O
governador Romeu Zema (Novo) não impediu que a Polícia Militar de Minas Gerais
aterrorizasse por mais de três dias as cerca de 450 famílias de agricultores
assentadas no Quilombo Campo Grande.
Os
apelos vieram de todos os lados, de pessoas e autoridades das mais diversas
tendências políticas, mas contrariando suas promessas feitas no início da
semana, o governador Romeu Zema (Novo) não impediu que a Polícia Militar de
Minas Gerais aterrorizasse por mais de três dias as cerca de 450 famílias de
agricultores assentadas no Quilombo Campo Grande, no município de Campo do
Meio, no sul de Minas Gerais. São famílias ali instaladas há 22 anos que
transformaram a área de uma usina de açúcar falida em campo de produção de
alimentos orgânicos. A violência contra elas aumentou na tarde de
sexta-feira (14/08). A repercussão negativa foi tamanha que no final do dia o
Batalhão de Choque se retirou do local dando por encerrada a operação. Os
ânimos serenaram.
Ao
final da operação policial seis famílias foram desalojadas, a Escola Popular
Eduardo Galeano, que oferecia educação popular aos jovens, crianças e adultos,
foi totalmente destruída e um galpão que atendia aos agricultores foi
esvaziado. A mobilização dos agricultores e o apoio que receberam de diversos
setores da sociedade, porém, impediram que a ameaça maior – o desalojamento de
todos – fosse concretizada. Apenas um pedaço da área – ainda que superior ao
previsto – foi oficialmente reintegrada.
Em
uma atitude inédita de espetacularização da operação, a ação da polícia militar
mineira contou até com transmissão on line (veja
aqui). Nela, os oficiais alegavam que apenas cumpriam uma ordem judicial.
Ordem que não se preocupou com a pandemia. Por isso, o despejo foi considerado
“como um grave desrespeito e uma ameaça à vida em meio ao caos estabelecido
pela pandemia, e torna-se um verdadeiro crime contra estas famílias” pelos
bispos da Regional Leste 2 da CNBB. Como afirmaram em nota assinada por dom
José Carlos de Souza Campos (da diocese de Divinópolis/MG) e dom Otacílio
Ferreira Lacerda (da diocese de Guanhães/MG), respectivamente, presidente e
bispo referencial da Comissão para Ação Social Transformadora da Regional Leste
2 da CNBB.
O
tamanho da operação montada – mais de 250 policiais, incluindo o batalhão de
choque com caminhão blindado (tipo brucutu), caminhões do corpo de bombeiro e
até helicóptero, cujos voos visavam atemorizar as pessoas – transformou-se
também em um sinal claro que o objetivo não era cumprir apenas a ordem
judicial.
O
plano do governo era maior”
A
determinação, inicialmente, falava em reintegração de 26 hectares. Depois, o
próprio juízo aumentou para 52 hectares. Segundo nota do Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST), a operação policial foi além do que ordenava a
liminar. Ainda destruíram casas e lavouras. Mas, na realidade, o aparato
policial faz supor que a pretensão do governo Zema seria de exterminar o
quilombo. Foi impedido pela resistência dos agricultores.
Isto
explica, inclusive, o fato de terem isolado a área de tal forma que até
deputados tiveram o acesso impedido, como denunciou a deputada estadual Beatriz
Cerqueira (PT): “fomos impedidos pelo Comando Militar da operação na área de
entrar pela via pública de acesso para nos encontrarmos com as pessoas.
Questionado, afirmou que a operação de reintegração de posse não tinha
terminado e que ele tinha protocolos a seguir. Informei que, como deputada
estadual, tinha a prerrogativa de entrar, que os protocolos da Polícia Militar
não são superiores a Constituição do Estado. Obtive como resposta de um Major
voz de prisão se insistisse. Depois da ameaça do Comandante, dois sargentos
começaram a filmar”.
A
avaliação da deputada, que esteve no quilombo na sexta-feira em companhia dos
deputados federais Rogério Correia e Odair Cunha e seus colegas na assembléia
de Minas André Quintão e Ulysses Gomes, é de que o governo pretendia ir além do
que mandou o juízo:
“Após
analisar toda a operação montada, não resta dúvidas: Zema aparelhou o governo,
gastou dinheiro público para fazer uma disputa ideológica e política, além de
autorizar a prática de violência contra a população. Nada teve a ver com
cumprimento de decisão judicial (…) três dias de operações, fora o tempo de
deslocamento, diárias, hospedagens, alimentação. Tudo pago com dinheiro público
para retirarem e destruírem a casa de 6 famílias, além da escola. O plano do
governo era maior”.
Os
policiais militares – “agindo dentro da lei e em cumprimento às ordens”, como
definiu o oficial no vídeo – na quarta-feira, 12 de agosto, não impediram a
destruição da escola feita, segundo dizem os policiais, por familiares do dono
do terreno. O ato foi recriminado pelo bispo-auxiliar de Belo Horizonte, dom
Vicente Ferreira: “De lamentar que a escola já está destruída. Infelizmente, em
um tempo em que a gente precisa de mais educação”, protestou, na quinta-feira.
Nota
do Tribunal de Justiça abria espaço para um adiamento da reintegração a partir
da avaliação da Polícia Militar.
Desde
o início da semana o governador Zema prometia suspender o despejo. Também o
prefeito de Campo do Meio, Robson Machado de Sá (PSDB), dizia que apenas uma
pequena área seria reintegrada. As promessas do governador, feitas pela rede
social, falavam em deixar tudo para o pós-pandemia. Isso não parecia
impossível. Afinal, o próprio Tribunal de Justiça, em nota (leia na ilustração
ao lado), esclareceu que a ordem de despejo, datada do ano passado, teria que
ser cumprida, “entretanto, a avaliação a respeito da segurança do despejo
está sendo feita pela Polícia Militar.”
Ou
seja, havia margem para o governo do estado adiar o despejo. Inclusive
atenderia às recomendações de infectologistas que se posicionaram contrários ao
desabrigo de pessoas em plena pandemia. Mas Zema não apenas desrespeitou o
prometido como deixou a polícia militar fazer uma verdadeira guerra psicológica
contra os moradores por três dias seguidos – de quarta-feira (12/08) até
sexta-feira no final da tarde.
“Despejar
não é atividade essencial”, diz o bispo.
A
promessa do prefeito foi feita ao bispo da diocese de Campanha (que engloba a
região do acampamento), dom Pedro Cunha Cruz. Em pronunciamento por áudio aos
demais bispos do país, dom Pedro, da ala conservadora da igreja, relatou sua
conversa com o prefeito, na manhã de quinta-feira, quando ouviu que a operação
já tinha ocorrido. O que não correspondeu à verdade:
“Em
conversa com o prefeito Robson, de Campo do Meio, o mesmo assegurou que o
despejo foi realizado ontem (12/08) somente nas residências de seis famílias
que ocupavam uma área de propriedade privada, mas que não têm nenhuma relação
com as 450 famílias que ocupam a área da antiga usina. A prefeitura de Campo do
Meio já acolheu as três famílias despejadas deste terreno. Portanto, as 450
famílias da área da usina ainda permanecem no local e provavelmente sofrerão
alguma ação judicial no pós pandemia”.
Dom
Pedro terminou sua mensagem aos irmãos do episcopado prometendo genericamente
seguir “rezando por estas famílias dentro do espírito do Pacto pela Vida e da
ética do cuidado, como pede o nosso querido Papa Francisco”.
Do GGN
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