terça-feira, 27 de abril de 2021

AS DENÚNCIAS CONTRA BOLSONARO E A XEPA DA PRIVATIZAÇÃO, POR LUIS NASSIF

Jair Bolsonaro, durante cerimônia comemorativa do Dia do Exército, com a Imposição da Ordem do Mérito Militar e da Medalha do Exército Brasileiro - Fotos Públicas.

Nos últimos dias ocorreram fenômenos curiosos na mídia.

De um lado, viúvas da Lava Jato bradando aos quatro ventos que o combate à corrupção no Brasil foi prejudicado com a suspeição de Sérgio Moro pelo Supremo Tribunal Federal (STF). 

O bravo Ministro Luís Roberto Barroso, um Dorian Gray contemporâneo – tentando emular o líder estudantil que foi, para se tornar permanentemente jovem -, sustentou que, depois da Lava Jato, não se pratica a corrupção no país com a mesma desenvoltura de antes.

Diz isso e um delegado da Polícia Federal vai ao Congresso e acusa o Ministro do Meio Ambiente de ter interferido na maior apreensão de madeira ilegal da Amazonia. Ricardo Salles foi até o local e avalizou a madeira tombada, como sendo legal. Segundo o delegado, ainda não tinha aparecido sequer o proprietário de 70% da madeira apreendida. E a maior madeireira da região acumula mais de 20 multas do IBAMA. Efetivamente um crime de responsabilidade à luz do dia, sob silêncio do nosso Dorian Gray.

Em paralelo, o site The Intercept, com base em informações do Ministério Púbico Estadual do Rio de Janeiro, levanta indícios veementes de ligação da quadrilha de Adriano Nóbrega – o chefe do Escritório do Crime, morto na Bahia – com o “homem da casa de vidro” que tudo indica ser o Palácio do Planalto. Ou seja, indícios veementes das ligações atuais do presidente da República com o Escritório da Morte. Silêncio sepulcral da parte dos varões de Plutarco, silêncio da mídia, mostrando que o Brasil de Noel Rosa continua presente: por aqui tudo se compra e tudo se vende. 

O que faremos com o escândalo? Vamos usá-lo para acelerar os negócios da privatização, é claro. Se se aciona a bomba, ela mata e governo morto interrompe os negócios. Então é mais efetivo manter a bomba à mão, com o governo sabendo que poderá ser acionada a qualquer momento. E deixá-lo continua exterminando CPFs.

Essa é a quadra atual em que se encontra o país. Some-se a politização extremada da Justiça Federal, com um juiz, polêmico ex-presidente da AJUFER (Associação dos Juízes Federais da 1a Região) expondo sua corporação ao ridículo, concedendo uma liminar-cloroquina, para impedir a eleição do senador Renan Calheiros como relator da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito). Sendo que sequer há eleição para relator, que é escolha pessoal do presidente eleito para a CPI.

Esse é o caos político-jurídico em que o país se meteu, depois que a Lava Jato foi utilizada como gazua para implodir o sistema político brasileiro.

O que se tem, agora, é uma xepa, com mercado, mídia, grupos financeiros saindo atrás dos últimos negócios, antes que o sistema institucional brasileiro se recomponha. E tome brasileiro morrendo de Covid ou morrendo de fome.

Enquanto isto, o espertíssimo Ministro Luiz Edson Fachin, para salvar o ex-juiz Sérgio Moro, abre a garrafa e deixa escapar Lula. Não foi para reparar injustiças, para recompor o sistema político, mas apenas para salvar seu verdugo. E o país de Macunaíma tenta escrever o certo por linhas tortas, começando a reconstruir uma alternativa ao bolsonarismo.

É nesse quadro que se deve analisar os últimos dados sobre 2022, o crescimento de Lula não apenas nas redes sociais, mas junto ao sistema. Segundo informações vazadas para a imprensa, Lula já está em reuniões com empresários, embaixadores estrangeiros.

Imediatamente, o exército de robôs turbinados pela mídia, chamados de “presenciáveis 2G”, se desfez nas brumas do tempo. E o espirito de Macunaíma descobre a solução mágica. Se o país está polarizado, entre Lula e Bolsonaro, venda-se a ideia de que Bolsonaro não irá para o 2o turno. Não indo, restará Lula. Substitui-se o antibolsonarismo e se repõe o antilulismo. E, aí, os bravos Fachin e Barroso pensam em uma estratégia mais eficiente para reativar a proibição de Lula concorrer.

É nesse quadro típico de republiqueta latino-americana que se move a economia.

Nos próximos meses, o país terá que escolher entre recompor o sistema político-partidário ou continuar a xepa. Mas toda xepa tem vida curta.

GGN.

segunda-feira, 26 de abril de 2021

LAVA JATO PASSADA A LIMPO NO ESCANDALOSO ACOBERTAMENTO DA TRAFIGURA, POR LUIS NASSIF

Se Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Procuradoria Geral da República quiserem, de fato, investigar os mal feitos da Lava Jato Curitiba, debrucem-se sobre o escandaloso acobertamento da Trafigura.

Ontem, a Bloomberg noticiou mais um cerco sobre Isabel Santos, filha do ex-presidente de Angola que, durante a gestão de seu pai, acumulou uma fortuna bilionária.

A principal beneficiária das tramoias de Isabel Santos foi a Trafigura, comercializadora de petróleo, uma das 50 maiores empresas do ranking da Standard & Pors. Compreensivelmente, o nome da empresa não é mencionado na reportagem.

A Trafigura é um dos exemplos mais nefastos da financeirização da economia mundial. Fundada por operadores financeiros, começou a atuar na comercialização de petróleo, dentro do processo que tornou o mercado de petróleo um ativo financeiro, sujeito a enorme volatilidade.

Mais que isso, virou uma máquina de corrupção e de atentados ao meio ambiente. Foi o principal ator da corrupção de Angola, conseguindo o controle da prospecção, importação de petróleo e de obras de infraestrutura. Seus concorrentes maiores eram a Petrobras, na área de petróleo, e Odebrecht, na área de engenharia. Os ataques ao meio ambiente custaram a prisão do seu sócio e fundador

A Lava Jato bateu no coração da Trafigura quando deteve Mariano Marcondes Ferraz. Lobista carioca, Mariano foi o principal organizador da mega corrupção em Angola. Como recompensa, ascendeu ao cargo de membro do board mundial da Trafigura.

Marcondes Ferraz foi denunciado por Paulo Roberto Costa e outros executivos da Petrobras como o intermediário da Trafigura junto à Petrobras. Foi preso nessa condição. De advogados que acompanhavam a Lava Jato ouvi o diagnóstico definitivo: agora, a Lava Jato bateu no centro de corrupção da Petrobras. De fato, o dinheiro envolvido na comercialização de petróleo era imensamente superior aos valores da construção civil. E tinha-se na linha de frente algumas das empresas mais suspeitas do planeta, além da Trafigura, a Glencore.

Repare bem: a Petrobras não é uma empresa corrupta, é vítima de corrupção. Ou seja, a corrupção ocorrida era contra a Petrobras. Já a Trafigura tem a corrupção na veia, como comprovaram os escândalos de Angola.

Na ocasião da prisão de Marcondes Ferraz, as principais publicações econômicas mundiais ressaltaram o fato de pertencer ao board da Trafigura. Principal operador de Mariano na Petrobras, em seu depoimento Paulo Roberto Costa ligou-o de forma explícita à Trafigura. Mesmo assim, Mariano Ferraz foi libertado poucos dias depois e o seu inquérito mudou de objeto: em vez de representante da Trafigura, passou a ser processado por um bico que fez para uma empresa italiana, a Decal, no porto de Suape. Nesse caso, tinha uma taxa de sucesso de 5% da operação.

Ao contrário da Petrobras, a Trafigura foi totalmente blindada, não apenas no inquérito mas na divulgação de dados. Marcondes Ferraz foi liberado pouco tempo depois, mediante depósito de fiança – benefício que não foi estendido à maioria dos presos pela Lava Jato.

No seu depoimento, Mariano fala dos contatos com Paulo Roberto e do fato de ele estar muito mais ligado aos negócios da comercialização – justamente a área de atuação a Trafigura. No seu interrogatório, em nenhum momento aparece o nome da Trafigura – apesar do próprio Paulo Roberto ter mencionado em seu primeiro depoimento. Mariano admite que não houve nenhuma melhora nos pagamentos à Decal, mostrando que as tratativas não foram eficientes. Durante cinco anos, a Petrobras continuou pagando a mesma tarifa à Decal. Mesmo assim, a Lava Jato aceitou sua versão, de que as propinas referiam-se aos negócios da Decal.

No depoimento, Marcondes Ferraz faz questão de enfatizar que todas as contas identificadas na Suiça eram dele. Sustentou que nem a Decal tinha informações sobre as propinas. Todos os pagamentos saiam das contas pessoais dele.

Na ocasião, mostramos todos os dados das ligações da Marcondes Ferraz com a Trafigura. Houve silêncio absoluto da mídia e da Lava Jato. As reportagens chamaram a atenção de jornalistas estrangeiros, ligados a ONGs ambientais. As denúncias de sua atuação em Angola foram levantadas a partir de trabalhos de blogueiros nacionais.

No depoimento de Marcondes Ferraz, as perguntas do procurador são ridículas. Em que ano saiu do Brasil? As contas na Suíça têm sua identificação? Na sequencia, o procurador pede que Mariano diga qual o ganho que a Petrobras teve com o contrato da Petrobras.. Levanta a bola para Mariano fazer uma belíssima propaganda do terminal da Decal. Nenhuma preocupação em levantar, junto aos procuradores da Suíça, os pagamentos da Trafigura a Mariano. 

A brava equipe de repórteres investigativos, repassadores de releases da Lava Jato, em nenhum momento questionou o inquérito.

Nos meses seguintes, a Petrobras começou a vender ativos na América Latina. A principal candidata às compras foi justamente a Trafigura.

Agora que acabou a blindagem da Lava Jato, é preciso que se vá fundo sobre os motivos de se poupar a Trafigura.

Outras reportagens do Jornal GGN sobre o tema:

Xadrez da Lava Jato e da Corrupção em Angola – Capítulo 1

Xadrez da Lava Jato e a corrupção em Angola – Capítulo 2

Ha corrupção nos EUA? Sim, tem muita e é legal, por André Araújo

Xadrez da Petrobras e a maior corrupção do planeta

Moro condena Mariano Marcondes e livra a Trafigura

GGN.

‘OSCAR’ DE MELHOR ROTEIRO PARA A CPI DA COVID-19 VAI PARA O PLANALTO, POR FERNANDO BRITO

Ótimo trabalho do repórter Rubem Valente, no UOL – logo confirmado e reproduzido pelos demais veículos de imprensa – revelou a planilha de 23 acusações das quais o governo Bolsonaro tentará se defender na CPI da Covid.

Com o favor do governo em elaborá-lo, faz-se assim o longo roteiro do documentário de horrores que foram as ações, omissões e os requintes de maldade do atual presidente, com 23 situações que compõem o fio principal: como um homem manipulou uma catástrofe sanitária para obter dela o combustível de seu projeto autoritário de poder, obtido pela fermentação do ódio, com a levedura da estupidez e do calor de uma sempre ameaçada intervenção militar.

Pois é esse roteiro que já está se desenvolvendo e toma corpo a partir de amanhã, com a instalação da CPI, tendo como ponto central seu item 11 – “O governo politizou a pandemia” – em torno do qual se desenvolvem as várias tramas que a isso conduzem.

Esta é a questão central: por que se praticou o negacionismo, o charlatanismo, a incitação ao uso das Forças Armadas, a militarização do Ministério da Saúde, a procrastinação na compra das vacinas e tudo o mais?

A resposta, já evidente, é essa: a de tirar proveito político do desespero da população diante de uma catástrofe, usando-a para exacerbar os conflitos políticos.

É evidente que o Brasil teria perdas, como todos os países do mundo tiveram, com a pandemia. O fato é que aqui ela foi potencializada pelos objetivos político do Sr. Jair Bolsonaro.

A pandemia contou aqui com a ajuda de uma “pedalada mortal”.

Tijolaço.

domingo, 25 de abril de 2021

A CLASSE MÉDIA “JÓIA DA COROA DOS GOVENOS DO PT” QUE FOI AO INFERNO EM BUSCA DE LUZ, POR FERNANDO BRITO

Extensa reportagem de Fernando Canzian, com muitos dados estatísticos, na Folha de hoje, mostra o inferno em que foi lançada – ou lançou-se – a pequena classe média, brasileira, que os governos do PT julgavam a “jóia da coroa” de seu governo desenvolvimentista.

O número de famílias na “Classe C”, com renda familiar mensal até 8.300 (note que isso era quase oito mínimos, em 2020), desabou 32%, mesmo tendo o “reforço” das famílias de Classe A/B que migraram para o patamar abaixo.

Daí que cresceram em 33,3 milhões de famílias as que estão nas classes “D” e “E”, com ingressos mensais de até R$ 1,92 mil e até, R$ 1,2 mil.

Sim, foi neste grupo, cuja ascensão deu-se sob Lula, que Bolsonaro inflou seu discurso de ódio e abocanhou a presidência.

A jovem classe média ascendente, como Esses Moços de Lupicínio Rodrigues, deixaram o Céu por escuro e foram ao inferno em busca da luz moralista que Moro levantava de Curitiba.

E vai piorar:

Enquanto classes mais favorecidas começam a estabilizar a renda ou a obter ganhos, as classes D e E —cada vez mais numerosas— devem amargar nova queda de quase 15% em seus rendimentos neste ano.

Mais, é um problema que se retroalimenta:

Mais pobre, a gigantesca população de baixa renda consumirá menos, exigindo menos investimentos e contratações de novos empregados pelo setor produtivo.

No entanto, todo o discurso que vemos dos “grandes economistas” se volta para o corte, o arrocho, a contração dos gastos públicos, uma espécie de dieta “low carb” para quem está anoréxico.

Só aqui, claro, porque a política de subsídios – trilhões de dólares – de Joe Biden é saudada como chave para a recuperação econômica dos EUA.

Repare como todos aqueles que atribuem ao quadro internacional de valorização das commodities o sucesso econômico do Brasil nos anos Lula não abrem a oca para falar que se vive, naqueles mercados, uma situação ainda melhor sem que isso alivie nossa desgraça econômica.

Não é a atração do capital financeiro internacional que trará a recuperação da economia brasileira, mas o inverso: é voltarmos a ser um país de 220 milhões de pessoas – e não um mercado de consumo de 70 ou 80 milhões de pessoas apenas – que nos tornará atrativos e não um inferno do qual, como estamos assistindo a toda hora, um país que perde investimentos produtivos, que expulsa fábricas como se viu ocorrer, ainda esta semana com a cimenteira francesa LafargeHolcim, que foi se juntar à fila de embarque onde já estavam a Sony , a Ford , a LG e a Mercedes-Benz.

Tijolaço.

O QUE A MÍDIA ESCONDE QUANDO FALA “O AGRO É POP”. POR TELMA DOMINGUES

Aumenta quantidade de agrotóxicos liberados pela Anvisa; Mogi tem programa para conscientizar agricultores — Foto: Reprodução/TV Diário.

Em 2020 e agora em 2021, anos em que vivemos a pandemia, e com ela a pior crise econômica e humanitária a nível planetário, nós no Brasil presenciamos sucessivas safras recordes de grãos. O feito é noticiado, ou, mais do que isso, alardeado, comemorado, exibido como um troféu. E os números, impressionantes, estão ainda em crescimento: “A safra nacional de grãos deve atingir mais um recorde, o terceiro consecutivo, neste ano, com 260,5 milhões de toneladas, um crescimento de 2,5% em relação a 2020”. Importante seria alardear, junto a esses números, outros: qual o montante da fortuna arrecadada com as exportações de grãos, dado o câmbio atual? quantos brasileiros se beneficiam dessa fortuna?

Mas parece não haver nessa falta nenhum incômodo, basta aos brasileiros ter notícia dessa “nossa riqueza”.

A propaganda do agronegócio, de uma campanha já antiga, de 2017, circulou fortemente na Rede Globo no ano passado e início deste: “Agro é Pop, Agro é Tech, Agro é tudo”. Sim, é uma propaganda, mas é de responsabilidade de uma determinada empresa jornalística, que, em sua difusão por todo o imenso território, denota de maneira flagrante esse traço subdesenvolvido e antidemocrático de nossa Comunicação. A campanha intitula-se “Agro: a Indústria-Riqueza do Brasil”, numa significação que afirma sem rodeios a agricultura como uma indústria, aliás a mais rica – e isso é mesmo certo, depois do desmonte da indústria brasileira que a Lava-Jato promoveu, atingindo diversos setores industriais.

De acordo com Roberto Schmidt (diretor de marketing da TV Globo), o objetivo da iniciativa é conectar o consumidor com o produtor rural e ao mesmo tempo desmistificar a produção agrícola aos olhos da sociedade urbana – dado o conjunto da obra, “desmistificar” deveria ser mostrar a agricultura não só como uma indústria, mas como uma indústria moderna, confrontando um imaginário de rural como não-tecnológico, atrasado. “Queremos mostrar que a riqueza gerada pelo agronegócio movimenta os outros setores da economia”, salientou, acrescentando que: “a ideia é fazer com que o brasileiro tenha orgulho do agro”.

Não tenho dúvidas: a ideia é fazer com que o brasileiro tenha orgulho de algo que seria “do Brasil”, porém, algo do qual ele não necessariamente se beneficia, pelo menos de maneira direta ou efetiva. Assim, cabe perguntar: e o orgulho do brasileiro em relação às universidades, à ciência, ao SUS, por exemplo? Há em curso processos de destruição e/ou de deterioração, que atingem tudo o que pode tirar da miséria o brasileiro. E o que sabe disso o brasileiro que deve ter orgulho da indústria-riqueza?

A destruição atinge os direitos trabalhistas, aprofundando a direção neoliberal no atual governo. Atinge o direito à terra, no percurso mesmo dos incêndios e invasões ilegais em terras da União, no cerne da guerra política, econômica, cultural uma vez posta no “meio ambiente” e nunca cessada. E atinge o Sistema de Saúde e a educação básica, para ficar nos serviços públicos mais fundamentais. Se a pandemia, como dizem, afeta “desigualmente” o brasileiro, afeta diretamente o trabalhador assalariado ou informal, o microempresário, aqueles que mais dependem não só do “livre comércio”, mas também de todo um sistema público, hoje estressado, sucateado ou desmoronando. Portanto, cresce hoje absurdamente a população refém dos auxílios – o mínimo de um mínimo a um espetacular número de brasileiros. Mas a pandemia não é ela mesma a responsável direta por esse crescimento da miséria no país, senão o próprio contexto histórico-político, coroado pelas piores decisões no seu enfrentamento.

O que dizer de um governo que, na crise sanitária que se instalou com a pandemia, troca um ministro da Saúde médico, e outro em seguida, instalando um general que assume que não entende nada do SUS? O que se disse a respeito na mídia foi muito, muito pouco. Muito mais poderia ser dito a respeito da decisão do governo de deixar o vírus correr solto.

Embora o SUS no momento esteja muito presente nas pautas televisivas e esteja sendo referido por comentaristas como exemplo mundial de sistema público de Saúde, parece-me que falta à população informação com relação ao que existe de fato para que esse funcionamento se dê, em termos de uma estrutura pública de Educação superior, Ciência e Saúde — estruturas que são visadas como possíveis terrenos de encampação pelo setor privado. Então: propagandeia-se um orgulho pela safra recorde e os profissionais de saúde, entre outros funcionários públicos, devem ter seus salários congelados. E os profissionais da saúde e da educação do sistema público são ainda e de novo exaltados enquanto heróis, em seu sacrifício diário – perversa ladainha das mais antigas nesse país.

O SUS faz parte de uma política por meio da qual uma atenção mínima à população deu-se a partir de uma estrutura que não é pequena nem simples, nem pode ser simplificada, pois demanda de diversas áreas e demandou de fato uma série de ações e incentivos díspares, que inclui a estruturação e provisionamento, não no ideal, certamente, do Sistema Único de Saúde para atingir, nesse território gigante, o maior número possível de cidadãos – mas passa também pela pesquisa populacional (IBGE) e pelo sistema de monitoramento ambiental do território da União (INPE), ambos atacados/desmontados pelo governo federal atualmente.

E ainda pela legislação ambiental, que foi investida nesses últimos anos e é das mais atualizadas frente ao contexto internacional. Com ela, assegura-se o direito à terra para populações que vivem de forma coletiva, por exemplo em regime de extração sustentável. A legislação ambiental, como sabemos, tem sido escancaradamente inoperada (com o desmonte do IBAMA e ICMBio, o perdão de multas, a regularização fundiária). Falta dizer que essa inoperância hoje da legislação ambiental no Brasil se dá na direção do melhor aproveitamento do capital, desse mundo financeiro que reproduz o dinheiro à custa de vidas, da fome, de vidas miseráveis ou perdidas ou iludidas.

Ocorre que, no momento mesmo da safra recorde, a estrutura mínima de proteção à população desse país, gigantesco, tem sido minada, tem sido golpeada, escasseada, arrasada. O processo de destruição em curso foi visível em sua gritante imagem nos inumeráveis incêndios florestais ocorridos no país, criminosos, em que vislumbramos novamente, e sempre, um território rendido aos interesses pífios de uma elite – mesmo que aparentemente sejam os chamados grileiros a fazer o trabalho sujo da expansão agrícola. Além de uma mineração primitiva e selvagem, que persiste na maior parte das vezes pela ilegalidade, também os grandes negócios na agricultura têm na sua constituição as sucessivas “legalizações” de terras que foram barganhadas, tomadas, ao destituíram delas ou mesmo ou matar indígenas e caboclos, por exemplo – as “regularizações fundiárias”.

O “auxílio emergencial” é minguado e descontínuo e os outros auxílios vão se escasseando ou talvez tornados um luxo, entre a parcela “mais afetada”, ou seja, entre aqueles sujeitos que nada têm diante de um Estado que deve ter – exigência do mercado, que tudo comanda – cada vez menos a oferecer a eles.

O Estado, que se quer sempre cada vez mais mínimo, atuava minimamente na proteção da população, graças a uma política nesse sentido que buscou atender no básico a uma população enorme que se espalha nesse território gigantesco, com suas especificidades regionais – os brasileiros, não?

Tais questões passam pelos noticiários da imprensa tradicional, mas os “fatos noticiados” na grande mídia não são destrinchados em uma perspectiva crítica que os correlacione, e o que resta é a repetição de determinadas “conclusões” como: a pandemia afeta de modo desigual a população, o presidente deve ser afastado da gestão da pandemia, os remédios tais, tal, tal “não tem eficácia comprovada”. Aliás, intrigante essa construção: dizer que “não tem eficácia comprovada” deixa uma margem de possibilidade, um “pode-se ainda comprovar”. Melhor seria dizer que comprovadamente não tem eficácia nenhuma contra a covid.

Hoje, na cobertura da imprensa – falo em especial da televisiva –, chama atenção a produção de uma imagem crítica ao governo, à custa de observações sobre a sua inoperância na pandemia. As “conclusões” ocupam na emissão jornalística o lugar dos seus silêncios sobre a cena política. Depois, a pesquisa de opinião pública colhe os frutos, bem como as eleições. Portanto, tal circulação de “conclusões” – digo conclusões tal o efeito sintético quanto aos fatos-alvo das notícias – tampona uma crítica mais efetiva, funcionando na sustentação de um silêncio, por exemplo, quanto à relação entre a produção de grãos, o desmonte do que é público e a fome.

É lado a lado ao desmonte do que é público, de tudo aquilo que pode beneficiar a população, que as safras de grãos assumem sucessivos recordes, enriquecendo um produtor que, em sua maioria, produz em grandes propriedades, remontando ao histórico da grande plantação, o latifúndio, contando sempre com o financiamento público de seus investimentos e, quanto ao exportador, contando ainda com a isenção de impostos. Como pedir que tenhamos orgulho dessa produção tutelada pelo Estado, nesse Estado que não deve mais dar o mínimo ao brasileiro?

Não se identifica nas imagens da campanha “Agro é tech” uma entidade que a estaria promovendo, o que coloca a Rede Globo como autora responsável. Porém, nesse falar de uma aparente “agricultura generalizada”, justamente, não é difícil identificar sobre qual produtor rural está se falando: é sim o produtor rural das safras recordes, o produtor do agrobusiness, é o sujeito que produz commodities, ou seja, um “agricultor” entre aspas pois o que produz não é alimento, e sim mercadoria (dinheiro, capital). Daí que não haja espanto algum que as safras recordes se deem no país que entra nesse momento numa situação de fome calamitosa.

Ao mesmo tempo em que propagandeia o agronegócio, a emissora mostra em suas reportagens um governo ineficiente, nocivo, genocida, um ministro do meio ambiente vendido. Bolsonaro esbraveja com os jornalistas, com destaque à Globo, e a imagem de um jornalismo crítico se produzindo parece colar. No quadro de uma crítica ao desastre que se instalou no país, sobretudo após as últimas eleições federais, falam ministros do STF, fala o líder da Câmara dos deputados, mostram-se cartas de repúdio, que se somam, junto aos pedidos de impeachment. E comentaristas avaliam que o governo perde apoio, por isso, isso e isso.

Tendo tudo sido exposto na televisão, a crítica parece estar sendo feita, considerando esse papel de enorme responsabilidade da imprensa: a opinião pública não é algo que está presente na população, de antemão, a qual a mídia detecta com a pesquisa, mas algo que a própria mídia produz ao produzir indignação ou produzir orgulho, ou manter silêncio.

Seria o caso de compreender o silencio naquilo que é dito na emissão jornalística. Com relação ao agronegócio, uma reportagem no dia 24 de fevereiro de 2021 no Jornal Nacional fala em 13 mil empregos gerados pela soja, sem nenhum elemento crítico que possa colocar uma tensão no dado numérico e seu “efeito informativo”. Seria preciso, se se trata de um jornalismo mínimo, relembrar ao telespectador o caráter ínfimo desse dado. Para começar, não são empregos, mas “bicos”: os postos de emprego noticiados pela reportagem duram o tempo da colheita. Para terminar, o que são 13 mil postos de emprego numa economia que rendeu os milhões de sacas que a soja propagandeia? Para se ter uma ideia do absurdo de se propagandear esses 13 mil postos de emprego, na agricultura familiar – a atividade agrícola que de fato nos sustenta, nos alimenta – são 10 milhões de postos.i

Quanto à promoção do agronegócio como indústria-riqueza do Brasil, o mais importante é não só olhar para o incremento dessa produção agrícola enquanto produção de mercadoria, que enriquece meia dúzia e encarece a oferta do alimento no mercado interno. Mas principalmente considerar como isso está em oposição flagrante a outras políticas como a política de fortalecimento da agricultura familiar e/ou da agricultura orgânica; bem como à política das áreas protegidas enquanto terras da União, que dá possibilidade de existência a outras culturas, em suas formas de se relacionar com a terra, diversas sobretudo daquela voltada unicamente para o rendimento monetário, que ignora a alimentação da população e que esgota a terra. Temos alguns trabalhadores do campo, algumas populações tradicionais que resistem produzindo alimentos, muitas vezes orgânicos, alguns destes derivando do movimento MST criminalizado pela Rede Globo.

Seria o caso, quanto à reportagem mencionada, de se questionar se se pode considerar strito sensu ser parte de uma prática de jornalismo, embora o fato de inscrever no jornal televisivo mais destacado do país possa assim significá-la. Há, no meio jornalístico, o termo “matéria paga”. No silêncio em torno do número (13 mil) sobre os empregos no âmbito do agronegócio (um número que não diz nada no contexto nacional), o jornalismo da Globo escancara sua relação com esse mesmo governo genocida que é criticado pela gestão.

DCM.

sábado, 24 de abril de 2021

INTERVENÇÃO MILITAR PARA ABRIR BOATES, SHOPPINGS E ACADEMIAS? BRAVATEAR É PRECISO!, POR FERNANDO BRITO

Uma das maneiras de separar o que é verdade do que é mentira é observar se, ao longo dos séculos, ao largo do mundo, isso já aconteceu.

Você consegue imaginar tanques de guerra à frente de boates e casas de “pool parties” para garantir o “direito à balada”?

Veículos blindados às portas de shopping centers para assegurar a garantia de comer sanduíches do McDonald’s?

Pelotões armados de metralhadora liberando as portas das academias de ginástica, para assegurar “spinning” para todos, a liberdade de malhar, o direito de “puxar ferro”.

Acaba-se de inventar o “toque de ir zoar”, em lugar do toque de recolher, diante de uma pandemia mortal.

Claro que não há nada de errado em festas, comer algumas destas porcarias (quem não?) ou em cuidar do físico, mas tratar isso como uma atividade essencial, quando já estamos a poucos dias de chegar a 400 mil mortes no país é, numa palavra, completa insanidade.

E ameaçar usar o Exército para isso é caso de camisa de força.

A única serventia desta alopração presidencial é servir para a sua forma de chefiar o país: ameaçar, bravatear, fazer demagogia e, claro, figurar restrições sanitárias com “opressão comunista”.

Na estranha coalizão de apoio que construiu, a aliança de senhorinhas fundamentalistas e microcéfalos “bombadões”, Jair Bolsonaro continua a chacoalhar o Exército como “arminha” para assustar medrosos.

Tijolaço.

sexta-feira, 23 de abril de 2021

“SUBLATA MORO, TOLLITUR BOLSONARO”, A CAUSA E O EFEITO, POR FERNANDO BRITO

Poucos o dizem, quase todos o sentem.

A confirmação, ontem, pelo Supremo Tribunal Federal, da já óbvia suspeição de Sergio Moro nos processos que conduziu contra Lula , reconhecendo que ele perseguiu, sistematicamente, o ex-presidente foi um tiro de canhão que provocou efeitos que vão muito além da pulverização da já rotíssima figura do ex-juiz de Curitiba, já transformado em um molambo que nem mesmo seus patrões da Alvarez & Marsal preservam, rebaixando-o de festejado diretor para mero “consultor free-lance“.

Pouco importa que o ex-juiz e sua claque na mídia e na elite estivessem rompidos com ele: ninguém sai mais ferido da decisão formalizada ontem que Jair Messias Bolsonaro.

E a razão é evidente: a legitimação de Bolsonaro foi uma extensão da deslegitimação de Lula, a ponto de ter-se tornado um bordão o “mas e o Lula, mas e o PT?”.

Repare: não foram as virtudes, as ideias (?), os projetos, a trajetória, o partido (?I), os apoios, a retórica, a ideologia, nada disso foi o que elegeu Jair Bolsonaro: foi a possibilidade de execrar, politicamente, aquele que havia sido julgado corrupto, preso, humilhado, lançado ao linchamento da opinião pública.

Foi isto o que fez de Moro e dos facínoras de Curitiba os maiores eleitores de 2018. O Exército, os militares, foram avalistas, sim, mas ninguém pode duvidar que a Lava Jato, além de tirar Lula das urnas, deformou-o aos olhos de parte da população e buscou sua execração.

Este foi o pano de fundo da sessão de ontem do Supremo. Não podendo resistir sem ceder terreno às revelações das armações de Moro, Dallagnol e companhia, o lavajatismo tentou a manobra desesperada de anular a condenação formal sem anular a condenação política, com o reconhecimento da incompetência do foro de Moro. Abriu, assim, o flanco para sofrer uma derrota maior, deixando que se alcançasse a sua própria condição de imparcialidade, sem a qual perde-se a de juiz.

Sublata causa, tollitur effectus, eliminada a causa, desaparece o efeito, diz a locução latina e isso, se não for entendido como um fenômeno instantâneo, é o que tende a acontecer agora, ainda que o efeito terrível daquela manipulação ainda vá, desgraçadamente, se fazer sentir no afundamento do país e na vida (e na morte) dos brasileiros por longos meses.

Lula, que nunca abaixou a cabeça e preferiu submeter o corpo aos 580 dias de prisão que cumpriu, tem agora reconhecida formalmente a condição de vítima de perseguição e de injustiças. E não assumirá isso como vitimização dele próprio, mas da população, que sofreu a perda da sobrevivência, da prosperidade, ao sonho de ser feliz e de viver em paz.

Tijolaço.

MORO É SUSPEITO E NÃO ADIANTOU TENTATIVA DE “MELAR” ISSO NO STF, POR FERNANDO BRITO

A tática ficou clara com o longo e enxundioso voto de Luís Roberto Barroso, com um longo e patético discurso de louvação a Sergio Moro, Deltan Dallagnol e os procuradores da Lava Jato era, visivelmente, a de prolongar para a semana que vem a definição da suspeição do ex-juiz de Curitiba, que parece estar definida por maioria.

Já não adiantava desde que dois votos conduziam nesta direção: o de Kássio Nunes Marques, que não deu uma cambalhota para reverter sua posição de votar pela continuidade do julgamento do caso na 2ª Turma e o de Alexandre de Moraes, que confirmou o diagnóstico de que se fazia ali uma tentativa de, ilegalmente, reverter um resultado – regimentalmente impossível – de uma turma do Supremo.

A partir daí, estava desenhada a derrota do “lava-jatismo” e a maioria do Tribunal correu a desmanchar a manobra, reagindo à manobra que, claro, tinha no comando o presidente da Corte, Luiz Fux, que desde o início do julgamento pilotava-o na tentativa de anular a suspeição de Moro.

Ricardo Levandowski, Dias Tofolli e Carmem Lúcia anteciparam seus votos, para levar a 6 a 2 o placar da votação, formando maioria.

Rosa Weber forçou a prolação do seu voto e, servindo-se de um problema de som, Marco Aurelio Mello apelou para um pedido de vistas, que não tem mais nenhuma importância diante do placar evidente de 7 a 4 em favor da validade da decisão sobre – o voto de Fux é claro.

Poucas vezes o confronto numa sessão do Supremo foi tão forte quanto nesta sessão. E, por ser forte, sinaliza que a maioria que se formou é pela suspeição de Sergio Moro, ainda que não fosse este, diretamente, o que se julgava.

Assim, pode-se dizer que, como é previsível a mediocridade do voto de Luiz Fux, quando Marco Aurélio devolver o processo a julgamento – isso se insistir no inútil pedido de vistas – pode-se dizer que Luiz Roberto Barroso fez a despedida fúnebre de Moro que, por tudo, merece não o nome de “Canto do Cisne”.

Foi, afinal, o “canto do Marreco”, com direito a uma discussão, como se diria no meu tempo, numa discussão padrão Resenha Esportiva Facit, um programa esportivo onde se consagrou a máxima de que “a bronca é livre”, com um bate-boca entre Gilmar Mendes e Barroso.

Que, agitado, não se conformava com o “a nega tá la dentro” em favor de Lula.

Tijolaço.

quinta-feira, 22 de abril de 2021

JOE BIDEN CONTA VACINAS – 200 MILHÕES APLICADAS – QUE QUEIROGA NÃO CONTA, POR FERNANDO BRITO

Ao completar, ontem, 91 dias de governo, o presidente norte-americano Joe Biden, anunciou o atingimento do dobro da meta de vacinações a que se tinha proposto em 100 dias de mandato.

Como você se recorda, ele prometera 100 milhões de doses, que passaram a 150 milhões e, em seguida, a 200 milhões.

Com mais de 50% dos adultos tendo recebido ao menos a primeira aplicação e cerca de 28 milhões de doses de vacina aplicadas por semana, a preocupação do Governo, a disponibilidade de imunizante, mas a procura por eles e o governo anunciou licença remunerada para cada cidadão que for se vacinar.

Biden conta as doses, enquanto o nosso ministro da Saúde pede para que não as contemos, enquanto temos 27,7 milhões (13% da população) com ao menos uma vacina aplicada.

O sr. Queiroga devia aprender com os pobres que, mesmo com pouco dinheiro, o contam toda hora para poder fazer, mesmo com pouco, o essencial.

Mas faz o contrário e já não se sabe o quanto se tem, nem quanto se reservou para completar a vacinação de quem tomou a primeira dose.

Prefere dizer, contra os fatos, que somos um países dos que mais vacina no mundo.

Não contando, diz-se o que se quiser dizer.

Tijolaço.

quarta-feira, 21 de abril de 2021

GOVERNO BOLSONARO É O MAIOR RESPONSÁVEL POR ALTA MORTALIDADE DE COVID-19 NO BRASIL, DIZEM ESPECIALISTAS

Após o Brasil ultrapassar EUA, México e Peru como o país com o maior número de mortes pela Covid-19 por milhão de habitantes nas Américas, a Sputnik Brasil conversou com dois especialistas para analisar os fatores que levaram o país a esses números e como evitá-los no futuro.

Sepultador com trajes de proteção abre covas no cemitério de Vila Formosa em São Paulo em meio à pandemia de Covid-19 (Foto: REUTERS/Amanda Perobelli). 

Sputnik - Segundo o levantamento feito pela organização Our World in Data, o Brasil ultrapassou nas últimas duas semanas os Estados Unidos, o México e o Peru, se tornando o país com mais mortes por Covid-19 do continente americano em relação à sua população.

De acordo com a Our World in Data, o Brasil tem atualmente 1.756 óbitos por milhão de habitantes e ultrapassou o México no dia 7 de abril, o Peru no dia 13 e os EUA no dia 14. Segundo o levantamento, os dez países com mais óbitos para cada um milhão de habitantes das Américas são: Brasil (1.756), Peru (1.722), EUA (1.713), México (1.646), Panamá (1.434), Colômbia (1.342), Chile (1.317), Argentina (1.310), Bolívia (1.083), Equador (1.003). 

Até o início de fevereiro, quando o Brasil registrava cerca de uma mil mortes por dia, ele ocupava a sétima posição do continente em óbitos proporcionais, atrás de EUA, México, Peru, Panamá, Colômbia e Argentina. Agora, com a escalada de mortes no país, que chegou a superar o número de 4 mil óbitos por dia, o Brasil foi gradualmente ganhando posições, até chegar ao topo da lista no continente.

Em entrevista à Sputnik Brasil, os especialistas Gonzalo Vecina Neto - médico sanitarista, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), fundador e primeiro diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) - e Guilherme Werneck - médico epidemiologista, professor do Instituto de Medicina Social da UERJ - são unânimes em apontar um principal responsável por esse aumento significativo dos números: o governo federal.

"O governo não atuou no sentido de impedir o início da disseminação da doença no país, minimizou o problema, investiu em medidas que não têm eficácia reconhecida, [...], não aparelhou adequadamente os hospitais para a assistência à saúde [...], o sistema de vigilância não conseguiu também ser instrumentalizado para atuar da forma mais adequada, faltaram testes, faltou organização, faltou concatenação e coordenação do Ministério da Saúde com os outros entes federativos", afirma Werneck.

Para o epidemiologista da UERJ, o país poderia ter feito muito melhor, pois "tem um Sistema Único de Saúde (SUS), pesquisadores, profissionais de saúde, um sistema de atenção básica à saúde e uma estratégia de saúde da família que poderiam ter sido chamados para atuar de forma mais efetiva no controle da pandemia".

No entanto, ele ressalta que a resposta do governo foi sempre disponibilizar menos recursos e não atuar para a prevenção. "De fato, o governo atuou a favor da disseminação do vírus na comunidade, então nós poderíamos ter feito melhor. Certamente teríamos feito melhor com qualquer outro governo que levasse a sério esse problema", opina Werneck.

Vecina, por sua vez, aponta outro exemplo importante da falta de governo, que se reflete na forma como a pandemia se dissemina pelo país, atingindo mais intensamente a população mais pobre, que não tem condições de fazer isolamento social.

"No Brasil, quem está morrendo mais é o pobre, [...] e o pobre tem que sair todos os dias na rua para buscar comida, ele não tem comida guardada em casa. O fim do auxílio emergencial, e a demora do início do novo auxílio emergencial, junto com a nova variante amazônica que está circulando violentamente no Brasil todo, criou uma tempestade perfeita", afirma Gonzalo Vecina.

Para o fundador da ANVISA, essa "tempestade perfeita" acabou determinando um aumento muito grande do número de casos e, consequentemente, do número de óbitos. Além disso, Gonzalo ressalta que o governo apresentou absoluta falta de gestão ao permitir que, "no meio do caminho", ainda ocorresse o colapso da assistência hospitalar, com falta de oxigênio, medicamentos e outros insumos, que contribuíram ainda mais para que o Brasil atingisse a marca sinistra de campeão em óbitos nas Américas. 

Os dois especialistas também concordam que, para reduzir a mortalidade de Covid-19, existem dois eixos principais, que devem ser combinados: as chamadas medidas não farmacológicas, como o uso de máscaras, atenção com a higiene e isolamento social, e o avanço das campanhas de vacinação.

Para Werneck, contudo, o país não está indo bem em nenhum desses dois eixos, o que justificaria os altos números de mortalidade.

"Não há um esforço coletivo nacional para que se implemente medidas de âmbito nacional e subnacional, de restrição maior do contato físico entre as pessoas [...] e na vacinação, nós também estamos indo muito devagar, resultado de uma inação do Ministério da Saúde em relação à obtenção de doses necessárias para vacinar rapidamente a população brasileira", afirma Werneck.

Para Gonzalo Vecina, como o número de vacinas ainda é insuficiente e o programa segue muito devagar, a única opção, neste momento, são as medidas de distanciamento social.

Além disso, o ex-diretor e fundador da ANVISA afirma que é preciso olhar para exemplos bem sucedidos feitos dentro do território nacional, como aconteceu no município de Araraquara, no interior de São Paulo, que conseguiu reduzir a mortalidade e as internações no município, após implementar um lockdown.

"Araraquara, aqui no estado de São Paulo, fez um lockdown direitinho, e mostrou para o Brasil o que é um lockdown [...] que é um conjunto de ações concatenadas para fazer as atividades não essenciais pararem", comenta Vecina.

Guilherme Werneck, por sua vez, lembra que o exemplo de Araraquara é muito interessante, mas acredita que, neste momento, soluções mais localizadas têm influência limitada, e que o país deveria apostar em um lockdown nacional.

"Em pequenas cidades como Araraquara, no interior de São Paulo, obteve-se resultados significativos, mas não basta fazer isso em uma ou outra cidade, em um ou outro estado, nós precisamos fazer isso, de forma mais radical, no país inteiro, e a recomendação seria: vamos parar as atividades de forma mais radical por três semanas - 21 dias - que nós poderemos, a partir daí, observar uma melhoria e a redução substancial de casos e óbitos no país", afirma o professor da UERJ.

Sobre a questão da vacina, tanto Werneck quanto Vecina assinalam que ela é muito importante, e que o país deveria fazer um esforço para conseguir mais doses e acelerar seu programa de imunização, mas ambos ressaltam que só o imunizante não é suficiente e que as pessoas terão que manter as chamadas medidas não farmacológicas por muito tempo.

"A vacinação, ela ainda demora um tempo para alcançar as coberturas vacinais, ou seja, o percentual da população brasileira completamente vacinada, o que só deve acontecer no início do ano que vem. Até lá, é preciso que outras medidas sejam mantidas e implementadas simultaneamente, entre elas as restrições do contato entre as pessoas, o distanciamento social, e as medidas de proteção individual. Somente com a articulação entre essas duas ações é que nós poderemos enfrentar a pandemia de forma mais adequada", opina Werneck.

Já Vecina lembra que as medidas não farmacológicas vão continuar imperando por bastante tempo, pois, além de vacinar toda a população adulta, o que só deverá acontecer no início do ano que vem, o Brasil também terá que começar a imunizar as crianças e adolescentes, que compreendem cerca de 50 milhões de pessoas, assim que todos os testes forem concluídos e a imunização for autorizada. Ainda assim, o especialista ressalta que há muitas incertezas em relação à proteção e à imunidade conferidas pelas vacinas contra a COVID-19.

"Só a partir das crianças e jovens vacinados, é que nós vamos poder relaxar, dependendo da eficácia do que nós tivermos feito com as vacinas. Nós vamos ter que observar, nós não sabemos quanto tempo dura a imunidade conferida pelas vacinas que nós utilizamos. Então, no meio do caminho, ainda existem alguns obstáculos", conclui Vecina. 

Brasil 247.

terça-feira, 20 de abril de 2021

JUÍZA DO RIO CONCEDE LIMINAR PARA GARANTIR O DIREITO DE TRANSMITIR COVID-19, POR FERNANDO BRITO

Uma juíza do Rio de Janeiro, Regina Lucia Chuquer, da 6ª Vara da Fazenda Pública, acaba de decretar o “liberou geral”das medidas de restrição no Rio de Janeiro, que já eram poucas e pífias.

Entre outras coisas, libera o funcionamento até de boates, atendendo a um pedido do deputado estadual bolsonarista Anderson Moraes.

“Nem mesmo uma pandemia gravíssima como a vivenciada na atualidade autoriza o cerceamento da liberdade individual de cada cidadão carioca, ao argumento da possibilidade de transmissão acelerada da doença ou mesmo da falta de vagas em hospitais”, diz em sua decisão.

Claro, excelência, todos nós temos a liberdade de sair por aí espalhando vírus uns nas caras dos outros, porque ninguém pode impedir-me de ir a uma boate, ambiente ventiladíssimo, onde todos podemos manter uma distância segura uns dos outros, não é?

Além do mais, está claro o periculum in mora, porque quem é que me devolverá amanhã a “balada” de hoje?

O argumento de que “nem mesmo uma pandemia gravíssima” – morreram, apenas hoje, 327 pessoas no Rio de Janeiro – “autoriza o cerceamento da liberdade individual de cada cidadão carioca” é tão incompreensível que, por exemplo, poderia ser invocado por um “cidadão” carioca para desobedecer a interdição de uma rua, onde um barranco ameaça desmoronar, porque isto seria um cerceamento ao seu direito de ir e vir.

É provável, claro, que a liminar da juíza Chuquer não dure mais que algumas horas. E até porque o “bloqueio” de Paes, que sempre foi uma peneira cheia de furos, não terá grandes efeitos epidêmicos, não fará grande diferença, senão a de sinalizar a quem é insano e irresponsável que há quem reconheça que isso é seu direito e direito acima do direito alheio a viver.

Tijolaço.

CRISTINA SERRA DIZ QUE DINHEIRO NA MÃO DE SALLES É DEVASTADOR, POR FERNANDO BRITO

Só é surpresa para quem não a conhece: Cristina Serra vai se firmando como uma das vozes mais fortes entre os cronistas políticos de hoje, sem os “mimimis” relativistas que tanta gente pratica hoje, ainda que vendo seu país em chamas, sociais e, literalmente, florestais. Nosso país deveria estar altivo nestas negociações, defendendo seu patrimônio ambiental e exigindo que o mundo, que diz se preocupar com ele, também pratique o equilíbrio global quando se trata de saúde, de lançamento de resíduos fabris e de trocas comerciais devastadoras.

E não o vira-latas, que abana o rabo e recebe ossos e gorduras em troca de um servilismo cínico e falso.

BOLSONARO, VIRA-LATISMO E ECOCÍDIO

Cristina Serra, na Folha

Nada mais ilustrativo dos modos de moleque com que o Brasil de Bolsonaro se apresenta ao mundo do que um detalhe de recente reunião entre o ministro do zero ambiente, Ricardo Salles, e a equipe de John Kerry, representante de Joe Biden para as questões climáticas.

Segundo reportagem de Marina Dias nesta Folha, os brasileiros exibiram aos norte-americanos o slide de uma TV de cachorro, típica das nossas padarias. A imagem mostrava um vira-latas apreciando os frangos no espeto com o título: “Expectativa de pagamento”. Cada ave tinha o desenho de um cifrão. Bolsonaro é isso: o retorno explícito ao complexo de vira-latas definido por Nelson Rodrigues nos anos 1950.

Acordos diplomáticos são bons para os envolvidos quando baseados em vantagens e respeito mútuos. O Brasil não tem um plano minimamente verossímil de combate ao desmatamento, e os antecedentes de Bolsonaro e Salles não inspiram confiança. Para nosso azar, é o que temos para lidar com as tensões da complexa geopolítica atual e negociar com os Estados Unidos.

Em rede social, Kerry indicou que os Estados Unidos esperam do Brasil resultados “tangíveis”, não apenas promessas. É nesse ponto que os dois países chegam à cúpula sobre mudança climática, daqui a dois dias. A proteção ambiental demanda muito recurso. Mas dinheiro na mão de um tipo como Salles e sem contrapartidas claramente verificáveis é jogar mais gasolina no incêndio da floresta.

É reforçar as frentes de ataque de grileiros, madeireiros, garimpeiros, desmatadores. É acumpliciar-se com o crime de ecocídio.

Tijolaço.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

ESTUDO DA ‘SCIENCE’ APONTA BOLSONARO RESPONSÁVEL PELO DESCONTROLE DA COVID NO BRASIL

Artigo é assinado por cientistas de universidades como Harvard, nos Estados Unidos, e USP. Estudo critica falta de coordenação nacional e maior mortalidade em estados alinhados com Bolsonaro.

"Resposta do governo federal no Brasil (à covid-19) foi uma perigosa combinação de inação com ações erráticas. Incluindo a promoção de cloroquina".

“A resposta do governo federal no Brasil (à covid-19) foi uma perigosa combinação de inação com ações erráticas. Incluindo a promoção de cloroquina como tratamento, sem levar em conta grande número de evidências. Sem coordenação nacional, as respostas locais variaram”, afirma estudo publicado na revista científica internacional Science, que aponta para a responsabilidade do governo Jair Bolsonaro no grande número de mortos provocado por sua conduta da pandemia no país.

O artigo é intitulado “Padrões espaço-temporais da disseminação da covid-19 no Brasil“. Assinam a publicação dez cientistas de instituições renomadas como Harvard University (EUA); Universidade de São Paulo (USP); Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Universidade da Flórida; Universidade Nove de Julho; Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS); e Universidade Municipal de São Caetano do Sul, entre outras.

Segundo seus autores, o objetivo do artigo é investigar, pelo método científico, o comportamento do surto de covid-19 no Brasil. Estão abordados temas como velocidade de disseminação, tendências e diferenças regionais; além de índices e comparativos das ações do poder público. “Uma falha na implementação, coordenação, e equidade de resposta em contexto inflamaram a disseminação da doença. Isso resultou em grandes e desiguais taxas de infecção e mortalidade”, afirma o texto.

FATOR BOLSONARO

Por meio de análises locais da progressão dos surtos de covid-19, o estudo indica uma grande variedade de padrões. Entre eles, destaque para piores resultados em estados alinhados politicamente com Bolsonaro. “Nossos resultados mostram que tanto mortes como casos seguem caminhos distintos em cada estado. Eles deixam claro que não existe uma narrativa única sobre a propagação do vírus no Brasil. No entanto, mostram camadas complexas de cenários entre ondas de contágio, que resultam na variação”, aponta.

“Primeiro, o Brasil é grande e desigual. Tem disparidades em quantidade e qualidade de serviços de saúde (…) Segundo, uma densa rede urbana que conecta e influencia municipalidades através do transporte, serviços e negócios, algo que não foi interrompido mesmo durante picos de casos e mortes (…) Terceiro, alinhamento político entre governos e o presidente, que teve papel no tempo e intensidade de medidas de isolamento social”, completa a publicação.

NO PRESENTE

Diante das diferenças regionais, o estudo aponta que seria essencial que o governo federal tivesse agido de forma diferente. “Respostas rápidas, eficientes e igualitárias e coordenação em nível federal são imperativos para evitar a propagação rápida do vírus (…) No entanto, a resposta contra a covid-19 no Brasil não foi nada disso. Ainda não é”, afirma.

O estudo lembra que o país passa, desde o início deste ano, por seu pior momento do histórico da pandemia. “O Brasil vive recordes em números de casos e mortes, e proximidade de colapso dos sistemas hospitalares. A vacinação começou, mas em ritmo lento de acordo com a disponibilidade de doses (…) Até março, o Brasil já reportou 40% do total de mortes por covid-19 em todo o ano de 2020”, afirma. Por fim, essa situação isola o Brasil no mundo e posiciona o país como “ameaça à segurança sanitária global”.

Rede Brasil.