A
coluna de Eliane Brum, publicada no El País, intitulada “O homem mediano assume
o poder” traz uma análise muito interessante e profunda sobre as
razões pelas quais o brasileiro mediano votou em Jair Bolsonaro para presidente
da República (*). Eu gostaria, contudo, de levantar uma reflexão sobre as
elites nacionais e seu apoio maciço a Bolsonaro. Por que tanto a plutocracia
quanto boa parte das oligarquias regionais e, talvez mais interessante, a elite
dos “bacharéis”, aderiram à candidatura e ao governo do capitão reformado?
Como
disse Eliane Brum em seu artigo, a principal marca de Jair Bolsonaro é a
mediocridade. Nunca se destacou em nada que fez na vida. Foi um militar
absolutamente irrelevante, tendo saído para a reserva com uma das mais baixas
patentes do oficialato. Como deputado federal por quase três décadas, sempre
participou do chamado “baixo clero” da casa. Por que os donos do dinheiro, os
donos do poder e os sábios de plantão decidiram apoiar alguém tão desprovido de
virtudes? A figura mais medíocre a chegar à presidência da República, no
Brasil. Acho que, como têm pontuado alguns (entre eles Mino Carta), as elites
nacionais passaram por um forte processo de decadência cultural e de liderança,
nas últimas décadas.
Há
alguns anos atrás, realizamos na FAFICH/UFMG uma pesquisa com amostragem
probabilística da população adulta da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Entre os temas pesquisados estava o dos gostos e práticas culturais.
Assessorando a análise de dados de colegas professores e alunos que se
dedicaram ao tema, me chamou a atenção que não havia uma clivagem cultural
profunda entre os estratos socioeconômicos mais baixos e a elite. Nada parecido
com o que Pierre Bourdieu encontrou na França dos anos 1970. No máximo, a elite
parecia ter um gosto cultural mais “onívoro” (me parece que era o termo
utilizado pelos especialistas) do que os membros das “classes populares”. Nossa
elite econômica, política e cultural se mediocrizou e, assim como o homem mediano,
não se choca ou sente desconforto com uma figura tosca e boçal como Jair
Bolsonaro. O anti-intelectualismo contaminou praticamente toda a elite
nacional, inclusive boa parte dos “bacharéis”. Paralelamente, viu-se essa elite
perder capacidade de liderança e se afastar por completo de qualquer
compromisso com um projeto de nação.
No
caso da plutocracia, gosto de propor uma comparação entre a figura símbolo do
empresariado nacional de hoje e do nosso passado recente. Durante todo o último
quartel do século XX, Antônio Ermírio de Moraes foi o grande símbolo do
empresariado nacional. Um típico “capitão da indústria”, líder inconteste e um
pensador pragmático dos problemas do país e de projetos para sua superação.
Figura austera, viveu toda sua vida profissional no país, com fortes laços
sociais e políticos em seu meio. Hoje, o grande líder empresarial brasileiro é
Jorge Paulo Lemann, uma figura quase que estranha ao Brasil. Com vínculos mais
fortes com o setor financeiro do que com a economia real. Ambos estudaram nos
EUA, mas ao contrário de Antônio Ermírio e seus inegáveis vínculos com o país,
Lemann não vive no Brasil e parece realmente ver o país basicamente como um
lugar para ganhar dinheiro (todo seu investimento em think tanks pode ser
apenas voltado para o mesmo objetivo).
Se
este é nosso grande líder empresarial hoje, o que dizer do restante. Durante as
investigações do “joesleygate”, pudemos ver a vulgaridade de uma figura que
está entre os grandes empreendedores do Brasil hoje. O mesmo pode-se ver em
indivíduos que apoiaram fortemente a candidatura de Bolsonaro, como é o caso do
empresário Luciano Hang, figura absolutamente tosca e brutalizada, que chegou
ao ponto de coagir seus empregados a votar em seu candidato. A plutocracia
nacional viu em Bolsonaro a chance de empurrar sua agenda de precarização e
superexploração do trabalho. Como boa parte é do setor de varejo, só sua enorme
limitação intelectual pode explicar não perceberem o quanto isso é uma faca de
dois gumes. Mas, esse é um velho problema de ação coletiva conhecido por nós
cientistas sociais.
Os
“bacharéis”, por sua vez, de fato já não são os mesmos. Historicamente, se
sentiam (e talvez ainda se sintam, em um profundo ataque de autoengano) com o
“encargo de civilizar a nação”, como bem colocado por Luiz Felipe de
Alencastro. Hoje, estão mais próximos de serem os maiores responsáveis pela
interrupção de nosso incipiente processo civilizatório.
Os
“bacharéis”, como os membros de todo o estamento burocrático e profissional,
têm – assim como os plutocratas que estão pensando nos benefícios financeiros
que podem extrair da precarização do trabalho – razões objetivas para apoiar
Jair Bolsonaro. Talvez até razões ainda mais fortes. Como têm no status, na
distinção, um fator fundamental de sua realização humana, da constituição de
sua dignidade, têm razões bastante claras para fazerem uma opção tão
conservadora. Francis Fukuyama, em seu livro “As origens da ordem política”,
clarifica esse ponto de forma brilhantemente didática: “(...) só é possível ter
status elevado se todos os outros têm status mais baixo (...) a luta por status
tem soma zero, onde se um jogador ganha, o outro necessariamente perde” (p.
477). O estamento burocrático e profissional brasileiro passou a travar um
conflito de status com os membros dos estratos socioeconômicos inferiores que
jamais imaginou que precisaria enfrentar, até menos de duas décadas atrás.
O
estamento se mostrou extremamente competente para ocupar espaços de poder no
Estado. Ao estamento jurídico se soma agora a volta entusiasmada do estamento
militar, tendo objetivos muito claros, como podemos ver esta semana, a partir
de todos aqueles discursos sobre a necessidade de serem excluídos da reforma da
previdência. Entram com tudo na guerra por mais e mais privilégios. Todavia,
assim como seus atuais professores – os membros do estamento jurídico – estão,
a exemplo da plutocracia, mergulhando em um problema de ação coletiva. Vão
acabar matando a galinha dos ovos de ouro!
(*)
Não fiquei muito satisfeito com sua explicação para o caso específico das
mulheres. Mas, isso seria assunto para outra coluna.
Do
GGN
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