sexta-feira, 6 de novembro de 2020

A PESADA HERANÇA ECONÔMICA DE TRUMP, POR LUIS NASSIF

Segundo Roubini, não se espera de Biden grandes movimentos radicais. Mas um conjunto consistente de políticas fiscais direcionado às famílias, trabalhadores e pequenas empresas, gastos com infraestrutura, geradoras de empregos, e investimentos na economia verde.

Ontem, à noite, as três redes nacionais de televisão dos Estados Unidos protagonizaram episódio histórico: interromperam uma transmissão de coletiva de Donald Trump e informaram seus telespectadores que o presidente estava mentindo.

A política sempre foi um terreno caro para a hipocrisia. Nem se pense em visões depreciativas do exercício da política. Há acordos que só se fazem em privado, promessas jamais cumpridas, que só valem para efeito eleitoral.

Mas de alguns anos para cá, estimulada pela desestruturação da informação pelas redes sociais, a mentira explícita passou a ser instrumento político. Antes, um político flagrado em mentira explícita (não confundir com promessas impossíveis) estava destruído.  A estratégia desenvolvida pela ultradireita americana, e disseminada pelo mundo, normalizou a mentira explícita.

Quando se trata da economia, o jogo é mais disseminado, pela defasagem temporal entre medidas e consequências facilitando narrativas falsas.

É o caso do apregoado sucesso econômico de Trump no período pré-pandemia. Ele herdou uma economia pujante, preparada no governo Barack Obama na resposta à crise de 2008. E deixou inúmeras bombas de efeito retardado.

A maneira imediatista como atuou, respondendo às demandas de empresas amigas ou do eleitorado, desestruturou o equilíbrio herdado de Barack Obama.

Segundo o Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, sob Trump cerca de 30 milhões de residentes dos EUA passaram a viver em famílias sem alimentos suficientes. A maioria dos que estão na metade inferior da pirâmide de renda vive de salário em salário, em um momento em que Trump não apenas cortou os impostos corporativos mas também implementou políticas que recairão sobre os mais vulneráveis. O número de americanos sem seguro de saúde aumentou em milhões, depois de cair na administração Obama. Com isso, a expectativa média de vida caiu abaixo do nível de meados da década de 2010.

Uma outra frente de destruição foram os ataques sistemáticos às instituições norte-americanas – comportamento em tudo similar ao seu clone, Jair Bolsonaro. Atacou o FBI, o Centro Para Controle e Prevenção das Doenças. No plano internacional, estimulou o aparecimento de lideranças fascistas.

Seu pior ato foi a tentativa de eliminar o programa DACA, para estrangeiros que foram trazidos para os EUA quando crianças e ainda não obtiveram documentos. Mesmo criados nos EUA, enfrentam as ameaças da deportação.

Na outra ponta, implementou cortes agressivos de impostos corporativos sob a falsa promessa de que geraria mais investimento, crescimento e emprego. Trouxe apenas mais concentração de renda e o aumento do déficit fiscal, a um custo de US$ 1,5 trilhão. Foram criados menos empregos do que nos últimos três anos do governo Obama.

Um segundo abuso foram os favores prestados a grupos econômicos de amigos e aliados. Especialistas apontaram nesse tipo de política um desestímulo ao empreendedorismo e à inovação.

Para reduzir o déficit comercial, promoveu terremotos no comércio mundial e um aumento das tensões com a China. E em apenas três anos, o déficit comercial aumentou em mais de 12%. E não se concretizou a promessa de criação de empregos.

Como anotou o cientista Michael Lewis, o  país agora está sofrendo de umapandemia e permanece totalmente à mercê de uma iminente crise climática, crises socioeconômicas e crises de democracia e justiça racial, sem mencionar as divisões emergentes entre urbano e rural, litoral e interior, jovens e velho.

A partir desse histórico terrível, alguns economistas mais progressistas apostam as fichas em Biden. Julgam que combaterá a desigualdade crescente de renda, encarará as ameaças ambientais, retornará ao Acordo do Clima – do qual os EUA se afastaram nos últimos dias.

Mas o ponto central é a economia. Diz o Nobel de Economia, Edmund Phelps que desde os anos 70 os EUA convivem com a estagnação virtual da economia . Aumenta a frustração dos assalariados, a falta de perspectivas das famílias.

Essa mesma visão sobre o marketing dos republicanos, de serem melhores administradores da economia, foi criticada também por Noriel Roubini, que se tornou conhecido ao prever a crise de 2008.  Constatou ele que as piores recessões dos EUA quase sempre ocorreram em governos republicanos .

A razão é simples: movimentos especulativos estimulados por políticas regulatórias frouxas  promovendo crises financeiras.

Barack Obama herdou de George W. Bush a pior recessão desde a Grande Depressão, diz ele,. No início de 2009 a taxa de desemprego estava em 10% e o mercado de ações caía quase 60%. Situação totalmente distinta do início de 2017, quando o bastão foi passado para Trump.

Segundo Roubini, não se espera de Biden grandes movimentos radicais. Mas um conjunto consistente de políticas fiscais direcionado às famílias, trabalhadores e pequenas empresas, gastos com infraestrutura, geradoras de empregos, e investimentos na economia verde.

Há uma demanda dos democratas por salários mínimo mais altas, para aumentar a renda do trabalho e o consumo. Defendem também proteção para os poupadores vítimas de instituições financeiras predatórias.

Em relação à China, diz Roubini, haveria uma política de “coopetição”, de uma cooperação competitiva.

Do GGN

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