quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

O HOMEM MEDÍOCRE E A ELITE BRASILEIRA, POR JORGE ALEXANDRE NEVES

A coluna de Eliane Brum, publicada no El País, intitulada “O homem mediano assume o poder”  traz uma análise muito interessante e profunda sobre as razões pelas quais o brasileiro mediano votou em Jair Bolsonaro para presidente da República (*). Eu gostaria, contudo, de levantar uma reflexão sobre as elites nacionais e seu apoio maciço a Bolsonaro. Por que tanto a plutocracia quanto boa parte das oligarquias regionais e, talvez mais interessante, a elite dos “bacharéis”, aderiram à candidatura e ao governo do capitão reformado?
Como disse Eliane Brum em seu artigo, a principal marca de Jair Bolsonaro é a mediocridade. Nunca se destacou em nada que fez na vida. Foi um militar absolutamente irrelevante, tendo saído para a reserva com uma das mais baixas patentes do oficialato. Como deputado federal por quase três décadas, sempre participou do chamado “baixo clero” da casa. Por que os donos do dinheiro, os donos do poder e os sábios de plantão decidiram apoiar alguém tão desprovido de virtudes? A figura mais medíocre a chegar à presidência da República, no Brasil. Acho que, como têm pontuado alguns (entre eles Mino Carta), as elites nacionais passaram por um forte processo de decadência cultural e de liderança, nas últimas décadas.
Há alguns anos atrás, realizamos na FAFICH/UFMG uma pesquisa com amostragem probabilística da população adulta da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Entre os temas pesquisados estava o dos gostos e práticas culturais. Assessorando a análise de dados de colegas professores e alunos que se dedicaram ao tema, me chamou a atenção que não havia uma clivagem cultural profunda entre os estratos socioeconômicos mais baixos e a elite. Nada parecido com o que Pierre Bourdieu encontrou na França dos anos 1970. No máximo, a elite parecia ter um gosto cultural mais “onívoro” (me parece que era o termo utilizado pelos especialistas) do que os membros das “classes populares”. Nossa elite econômica, política e cultural se mediocrizou e, assim como o homem mediano, não se choca ou sente desconforto com uma figura tosca e boçal como Jair Bolsonaro. O anti-intelectualismo contaminou praticamente toda a elite nacional, inclusive boa parte dos “bacharéis”. Paralelamente, viu-se essa elite perder capacidade de liderança e se afastar por completo de qualquer compromisso com um projeto de nação.
No caso da plutocracia, gosto de propor uma comparação entre a figura símbolo do empresariado nacional de hoje e do nosso passado recente. Durante todo o último quartel do século XX, Antônio Ermírio de Moraes foi o grande símbolo do empresariado nacional. Um típico “capitão da indústria”, líder inconteste e um pensador pragmático dos problemas do país e de projetos para sua superação. Figura austera, viveu toda sua vida profissional no país, com fortes laços sociais e políticos em seu meio. Hoje, o grande líder empresarial brasileiro é Jorge Paulo Lemann, uma figura quase que estranha ao Brasil. Com vínculos mais fortes com o setor financeiro do que com a economia real. Ambos estudaram nos EUA, mas ao contrário de Antônio Ermírio e seus inegáveis vínculos com o país, Lemann não vive no Brasil e parece realmente ver o país basicamente como um lugar para ganhar dinheiro (todo seu investimento em think tanks pode ser apenas voltado para o mesmo objetivo).
Se este é nosso grande líder empresarial hoje, o que dizer do restante. Durante as investigações do “joesleygate”, pudemos ver a vulgaridade de uma figura que está entre os grandes empreendedores do Brasil hoje. O mesmo pode-se ver em indivíduos que apoiaram fortemente a candidatura de Bolsonaro, como é o caso do empresário Luciano Hang, figura absolutamente tosca e brutalizada, que chegou ao ponto de coagir seus empregados a votar em seu candidato. A plutocracia nacional viu em Bolsonaro a chance de empurrar sua agenda de precarização e superexploração do trabalho. Como boa parte é do setor de varejo, só sua enorme limitação intelectual pode explicar não perceberem o quanto isso é uma faca de dois gumes. Mas, esse é um velho problema de ação coletiva conhecido por nós cientistas sociais.
Os “bacharéis”, por sua vez, de fato já não são os mesmos. Historicamente, se sentiam (e talvez ainda se sintam, em um profundo ataque de autoengano) com o “encargo de civilizar a nação”, como bem colocado por Luiz Felipe de Alencastro. Hoje, estão mais próximos de serem os maiores responsáveis pela interrupção de nosso incipiente processo civilizatório.
Os “bacharéis”, como os membros de todo o estamento burocrático e profissional, têm – assim como os plutocratas que estão pensando nos benefícios financeiros que podem extrair da precarização do trabalho – razões objetivas para apoiar Jair Bolsonaro. Talvez até razões ainda mais fortes. Como têm no status, na distinção, um fator fundamental de sua realização humana, da constituição de sua dignidade, têm razões bastante claras para fazerem uma opção tão conservadora. Francis Fukuyama, em seu livro “As origens da ordem política”, clarifica esse ponto de forma brilhantemente didática: “(...) só é possível ter status elevado se todos os outros têm status mais baixo (...) a luta por status tem soma zero, onde se um jogador ganha, o outro necessariamente perde” (p. 477). O estamento burocrático e profissional brasileiro passou a travar um conflito de status com os membros dos estratos socioeconômicos inferiores que jamais imaginou que precisaria enfrentar, até menos de duas décadas atrás.
O estamento se mostrou extremamente competente para ocupar espaços de poder no Estado. Ao estamento jurídico se soma agora a volta entusiasmada do estamento militar, tendo objetivos muito claros, como podemos ver esta semana, a partir de todos aqueles discursos sobre a necessidade de serem excluídos da reforma da previdência. Entram com tudo na guerra por mais e mais privilégios. Todavia, assim como seus atuais professores – os membros do estamento jurídico – estão, a exemplo da plutocracia, mergulhando em um problema de ação coletiva. Vão acabar matando a galinha dos ovos de ouro! 
(*) Não fiquei muito satisfeito com sua explicação para o caso específico das mulheres. Mas, isso seria assunto para outra coluna.
Do GGN

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