Um dos grandes
problemas da chamada mídia de opinião brasileira é ser pró-cíclica. Isto é,
estimular e surfar nas ondas dos movimentos de opinião pública. Se o leitor
quiser sangue, entrega sangue; se quiser ódio, ódio terá. Se quiser
solidariedade, criança esperança.
Chamo de mídia de
opinião aquela que aborda e influencia temas nacionais. As demais
classificações são de mídia sensacionalista, regional, alternativa etc.
O período de ódio
que vai de 2005 até a eleição de Bolsonaro se deveu a dois vetores. O primeiro,
as estratégias da mídia para ganhar relevância política e eleger aliados que
barrassem os avanços dos grupos globais. Usaram as FARCs de álibi para barrar o
Google e o Facebook.
O segundo, a
percepção de que estava se formando um bom mercado de grupos de direita. Ambos
os fatores foram inspirado em Rupert Murdoch, o australiano que saiu pelo mundo
valendo-se da ampla liquidez existente para adquirir jornais em vários países
e, nos Estados Unidos, tornou a Fox News o porta-voz da direita.
Esse mesmo
fenômeno ocorreu no Brasil. Veja inaugurou o modelo, mas o novo mercado se
esparramou por outros meios. Houve uma parceria entre a Editora Record e a
revista para lançamento de autores de ódio. E emissoras de rádio, como a Jovem
Pan, entenderam o potencial de mercado do discurso de ódio.
Assim como os
gabinetes de ódio de agora, os primeiros porta-vozes do ódio – como Reinaldo
Azevedo e Diogo Mainardi – foram beber direto na fonte Olavo de Carvalho.
Emularam o estilo, a adjetivação pesada (“canalhas”), as implicâncias (Marilena
Chauí), as citações filosóficas (Schopenhauer), as preferências literárias e a
delação em larga escala.
Duas professoras
da psicologia da Universidade de São Paulo foram acusadas por Azevedo de
estimular o tráfico, por seus estudos sobre redução de danos. O anauê
jornalístico ecoava tanto essas delações que a Fapesp (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo) quase cedeu às pressões e cortou as bolsas de
estudos de ambas. Outras delações motivaram inquéritos que, até hoje, correm
contra professores do Colégio Pedro Segundo, no Rio de Janeiro. Apenas dois
exemplos, em um oceano de macarthismo.
O ovo da serpente
foi gerado ali. E o macarthismo foi utilizado para toda sorte de jogadas
comerciais, para afastar editoras de livros didáticos das competições, para
inviabilizar concorrentes da Abril na área de cursos apostilados. Enfim, um
enorme acervo de chantagens que transformaram Veja na maior máquina de
assassinar reputações da história do jornalismo brasileiro, liquidando com o
maior fenômeno jornalistico pós anos-70, ao lado do Jornal Nacional.
Em países de
mídia desenvolvida, há uma diversidade de mercado. Nos EUA, o advento da Fox
News fortaleceu o contraponto da CNN. E os jornais tradicionais, como New York
Times e Washington Post, mantiveram-se na defesa das informações e de uma
concepção mais liberal de política.
No Brasil, isso
não ocorreu. Períodos de grandes transformações políticas ou econômicas são
espaços abertos para estratégias inovadoras. Mas a crise da mídia a partir de
1999, a ascensão de uma nova geração de proprietários, temerosos, inseguros, e
a falta de conhecimento sobre as novas mídias que surgiam, provocaram uma
movimentação em massa em direção ao mesmo discurso de ódio. Não apareceu nenhum
veículo com coragem e discernimento para fazer o contraponto – como a Folha dos
anos 80 apostando nas diretas. Todas as mídias entraram na onda do discurso de
ódio.
O jornalismo da
Globo, por exemplo, não sujava as mãos. Mas toda 5a feira o Jornal Nacional
divulgava o esgoto que Veja lançaria na sua próxima capa. E, no final de
semana, os jornais diários davam a devida repercussão, na vã tentativa de que,
apenas repercutindo a revista, não sujariam suas mãos de lama. Ledo engano!
As consequências
estão aí. A estratégia das fake news como estilo jornalístico, inaugurada pela
Veja e repetida pelos demais veículos, encontrou nas redes sociais seu melhor
meio de expressão. E, com o bolsonarismo e o lavajatismo ganhou vida própria,
deixou de depender dos veículos-mães, cortou o cordão umbilical. As hostes do
ódio, criadas e alimentadas pela mídia tradicional, ganharam autonomia e ao
delenda PT vieram se somar, agora, o delenda Globo, delenda Folha, em um
desdobramento natural dos períodos carbonários.
Dou essa volta
enorme para chegar ao quadro atual.
A mídia de
opinião tenta o duro reencontro com o jornalismo. Nesses tempos de informações
online, ela levou 15 anos para perceber o óbvio: a única forma de diferenciação
com as redes de ódio é a prática do jornalismo, o respeito à informação, e a
defesa dos valores fundamentais da civilização,
É nesse contexto
que surge a CNN Brasil reinaugurando o óbvio e trazendo seu estilo de colocar a
equipe inteira para levantar informações contextualizados, peças de um quebra
cabeças que vai sendo organizando em tempo real. Em muitos anos, é o fato novo
no jornalismo brasileiro.
Junto, traz um
valor totalmente abandonado pela mídia nos últimos anos: a diversidade de
opiniões, com algumas restrições. Nesse sentido, criou um quadro que, segundo a
publicidade do canal, é o maior sucesso nos Estados Unidos.
O modelo consiste
em pegar um comentarista de direita e outro de centro. Um comentarista
consistente de cada lado proporcionaria um debate enriquecedor. Mas optou-se
por contrapor o discurso fake news e o discurso racional e a emissora ficando
de fora.
Com isso,
abriu-se espaço para discursos totalmente irresponsáveis, como o deputado Osmar
Terra, o homem que propagou a “gripezinha” e as 800 mortes pelo COVID.
Ocorre que a
discussão pela TV é tão rápida e quase tão superficial quanto a discussão pelas
redes sociais. O espectador se prende muito mais aos bordões de ambos os lados,
e não à consistência dos argumentos. É por isso que a praga do opinionismo
grassa pelo jornalismo televisivo.
Ao colocar um
Osmar Terra no ar, ou contrapor as afirmações vazias de um Caio Coppola aos
argumentos técnicos de um contendor qualificado, a CNN iguala a ambos. E cada
espectador sai com a mesma convicção com que entrou. Isso significa abandonar
todos os filtros do jornalismo.
Essa mesma
confusão é utilizada pelos gabinetes do ódio para tratar fake news como direito
à opinião, ou por juízes de 1a instância, ideológicos, para punir opinião como
se fosse fake news.
É nesse contexto que
ganha relevância o aparte do âncora Rafael Colombo ao comentarista Alexandre
Garcia, quando este passou a fazer a apologia da cloroquina. Foi apartado por
Colombo que lembrou o óbvio: “Se a cloroquina funciona, é barata, e serviu como
você falou na Amazônia para lúpus, malária e outros tipos de doença, por que o
mundo teria deixado tanta gente morrer se tem um remédio barato à disposição? A
troco de que tanta gente morreria se a cloroquina funciona?”.
Em um país em que
a mídia pratica a invisibilidade em larga escala, criando um Brasil irreal e
deixando de lado uma ampla gama de opiniões diversas, é meio paradoxal pedir
critérios para expor o contraditório. Especialmente porque o instituto do
âncora foi criado especialmente para refletir o pensamento médio do leitor
comum.
De qualquer modo,
que o gesto corajoso de Colombo sirva de exemplo.
Do DCM/GGN
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