Na Folha de hoje,
Vinícius Torres Freire analiasa a “A reforma dos pobres e miseráveis“.
Estamos falando aqui de
idosos e deficientes muito pobres e trabalhadores rurais. A reforma Bolsonaro-Guedes
deve ser podada por aí.
Para pensar um pouco no
problema, é preciso considerar alguns dados básicos sobre o sistema de
assistência social bancado pelo governo federal.
O Bolsa Família paga em
média R$ 187,56 por mês a cada uma das 13,9 milhões de famílias miseráveis
atendidas pelo programa (quase 50 milhões de pessoas). Na conta para o ano
inteiro, custa pouco mais de R$ 31 bilhões.
O INSS paga benefícios
a idosos de 65 anos ou mais e a deficientes muito pobres de qualquer idade.
Chamados de BPC
(Benefício de Prestação Continuada), atendem cerca de 4,7 milhões de pessoas,
43% delas idosas, que recebem um salário mínimo mensal (R$ 998, em 2019). A
conta anual foi de R$ 57 bilhões em 2018.
Na reforma
Bolsonaro-Guedes, idosos muito pobres teriam direito a BPC a partir de 60 anos,
mas de apenas R$ 400 por mês. A partir dos 70, um salário mínimo. Há grita
quase geral.
A disparidade dos
valores de BPC e Bolsa Família ajuda a entender a lógica de fundo da reforma,
embora não a sua implicação ou justificação prática imediata.
A questão é: como se
trata de assistência social para gente quase tão igualmente miserável, por que
não equilibrar os sistemas? Por que não pagar benefícios parecidos para idosos
e crianças (beneficiárias do Bolsa Família)? No entanto, o Bolsa Família não
vai aumentar mais.
A conversa fica mais
complicada quando se trata também da Previdência rural. É na prática um
programa de assistência, pois os beneficiários contribuem com quase nada.
Dos aposentados rurais,
apenas 0,3% se aposenta por tempo de contribuição, 7,5% por invalidez e o
restante por idade. Na reforma Bolsonaro-Guedes, a idade vai aumentar e, ao que
parece, vai ser mesmo exigido o muito difícil tempo de contribuição de 20 anos.
Se for para valer, as
novas aposentadorias rurais cairiam quase a zero. Elas representam uns três
quartos da despesa previdenciária rural total, que foi de mais de R$ 125
bilhões em 2018 (inclui pensões e outros auxílios), pagos a 9,5 milhões de
pessoas.
Primeira pergunta: tem
cabimento pagar menos de R$ 998 a essas pessoas?
Segunda: mas tem
cabimento pagar R$ 187,56 para famílias com crianças?
Terceira: por que não
pagar mais para o Bolsa Família e apenas um pouco menos para o restante da
assistência (que em boa teoria e prática deve pagar menos que a Previdência)?
Os BPC representam 10%
do valor total dos benefícios pagos e afetados pela reforma (excluído o abono
salarial); vão custear uns 8% da economia da reforma. Parece proporcional, mas
não é, pois se trata de gente muito pobre.
Como evitar o talho nos
mais pobres? Mesmo mais imposto apenas atenuaria de leve o problema.
O sistema de
assistência brasileiro foi montado em camadas arqueológicas, de partes
incongruentes, e causa iniquidade mesmo entre miseráveis. O sistema de
Previdência, por sua vez, privilegia os mais ricos, servidores em particular. O
sistema tributário privilegia ricos e muitos ricos.
Está tudo errado, e o
país decidiu (ou parece que decidiu) consertar parte do problema em um momento
de colapso financeiro dos governo e estagnação econômica de gravidade secular.
A solução disso é quase
uma guerra civil por outros meios.
Tijolaço
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