Confira
a análise de Luis Nassif sobre os últimos acontecimentos da conjuntura politica
e econômica nacional no boletim desta quarta-feira, 13 de janeiro.
O
balanço da covid-19 não foi divulgado devido a problemas com a divulgação dos
dados do Ministério da Saúde
Sobre
a coletiva feita pelo general Pazuello, Nassif diz que “quando você pega os
números em relação ao tamanho da encrenca, são números mínimos (…) Como se
jogam com os números sem comparação, fica todo mundo no ar achando que tem
algum resquício de competência, mas não tem”
“O
início do tal do ‘dia D, hora H, momento F’ está programado para a próxima
terça-feira, dia 19, e alguns fatos chamam a atenção, como o desastre da
comunicação do Instituto Butantan, pressionado pelo João Doria Jr.”
“Tem
um meme bem interessante sobre como comunicar essa questão da vacina: se você
tomar a vacina Coronavac, você tem 50% de chance de não se infectar. Mas, se
você se infectar, tem 78% de chance de não sentir nada. E se sentir algo, tem 100%
de chance de não precisar ser internado”
“Mas
o que acontece: como essa discussão leiga sobre a eficácia geral/global deu
baixa, o Doria fez um carnaval com o Instituto Butantan (…) O Doria apresenta
os dados incompletos, e chora, e logo depois são obrigados a informar os dados
completos e dá esse baque”
“Essa
partidarização, politização da vacina é um desastre. E não está restrito ao
Bolsonaro (…) É uma irracionalidade em todos os níveis”
A
respeito da realização do Enem, Gregório Grisa comenta sobre os problemas em
manter a realização das provas em janeiro – sendo que, em consulta aos
estudantes, a escolha foi pela realização das provas em maio.
“A
definição do Enem para janeiro, e a recente manutenção da data, representa mais
um capítulo de toda a dificuldade do governo federal de fazer o que é elementar
para impedir a expansão do coronavírus”, afirma Grisa.
“Socialmente
falando, o Enem coincide com o mês em que se encerrou o auxílio emergencial
para milhões de famílias, o que afeta estudantes mais pobres. Diante de todas
essas inseguranças, o Enem deve reproduzir inequidades de maneira ainda mais
intensa do que já faz, e deve ter uma abstenção significativa”, pontua Grisa.
Sobre
ciência e tecnologia, Nassif lembra que Bolsonaro “continua destruindo tudo o
que se tem de patrimônio de ciência e tecnologia”, citando o veto da liberação
total dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico.
Com
relação a CEITEC – empresa responsável pelo desenvolvimento de microchips
essenciais para informatização do país – e a liminar que derrubou a assembleia
que escolheria o liquidante da empresa, Nassif detalha os interesses por trás
do processo.
“Você
fecha a CEITEC, pega os técnicos da CEITEC, leva para uma fundação. A CEITEC
sem os técnicos e sem a empresa funcionando, o valor vai lá para baixo, daí
entra alguém, uma empresa de fora, compra aquele equipamento e recontrata as
equipes”, explica Nassif.
“A
ignorância, a incapacidade de juntar informações para segurar essas loucuras é
muito grande. É um desrespeito com o país. Temas dessa envergadura e o cara
(Paulo Guedes) montar negócios…”
Para
Nassif, a situação envolvendo Donald Trump ajudou a clarear o que está
acontecendo no Brasil de Jair Bolsonaro. “Quando você lê o noticiário
americano, o grande receio que se tem lá – inclusive do FBI – são as milícias
armadas espalhadas pelo país e ameaçando matar políticos. Gente, isso é uma
realidade concreta no Brasil. Concreta e com agravantes. Aqui, você não tem uma
Polícia Militar tão disciplinada como você tem lá. Você tem bases da Polícia
Militar aqui que são cooptadas pelo bolsonarismo (…) E vai se deixando isso num
crescendo até isso ficar irreversível”
“A
liberdade de imprensa está sofrendo a maior ameaça desde a ditadura militar”,
diz Nassif. Ao abordar a situação dos grupos de mídia no Brasil, Nassif
lembra que o papel da mídia é elemento central na manutenção das democracias,
uma vez que “ela tem o domínio sobre o principal agente das democracias, que é
o eleitor, a opinião pública”.
“Durante
o século XX, todo o modelo da mídia consistiu em ser o principal agente de
influência da opinião pública (…) Com a primeira agência de notícias, você tem
a primeira manipulação eleitoral, que é muito similar com o que o Trump tentou
na Geórgia e que também tivemos no Brasil, em 1982”
“Como
o telégrafo sem fio tinha acesso a todas as informações, se identificou que
havia empates técnicos em alguns Estados-chave”.
“Então,
o sujeito que montou a primeira agência de informação (a Associated Press), que
era o dono da rede de telégrafos sem fio, se associou ao The New York Times.
Eles fizeram um carnaval e houve uma manipulação, uma fraude que garantiu os
votos de alguns Estados para o candidato republicano. Foi a primeira grande
fraude que se teve com o uso dos veículos de comunicação. Então, você sempre
teve essa ligação entre comunicação e política”
Nassif
explica que, com as redes de rádio e televisão, esse poder se torna
praticamente imbatível – e esse poder da mídia sobre a opinião pública foi
monetizado, garantia recursos para a mídia, seja de forma legítima (via
assinatura ou publicidade, por exemplo) até compra e venda de opinião.
“Era
uma manipulação sempre de mão única. O grande ativo do jornal era o controle
sobre aquela base de leitores, ouvintes, espectadores, e a capacidade de passar
a mensagem dos anunciantes, dos parceiros políticos ou das guerras comerciais.
Mas o cliente era dele. E esse modelo vigorou até o advento da Internet”
Nos
países emergentes, as mídias nacionais se defenderam contra a globalização dos
grupos de mídia – “especialmente no pós-guerra, as multinacionais americanas
entram em todos os locais, especialmente na América Latina. Os grupos de mídia
não”
Esse
bloqueio ocorreu uma vez que os grupos de mídia nacionais tinham influência
política, conseguem leis para impedir a entrada de grupos estrangeiros – “se
quiser entrar, tem que entrar comigo aqui”, pontua Nassif.
E
as concessões públicas de rádio e televisão já estavam nas mãos de grupos de
mídia associados a políticos. “Atropelando a Constituição, você tem todas essas
redes nacionais (…) ligadas a políticos. Isso impedia a entrada de grupos
estrangeiros para cá”
Com
a Internet, surgem dois tipos de grupos: o que usa o padrão convencional de
mídia (como aconteceu com os portais, a partir da ascensão e queda da America
Online), e a padronização tecnológica que explode em todas as partes do mundo.
“E
como um serviço fechado vai concorrer com um serviço aberto, onde você tem
conteúdo de todo mundo? Nesse segundo momento, entra o Google e as redes
sociais, que não geram conteúdo. Eles passam a organizar o conteúdo global e a
ser transmissores do conteúdo global”
Outras
formas de comunicação avançam, como a TV a cabo (que é a porta de entrada para
os grupos multinacionais em diversos países), a Internet propriamente dita e os
serviços segmentados, como streaming.
“De
um lado, os grupos de mídia vão se fundindo e criando supergrupos (…) O segundo
grupo são as big techs, que passam a trabalhar o conjunto de usuários e
desenvolver outros modelos de negócio, como a publicidade programática (…)”
“Se
você for ver o modelo de negócio da mídia desde o início do século, tem a
publicidade que depende da abrangência do público que você foca, e tem a venda
de ideias (e entram ideias políticas) e disputas de negócios. É a monetização
da opinião pública”
“Todo
o controle do público é do grupo de mídia de uma forma unilateral, ele manda a
informação e o sujeito recebe. Quando vem as big techs, é diferente: ele tem
aquele público disseminado e ele vende para terceiros o direito de fazer a
manipulação que ele quiser do seu público”
“A
partir daí surgem Cambridge Analytica, surgem as Primaveras arrebentando com a
democracia de países, porque não se faz mais a manipulação. Eles (big techs)
entregam as ferramentas para quem quiser manipular mediante pagamentos”
“Sempre
que se tem mudanças de padrão tecnológico, a mídia endoida, porque tem uma
mudança de padrão tecnológico da comunicação, alguns grupos vão conseguir pular
para o novo modelo e outros não. Então ficam todos desesperados sem saber como
se colocar”
E
isso acontece no Brasil, onde você tem a internet se expandindo no começo dos
2000 e os grupos nacionais de mídia endividados e em crise. “Eles apelam para o
modelo Murdoch, que desmoraliza o jornalismo brasileiro”
“No
fundo, eles (grupos de mídia nacionais) queriam o privilégio de defender todos
os interesses internacionais, mas serem os intermediários. Então, eles
defendiam a abertura da economia para todos os setores, menos para a mídia.
Defendiam o fim de todos os subsídios, menos para a mídia. Esse jogo começa a
acabar com a TV a cabo e a internet”
Nassif
diz que um trunfo que a mídia hegemônica tinha era uma aliança com o pessoal das
confederações de futebol e a FIFA, que garantiam a eles a prioridade da
transmissão dos campeonatos esportivos. “Os campeonatos de futebol sempre se
constituíram na grande âncora de audiência de todos esses campeões nacionais de
mídia. “Com a TV a cabo, você tem toda a pulverização de audiência, mas é o
futebol que garantia aquele predomínio da audiência. ”
Por
isso, quando a Record começou a ganhar mais musculatura, tentou competir com a
Globo no campo dos campeonatos, em comprar direitos de campeonatos”
“A
realpolitik americana consegue quebrar isso com o FBI indo até a Suíça,
prendendo o pessoal da FIFA e fazendo parceria com outros Ministérios Públicos
para denunciar essas manobras. Quais são os únicos Ministérios Públicos que não
atuaram? Os Ministérios Públicos brasileiros. É vergonhoso. Ao mesmo tempo em
que se aprofundavam as relações entre Lava-Jato, Departamento de Justiça, FBI,
a Globo dava todo apoio à Lava-Jato e ficava incólume em relação a essas outras
denúncias”
Diante
de todos os imbroglios judiciais e os problemas de financiamento, os grupos de
mídia nacionais jogaram a toalha e começam a trabalhar pela ampliação do
percentual de capitais estrangeiros.
“Eles
querem 49% de capital estrangeiro para manter o controle. Que grupo estrangeiro
vai se associar com um grupo de mídia nacional com gestão familiar, ausência de
compliance jornalístico e de negócios, mistura de negócios familiares com
negócios da empresa, quem toparia ficar sócio?”
Do
GGN