista na obra de Gama, considerado o maior abolicionista do país.  Nascido em 1830 na cidade de Salvador (BA), era filho de pai branco de origem portuguesa e Luiza Mahin, negra livre que participou de insurreições de escravizados.

Foi vendido como escravo aos 10 anos de idade e se alforriou apenas aos 17. Autodidata, aprendeu a ler e a escrever sozinho, e sem cursar a universidade, estudou Direito para advogar em defesa de escravos. 

Respeitadíssimo pelos demais abolicionistas e o mais velho deles, era chamado por José do Patrocínio como "nosso general". Gama advogou pela libertação de mais de 500 escravos, sem cobrar honorários, sustentando-se como jornalista.

Em setembro do ano passado, Ferreira organizou e lançou Lições de Resistência: artigos de Luiz Gama na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro, livro publicado pela Edições Sesc, com objetivo de jogar luz à obra jornalística de Gama.

"Luiz Gama insere uma perspectiva negra em órgãos da imprensa de São Paulo de forma pioneira. Nos primeiros periódicos ilustrados como Diabo Coxo e Cabrião, ao lado do cartunista italiano Ângelo Agostini. E depois na imprensa abolicionista e republicana. Luiz Gama é uma presença constante nesses movimentos todos. Fazia da imprensa um lugar para expor suas ideias e mostrar para o povo brasileiro, nas palavras dele, "a maneira extravagante" como se administra a Justiça do Brasil”, comenta Ferreira.

Ela destaca que, à época, tanto o jornalismo como o Direito eram lugares de influência, de poder, onde era rara a presença de homens negros. 

Para a publicação da obra, a especialista mergulhou em arquivos físicos e digitais para realizar um levantamento desde 1864, data na qual a primeira publicação de Gama foi localizada, que vai até 1882, ano em que o intelectual publicou seu último artigo 15 dias antes de morrer.

A docente da Unifesp ressalta a importância da obra por possibilitar que os leitores “leiam Luiz Gama e não sobre Luiz Gama”, conhecendo de fato a obra original e a dimensão da trajetória do abolicionista.

“A faceta do jornalista não pode ser esquecida. Não é lembrar a memória de um abolicionista, apenas, mas lembrar a dinâmica de um homem que tinha um público, que era ouvido. Escrevia para ser lido. Ele dispensava porta-vozes.  Como costumo dizer, ele não só escrevia notícia, mas ele era notícia.”

A professora da Unifesp detalha que, também enquanto poeta, Gama marcou a literatura brasileira. Grande orador, defendia os direitos dos escravizados com a autorização de advogado provisionado, que o permitia exercer a profissão mesmo sem o bacharelado. 

Em um momento em que ainda não havia defensoria pública, Luiz Gama possibilitou, com seu trabalho, o acesso de inúmeros negros à justiça / Reprodução/Nação.

Nas matérias jornalísticas, não perdia a chance de denunciar a conivência de juízes para manutenção da propriedade escrava, dando publicidade às ideias abolicionistas com grande habilidade retórica e agudas análises político-jurídicas.

“Temos relatos e comprovação documental que Luiz Gama encarnou uma liderança, uma coisa improvável, rara, especialmente em meados do século 19, onde se acreditava na inferioridade racial e na incapacidade congênita dos negros, africanos e descendentes, de praticarem as artes e ciências. Luiz Gama então, nesse sentido, vai mostrar exatamente o contrário de tudo isso.”

A memória de Luiz Gama é celebrada pela imprensa negra do século 20 pelas associações negras e pela maçonaria, que garantiu que seu nome Gama batizasse ruas e avenidas pelo Brasil.

 ‘‘Se algum dia [...] os respeitáveis juízes do Brasil, esquecidos do respeito que devem à lei, e dos imprescindíveis deveres, que contraíram perante a moral e a nação, corrompidos pela venalidade ou pela ação deletéria do poder, abandonando a causa sacrossanta do direito, e, por uma inexplicável aberração, faltarem com a devida justiça aos infelizes que sofrem escravidão indébita, eu, por minha própria conta, sem impetrar o auxílio de pessoa alguma, e sob minha única responsabilidade, aconselharei e promoverei, não a insurreição, que é um crime, mas a ‘resistência’, que é uma virtude cívica [...]’’ 

LUIZ GAMA, CORREIO PAULISTANO, 10 DE NOVEMBRO DE 1871

O anti-monarquista aguerrido morreu em 1882, anos antes de assistir seus dois grandes sonhos, para qual tanto contribuiu, tornarem-se realidade: a abolição e a Proclama da República, em 1889.

 Mais de cem anos depois, Seimour Souza, militante do movimento negro, condena a continuidade de políticas de embranquecimento e de eugenia, a exemplo da violência policial.
"Somos submetidos historicamente a um cotidiano de violência, ao cárcere, à morte, a um verdadeiro genocídio e a perseguição de expressões religiosas de matriz africana. É a continuidade do extermínio. Uma tentativa de apagamento étnico e a despeito disso o movimento negro vem há anos denunciando essa grande farsa que é a democracia racial", finaliza o militante da Uneafro.

Brasil de Fato.

PESQUISA PRESENCIAL DO DATAFOLHA LULA SEPULTA A ‘3ª VIA’, POR FERNANDO BRITO

Há um dado que explica a diferença dos dados da pesquisa eleitoral do Datafolha, que aponta uma disparada no favoritismo, agora absoluto, do ex-presidente Lula na disputa presidencial em 2022.

Ela é presencial e não por telefone, como a maioria das que vinham sendo realizadas até agora e, portanto, não tem as distorções provocadas por este tipo de acesso ao eleitor que as feitas por via telefônica.

O resultado é acachapante e mais, até do que os números mais que expressivos: Lula vence do primeiro turno com 41% das intenções de voto contra 23% de Jair Bolsonaro e, num possível 2° turno, aplicar um implacável 55% a 32% no atual presidente.

Num resultado eleitoral real, no qual não se contam nulos ou brancos, isso quer dizer mais de 60% dos votos válidos, tanto quantos recebeu em 2002 e 2006.

O resultado da pesquisa tem, porém, mais indicadores do que o simplesmente numérico. A política vale mais.

O primeiro deles é a “murchada” que ele induz ao surgimento de uma “terceira via”.

De Amoedo a Moro, todos os demais candidatos ficam entre 2% e 7%. Isto é, não existem como “perspectiva de poder”, como costumam dizer os políticos.

Ou seja, não atraem apoios políticos de outras forças pela expectativa de estarem ou orbitarem o poder.

Será que alguém acha que os contatos de políticos de centro e centro-direita com Lula, na semana passada, são pelos olhos do ex-presidente?

Informações importantes: Lula captura, num segundo turno, a maioria dos votos dos que preferem, na primeira volta eleitoral, Ciro (6%), Dória (3%) e Luciano Huck (4%), enquanto Bolsonaro, claro, herda a grande maioria dos moristas, que seriam 7%.

O ex-presidente, segundo o Datafolha, está vencendo Bolsonaro até entre os que ele acha serem a sua maior força: ele tem 35% entre os evangélicos, ante 34% de intenção de voto pró-Bolsonaro entre os que se declaram com esta confissão religiosa.

O favoritismo absoluto de Lula não vai fazer, entretanto, que ele adote uma linha politicamente mais estreita, por duas básicas e óbvias razões.

A primeira, que ela estimularia o “salto alto”, o “já ganhou”, tantas vezes fatal.

A segunda, e mais importante, é que ele sabe que é preciso que a vitória precisa ser estrondosa, com a redução do bolsonarismo sendo tão evidente que faça recolherem-se os ímpetos golpistas e sirva como balde de gelo na febre de ódios fundamentalistas que ele conseguiu injetar na sociedade.

Ainda não é hora de fazer subir a onda Lula que, adiante, não será uma “marolinha”, mas um tsunami.

Tijolaço.

quarta-feira, 12 de maio de 2021

O AUMENTO DAS MILÍCIAS NO BRASIL EXPÕE A AUSÊNCIA DOS SERVIÇOS DO ESTADO. POR JOSÉ DIRCEU

Milicianos posam com fuzis numa das favelas da Praça Seca Foto: Reprodução.

Em 6 de maio, ao ver as cenas da chacina de 28 jovens da comunidade de Jacarezinho pela Polícia Civil do Rio de Janeiro às ordens do governador Cláudio Castro (PSC), me veio à memória nossa longa e tenebrosa história de chacinas e suas origens num Brasil remoto e bem próximo a nós. No passado tínhamos os jagunços e os pistoleiros de aluguel, que sobrevivem até hoje alugando suas mãos e armas para assassinar líderes rurais e ambientalistas, sindicalistas e políticos.

Lembro aqui 3 líderes, vítimas de pistoleiros de aluguel em pleno vigor da vida e da militância: Margarida Alves, líder dos camponeses e trabalhadores rurais da Paraíba; Chico Mendes, destacado ambientalista e defensor da Amazônia; e Marielle Franco, vereadora do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), assassinada pelas milícias.

Nosso Brasil escravocrata, quando ainda colônia, conviveu com as bandeiras e com os capitães do mato. Na República Velha e mesmo durante os anos da Constituição de 1946, o latifúndio impunha no campo sua lei e vontade pelas mãos de jagunços e pistoleiros de aluguel sob as vistas de uma Justiça cúmplice. Nada muito diferente dos dias de hoje, em que assassinatos de representantes dos trabalhadores rurais continuam impunes.

ESQUADRÕES DA MORTE

Também é preciso lembrar da prática da tortura como política de Estado e do assassinato de opositores no Estado Novo (1937-1945) e durante a longa Ditadura Militar (1964-1985). Nos porões da Operação Bandeirantes —financiada por empresários e organizada por policiais civis e militares das Forças Armadas, com pleno conhecimento de seus estados-maiores e dos presidentes militares de plantão—, surgiram facções criminosas que passaram a controlar o jogo do bicho e o tráfico de drogas. Essas facções muitas vezes usavam dinheiro e propriedade dos presos torturados ou assassinados para financiar suas atividades. Um exemplo dos expoentes dessa prática odiosa foi o capitão Guimarães, famoso no Rio de Janeiro e nos carnavais da Unidos de Viradouro.

Quando cheguei em São Paulo, em 1961, ainda bem jovem, era comum se ouvir sobre as práticas violentas e criminosas da polícia mineira e também sobre esquadrões da morte, grupos de extermínio que atuavam à sombra dos governos e da Justiça. O mais famoso era o comandado pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, de São Paulo.

Esses esquadrões, além de assassinar “suspeitos” e desovar “presuntos”, vendiam proteção para comerciantes e ficavam com os despojos e bens dos assassinados ou extorquidos. Como é sabido, esses mesmos policiais civis e militares serviram depois à ditadura e se associaram aos Doi- Codi na repressão criminosa às oposições em geral, e não só aos guerrilheiros, como provam os covardes assassinatos do deputado Rubens Paiva e do jornalista Vladimir Herzog, entre tantos outros.

HERANÇA DOS PORÕES

As práticas criminosas que pareciam ter sido enterradas no processo de redemocratização do país começaram a ressurgir pela conivência de governantes com o crime organizado e a violência policial e pela falência das políticas públicas —não só a de segurança— nas grandes cidades brasileiras. O nome no século 21 dos que foram os esquadrões da morte que extorquiam e matavam é milícia. As milícias, que se espalham pelo país, de Belém a Porto Alegre, já controlam 27,7% dos bairros do Rio de Janeiro, onde vivem 2,178 milhões de pessoas, ou seja, 33,8% da população da cidade, segundo o relatório “Expansão das Milícias no Rio de Janeiro” (íntegra – 1 MB), de janeiro deste ano, produzido pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni/UFF) e Observatório das Metrópoles (Ippur/UFRJ).

Apresentadas por alguns governantes e muito especialmente pela família Bolsonaro como solução para combater o controle de territórios pelo tráfico organizado e trazer segurança à população, as milícias não passam de bandos de criminosos. A pretexto de vender proteção às famílias e empresas, essas organizações, compostas geralmente por ex-policiais militares, controlam a economia das comunidades onde atuam e a vida de seus moradores. Vendem, ilegalmente, serviços como os de energia, gás, TV. Também atuam no mercado imobiliário, no de transporte, vendem produtos roubados e até controlam alguns órgãos públicos. E se impõem pelo terror, por ameaças e pela chantagem, quando não pelo assassinato de “inimigos” na disputa de territórios com o tráfico de drogas.

O avanço das milícias é proporcional à ausência do Estado nesses territórios, onde fracassou mais do que a política de segurança. Nesses locais também faltam educação, saúde, atividades culturais, saneamento, transporte público e emprego para os jovens. Carências crônicas, fruto da desigualdade social e da concentração de renda, o problema mais agudo do país que emerge em toda sua dimensão nas periferias das grandes cidades brasileiras e nas comunidades.

A pretexto de combater o tráfico, as milícias vão expulsando, no caso do Rio de Janeiro, os grupos de traficantes do Comando Vermelho, Amigos dos Amigos, Terceiro Comando Puro para assumir seu lugar. Hoje, já respondem por 58,6% dos territórios sob controle do crime organizado, de acordo com o relatório já citado. Da Barra da Tijuca a Jacarepaguá temos um arco dominado pelas milícias, inclusive em bairro de classe média, revelando uma coincidência entre a votação de Bolsonaro e seus candidatos e esse território. Essa falência do Estado foi, em parte, camuflada pela atuação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), que fracassaram, em grande medida, pela corrupção, cooptação e colaboração de amplos setores da Polícia Militar com o crime organizado.

Do controle de territórios as milícias passaram ao controle político de eleitorados, com a eleição de vereadores e deputados ligados a elas, o que também se verifica em menor grau com o tráfico. Foi um salto rápido. Hoje temos representantes das milícias não só nos legislativos, mas em governos e nas máquinas públicas, como decorrência da corrupção e do cooptação de funcionários públicos. Políticas de segurança, nomeações e promoções, legislação urbana, de transporte, são hoje, em muitas câmaras municipais e assembleias legislativas, determinadas pelas milícias.

A bárbara e covarde chacina de Jacarezinho é mais um capítulo da falência da segurança pública, que infelizmente não conseguiu ser detida nem pelas UPPs, nem pelas operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem). A pura e simples eliminação, assassinato, execução, como nos tempos dos esquadrões da morte de triste histórico no Rio de Janeiro —as tragédias de Vigário Geral, Alemão e Calendária não nos deixam esquecer— é a opção pela guerra como solução.

Como revelam fotos e vídeos da chacina e depoimentos de moradores, 28 jovens, 13 dos quais sequer eram investigados, foram assassinados a sangue frio, executados, quando se entregavam ou quando encontrados em casas onde se esconderam. Tudo isso na frente de famílias e crianças. E levanta-se suspeita sobre a morte do policial civil André Frias, pois foi baleado quando descia de um veículo policial e não em confronto.

Estamos falando de um ato de barbárie pela mão do Estado por meio de sua Polícia Civil. E não se trata de um caso isolado. Infelizmente, trata-se de um padrão, de uma política planejada que substitui a prevenção, a inteligência, a presença do Estado com políticas públicas para as favelas e bairros, e para os jovens pela guerra e extermínio de grupos e organizações criminosas. Uma guerra sem nenhum efeito prático na diminuição do tráfico ou do aliciamento de menores, razão apresentada para a operação.

DEBATE NACIONAL

A opção do povo não pode ser escolher entre o tráfico e as milícias. E o país não pode aceitar a pena de morte para suspeitos. Suspeitos que o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, chamou de “bandidos” e o delegado Felipe Curi, do Departamento Geral de Polícia Especializada do Rio de Janeiro, considera criminosos como se condenados fossem, sem o devido processo legal, substituindo a Justiça e instituindo, na prática, a pena de morte, proibida pela Constituição Federal.

Gravíssimo é o fato de a operação da Polícia Civil em Jacarezinho ter sido feita à revelia da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), de junho de 2020, que proibiu operações em favelas do Rio durante a pandemia. E mais grave ainda o que disse o presidente Jair Bolsonaro ao dar parabéns, no Twitter, à Polícia do Rio de Janeiro pela operação: “Ao tratar como vítimas traficantes que roubam, matam e destroem famílias, a mídia e a esquerda os igualam ao cidadão comum, honesto, que respeita a lei e o próximo. É uma grave ofensa ao povo que há muito é refém da criminalidade”.

A letalidade trágica da política de segurança no Rio de Janeiro e em todo país, expressa no altíssimo número de mortos (944, incluindo policiais, desde a decisão do STF) exige uma imediata e radical mudança em toda a estrutura policial e na política de segurança pública. As medidas precisam passar, também, pela reforma do sistema penitenciário, pela mudança na legislação sobre drogas que trata o usuário como traficante e pela revogação de toda legislação, via decretos de Bolsonaro, de liberalização de armas promovida à revelia do Estatuto do Desarmamento e das decisões judiciais.

A repercussão da chacina de Jacarezinho, em nível nacional e internacional, e o repúdio a ela exigem uma resposta do Congresso Nacional: propor e debater uma nova política de segurança pública sob pena de regredirmos à época dos esquadrões da morte e grupos de extermínio agora diretamente pelas mãos do Estado e de suas polícias. Exigem também uma resposta do STF, que teve sua decisão desrespeitada. Não se pode permitir a impunidade dos policiais e superiores responsáveis pela criminosa operação.

É uma urgência nacional que a questão das milícias, do crime organizado, do tráfico e das drogas seja prioridade nos debates da próxima campanha presidencial.

DCM.

MINISTRO EDSON FACHIN FORÇA A BARRA COM DELAÇÃO DE SÉRGIO CABRAL E EXPÕE STF, POR FERNANDO BRITO

A notícia de que a Polícia Federal pediu ao Supremo Tribunal Federal a abertura de inquérito para investigar um suposto recebimento de R$ 4 milhões pelo Ministro Dias Tóffoli para “resolver o problema” de dois prefeitos fluminenses quando era presidente do Tribunal Superior Eleitoral, tem o efeito de um explosivo nos intestinos da Corte.

É que a denúncia integra a delação premiada do ex-governador Sérgio Cabral que, condenado a três séculos de prisão, atira para todo e qualquer lado em busca de “descontar” algumas décadas de suas infindáveis penas. Tanto é assim que o Ministério Público Federal rebarbou seu pedido de colaboração e, tal como aconteceu com Antônio Palocci, foi a Polícia Federal quem recolheu a xepa acusatória e levou ao Ministro Luiz Edson Fachin que, como se sabe, a homologou, como homologa qualquer acusação que sirva ao lavajatismo.

No lote de acusações feitas com Cabral, claro, há trechos que buscam atingir o filho de Lula, Fábio Luís Lula da Silva.

Em setembro do ano passado, no final de sua presidência no STF, Dias Tóffoli atendeu a pedido da Procuradoria Geral da República para que os inquéritos oriundos da delação de Cabral fossem arquivados, por falta de provas. É quase certo que o que o visava não estava entre eles, porque seria inevitável que o ministro e desse por impedido desta decisão.

Agora Fachin acolhe este novo pedido e o envia à Procuradoria Geral da República, para opinar. Será, provavelmente, contrário e voltará para o arquivo morto.

Mas dá para imaginar o “climão” dentro do Tribunal com o levantamento de suspeitas genéricas contra um de seus integrantes.

Sugere-se que, com ou sem Covid, Fachin entre em quarentena. Pois não há dúvidas de que ficará isolado, e por bem mais de 14 dias.

Tijolaço.

terça-feira, 11 de maio de 2021

LULA TEM RAZÃO AO PROCURAR ALIANÇAS AO CENTRO SIM. POR FERNANDO BRITO

Ainda que a resposta seja quase óbvia, diante do quadro de terror que o país atravessa, creio que é preciso assumir sem medo de patrulhas que sim, não apenas tem razão como é seu dever inescapável superar o quanto puder as rejeições movidas pelo preconceito e pela imensa campanha de demonização midiática que ele sofreu e que é o único empecilho que há hoje para afirmar que ele terá uma estrondosa vitória nas eleições de 2022.

As supostas condenações de Lula, agora anuladas na Justiça, permanecem ainda em parte da classe média que simplifica no maniqueísmo de “bem e mal” a vida, e que se deixa contaminar por vestais, como o juiz e os promotores de Curitiba, ainda funcionam como freios à obviedade de que se compara um presidente desastroso e desumano àquele que que mais obteve apoio da população e que a fez progredir econômica e socialmente, embora com muitas falhas – e quem não as têm, exceto os cínicos?

É o espaço onde, claramente, procura crescer Ciro Gomes, à espera de que um posicionamento razoável nas pesquisas atraia-lhe o apoio da direita órfã de Bolsonaro – mas que guarda a herança do antipetismo – e dos sobreviventes do empresariado não-financeiro do país.

O potencial de votos nem-nem (nem Bolsonaro, nem Lula) é limitado, porém, pela atuação do próprio presidente, que assume a cada dia discurso e atos cada vez mais radicais, garantindo para si o posto exclusivo de “anti-Lula”. E, por consequência, garantindo a Lula o lugar de “anti-Bolsonaro”, sem precisar, para isso, radicalizar seu discurso. Com isso, assume a condição de proponente de uma grande “reconciliação nacional” de um país para lá de dividido e cansado dos ódios políticos, sociais, religiosos e econômicos.

Paradoxalmente, o fato de Bolsonaro conservar perto de um terço das intenções e votos ajuda Lula, porque o firma como única alternativa ao ex-capitão e o leva à condição de destinatário dos votos dos quase 60% que o rejeitam. É só olhar o salto de quase 20% das intenções de voto que tem o ex-presidente nas simulações de 2° turno, o triplo ou mais do que o atual presidente obtém no voto que é “sim ou não”.

A outra constatação é a de que um eventual novo governo Lula não será um governo de aprofundamento, mas de restauração de mecanismos sociais e econômicos de justiça e desenvolvimento em meio a uma situação de estagnação da atividade produtiva e de elevação de inflação e de juros. De alguma forma, algo semelhante ao que o ex-presidente enfrentou no seu primeiro mandato, ao qual respondeu com o famoso “Lulinha Paz e Amor”.

Não há outro caminho para um novo governo senão o de atirar-se no ciclo emprego-renda-consumo.

Para isso, é preciso governabilidade político-parlamentar que vai além de uma frente de esquerda, mas que precisa de uma sustentação mais ampla, ainda que nucleada pela esquerda.

Está longe de ser uma escolha – muito menos apenas uma escolha eleitoral – para Lula a necessidade de ampliar seu leque de alianças.

Vencer as eleições e viabilizar um governo de reerguimento e recivilização do país é um dever.

Tijolaço.

PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR, A ANVISA VAI ASSUMIR QUE CLOROQUINA É ‘RECEITA IDEOLÓGICA’? POR FERNANDO BRITO

Notas nos jornais adiantam que o presidente da Anvisa, vice-almirante Antônio Barra Torres, dirá hoje que é a médica Nise Yamaguchi a autora ou inspiradora da minuta de decreto que incluía na bula da hidroxicloroquina a indicação de seu uso para Covid-19.

A médica, figurinha fácil no Palácio do Planalto não é, porém, a origem desta história.

Ela trabalha sob a inspiração de Vladimir Zelenko, ucraniano radicado nos Estados Unidos e que promove e é promovido por grupos de ultradireita daquele pais. Zelenko era, até tornar-se celebridade, médico de família de uma comunidade judaica ortodoxa, chamada Kiryas Joel, que fica a uma hora da cidade de Nova York.

Zelenko foi “entrevistado” por Rudolph Giuliani, advogado de Donald Trump que viria a ser, recentemente, protagonista das tentativas de anulação das eleições. Em dois dias, ainda que indiretamente, Zelenko passou a ser o grande estrategista das orientações da Casa Branca em “terapêutica” da Covid, embora o chefe da Comissão de Controle de Doenças Infecciosas dos EUA e um dos mais renomados infectologistas do mundo, Anthony Fauci, chamasse as supostas “evidências” apresentadas por ele de “anedóticas”.

O suposto tratamento de Zelenko não chegou ao governo brasileiro por Yamaguchi, mas por Donald Trump, que , aliás, contraiu a doença depois de dizer que tomava cloroquina preventivamente e mas não a usou durante sua internação.

Ela e outros apenas agregaram-se e deram “cara” a uma “receita” que chegou através dos grupos de conexão com a extrema-direita norte-americana comandado pelos filhos de Bolsonaro e outros “olavistas”.

Barra Torres sabe disso e será bom que os senadores lhe perguntem qual foi o fato que o afastou da condição de seguidor incondicional ao presidente da República, ao qual acompanhava fielmente há anos, chegando a participar, em março do ano passado, de uma aglomeração promovida por ele às portas do Palácio do Planalto (na foto, ainda sem barba, aqui). Foi a Covid, que contraiu dois meses depois ou a decepção de não ter ocupado a vaga de Luiz Henrique Mandetta no Ministério, para a qual chegou a ser um dos favoritos.

Este é o caminho correto para a CPI hoje, não a discussão sobre a eficácia e segurança da Sputnik V, sobre a qual não há capacidade técnica para discutir-se ali.

A CPI é política e é na política que se tem o caminho de revelação da verdade.

Tijolaço.

segunda-feira, 10 de maio de 2021

A DIPLOMACIA BRASILEIRA NÃO FOI PELA VACINA, ATUOU FORTEMENTE PELA CLOROQUINA, POR FERNANDO BRITO

A detalhada reportagem de Patrícia Campos Melo na Folha é, na pratica, um roteiro para a inquirição do ex-chanceler Ernesto Araújo. descrevendo a intensa atividade diplomática para obter cloroquina e a rala e tardia ação quando o assunto era a obtenção de vacinas. Não apenas por revelar documentos e comunicações oficiais do governo brasileiro como, nelas, ficar caracterizada a orientação direta de Jair Bolsonaro nos apelos para comprar quantidades cavalares do fármaco, quando já havia consenso sobre sua inutilidade – e até riscos – de sua utilização.

Há, nas comunicações do Itamaraty, absoluta confirmação de que o presidente da República, já na gestão de Nélson Teich no Ministério da Saúde, estava empenhando órgão públicos – Fundação para o Remédio Popular, Fiocruz, Laboratório Químico-Farmacêutico da Aeronáutica e Laboratório do Exército – para produzirem a droga além de pressionar para conseguir insumos para laboratórios privados fazerem a festa vendendo o suposto “remédio” para o vírus: nomeadamente a EMS, a Eurofarma, a Biolab e a Apsen.

Se o conteúdo dos documentos, transcritos em parte pelo jornal confirma a impressão dominante de “opção cloroquina” adotada pelo Governo brasileiro no suposto combate à pandemia, isso empurrará o ex-chanceler a ampliar e radicalizar seu negacionismo e, na linha de Jair Bolsonaro, reafirmar o charlatanismo de sua ação como um ato de coragem e de enfrentamento ao que acham ser uma “conspiração globalista”: a pandemia e sua vacina.

Sabe-se que a posição de Bolsonaro é inteiramente traduzida por Araújo, inclusive no relacionamento com a China, sempre importante e, agora, absolutamente vital na obtenção de vacinas e de seus insumos. Fora do cargo e interessado – como revela também o jornal, em sabotar a ação de seu sucessor no Itamaraty, pode-se prever a tentação que terá Araújo de apresentar-se como arauto do profeta do negacionismo.

Ao contrário de Eduardo Pazuello, desesperado por esconder-se, o ex-chanceler tem a vocação exibicionista e olhe lá se não nutre, também, pretensões eleitorais que o coloquem a firmar-se como herói do fundamentalismo.

Tijolaço.