Após
o Brasil ultrapassar EUA, México e Peru como o país com o maior número de
mortes pela Covid-19 por milhão de habitantes nas Américas, a Sputnik Brasil
conversou com dois especialistas para analisar os fatores que levaram o país a
esses números e como evitá-los no futuro.

Sputnik - Segundo o levantamento feito pela
organização Our World in Data, o Brasil ultrapassou nas últimas duas semanas os
Estados Unidos, o México e o Peru, se tornando o país com mais mortes por
Covid-19 do continente americano em relação à sua população.
De
acordo com a Our World in Data, o Brasil tem atualmente 1.756 óbitos por milhão
de habitantes e ultrapassou o México no dia 7 de abril, o Peru no dia 13 e os
EUA no dia 14. Segundo o levantamento, os dez países com mais óbitos para cada
um milhão de habitantes das Américas são: Brasil (1.756), Peru (1.722), EUA
(1.713), México (1.646), Panamá (1.434), Colômbia (1.342), Chile (1.317),
Argentina (1.310), Bolívia (1.083), Equador (1.003).
Até
o início de fevereiro, quando o Brasil registrava cerca de uma mil mortes por
dia, ele ocupava a sétima posição do continente em óbitos proporcionais, atrás
de EUA, México, Peru, Panamá, Colômbia e Argentina. Agora, com a escalada de
mortes no país, que chegou a superar o número de 4 mil óbitos por dia, o Brasil
foi gradualmente ganhando posições, até chegar ao topo da lista no continente.
Em
entrevista à Sputnik Brasil, os especialistas Gonzalo Vecina Neto - médico
sanitarista, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(USP), fundador e primeiro diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA) - e Guilherme Werneck - médico epidemiologista, professor do Instituto
de Medicina Social da UERJ - são unânimes em apontar um principal responsável
por esse aumento significativo dos números: o governo federal.
"O
governo não atuou no sentido de impedir o início da disseminação da doença no
país, minimizou o problema, investiu em medidas que não têm eficácia
reconhecida, [...], não aparelhou adequadamente os hospitais para a assistência
à saúde [...], o sistema de vigilância não conseguiu também ser
instrumentalizado para atuar da forma mais adequada, faltaram testes, faltou
organização, faltou concatenação e coordenação do Ministério da Saúde com os
outros entes federativos", afirma Werneck.
Para
o epidemiologista da UERJ, o país poderia ter feito muito melhor, pois
"tem um Sistema Único de Saúde (SUS), pesquisadores, profissionais de
saúde, um sistema de atenção básica à saúde e uma estratégia de saúde da
família que poderiam ter sido chamados para atuar de forma mais efetiva no
controle da pandemia".
No
entanto, ele ressalta que a resposta do governo foi sempre disponibilizar menos
recursos e não atuar para a prevenção. "De fato, o governo atuou a favor
da disseminação do vírus na comunidade, então nós poderíamos ter feito melhor.
Certamente teríamos feito melhor com qualquer outro governo que levasse a sério
esse problema", opina Werneck.
Vecina,
por sua vez, aponta outro exemplo importante da falta de governo, que se
reflete na forma como a pandemia se dissemina pelo país, atingindo mais
intensamente a população mais pobre, que não tem condições de fazer isolamento
social.
"No
Brasil, quem está morrendo mais é o pobre, [...] e o pobre tem que sair todos
os dias na rua para buscar comida, ele não tem comida guardada em casa. O fim
do auxílio emergencial, e a demora do início do novo auxílio emergencial, junto
com a nova variante amazônica que está circulando violentamente no Brasil todo,
criou uma tempestade perfeita", afirma Gonzalo Vecina.
Para
o fundador da ANVISA, essa "tempestade perfeita" acabou determinando
um aumento muito grande do número de casos e, consequentemente, do número de
óbitos. Além disso, Gonzalo ressalta que o governo apresentou absoluta falta de
gestão ao permitir que, "no meio do caminho", ainda ocorresse o
colapso da assistência hospitalar, com falta de oxigênio, medicamentos e outros
insumos, que contribuíram ainda mais para que o Brasil atingisse a marca
sinistra de campeão em óbitos nas Américas.
Os
dois especialistas também concordam que, para reduzir a mortalidade de
Covid-19, existem dois eixos principais, que devem ser combinados: as chamadas
medidas não farmacológicas, como o uso de máscaras, atenção com a higiene e
isolamento social, e o avanço das campanhas de vacinação.
Para
Werneck, contudo, o país não está indo bem em nenhum desses dois eixos, o que
justificaria os altos números de mortalidade.
"Não
há um esforço coletivo nacional para que se implemente medidas de âmbito
nacional e subnacional, de restrição maior do contato físico entre as pessoas
[...] e na vacinação, nós também estamos indo muito devagar, resultado de uma
inação do Ministério da Saúde em relação à obtenção de doses necessárias para
vacinar rapidamente a população brasileira", afirma Werneck.
Para
Gonzalo Vecina, como o número de vacinas ainda é insuficiente e o programa
segue muito devagar, a única opção, neste momento, são as medidas de
distanciamento social.
Além
disso, o ex-diretor e fundador da ANVISA afirma que é preciso olhar para
exemplos bem sucedidos feitos dentro do território nacional, como aconteceu no
município de Araraquara, no interior de São Paulo, que conseguiu reduzir a
mortalidade e as internações no município, após implementar um lockdown.
"Araraquara,
aqui no estado de São Paulo, fez um lockdown direitinho, e mostrou para o
Brasil o que é um lockdown [...] que é um conjunto de ações concatenadas para
fazer as atividades não essenciais pararem", comenta Vecina.
Guilherme
Werneck, por sua vez, lembra que o exemplo de Araraquara é muito interessante,
mas acredita que, neste momento, soluções mais localizadas têm influência
limitada, e que o país deveria apostar em um lockdown nacional.
"Em
pequenas cidades como Araraquara, no interior de São Paulo, obteve-se
resultados significativos, mas não basta fazer isso em uma ou outra cidade, em
um ou outro estado, nós precisamos fazer isso, de forma mais radical, no país
inteiro, e a recomendação seria: vamos parar as atividades de forma mais
radical por três semanas - 21 dias - que nós poderemos, a partir daí, observar
uma melhoria e a redução substancial de casos e óbitos no país", afirma o
professor da UERJ.
Sobre
a questão da vacina, tanto Werneck quanto Vecina assinalam que ela é muito
importante, e que o país deveria fazer um esforço para conseguir mais doses e
acelerar seu programa de imunização, mas ambos ressaltam que só o imunizante
não é suficiente e que as pessoas terão que manter as chamadas medidas não
farmacológicas por muito tempo.
"A
vacinação, ela ainda demora um tempo para alcançar as coberturas vacinais, ou
seja, o percentual da população brasileira completamente vacinada, o que só
deve acontecer no início do ano que vem. Até lá, é preciso que outras medidas
sejam mantidas e implementadas simultaneamente, entre elas as restrições do
contato entre as pessoas, o distanciamento social, e as medidas de proteção
individual. Somente com a articulação entre essas duas ações é que nós
poderemos enfrentar a pandemia de forma mais adequada", opina Werneck.
Já
Vecina lembra que as medidas não farmacológicas vão continuar imperando por
bastante tempo, pois, além de vacinar toda a população adulta, o que só deverá
acontecer no início do ano que vem, o Brasil também terá que começar a imunizar
as crianças e adolescentes, que compreendem cerca de 50 milhões de pessoas,
assim que todos os testes forem concluídos e a imunização for autorizada. Ainda
assim, o especialista ressalta que há muitas incertezas em relação à proteção e
à imunidade conferidas pelas vacinas contra a COVID-19.
"Só
a partir das crianças e jovens vacinados, é que nós vamos poder relaxar,
dependendo da eficácia do que nós tivermos feito com as vacinas. Nós vamos ter
que observar, nós não sabemos quanto tempo dura a imunidade conferida pelas
vacinas que nós utilizamos. Então, no meio do caminho, ainda existem alguns
obstáculos", conclui Vecina.
Brasil 247.
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