quarta-feira, 19 de agosto de 2020

ARAS E ANDRÉ MENDONÇA SAEM DERROTADOS NO CASO DO “DOSSIÊ ARAPONGA”, POR FERNANDO BRITO

O voto de Carmem Lúcia, primeiro e único dado hoje na ação que pede a suspensão do dossiê feito pelo Ministério da Justiça contra integrantes de movimentos antifascista, deu por vencido o que seria o primeiro e mais difícil obstáculo para a responsabilização do Ministro André Mendonça, o “terrivelmente evangélico”.
Ao reconhecer o direito de interromper lesão de direito iniciada, embora não consumada em atos oficiais de persecução penal, a ministra bloqueou o que poderia parecer uma “saída honrosa” para votos que, recusando-se a examinar a matéria, tratariam o “dossiê dos antifascistas” como mera peça de informação, não um ato de espionagem sobre cidadãos.
Era o caminho apontado por Augusto Aras, que atuou não como procurador geral da República, mas como advogado do governo, vergonhosamente.
No seu conceito, voltar as lentes dos órgãos públicos sobre quem quer que seja, sem que haja indícios de algum crime, praticado ou iminente, é direito do Estado, o que é evidente absurdo, porque seria estabelecer previamente e por motivos políticos, quem seriam os “perigosos”.
A votação continua amanhã e é possível que até seja concluída, porque o seu acolhimento já, praticamente, define o resultado, talvez com um único voto contrário, o de Luís Fux, uma péssima “estreia” do novo presidente do STF, a partir do mês que vem.
Mas talvez por isso, talvez nem Fux vote contrariamente.
O “mico”, afinal, ficará para Augusto Aras, que vai se mostrando, ainda que “pau para toda obra” do governo Bolsonaro, outro que vai ficando, como André Mendonça, mais longe da cadeira do Supremo que vai se abrir com a aposentadoria de Celso de Mello.
Este, aliás, vai aumentando o seu “coeficiente de incógnita”, ao pedir licença médica a apenas três meses de sua aposentadoria, e de ser o voto decisivo no julgamento da suspeição de Sergio Moro.
Ou é para ter uma reentrada triunfal ou uma saída providencial.
Se tivesse de apostar, ponho as fichas na primeira hipótese.
Do Tijolaço

terça-feira, 18 de agosto de 2020

CELSO DE MELLO SUSPENDE JULGAMENTO E DEIXA DELTAN “PENDURADO”, POR FERNANDO BRITO

Como o Brasil se tornou um país onde a política é ditada não pelos partidos e pelo Congresso, mas pelos tribunais, quem escreve sobre política parece ter perdido o direito de descansar, mesmo depois das dez da noite.
Foi o que aconteceu ontem, quando já bem tarde se divulgou a decisão de Celso de Mello suspendendo o julgamento das reclamações disciplinares contra Deltan Dallagnol que, rolando há mais de um ano e depois de sucessivos adiamentos, iriam ser decididas hoje no Conselho Nacional do Ministério Público.
É uma reviravolta que coloca Deltan a depender da decisão sobre a suspeição de Moro, como antes se via o destino do procurador comoavant-première do que aconteceria ao ex-juiz.
Claro que – como lembra o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, no DCM – Deltan tem direitos a serem preservados, inclusive o de se valer dos recursos judiciais para enfrentar as acusações de desvios funcionais, como é o caso, os mesmo direitos que, quando se tratava de suas “vítimas” ele ele dizia que verem defendidos pelo Supremo indicava uma “leniência” do STF com a corrupção.
Aplicado o mesmo raciocínio, seria agora uma “leniência” com o abuso de poder, com o atropelo das garantias individuais e com o abandono da constitucional presunção de inocência.
Alguns acham que Celso de Mello agiu para deixar o caso Moro em suspenso, para que seja seu grande momento , ao sair do STF. Talvez, mas é de dar meldo que as “soluções corporativas” continuem a ser a “grande lei” da Justiça brasileira.
Do Tijolaço

XADREZ DE DELTAN, O BOI DE PIRANHA DA HIPOCRISIA NACIONAL, POR NASSIF

Hoje em dia, Deltan Dallagnol está reduzido à sua verdadeira dimensão: um jovem procurador choramingando pelas cantos do Twitter e clamando por apoio. A cada dia que passa, mais Sérgio Moro vai sendo trazido de volta para seu próprio tamanho.
MOVIMENTO 1 – O APOGEU DA LAVA JATO
Primeiro, houve o impacto da dimensão da corrupção instalada na Petrobras. Em cima desse impacto, o efeito manada com claras intenções políticas. Todos os abusos foram permitidos, de invasão de escritórios de advocacia à tortura moral para arrancar delações; narrativas sem evidências, sem provas, sem verossimilhança aceitas e transformadas em armas políticas. E um partidarismo amplo, acelerando as investigações contra o PT e poupando o PSDB.
Tinha-se um Supremo Tribunal Federal (STF) totalmente submisso à onda. Votos dissidentes só eram apresentados quando havia maioria consolidada em favor das investigações. Os dissidentes tentavam salvar sua biografia graças ao voto majoritário, dos que não se importavam nem com a Constituição nem com a imagem de defensores da lei.
MOVIMENTO 2 – O OCASO DA LAVA JATO
A Lava Jato começou a decair quando o STF, corretamente, passou a encaminhar a outros estados processos que não se referiam diretamente à Petrobras. O enorme esforço da Lava Jato Curitiba – e do juiz Sérgio Moro – para assumir todos os processos era uma questão de preservação de poder.
À medida que os casos iniciais iam se encerrando, a estrela da Lava Jato foi se apagando, obrigando-a a avançar, com enorme relutância, sobre partidos aliados.
Quando o STF se deu conta de que delações, inquéritos e processos  eram carta marcada, e direcionadas, resolveu diluir o poder da Lava Jato Curitiba permitindo à Polícia Federal negociar delações. Apenas não lhe deu o poder de definir penas. A votação, no plenário, foi de 10 x 1 em favor da PF.
Consequência: espalhou gasolina para outros poderes. O grande problema das delações não era a definição de penas – embora os acordos de leniência fossem obscuros, espalhando suspeitas sobre as relações da força com advogados de delação -, mas a exploração política.
O episódio da delação de Antonio Palocci é a demonstração do erro crasso do STF e conta pontos para a Lava Jato Curitiba, que não aceitou o acordo, dada a fragilidade das denúncias. No Vaza Jato, aliás, uma procuradora séria se espanta com a fragilidade da delação de Pallocci.
Agora, um delegado  da PF desmonta a delação, mostrando que foi montada, em grande parte, em cima de pesquisas no Google.
Como sempre ocorreu em toda Lava Jato, algumas verdades aparecem, mas só apenas depois que o mal está feito. E o mal foi o uso político da delação na véspera das eleições de 2018.
Aliás, é mais provável que a retificação da PF tenha por objetivo livrar o banco BTG, de André Esteves, do que tratar Lula com isenção.
MOVIMENTO 3 – OS MOVIMENTOS ERRÁTICOS DO SUPREMO
Ontem, o principal agente da Lava Jato no Supremo, Ministro Luiz Edson Fachin, cometeu a primeira e curiosa alta-crítica (com L mesmo, uma modalidade de autocrítica em que se critica o crime que se cometeu como se fosse de responsabilidade de terceiros).
Disse que a inabilitação de Lula para as eleições foi o pior erro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e que ele, Fachin, foi voto vencido.
A decisão que tirou Lula do jogo foi a votação para a prisão de 2a instância. O voto decisivo foi da Ministra Rosa Weber, lendo um voto extenso que, por todos os indícios, tinham sido preparado pelo próprio Fachin – que votou também pela prisão em 2a instância com o objetivo precípuo de impedir a saída de Lula da prisão.
Além das declarações de Fachin, há um movimento dos Ministros de maior visibilidade, cada qual se valendo da sua própria dimensão política.
Por exemplo, Gilmar aproxima-se de grupos democráticos de advogados e até do MST (Movimento dos Sem Terra) e, ao mesmo tempo, fortalece o inquérito das fake news e, na outra ponta, alisa Bolsonaro domado, autorizando a volta de Fabrício Queiroz para a casa. Enquanto isto,  Luís Roberto Barroso se torna mediador de debates de youtubers terraplanistas. Cada qual com um desafio à altura da sua dimensão política.
Próximo presidente do STF, Luiz Fux impede que o Conselho Nacional do Ministério Público julgue Deltan Dallagnol, mantendo a tradição horrorosa do Supremo, da imposição de decisões monocráticas.
O STF cresceu, quando se interpôs à ofensiva do ódio de Bolsonaro. Contida a besta, volta às indecisões anteriores.
MOVIMENTO 4 – A OFENSIVA SOBRE OS PROCURADORES
A decisão de Fux interrompeu o que parecia ser a primeira decisão do CNMP superando o corporativismo das decisões. Parecia que, pela primeira vez, haveria uma censura pública aos abusos cometidos pela Lava Jato Curitiba, a manipulação das delações, o exibicionismo, os ganhos financeiros com o trabalho, as vinculações políticas.
Mas, ao mesmo tempo, trata-se de uma situação complexa.
Deslumbrado, inexperiente, Dallagnol foi ocupando os espaços que lhe eram oferecidos. Recebeu aval  do Procurador Geral Rodrigo Janot, que nada fez para definir limites, mesmo sabendo do risco de imagem para todo o MPF. Teve o apoio maciço de seus colegas e da Associação Nacional do Ministério Público (ANPR), julgando que tinham sido erigidos a 5o poder. Contou com o apoio caloroso do Ministro Luís Roberto Barroso, encantado com o marketing juvenil anti-corrupção. Foi cortejado por jornalistas para quem, tê-lo como fonte contava pontos profissionais. Aceitou-se acriticamente o ridículo de seu salvacionismo, suas orações em templos religiosos e, claro, suas palavras altamente remuneradas em templos financeiros. Sem eles, Dallagnol seria apenas um rapaz latino-americano, incrustado em Curitiba, indo muito além das suas chinelas.
Lembro-me de uma conversa com a economista de um desses bancos, espantada com as exigências de cachê de Dallagnol.
Hoje em dia, Deltan Dallagnol está reduzido à sua verdadeira dimensão: um jovem procurador choramingando pelos cantos do Twitter e clamando por apoio. A cada dia que passa, mais Sérgio Moro vai sendo trazido de volta para seu próprio tamanho. E se tornam – especialmente Dallagnol – o boi de piranha preferencial para medidas de contenção do poder dos procuradores em geral em um momento em que a Lava Jato acabou.
Quando procuradores lavajatistas deslumbrados invadiram o Twitter, houve um movimento para o CNMP censurar os ativistas.
Quase todas as sanções se voltaram contra procuradores independentes.
Agora se pretende avançar sobre as prerrogativas dos procuradores, tendo como pressuposto a necessidade imperiosa de usar Dallagno, como exemplo, inclusive a possibilidade de afastamento dele da operação.
Não se leva em conta que, aberta a exceção, os alvos preferenciais serão os procuradores que não se ligam a panelas, aqueles que exercem seu trabalho individual sem se curvar a influências políticas, financeiras ou de grupo e sem faturar financeiramente com seu trabalho.
Esse é o ponto que deveria acordar os que batalham por um MPF independente: a aplicação das penas estará nas mãos “deles”.
Do GGN

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

MILITARES, STF E AS ELITES: DO “KIT GAY” À PIROCA AZUL TURQUESA, POR ARMANDO COELHO NETO

O inquérito sobre fake news é uma focinheira para o Bozo e a pretensa cassação da chapa Bozo/Morão é a focinheira para esquerda.
Leprocracia. Até segunda ordem, inventei esse termo para me referir à sociedade regida por Moros, Marinhos, Malafaias, maçons e militares. Para não ficar só na letra M, incluo Ratinhos e outros sobrenomes ditos “nobres” que dão suporte à miséria do povo. São leprosos morais que norteiam a democracia necrosada de que falo.
Moro simboliza a excrescência do judiciário. Marinhos e Ratinhos formadores de opinião das elites, classe média e pobres. São produtores das cabeças aptas a definirem uma eleição. A miséria e a corrupção são a galinha dos ovos de ouro da “leprocaracia sejumoriana”. Vive do crime social e com ele se potencializa.
Das trevas, por meios de seus TFA (Tríplice Abraço Fraterno), maçons (salvo exceções) glorificam valores morais que (não) regem a leprocracia. Possui tentáculos em qualquer microesfera de poder da leprosa República. Aliás, o vice Mourão (tecla SAP do Bozo) é “príncipe do real segredo” e ostenta o grau 33.
Já os militares. Ah, os militares (!), com baionetas apontadas para o povo e o fiofó para a mira dos EUA (exceções silentes), são braços armados que garantem que a leprocracia avance, se preserve, se recicle e se eternize. O importante é a hierarquia, pois democracia é um cachorro livre para andar no limite da coleira.
Eis os tentáculos de nossa sociedade meritocrática, parte dela enfiada até o pescoço em vários escândalos, entre quais o Caso Banestado – agora sabor laranja Folha de S. Paulo. No centro, Dario Messer – o doleiro dos doleiros e mito da Farsa Jato. Denunciou sem provas (mas com convicção) o líder do “Grupo Januário” e a Globo.
A leprocracia precisa críticos eloquentes para ter ares civilizados. Sob complexo de Haiti, teme parecer Coréia, Cuba ou Venezuela. Daí precisar de Moro (herói Zé Roela da Globo), Joice – que manda seus críticos à merda em francês – igualzinho ao desembargador elitista e truculento de Santos (cloroquinista antipandêmico).
– E o que a piroca azul turquesa tem a ver com tudo isso?
No Brasil os debates políticos não são feitos para conhecer as soluções que os políticos têm para determinados problemas ou apresentarem propostas para serem examinada pelo eleitor, que escolherá a melhor. Exemplo: pode o Brasil ser uma sociedade com direitos ou sem direitos? Mais justa e igual? Como? Qual o custo?
Mas, os candidatos são chamados para se defenderem das acusações que a imprensa, Moros, procuradores da República e outros convictos fizeram contra eles, pouco importando se mais tarde seriam absolvidos ou não. Os debates existem para desqualificar os candidatos, assim como a Globo fazia com Lula, Dilma…
Foi num debate assim na Inglaterra, só para detonar político, que um ursinho de nome Waldo participou como debatedor só para avacalhar o outro convidado, o qual reagiu dizendo: você nada propõe, só agride, envergonha a política. E ele respondeu: “eu sou apenas um ursinho com a piroca azul turquesa” (1).
A história da piroca azul viralizou igualzinho ao “Kit gay” do pilantra que ainda ocupa a Presidência da República no Brasil, o qual sem propostas concretas, só agredindo adversários e prometendo “acabar com tudo isso que está aí”, exibiu seu “Kit gay”. Se pudesse, teria dito ser um ursinho fascista que tem uma piroca azul turquesa.
Pois bem. Há tempos um mineirinho andava sumido, mas apareceu adoentado em São Paulo, perto da fraude eleitoral de 2018, só para votar no Bozo, “pois um voto a menos poderia fazer a diferença”. Enfático e esclarecido como um espectador do Ratinho, disse: “Não quero ter um filho gay. Meu voto é a salvação de meu filho”…
O mineirinho não viu “mamadeira com formato de piroca”, mas estava lá no “kit gay” (que não viu). Mas, Bozo “teve a coragem” de mostrar no Jornal Nacional, na edição que não assistiu, e na qual Bozo teria exibido o kit. “Aqui não é Holanda, Cuba nem Venezuela”, disse cheio de convicções sem prova no melhor estilo Moro/Globo/Veja.
É duvidoso que nem os apresentadores do Jornal Nacional, nem a equipe de produção tenham visto o Bozo acessar à bancada do JN com o tal kit, de forma que repreender o então candidato soou falso. Só recentemente, para atacar Bozo, o JN insinuou que o tal kit não existiu numa matéria sobre fake news. Tarde, não?
Eleição da mentira, o Tribunal Superior Eleitoral reconheceu ter havido invasão da página “Mulheres Unidas contra Bolsonaro”. Mas, disse que isso não teve “o condão de desequilibrar o pleito”. Velho truque: desqualifica acusações no varejo e desconsidera o conjunto da obra. Ponto para a leprocracia sejumoriana.
Também há pouco, parte da Corte Suprema sentenciou que Moro errou ao juntar e divulgar delação premiada de Palocci, há seis dias das eleições. Tal delação, aliás, fora rejeitada pelos savonarolas da Farsa Jato. Mas, o “Espírito do Tempo” aceitou, e, não se sabe se o TSE vai achar se isso teve “o condão de desequilibrar o pleito”.
Pelo critério do TSE é difícil saber se o fato A ou B foi determinante para desequilibrar a fraude eleitoral de 2018. Por exemplo, a agência Enviawhatsapps teria sido contratada por “empresas, açougues, lavadoras de carros e fábricas” para fazer disparos para o candidato Bozo. Teria isso desequilibrado o pleito? Foi legal?
Pensemos. Golpe eleitoral de 2016. Aceitação e redenção de Michel Temer. Controle da prisão e soltura de Lula, agenda do STF sob influência militar. Tentativa de destruição do PT. Tudo isso faz parte de um mesmo caldo, enquanto a Justiça das elites é o poder da República que mais falta às causas populares. Ah ah hurru!
O caudilhismo das elites é o suporte da leprocracia como tal conhecida. O inquérito sobre fake news é uma focinheira para o Bozo e a pretensa cassação da chapa Bozo/Morão é a focinheira para esquerda. A vitória de Lula no STF e o julgamento da parcialidade de Moro não passam de refrescos para o romantismo petista.
Dos militares ao STF, desses às elites, ninguém precisa propor ou explicar nada, basta dizer que tem uma piroca azul turquesa e provocar gargalhadas. “Vocês são todos iguais, e é culpa de vocês se a democracia virou uma piada e ninguém sabe mais para que ser”, disse o ursinho Waldo…
1 – Os engenheiros do caos: Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. Giuliano Da Empoli – Ee. Vestígio
Armando Rodrigues Coelho Neto – jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal ex-integrante da Interpol em São Paulo.
Do GGN

sábado, 15 de agosto de 2020

ZEMA PRETENDIA EXTERMINAR QUILOMBO. PERDEU, DIZ MARCELO AULER

O governador Romeu Zema (Novo) não impediu que a Polícia Militar de Minas Gerais aterrorizasse por mais de três dias as cerca de 450 famílias de agricultores assentadas no Quilombo Campo Grande.
Os apelos vieram de todos os lados, de pessoas e autoridades das mais diversas tendências políticas, mas contrariando suas promessas feitas no início da semana, o governador Romeu Zema (Novo) não impediu que a Polícia Militar de Minas Gerais aterrorizasse por mais de três dias as cerca de 450 famílias de agricultores assentadas no Quilombo Campo Grande, no município de Campo do Meio, no sul de Minas Gerais. São famílias ali instaladas há 22 anos que transformaram a área de uma usina de açúcar falida em campo de produção de alimentos orgânicos.  A violência contra elas aumentou na tarde de sexta-feira (14/08). A repercussão negativa foi tamanha que no final do dia o Batalhão de Choque se retirou do local dando por encerrada a operação. Os ânimos serenaram.
Ao final da operação policial seis famílias foram desalojadas, a Escola Popular Eduardo Galeano, que oferecia educação popular aos jovens, crianças e adultos, foi totalmente destruída e um galpão que atendia aos agricultores foi esvaziado. A mobilização dos agricultores e o apoio que receberam de diversos setores da sociedade, porém, impediram que a ameaça maior – o desalojamento de todos – fosse concretizada. Apenas um pedaço da área – ainda que superior ao previsto – foi oficialmente reintegrada.
Em uma atitude inédita de espetacularização da operação, a ação da polícia militar mineira contou até com transmissão on line  (veja aqui). Nela, os oficiais alegavam que apenas cumpriam uma ordem judicial. Ordem que não se preocupou com a pandemia. Por isso, o despejo foi considerado “como um grave desrespeito e uma ameaça à vida em meio ao caos estabelecido pela pandemia, e torna-se um verdadeiro crime contra estas famílias” pelos bispos da Regional Leste 2 da CNBB. Como afirmaram em nota assinada por dom José Carlos de Souza Campos (da diocese de Divinópolis/MG) e dom Otacílio Ferreira Lacerda (da diocese de Guanhães/MG), respectivamente, presidente e bispo referencial da Comissão para Ação Social Transformadora da Regional Leste 2 da CNBB.
O tamanho da operação montada – mais de 250 policiais, incluindo o batalhão de choque com caminhão blindado (tipo brucutu), caminhões do corpo de bombeiro e até helicóptero, cujos voos visavam atemorizar as pessoas – transformou-se também em um sinal claro que o objetivo não era cumprir apenas a ordem judicial.
O plano do governo era maior”
A determinação, inicialmente, falava em reintegração de 26 hectares. Depois, o próprio juízo aumentou para 52 hectares. Segundo nota do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a operação policial foi além do que ordenava a liminar. Ainda destruíram casas e lavouras. Mas, na realidade, o aparato policial faz supor que a pretensão do governo Zema seria de exterminar o quilombo. Foi impedido pela resistência dos agricultores.
Isto explica, inclusive, o fato de terem isolado a área de tal forma que até deputados tiveram o acesso impedido, como denunciou a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT): “fomos impedidos pelo Comando Militar da operação na área de entrar pela via pública de acesso para nos encontrarmos com as pessoas. Questionado, afirmou que a operação de reintegração de posse não tinha terminado e que ele tinha protocolos a seguir. Informei que, como deputada estadual, tinha a prerrogativa de entrar, que os protocolos da Polícia Militar não são superiores a Constituição do Estado. Obtive como resposta de um Major voz de prisão se insistisse. Depois da ameaça do Comandante, dois sargentos começaram a filmar”.
A avaliação da deputada, que esteve no quilombo na sexta-feira em companhia dos deputados federais Rogério Correia e Odair Cunha e seus colegas na assembléia de Minas André Quintão e Ulysses Gomes, é de que o governo pretendia ir além do que mandou o juízo:
“Após analisar toda a operação montada, não resta dúvidas: Zema aparelhou o governo, gastou dinheiro público para fazer uma disputa ideológica e política, além de autorizar a prática de violência contra a população. Nada teve a ver com cumprimento de decisão judicial (…) três dias de operações, fora o tempo de deslocamento, diárias, hospedagens, alimentação. Tudo pago com dinheiro público para retirarem e destruírem a casa de 6 famílias, além da escola. O plano do governo era maior”.
Os policiais militares – “agindo dentro da lei e em cumprimento às ordens”, como definiu o oficial no vídeo – na quarta-feira, 12 de agosto, não impediram a destruição da escola feita, segundo dizem os policiais, por familiares do dono do terreno. O ato foi recriminado pelo bispo-auxiliar de Belo Horizonte, dom Vicente Ferreira: “De lamentar que a escola já está destruída. Infelizmente, em um tempo em que a gente precisa de mais educação”, protestou, na quinta-feira.
Nota do Tribunal de Justiça abria espaço para um adiamento da reintegração a partir da avaliação da Polícia Militar.
Desde o início da semana o governador Zema prometia suspender o despejo. Também o prefeito de Campo do Meio, Robson Machado de Sá (PSDB), dizia que apenas uma pequena área seria reintegrada. As promessas do governador, feitas pela rede social, falavam em deixar tudo para o pós-pandemia. Isso não parecia impossível. Afinal, o próprio Tribunal de Justiça, em nota (leia na ilustração ao lado), esclareceu que a ordem de despejo, datada do ano passado, teria que ser cumprida,  “entretanto, a avaliação a respeito da segurança do despejo está sendo feita pela Polícia Militar.”
Ou seja, havia margem para o governo do estado adiar o despejo. Inclusive atenderia às recomendações de infectologistas que se posicionaram contrários ao desabrigo de pessoas em plena pandemia. Mas Zema não apenas desrespeitou o prometido como deixou a polícia militar fazer uma verdadeira guerra psicológica contra os moradores por três dias seguidos – de quarta-feira (12/08) até sexta-feira no final da tarde.
“Despejar não é atividade essencial”, diz o bispo.
A promessa do prefeito foi feita ao bispo da diocese de Campanha (que engloba a região do acampamento), dom Pedro Cunha Cruz. Em pronunciamento por áudio aos demais bispos do país, dom Pedro, da ala conservadora da igreja, relatou sua conversa com o prefeito, na manhã de quinta-feira, quando ouviu que a operação já tinha ocorrido. O que não correspondeu à verdade:
“Em conversa com o prefeito Robson, de Campo do Meio, o mesmo assegurou que o despejo foi realizado ontem (12/08) somente nas residências de seis famílias que ocupavam uma área de propriedade privada, mas que não têm nenhuma relação com as 450 famílias que ocupam a área da antiga usina. A prefeitura de Campo do Meio já acolheu as três famílias despejadas deste terreno. Portanto, as 450 famílias da área da usina ainda permanecem no local e provavelmente sofrerão alguma ação judicial no pós pandemia”.
Dom Pedro terminou sua mensagem aos irmãos do episcopado prometendo genericamente seguir “rezando por estas famílias dentro do espírito do Pacto pela Vida e da ética do cuidado, como pede o nosso querido Papa Francisco”.
Do GGN

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

O OURO DE BOLSONARO DE TOLOS PARA TOLOS: POR FERNANDO BRITO

O amarelo é brilhante e fascina logo os ambiciosos que não sabem identificar sua natureza: a pirita, ou “ouro de tolo”, está, a esta altura, refulgindo nos olhos de Jair Bolsonaro com o ganho de popularidade que lhe aponta o Datafolha.
Ontem ainda, antes dos resultados, debati sobre o assunto com o professor Pierre Lucena, da Universidade Federal de Pernambuco, mostrando como é fugaz e será frustrante o brilho dos relativamente poucos pontos que Jair Bolsonaro de crescimento em seus índices de aprovação.
Distribuindo R$ 600 a dezenas de milhões de pessoas que estão no desespero, sem trabalho e sem renda, é, francamente, até pouco.
Claro, o povão está na dele e não há nada de errado em que, neste momento, cresçam algumas simpatias para o governo que faz isso.
O problema é que ninguém, nem o próprio Jair Bolsonaro, acredita que que isso pode se prolongar indefinidamente.
“O auxílio emergencial custa R$ 50 bilhões por mês, e tem gente que demagogicamente acha que ele tem que ser prorrogado indefinidamente”, declarou na sua live semanal, ontem.
Pois é, se não vai ser prorrogado, ou será retirado ou será reduzido em valor e restringido em alcance e cairemos na dura realidade de uma profunda recessão, global e local, que não proverá a população de sua principal fonte de renda:| o trabalho.
Não se espere, portanto, efeitos de longo prazo desta situação. Com medidas muito mais sofisticadas que essa, José Sarney, com seu Cruzado e, em menor escala, Fernando Henrique Cardoso e seu real “um por um” com o dólar, transitaram em pouco tempo – verdade que com eleições no meio – da glória à maldição entre os pobres.
É verdade que isso assusta os inexperientes – que não viram isso acontecer – e os que acham que os sentimentos profundos se confundem com as águas agitadas de uma ventania.
O fato, real, é que nosso país está em ruínas, esta é uma terra arrasada, queimada, onde a crise econômica não irriga, mas resseca, todas as atividades humanas.
Um país que não tem rumo – porque o precipício é algo que não se pode mostrar como destino – não progride e o que temos hoje não é um governo que construa, que edifique, mas uma máquina de destruição insaciável.
Como na Saudosa Maloca de Adoniran Barbosa, estamos a “apreciar a demolição”.
O que virá em seguida vai mostrar que o ouro de Bolsonaro é de tolo e para tolos.
Do Tijolaço

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

BOLSONARO DÁ CABEÇA DE LÍDER AO CENTRÃO POR PAZ NA ECONOMIA, POR FERNANDO BRITO

Ricardo Barros, do PP e do Centrão, leva a liderança do Governo na Câmara, no lugar do Major Vitor Hugo, cuja presença é tão notável quando a de um hamster num Zoológico.
Daqui a pouco, Bolsonaro fará uma entrevista-monólogo, jurando amor ao teto de gastos e fidelidade à austeridade fiscal.
É um bilu-bilu em Paulo Guedes, para dar a impressão de que o Centrão trabalhará pelas propostas de mudanças tributárias e para que não se alarguem os cordões da bolsa da Viúva.
Rodrigo Maia, hoje, vai cansar as sobrancelhas de tanto arqueá-las ao ouvir a repetição das promessas de que não haverá proposta de criação de novos impostos.
Bolsonaro não chamou Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, e Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional – os dois “fura-teto”, sem pedir que esperem um pouco com seus planos de gastar.
E todos farão cara de que os problemas estão superados tudo seguirá em paz e serenidade.
Não é assim.
Paulo Guedes só tem hoje – e nem mais de forma incondicional – da Globo e do mercado financeiro, mas não se vai desperdiçar com ele o pacote inteiro de velas.
Do Tijolaço

terça-feira, 11 de agosto de 2020

HISTÓRIA REPETIDA: LAVAJATEIROS QUEREM PRESSIONAR MELLO A FUGIR DE VOTAR, POR FERNANDO BRITO

Longo texto na Folha, sem sequer uma fonte identificada, procura fazer quer que, numa estratégia mirabolante, a defesa de Lula quer adiar o julgamento, na 2ª turma do Supremo, do habeas corpus onde se pede a declaração de suspeição de Sergio Moro no caso do famoso tríplex do Guarujá, para depois da aposentadoria de Celso de Mello e antes da posse do novo e terrivelmente bolsonarista ministro que ocupará seu lugar.
O argumento é o de que, com os votos de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski se contrapondo aos de Edson Fachin e Cármem Lúcia e fixando um empate em 2 a 2, o princípio do in dubio pro reu faria a tese do ex-presidente Lula ser vitoriosa.
O processo, por pedido de vistas de Gilmar Mendes, segue pendente de decisão formal porque Mendes diz que a relevância do tema recomenda a decisão em sessão presencial e não em videoconferência, como estão sendo tomas das decisões neste momento. Mas ninguém acredita que possa ter outro desfecho que não a declaração de suspeição de Moro, aliás escancarada na votação sobre a nulidade de seu ato de cercear a defesa de Lula no caso do terreno supostamente destinado ao Instituto Lula.
O que está acontecendo não é isso, é o contrário: são as forças do “lavajatismo” querendo “melar” uma decisão que está claramente definida e há outros sinais disso.
O maior deles foi a matéria de ontem, no Valor Econômico, dizendo que a declaração de suspeição no caso de Lula “pode anular toda a operação [Lava Jato]”. É evidente que isso não existe (aliás, quem lembra dos “100 mil” presos que iam ser soltos com a decisão que não tornava obrigatória a prisão em 2ª instância?) e que a suspeição se dá de maneira pontual, em cada processo ou, pelo menos, em condutas semelhantes contra os mesmo réu em processos assemelhados, se assim pedir a defesa?
Pedido de suspeição se faz sobre fatos concretos e eles não faltam nas decisões de Moro: a ida para o cargo de Ministro da Justiça do maior beneficiário da exclusão eleitoral de Lula, pela condução coercitiva do ex-presidente, pela quebra de sigilo telefônico de seus advogados; pela inclusão de “denúncia-xepa” de Antonio Palocci a uma semanadas eleições e findo os prazos de juntada; pelo impedimento da soltura de Lula pelo desembargador Rogério Favreto do TRF-4; e claro, pelas mensagens da Vaza Jato.
Depois, se há um voto antecipado, e há muito tempo, é o de Celso de Mello que, em maio de 2013, votou (e solitariamente) na mesma 2ª Turma, pela suspeição de Moro no habeas corpus impetrado (HC N° 95518, impetrado pela defesa do doleiro Rubens Catenacci, no caso Banestado, por ter o ex-juiz paranaense monitorado os advogados de defesa do réu e pela condução do processo, como disse em seu voto:
(…)tenho por gravemente ofendida, no caso em exame, a cláusula constitucional do devido processo legal, especialmente se se tiver em consideração o comportamento judicial relatado na presente impetração. Na realidade, a situação exposta nos autos compromete, segundo penso, o direito de qualquer acusado ao “fair trial”, vale dizer, a um julgamento justo efetuado perante órgão do Poder Judiciário que observe, em sua conduta, relação de equidistância em face dos sujeitos processuais, pois a ideia de imparcialidade compõe a noção mesma inerente à garantia constitucional do “due process of law”.
Por último, com a aposentadoria compulsória marcada para 1° de novembro, a por fim a uma longuíssima carreira como magistrado, Celso de Mello tem toda a razão em querer encerrá-la com um voto marcante – e, certamente, longo e argumentado, como é de seu estilo – e não como um “fujão”.
É evidente que, se não foi pedido pelo próprio Celso de Mello, a votação em sessão presencial pelo menos atende em muito os seus desejos.
Portanto, a “reportagem” da Folha é evidentemente “soprada” por algum “espírito santo de orelha” do lavajatismo e está fadada a ter a mesma falta de efeito que aconteceu no julgamento dos embargos à sentença do mensalão, onde toda a mídia o pressionou para dar um voto contrário e ele, mantendo – como fará neste caso – o entendimento anterior, deu um voto a favor.
Já que sabem que vão perder, querem que isso pareça um “golpe”, uma virada de mesa.
Na maré vazante, as águas da Lava Jato, hoje, não afogam nem caranquejo e caranguejo, andando para trás, não é como Celso de Mello encerrará a carreira.
Do Tijolaço

XADREZ DE BOLSONARO, O JULGAMENTO DE LULA E O GOLPE, POR LUIS NASSIF

A única certeza é que , se a cabeça do bolsonarismo não for decepada agora, pelo julgamento do Tribunal Superior Eleitoral, há o risco concreto de que, dentro de algum tempo, a confluência de forças permitir a ele completar o golpe militar que tentou há semanas contra o Supremo.
Mais do que nunca, não dá para separar o cenário econômico do político.
No quadro atual, há as seguintes variáveis influenciando o jogo político.
PEÇA 1 – O FATOR BOLSONARO
Não há a menor dúvida que, havendo condições objetivas, Bolsonaro dará o golpe. As condições estão sendo preparadas da seguinte maneira:
Grupos militares – Recente pesquisa publicada pela revista Piauí, em cima de perfis de policiais militares nas redes sociais e em WhatsApp mostra um acirramento cada vez maior do discurso de radicalização dos quadros bolsonaristas na base das policiais. Se o WhtatsApp foi capaz de articular públicos difusos pelo país afora, mais facilmente conseguirá ser instrumento de articulação de corporações militares,
Grupos paramilitares – Continua entrando armamento abundante no país que vai para dois grupos centrais de apoio a Bolsonaro: Clubes de Tiro e milícias. Reforça o que foi manifestado pelos Bolsonaros desde os primeiros dias de governo: a defesa do projeto Bolsonaro estará nas mãos dos seguidores armados e na cooptação dos militares, através de emprego na máquina pública, assim como ocorreu na Venezuela.
A renda básica – embora a renda básica de R$ 600 tenha sido proporcionada pelo Congresso, Bolsonaro percebeu seu potencial eleitoral e deverá avançar nessa direção. As primeiras pesquisas mostram que está começando a romper a resistência das classes de menor renda. É um passo que poderá moldar seu populismo de direita, sobre o qual se falará mais adiante.
PEÇA 2 – O PACTO NACIONAL
O aguardado pacto político nacional está longe ainda de se concretizar. Em parte pela falta de lideranças aglutinadoras do centro-esquera e centro-direita. Há um vácuo de interlocutores, mesmo ante a ameaça crescente de Bolsonaro liquidar de vez com o que resta da democracia brasileira. E o ponto central é a barreira entre grupos de centro-direita – representados pela mídia tradicional – e o lulismo.
Uma das maneiras de destravar esse impasse seria a votação pela suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, liberando Lula para reaglutinar as forças de centro-esquerda.
Hoje em dia, há um início de descongelamento nas relações mídia-lulismo, exposto em editoriais endossando as acusações de suspeição de Moro, ou admitindo o voto do STF nessa direção. É pouca coisa ainda, são apenas indícios, mas relevantes por significar uma brecha no antilulismo arraigado dos grupos de mídia.
Para o STF aceitar a suspeição de Moro, basta apenas vontade política, o endosso de outras forças que participaram dos golpes institucionais dos últimos anos e a constatação de que, sem retomar os valores da imparcialidade e da defesa radical da Constituição e da democracia, o STF não resistirá aos avanços do bolsonarismo.
PEÇA 3 – A SUSPEIÇÃO DE SÉRGIO MORO
Todas as acusações contra Lula se basearam em uma tramoia da seguinte ordem:
1. Em qualquer parte do mundo, presidentes definem as estratégias econômicas e políticas de um país.
2. Essas estratégias gerais beneficiam grupos específicos. A guerra contra o Iraque, por exemplo, beneficiou empreiteiras americanas ligadas a políticos influentes. Antes, a guerra fria beneficiou o complexo industrial-militar. As políticas de desregulação da era Clinton beneficiaram o setor financeiro, assim como as de Fernando Henrique Cardoso no Brasil. As políticas de campeões nacionais de Lula beneficiaram as empreiteiras e fabricantes de proteína animal.
3. Os setores beneficiados têm interesse em manter a influência política dos presidentes, mesmo após o final de seu mandato. E a maneira de isso ocorrer é através do financiamento de suas fundações ou de mimos aos presidentes. Pode configurar falhas éticas, mas jamais crimes. Para haver crime, a contribuição tem que estar associada a um benefício direto recebido pelo doador.
A Lava Jato – com a complacência geral da mídia e dos tribunais superiores – cometeu duas desonestidades processuais óbvias:
1. Criou a figura da lavagem de apartamento.
Não encontrou nenhum documento que mostrasse que Lula tinha a propriedade do triplex e do sítio de Atibaia. Criou, então, essa excrescência jurídica da “lavagem de apartamento”. “Lavagem de dinheiro” consiste em esconder a propriedade de dinheiro em contas offshores, em nome de “laranjas”. A lavagem se dá com os chamados “bens fungíveis”, isto é, que podem ser trocados em qualquer parte do mundo. Dinheiro é bem fungível, assim como obras de arte.
No caso do triplex, a propriedade continuava sendo da OAS, a empresa construtora. No caso do sítio, dos Bittar, conforme comprovado no contrato de compra e na demonstração do pagamento.
Conclusão da Lava Jato: ao não passar o certificado de propriedade para Lula, a OAS estava lavando o apartamento para ele. Trata-se de uma conclusão aceita pelo TRF4 que desmoraliza o direito penal brasileiro no mundo.
2. Criou vínculos artificiais com contratos.
A segunda manobra foi pressionar delatores a criar vínculos entre contratos obtidos no governo Lula e os mimos oferecidos pelas empreiteiras, como a reforma do sítio para usufruto de Lula.
A maneira como a Lava Jato forçou esses vínculos se constituem em uma mancha na história jurídica do país – por ter sido coonestada por tribunais superiores. Jogou executivos na cadeia e apresentou como alternativa para sua libertação uma declaração qualquer afirmando que houve a barganha entre uma obra específica (que custou pouco mais de um milhão) e contratos (na casa dos bilhões).
Lula continuou sendo uma personalidade relevante para as empreiteiras brasileiras, tanto na África quanto em outros países da América Latina. Apoiar o Instituto Lula era relevante para os planos de negócio das empreiteiras, dentro da diplomacia comercial brasileira.  Prova maior foi um e-mail de um executivo da Odebrecht sugerindo que, em uma viagem a país da América Central, Lula desse uma força para a empresa, que tinha planos de entrar na região. Era a prova maior do interesse da Odebrecht na influência política de Lula. Mas tratou-se o e-mail como escândalo.
Ao sair da presidência da República, a primeira palestra paga de FHC foi para a Ambev, pelo cachê de US$ 250 mil. Bastaria torturar um delator e afirmar que foi pagamento pela aprovação da compra da Brahma pela Ambev, alguns anos antes, para condenar FHC.
PEÇA 4 – O FATOR LULA
É possível que, finalmente, o STF corrija essas aberrações. Do lado da mídia, já há sinais de apoio ao restabelecimento dos princípios jurídicos e do fim da perseguição a Lula, em editoriais, matérias de colunistas. Mesmo porque, essa lógica canhestra está se voltando contra seus próprios aliados políticos. E a ameaça à democracia deixou de ser as fantasias em torno das FARCs para se transformar em ameaça concreta, das milícias bolsonaristas.
O desimpedimento de Lula poderia ser relevante para a montagem do pacto nacional.
Embora alguns analistas insistam em analisar o potencial político de Lula, a possibilidade de uma candidatura Lula é remota. O antilulismo, plantado em anos de discurso de ódio, continua sendo uma força relevante junto à classe média. E o avanço de Bolsonaro sobre a renda básica poderá reduzir parte da base eleitoral lulista nas classes de menor renda.
Mesmo assim, a expectativa de uma mudança no status político de Lula poderá acelerar contatos com forças de centro, visando a constituição do aguardado Pacto de Moncloa nacional.
PEÇA 5 – O FATOR CAMPEÃO BRANCO
Por trás de toda essa movimentação está a incapacidade de se gerar um candidato de proveta de centro. E, cada vez mais, Sérgio Moro está sendo visto em sua verdadeira dimensão: um político menor, de província, mas com enorme potencial de tentar recriar o autoritarismo bolsonarista, no caso de esvaziamento do bolsonarismo histriônico atual.
A fantasia Luciano Huck, submetido a um curso de madureza política, se dilui quando a pandemia mostra a dimensão dos desafios que vêm pela frente. E, a cada dia que passa, o poder de influência da mídia vai se tornando menor, quadro agravado pela crise econômica inédita, similar à de 1999.
Daí a necessidade imperiosa do descongelamento das relações com o centro-esquerda, dentro de uma estratégia de detente que permita salvar a democracia brasileira.
PEÇA 6 – BOLSONARO E O POPULISMO DE DIREITA
Todos esses movimentos poderão ser inúteis se Bolsonaro pegar a embocadura política. A estratégia que se delineia é a seguinte:
1. Bolsonaro fecha a boca e substitui as conclamações à sua base por políticas sociais concretas, como a tal renda básica. Enquanto isto, usa as redes de WhatsApp para mobilizar suas milícias para a guerra.
2. Assim como entendeu a utilidade eleitoral da renda básica, acabará substituindo a fantasias das reformas de Guedes, por injeção na veia dos gastos públicos visando reativar a economia. A premência política ajudará a sepultar o terraplanismo ideológico de Guedes.
Até agora todos apostaram na imbecilidade flagrante do bolsonarismo. Mas até os imbecis aprendem, ainda que ao custo de mais de 100 mil mortes. E, com as esperanças nacionais na lona, qualquer respiro de esperança terá efeito eleitoral fulminante. Casará o discurso moralista, preconceituoso, de ódio, como o da esperança de superação da crise que ele mesmo engendrou.
PEÇA 7 – UM CENÁRIO INCONCLUSIVO
É tal a quantidade de variáveis em jogo, de tendências não definidas, que se torna impossível um cenário claro pela frente – ainda que amarrado em variações de probabilidade.
A única certeza é que , se a cabeça do bolsonarismo não for decepada agora, pelo julgamento do Tribunal Superior Eleitoral, há o risco concreto de que, dentro de algum tempo, a confluência de forças permitir a ele completar o golpe militar que tentou há semanas contra o Supremo.
Do GGN

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

O INVENTÁRIO DA MÍDIA DO ÓDIO E O CASO CNN COM ALEXANDRE GARCIA E OS LIMITES DA OPINIÃO TUPINIQUIM. POR LUIS NASSIF

Um dos grandes problemas da chamada mídia de opinião brasileira é ser pró-cíclica. Isto é, estimular e surfar nas ondas dos movimentos de opinião pública. Se o leitor quiser sangue, entrega sangue; se quiser ódio, ódio terá. Se quiser solidariedade, criança esperança.
Chamo de mídia de opinião aquela que aborda e influencia temas nacionais. As demais classificações são de mídia sensacionalista, regional, alternativa etc.
O período de ódio que vai de 2005 até a eleição de Bolsonaro se deveu a dois vetores. O primeiro, as estratégias da mídia para ganhar relevância política e eleger aliados que barrassem os avanços dos grupos globais. Usaram as FARCs de álibi para barrar o Google e o Facebook.
O segundo, a percepção de que estava se formando um bom mercado de grupos de direita. Ambos os fatores foram inspirado em Rupert Murdoch, o australiano que saiu pelo mundo valendo-se da ampla liquidez existente para adquirir jornais em vários países e, nos Estados Unidos, tornou a Fox News o porta-voz da direita.
Esse mesmo fenômeno ocorreu no Brasil. Veja inaugurou o modelo, mas o novo mercado se esparramou por outros meios. Houve uma parceria entre a Editora Record e a revista para lançamento de autores de ódio. E emissoras de rádio, como a Jovem Pan, entenderam o potencial de mercado do discurso de ódio.
Assim como os gabinetes de ódio de agora, os primeiros porta-vozes do ódio – como Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi – foram beber direto na fonte Olavo de Carvalho. Emularam o estilo, a adjetivação pesada (“canalhas”), as implicâncias (Marilena Chauí), as citações filosóficas (Schopenhauer), as preferências literárias e a delação em larga escala.
Duas professoras da psicologia da Universidade de São Paulo foram acusadas por Azevedo de estimular o tráfico, por seus estudos sobre redução de danos. O anauê jornalístico ecoava tanto essas delações que a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) quase cedeu às pressões e cortou as bolsas de estudos de ambas. Outras delações motivaram inquéritos que, até hoje, correm contra professores do Colégio Pedro Segundo, no Rio de Janeiro. Apenas dois exemplos, em um oceano de macarthismo.
O ovo da serpente foi gerado ali. E o macarthismo foi utilizado para toda sorte de jogadas comerciais, para afastar editoras de livros didáticos das competições, para inviabilizar concorrentes da Abril na área de cursos apostilados. Enfim, um enorme acervo de chantagens que transformaram Veja na maior máquina de assassinar reputações da história do jornalismo brasileiro, liquidando com o maior fenômeno jornalistico pós anos-70, ao lado do Jornal Nacional.
Em países de mídia desenvolvida, há uma diversidade de mercado. Nos EUA, o advento da Fox News fortaleceu o contraponto da CNN. E os jornais tradicionais, como New York Times e Washington Post, mantiveram-se na defesa das informações e de uma concepção mais liberal de política.
No Brasil, isso não ocorreu. Períodos de grandes transformações políticas ou econômicas são espaços abertos para estratégias inovadoras. Mas a crise da mídia a partir de 1999, a ascensão de uma nova geração de proprietários, temerosos, inseguros, e a falta de conhecimento sobre as novas mídias que surgiam, provocaram uma movimentação em massa em direção ao mesmo discurso de ódio. Não apareceu nenhum veículo com coragem e discernimento para fazer o contraponto – como a Folha dos anos 80 apostando nas diretas. Todas as mídias entraram na onda do discurso de ódio.
O jornalismo da Globo, por exemplo, não sujava as mãos. Mas toda 5a feira o Jornal Nacional divulgava o esgoto que Veja lançaria na sua próxima capa. E, no final de semana, os jornais diários davam a devida repercussão, na vã tentativa de que, apenas repercutindo a revista, não sujariam suas mãos de lama. Ledo engano!
As consequências estão aí. A estratégia das fake news como estilo jornalístico, inaugurada pela Veja e repetida pelos demais veículos, encontrou nas redes sociais seu melhor meio de expressão. E, com o bolsonarismo e o lavajatismo ganhou vida própria, deixou de depender dos veículos-mães, cortou o cordão umbilical. As hostes do ódio, criadas e alimentadas pela mídia tradicional, ganharam autonomia e ao delenda PT vieram se somar, agora, o delenda Globo, delenda Folha, em um desdobramento natural dos períodos carbonários.
Dou essa volta enorme para chegar ao quadro atual.
A mídia de opinião tenta o duro reencontro com o jornalismo. Nesses tempos de informações online, ela levou 15 anos para perceber o óbvio: a única forma de diferenciação com as redes de ódio é a prática do jornalismo, o respeito à informação, e a defesa dos valores fundamentais da civilização,
É nesse contexto que surge a CNN Brasil reinaugurando o óbvio e trazendo seu estilo de colocar a equipe inteira para levantar informações contextualizados, peças de um quebra cabeças que vai sendo organizando em tempo real. Em muitos anos, é o fato novo no jornalismo brasileiro.
Junto, traz um valor totalmente abandonado pela mídia nos últimos anos: a diversidade de opiniões, com algumas restrições. Nesse sentido, criou um quadro que, segundo a publicidade do canal, é o maior sucesso nos Estados Unidos.
O modelo consiste em pegar um comentarista de direita e outro de centro. Um comentarista consistente de cada lado proporcionaria um debate enriquecedor. Mas optou-se por contrapor o discurso fake news e o discurso racional e a emissora ficando de fora.
Com isso, abriu-se espaço para discursos totalmente irresponsáveis, como o deputado Osmar Terra, o homem que propagou a “gripezinha” e as 800 mortes pelo COVID.
Ocorre que a discussão pela TV é tão rápida e quase tão superficial quanto a discussão pelas redes sociais. O espectador se prende muito mais aos bordões de ambos os lados, e não à consistência dos argumentos. É por isso que a praga do opinionismo grassa pelo jornalismo televisivo.
Ao colocar um Osmar Terra no ar, ou contrapor as afirmações vazias de um Caio Coppola aos argumentos técnicos de um contendor qualificado, a CNN iguala a ambos. E cada espectador sai com a mesma convicção com que entrou. Isso significa abandonar todos os filtros do jornalismo.
Essa mesma confusão é utilizada pelos gabinetes do ódio para tratar fake news como direito à opinião, ou por juízes de 1a instância, ideológicos, para punir opinião como se fosse fake news.
É nesse contexto que ganha relevância o aparte do âncora Rafael Colombo ao comentarista Alexandre Garcia, quando este passou a fazer a apologia da cloroquina. Foi apartado por Colombo que lembrou o óbvio: “Se a cloroquina funciona, é barata, e serviu como você falou na Amazônia para lúpus, malária e outros tipos de doença, por que o mundo teria deixado tanta gente morrer se tem um remédio barato à disposição? A troco de que tanta gente morreria se a cloroquina funciona?”.
Em um país em que a mídia pratica a invisibilidade em larga escala, criando um Brasil irreal e deixando de lado uma ampla gama de opiniões diversas, é meio paradoxal pedir critérios para expor o contraditório. Especialmente porque o instituto do âncora foi criado especialmente para refletir o pensamento médio do leitor comum.
De qualquer modo, que o gesto corajoso de Colombo sirva de exemplo.
Do DCM/GGN