Em
lúcida entrevista a BBC, o coronel da reserva Marcelo Pimentel Jorge de Souza
diz algo que anda na contramão da maioria dos analistas de mídia: não é que
Jair Bolsonaro tenha usado e esteja usando o Exército como instrumento de poder;
foi o Exército que o usa como forma de levar ao poder um “partido militar”.
E
dá como exemplo, e bom exemplo, o vídeo em
que, ainda em 2014, a Arma lhe franqueia uma formatura de cadetes da Academia
Militar das Agulhas Negras, sua principal escola de formação de oficiais, para
que o então deputado faça um comício de lançamento da candidatura presidencial.
Um
ato político de deixar o comício de Eduardo Pazuello parecendo coisa de
criança, porque dentro de uma organização militar, mas, sete anos depois, uma
prova inequívoca de que se construiu, em Jair Bolsonaro um “Cavalo de Tróia”
para conduzi-los, outra vez, ao poder.
Se
o cavalo era xucro (o que sua história só comprova) e se, muitas vezes, era
quem dirigia os que pensavam controlá-lo são outros quinhentos, embora sejam
poucos os que demonstrem reconhecer o erro quanto da escolha da montaria e
menos ainda os que se arrependem do caminho temerário que a instituição
escolheu.
Bolsonaro
é tão abjeto que conseguiu romper a aliança que permitiu o golpe político que
permitiu aos militares avançarem sobre o governo, reocupando o Ministério da
Defesa já no governo Temer e o próprio Planalto com o “Mito”.
Não
tem mais o que tinham: um arco de apoio, em nome do combate ao esquerdismo,
formado por mídia, empresariado, judiciário e políticos, uma espécie de voz
única. Mas a condição disso era a manutenção de uma democracia formal,
tutelando o processo político-eleitoral com uma espécie de voz única em favor
de reformas que cumprissem o duplo papel de varrer a função social e econômica
do Estado brasileiro e alienando, em nome da incapacidade a que este era
reduzido, o patrimônio nacional.
A
aventura está, evidentemente, esgotada, reduzida a uma UDN psicopata e a um
Exército que tem de se camuflar no silêncio, porque a instituição militar,
sempre respeitada, já começa a ser vista como um colégio de aproveitadores em
busca de vantagens remuneratórias e corporativas. E que assiste, sem reação, a
chave do controle interno armado transferir-se para as polícias e as milícias.
O
fantoche dos militares ganhou vida própria e, cada vez mais frequentemente, é
ele quem volta e meia lhe puxa os cordéis e os arrasta para onde quer.
A
ideia de que, já na terceira década do século 21, grandes países possam ter um
governo militar é insustentável e, mesmo com um personagem a fazer a boca de
cena, como pretenderam fazer com Bolsonaro, estendê-la além da tolerância da nação,
pelo voto, vai se afigurando inviável.
Pretender
isso, assumindo o veto ao desejo eleitoral do país, seja lá por que pretexto
for, será trocar uma retirada com perdas por uma derrota vergonhosa e
acachapante que pode demorar mais, mas será devastadora.
Não
pretendia entrar neste assunto, justamente por prezar tanto os meus mais de 20
anos de convívio diário próximo com Leonel Brizola e porque o respeito pessoal
e político a alguém com que, para mim, não é uma ferramenta política.
Os
leitores deste blog sabem que não crio argumentos do tipo “Brizola faria isso”
ou “Brizola faria aquilo” em detalhes que, mais que impossíveis de prever, são
uma apropriação indébita de seu legado.
Faço-o,
porém, porque aprendi com ele que a política não permite tratar só do que é
agradável e devo deixar um pouco de lado a pauta relevante para tratar de algo
que interessa a muitos dos leitores brizolistas do Tijolaço.
Conheço
os três netos de Leonel Brizola que se lançaram à política – Leonel, Carlos e
Juliana – e tenho carinho pessoal por todos eles e por sua dedicação a manterem
as lutas do avô, que pertencem não a eles, mas ao povo brasileiro.
Ontem,
Leonel Brizola Neto, ex-vereador pelo Psol, encontrou-se com Lula e este
publicou uma foto na qual seguravam uma foto de ambos, Brizola e Lula, que
havia se encontrado com Leonel, (o ex-deputado federal) Vivaldo Barbosa e
outros brizolistas preocupados em preservar a memória desse grande brasileiro
com a criação um acervo.
Nenhuma
fala eleitoral, portanto, e a justa preocupação com a guarda de milhares de
documentos, fotos, vídeos e outros registros de quase 60 anos de vida pública
de alguém que marcou toda a segunda metade do século 20.
Se
isso caminhar para uma confluência eleitoral, é assunto de Leonel que, como os
demais, tem todo o direito a ter opiniões próprias.
Ocorre
que a irmã de Leonel, a deputada estadual Juliana Brizola, que permanece no
PDT, num gesto que não lhe faz justiça, fez e publicou uma montagem da foto do
irmão com Lula segurando, em lugar daquela foto, uma foto de Brizola e Ciro, na
campanha de 2002, quado este teve o seu apoio.
Ora,
apoio eleitoral vale para uma eleição, não é compromisso para sempre.
Não
é assim, também, válido eternamente o apoio de Brizola a Lula e 1989, o fato de
ser vice dele em 1998 ou seu apoio ao petista no segundo turno 2002 bastariam
para fazer a mesma coisa numa foto de quem ficou no PDT e está com Ciro. Que,
aliás, só entrou no PDT 13 anos após aquela eleição e 11 depois da morte de
Leonel Brizola.
Não
é preciso dizer que a relação entre eles teve aproximações e rusgas, apoios e
discórdias, nenhuma delas deixando de representar impeditivos em horas
cruciais. Como dizem os gaúchos, e o próprio Brizola, “lenha boa é a que sai
faísca”.
Não
se trata, nem se poderia tratar, de saber quem é “mais brizolista”. Nem é “mais
brizolista” quem ficou ou saiu de um PDT sem Brizola, porque siglas,
infelizmente, já não são ideias na política brasileira.
Ninguém
tem o direito de se pretender “o candidato do Brizola”, embora seja natural que
todo candidato progressista buscar e defender o legado do líder trabalhista.
Não
é correto apelar a truques, montagens, artifícios para obter “apoio eleitoral”
de alguém que, morto, não é cabo eleitoral de ninguém.
Se
é propriedade de alguém, é das lutas sociais do povo brasileiro.
Portanto,
trazer Brizola para “tretas” e baixarias eleitorais, francamente, é algo que
não se pode deixar de criticar e pedir, em nome dos brizolistas, que não se
faça, nem em família.
Jair
Bolsonaro, “nem aí” para governar, está como se estivesse em reta final de
campanha eleitoral.
Aproveita
enquanto pode usar, e usa, a máquina pública para promover seu turismo
eleitoral, provocativo e agressivo.
Confia
em que haverá, além das falanges fascistóides e orgulhosas de sua ignorância,
uma maioria que adira, outra vez, por manipulação e preconceito, ao “candidato
do jegue”, como se referiu ontem a Lula, ao invadir um avião em Vitória para
produzir alvoroço e, pelo que se viu nos vídeos, até uma briga dentro da
aeronave (artigo 261 do Código Penal: “expor a perigo embarcação ou aeronave,
própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar
navegação marítima, fluvial ou aérea”).
O
‘teste de popularidade’, claro, não funcionou bem, ao contrário do desfile de
motos que ele protagoniza agora, em São Paulo, com um público mais adequado, o
de “selvagens das motocicletas”, o jegue dos ricos, que usam para afirmar sua
masculinidade decadente, que vive de exibições, como é própria nas gangues.
Animado
pelo sucesso de sua motociata e apertado pelas revelações da CPI,
mostrando inequívoca desídia (pelo menos) na compra de vacinas, gastos na
desinformação da população com o tal “tratamento precoce” e o temor que as
quebras de sigilo bancário, fiscal e telemático de ex-ministros e dirigentes do
governo, Bolsonaro deve subir mais alguns pontos a sua já temerária escala de
agressividade.
Conta
com a intimidação geral com suas ameaças de golpe, o medo da pandemia e com o
acanalhamento geral das instituições para seguir fazendo isso enquanto o país
se estiola na doença, no desemprego, na inflação e na fome.
Sim,
aquele país dos jegues, dos pobres que pararam de viajar de avião, para rever a
família que deixaram para trás nas décadas de migração.
Alguém
deveria lembrar ao presidente que o valente animal sobreviveu a secas, a
desgraças, ao jejum e ainda é, pelos fundões do Brasil, o melhor amigo dos
humildes.
Foram
interessantes, como divulgação científica, os depoimentos do médico Cláudio
Maierovitch e da microbiologista Natalia Pasternak.
Mas
a verdade científica, a esta altura, está tão patente que é desnecessário
repeti-la.
A
questão é o quanto se manipulou a pandemia, com a omissão dos atos devidos de
defesa da saúde da população: isolamento social, estímulo ao uso de máscaras e,
sobretudo, desídia e procrastinação na compra de vacinas. Ainda, se e quanto
representou em ganhos e vantagens, ainda que só sejam políticas, do que duvido
e vários indícios apontam.
A
CPI é política e só mesmo os negacionistas – e não negam por negar, mas com
intenções evidentes – tentam desvirtuá-la em uma “escolinha do professor
Raimundo” sobre fármacos.
Esta
é a questão: o julgamento político do cumprimento ou descumprimento com os
deveres do cargo pelo presidente da República, do ministro da Saúde e dos que,
como autoridades sanitárias acumpliciaram a políticas que nos levaram à beira
do meio milhão de mortos.
Por
isso, o fato mais importante do dia foi a aprovação da formação de um grupo de
juristas para cuida da tipificação e enquadramento dos crimes – de
responsabilidade e de natureza penal.
Neste
sentido, o requerimento do senador Alessandro Vieira (que deixou o Cidadania
depois que o partido desistiu da ação no STF contra o chamado “orçamento
secreto” do governo federal) é o ato concreto que se precisava tomar, de certa
forma antecipando o que serão as conclusões do relatório da Comissão e que o
país terá de pressionar a dolente Procuradoria Geral da República de Augusto
Aras.
O
resto é deixar que a escumalha governista siga brincando de “democracia na
ciência”, como se pudéssemos decidir se a terra é redonda ou plana, com uma
votação da plateia, como num programa do Chacrinha.
Com
um manejo ecológico, comunidade no Mato Grosso transformou a criação de gado em
aliada do meio ambiente.
O
gado se alimenta do capim agreste que nasce na várzea do rio Araguaia - Acervo
pessoal Lidiane Sales.
“No
Brasil, a grande maioria das comunidades tradicionais não têm respaldo para o
seu território.”
Os
ciclos do rio Araguaia marcam o ritmo da vida dos retireiros, uma comunidade
tradicional que se formou no município de Luciara, no Mato Grosso, na década de
1940.
Quando
as águas do rio baixam, entre maio e novembro, eles deixam as casas na cidade e
descem com o gado para a região de várzea. É lá que ficam os retiros, as
residências da época da seca.
E
é também onde brota o capim agreste usado como pasto para os animais. A
retireira Lidiane Taverny Sales conta como é essa relação intensa com a
paisagem e o gado.
“Por
ser uma área de gado solto, na larga, tem que ter um cuidado mais próximo.
Então os meninos têm essa lida mais intensa de sair na madrugada para buscar um
gado bem longe, porque a área é extensa. Na casa dos retireiros é sempre falado
do gado: o gado que sumiu, a vaca que pariu, o boi que tá doente".
A
retireira ressalta que uma das características mais interessantes da comunidade
é que "um cuida do gado do outro”.
O
manejo do gado feito pelos retireiros tem vantagens do ponto de vista ecológico
quando comparado à pecuária tradicional. É o que explica a ecóloga Isabel
Figueiredo, que coordena o Programa Cerrado e Caatinga do Instituto Sociedade,
População e Natureza, o ISPN.
“Esse
é um pasto natural, então não é necessário remover a vegetação nativa e plantar
uma variedade de capim que vem lá da África e que precisa de um monte de
insumos, de trator que compacta o solo. Então nesse caso é uma criação de gado
muito mais integrada com a vegetação natural.
Ainda
de acordo com a ecóloga, "o gado pode estar pastando e do lado ter
uma ema pastando também. É uma paisagem onde a fauna consegue circular, que o
cerrado consegue produzir frutos, consegue seguir com a biodiversidade”.
Mas
a vida nos retiros não é só trabalho pesado. Lidiane relata que a época de seca
também é um momento de aproveitar o contato com a natureza.
“A
gente vai pra ficar em contato com o lago, pescando. E descansando também
desse mundo mais moderno, de tecnologias, em contato com a família
e com os amigos. Os lagos são muito lindos, a gente tem um boto, tem um
boto aqui que é famoso, que é bonzinho, o pessoal brinca com ele. É um momento
muito bom dentro do território”.
Os
bordados são fonte de renda e instrumento de resistência das retireiras /
Instagram Retireiras do Araguaia.
Reserva
de Desenvolvimento Sustentável
Com
o avanço da grilagem e do agronegócio, o modo de vida tradicional dos
retireiros está em risco. Por isso, desde 2003, eles tentam criar a Reserva de
Desenvolvimento Sustentável do Mato Verdinho nas margens do rio, uma área que
pertence à União.
No
começo, o processo fluiu bem. Mas em 2013, quando foi marcada uma consulta popular
sobre a criação da reserva, houve um conflito intenso na cidade de Luciara,
como lembra Lidiane.
“As
forças políticas municipais, juntamente com o agronegócio e os fazendeiros,
usaram isso para colocar a população contra a nossa luta, e sitiaram o município.,
bloqueando a entrada e a saída. Vivemos sete dias de intenso conflito. Tivemos
queimas de retiros. E desde então, nossa luta pelo reconhecimento oficial do
território tem sido barrada”.
A
reportagem entrou em contato com o ICMBio, a prefeitura de Luciara e o governo
do estado do Mato Grosso, mas nenhum deles respondeu ao questionamento sobre a
criação da reserva.
Isabel
Figueiredo explica que faltam instrumentos legais para amparar comunidades como
a dos retireiros.
“Além
de quilombolas e indígenas, não há outra categoria com respaldo legal para a
demarcação de territórios coletivos. Existem algumas legislações estaduais ou
regionais. Tem algumas leis municipais que reconhecem as comunidades
geraizeiras no norte de Minas".
A
ecóloga lembra que a Bahia possui uma legislação que reconhece territórios
coletivos de comunidades de fundo e de fecho de pasto, mas com uma série de
problemas, como a questão do marco temporal".
Então,
no Brasil a grande maioria das comunidades tradicionais não têm respaldo para o
seu território”, avalia.
Para
fortalecer a identidade retireira, um instrumento importante é o bordado feito
pelas mulheres. Além de ser uma fonte de renda, as peças também são um meio de
divulgar a luta pela regularização fundiária e a preservação do modo de vida
comunitário.
Seu
Benoir, que é pai de Lidiane e foi um dos primeiros retireiros a se estabelecer
nas margens do Araguaia, resume bem qual o sonho dele para o território:
“Meu
sonho é que fique do mesmo jeito de quando eu era criança, quando era novo”.
Quem
perde a capacidade de se indignar é por que antes perdeu a dignidade.
O
Brasil está cheio de gente que, infelizmente, parece estar nesta situação.
“Vamos
fazer um estudo”, “abrimos uma apuração rigorosa”, “tomamos as providencias
cabíveis”, “vamos criar uma comissão de especialistas”…
Quantas
vezes o distinto leitor vê estas platitudes sendo ditas como se fossem reações
adequadas diante de monstruosidades, que ceifam a vida de pessoas?
E,
com a pandemia, não de “pessoas”, assim, vago. Não, de milhares de pessoas a
cada dia, de dezenas de milhares a cada Mês, de centenas de milhares de peaaos
em menos da metade de um ano?
Vejo,
na televisão, comentaristas dizerem que a decisão de Bolsonaro de forçar o
Ministério da Saúde, o do “um tal Queiroga”, é “uma temeridade”, “um perigo”.
Não,
não é, é um assassinato em massa.
Será
que farão um estudo para saber quantos dos obnubilados pelo fanatismo estarão,
amanhã, nas ruas, deixando de usar máscara, porque o energúmeno que nos preside
assim recomendou? E quantos, em função disso, contrairão a doença e morrerão?
Ainda
que seja um só, é um homicídio, porque assume-se o risco de provocar a morte.
Cada
um que permanecer tolerante aos boçais que empalmaram o poder terá que pagar
pelo que está fazendo.
Há
uma conspiração da morte com finalidades políticas em curso em nosso país e não
mais se pode aceitar que se alegue que “eu sou técnico” para isentar-se de
responsabilidade, porque estamos diante da aniquilação em massa de brasileiros
e de brasileiras.
Estar
no Governo é estar no projeto genocida de Bolsonaro, porque ele não governa,
faz apenas a sua politica de radicalismo e de extermínio. E se foi, com isso, a
legitimidade de sua eleição: não lhe deram um voto para provocar o morticínio
de meio milhão de brasileiros.
Por
onde se olhe, de Queiroga a Paulo Guedes, dos generais da ativa e da reserva
que estão no governo, todos estão apenas para gozar de postos e benesses para
si, sem nenhum projeto para o país e, ainda pior, aceitando que ele seja
desmantelados, inclusive pelo ceifar de vidas.
Quem
tergiversar, não espere que o país, amanhã, não o trate como um traidor da
Pátria e um assassino de brasileiros.
Falou-se
muito no papel do escritor Mario Varga Llosa nas eleições peruanas, por ter
abraçado o sobrenome de seu ex-rival Alberto Fujimori, na pessoa de sua filha
Keiko, para apoiá-la contra o ‘índio’ Pedro Castillo.
Mas,
em algum sopro dos ventos do altiplano andino, as partículas do que um dia foi
outro grande escritor peruano é que devem estar rebrilhando com a vitória o ‘professor‘,
que fez uma campanha a partir do que ninguém via, mas que triunfou, que estão
apuradas todas as urnas.
É
Manuel Scorza, morto num acidente aéreo em 1983. autor de cinco novelas de uma
série que contou a história do nascimento e morte das revoltas camponesas das
populações indígenas dos campos e montanhas andinas do centro do país, das
quais a primeira, Redoble por Rancas, tomou aqui o horrível título
de Bom dia para os defuntos. Depois vieram Garabombo, o
Invisível; O Cavaleiro Insone; Cantar de Agapito Robles; A Tumba do Relâmpago e
A Dança Imóvel, lançado no ano de sua morte.
A
crescente presença política das populações indígenas na face ocidental da
América Latina, dos mapuches do Chile, passando pela Bolívia e chegando ao
altiplano peruano, torna Scorza atualíssimo e é no seu segundo livro, Garabombo,
o Invisível, que se encontra uma metáfora terrivelmente próxima do que se passa
no país andino.
Garabombo
não é invisível por mágica ou truque, mesmo sendo o romance do realismo
fantástico da literatura regional. É porque, tendo ido servir ao Exército
peruano em Lima, a capital do saque colonial da América espanhola, mesmo já independente,
descobre que os homens do poder e do governo, física ou mentalmente brancos,
simplesmente ignoram, como se não os vissem, os que vinham das origens
indígenas do país.
Invisível,
então, Garabombo serve-se disso para ajudar a organizar a revolta camponesa,
porque não o enxergavam. E os comuneros, impedidos de se reunirem pelas
autoridades, encontram um meio de se reunirem: são autorizados a construir uma
escola, que quando está quase pronta, incendeia-se e os “obriga” a construir de
novo, e maior. E de novo, maior e maior.
Imagem
tão forte que há quase 50 anos me acompanha, desde que a li, num subúrbio
carioca, por simples fome de leitura.
Pois
Pedro Castillo, a surpresa das eleições peruanas, a quem não davam um tostão
furado de possibilidades de vitória, passou de ilustre desconhecido a
presidente eleito do Peru, o que só não se proclama oficialmente ainda porque
Keiko Fujimori passou a usar a tática desesperada de impugnar 802 urnas nas
quais diz que houve fraude.
Quem
o colocou no segundo turno, de onde partiu para a vitória, não foi a classe
média, a esquerda “moderna”: foram os ‘invisíveis’. E, dali, ele passou a
representar o povão também em outras regiões do país, embora sua vitória
definitiva continue a dever-se aos altiplanos, onde teve oitenta por cento ou
mais dos votos.
Se
conseguirá manter-se no governo é outra história. A correspondente de O
Globo para a América Latina, ácida critica da esquerda, diz hoje que Em clima de pânico, elite peruana resiste a reconhecer
sua vitória, embora tenha passado décadas ignorando esta força que vem
sobrevivendo há um século no Peru desde a Apra – Aliança Peruana Revolucionária
da América- criada em 1924 por Haya de La Torre.
Seja
como for, nesta América Latina onde um tarado tornou-se líder simulando armas
com as mãos, é um soproo de esperança que se eleja um professor humilde, de uma
escola do interior, que fez campanha tendo um lápis como símbolo, que ele
empunhava por toda parte.
Talvez
para lembrar as palavras de Scorza: Li os livros que meus colegas de
trabalho me emprestaram. Senti que uma venda caiu dos meus olhos e um grande
brilho iluminou meu entendimento. Toda a escuridão se transformou luz do
meio-dia até então para mim um livro ou jornal era papel de embalagem. A partir
daí comecei a vê-los como depósitos, como silos de amor, onde os homens mais
sábios guardaram suas idéias para que nós nos alimentássemos delas, porque as
ideias são melhor pão para os famintos”.
Infeliz,
sob todos os aspectos, a frase do presidente argentino Alberto Fernández, numa
brincadeira idiota, querendo fazer uma “graça” com a frase “”os mexicanos
vieram dos indígenas, os brasileiros, da selva, e nós, chegamos em barcos”.
É
uma reedição anacrônica das disputas de ironias que eram comuns entre os hermanos e
nós, que tinha como chiste reverso de se dizer que os argentinos “se
acreditavam ingleses, mas eram italianos”.
E
quando não debochamos do “índio” boliviano Evo, e do mulato mestiço Chávez e de
tantos outros que não tinham o tipo físico “adequado” a serem governantes,
porque encarnavam até no rosto o “povão”
Infelizmente,
muitos não se apercebem do quanto isso representa, há dois séculos, um dos
truques dos dominadores para dividir povos que têm, afinal, um continente e um
destino em comum e onde a estratégia de dividir-nos sempre foi a maneira de nos
conservarmos cativos.
Mas
para nós, brasileiros, isso tem sido pior.
Estamos
partindo o que o tempo vinha fazendo, ao nos fundir como um país mestiço, ainda
que nesta mestiçagem haja muitas tristezas e opressões: os negros que vinham
escravizados e eram abusados; os índios que perdiam sua terra e identidade, os
europeus pobres, que vinham com alguns farrapos para trabalhar nas lavouras
calejando as mãos, os árabes que juntavam moedas até poder mascatear pelas
poeiras do interior, os judeus que se enfurnavam nos porões de navio e
despencaram-se para cortiços e subúrbios para fazerem a vida.
Sim,
o retrocesso tem como método nos dividir.
Tribos
são sempre menores e mais fracas que nações e a estratégia de nos tribalizar,
embora pareça atraente para alguns acaba por ser vantajosa para os que pensam
que podem manter todo o povo se ele se dividir.
Fernández
pode até estar certo ao dizer que argentinos vieram de barco, como de barco
vieram muitos de nossos pais, avós, bisavós que, sem a passagem de volta – que
só está disponível hoje para elites que, na Argentina, no Brasil e em inúmeros
países da América Latina enriqueceram – vieram para a América.
Nosso
barco agora, senhor presidente, é este continente latinoamericano e não é por
outra coisa que a direita sempre quis destruir o Mercosul que nos fortalece
politicamente ante a voragem neocolonial.
E
é por isso que o senhor acabou por prestar um favor imenso a um governo
brasileiro que trabalha por isso, mudando o tempo do verbo da frase infeliz: os
brasileiros vieram da selva, da África, da Europa pobre, dos árabes, judeus e
dos orientais de vidas miseráveis e avançaram. E que hoje estamos sendo
arrastados à barbárie violenta.
Após
dias de especulação, atletas divulgam texto em suas redes sociais. Seleção
Brasileira está confirmada para disputar o torneio no Brasil.
Jogadores
ficaram decepcionados com a postura do presidente afastado da entidade Rogério
Caboclo. (Lucas Figueiredo/CBF).
Os
jogadores da seleção brasileira divulgaram manifesto sobre a realização da Copa
América no Brasil após a vitória sobre o Paraguai nesta terça-feira. No texto,
os jogadores ressaltam que nunca quiseram tornar a discussão política.
"Somos contra a organização da Copa América, mas nunca diremos não à
seleção brasileira."
No
manifesto, os jogadores explicam que não houve tentativa ou sugestão de boicote
à Copa América. Assim se limitam a expor o desconforto com as mudanças de sede
e dificuldades com a organização. Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro
usaram as redes sociais, ao longo dos últimos dias, para criticar a postura da
seleção, principalmente do técnico Tite, contrária à celebração do evento no
Brasil.
"É importante frisar que em nenhum
momento quisemos tornar essa discussão política. Somos conscientes da
importância da nossa posição", escreveram os jogadores.
As informações sobre o descontentamento de integrantes da seleção brasileira
surgiram logo após o anúncio de que o Brasil passaria a receber o evento,
diante das negativas de Colômbia e Argentina, países que originalmente
abrigariam a competição. A insatisfação de jogadores e comissão técnica veio ao
encontro da repercussão negativa em celebrar a Copa América no Brasil mesmo em
meio à pandemia do novo coronavírus com números que ultrapassam os 450 mil
mortos.
Além da situação da pandemia, outro fator que
abalou a relação da seleção com a direção da CBF foi a falta de aviso e
consulta aos atletas sobre a vinda do torneio para o país. Jogadores ficaram
decepcionados com a postura do presidente afastado da entidade Rogério Caboclo.
O dirigente é acusado de assédio moral e sexual por uma funcionária da
entidade. O afastamento será pelo prazo de 30 dias, no entanto, articulações na
CBF sugerem que em breve haverá novas eleições na entidade.
Antes do duelo com o Equador, na última
sexta-feira, o técnico Tite já havia pedido que seus comandados se
concentrassem na missão de levar o País a mais uma Copa do Mundo. Mas deixou
clara a insatisfação de sua parte e também dos atletas. Após o jogo, o volante
Casemiro não entrou em maiores detalhes e reforçou as informações anteriores
repassadas pelo treinador.
Nesta quarta-feira, Tite fará uma nova
convocação para definir os nomes que atuarão na competição sul-americana. A
expectativa é que haja mudanças, uma vez que alguns atletas podem ser chamados
para atuar pela seleção olímpica. O Brasil defende o ouro em Tóquio, e alguns
jogadores já se mostraram interessados em participar novamente dos Jogos.
A Copa América tem início agendado para 13 de
junho. Em Brasília, no estádio Mané Garrincha, às 18h, a seleção brasileira
enfrenta a Venezuela, pelo Grupo B. No mesmo dia, às 21h, Colômbia e Equador
duelarão na Arena Pantanal, em Cuiabá. Em 14 de junho, será a vez da Argentina
começar sua jornada na competição, enfrentando o Chile, no Engenhão, às 18h.
Mais tarde, às 21h, Paraguai e Bolívia jogam em Goiânia. A final do torneio
está marcada para 10 de julho, no Maracanã.
Leia o manifesto na íntegra:
"Quando nasce um brasileiro, nasce um
torcedor. E para os mais de 200 milhões de torcedores escrevemos essa carta
para expor nossa opinião quanto a realização da Copa América.
Somos um grupo coeso, porém com ideias
distintas. Por diversas razões, sejam elas humanitárias ou de cunho
profissional, estamos insatisfeitos com a condução da Copa América pela
Conmebol, fosse ela sediada tardiamente no Chile ou mesmo no Brasil.
Todos os fatos recentes nos levam a acreditar
em um processo inadequado em sua realização.
É importante frisar que em nenhum momento
quisemos tornar essa discussão política. Somos conscientes da importância da
nossa posição, acompanhamos o que é veiculado pela mídia, estamos presentes nas
redes sociais. Nos manifestamos, também, para evitar que mais notícias falsas
envolvendo nossos nomes circulem à revelia dos fatos verdadeiros.
Por fim, lembramos que somos trabalhadores,
profissionais do futebol. Temos uma missão a cumprir com a histórica camisa
verde amarela pentacampeã do mundo. Somos contra a organização da Copa América,
mas nunca diremos não à Seleção Brasileira."
O
episódio da combinação entre o falsário que inseriu, na noite de domingo, um
relatório fajuto e combinado com o presidente da República – ou com os filhos
presidenciais, o que dá no mesmo – para que este colocasse em dúvida a extensão
das mortes pela Covid, é só um retrato do que é a entrega do comando deste país
à pior malta de escroques em sua história, e olhe que já tivemos por aqui
escroques capazes de superar os maiores do mundo.
O
sujeito que emprenhou com documentos faltos o site do TCU é “peixe” de
Bolsonaro, que por ele interferiu para ser nomeado para um cargo no BNDES, em
telefonema pessoal do presidente da República, ao então presidente do TCU para
que este autorizasse sua requisição para o cargo, informa Waldo Cruz, da Globonews.
Temos
uma escumalha no comando da República, como diz, na edição de hoje da Folha o
colunista Bruno Boghossian, ao dizer que Bolsonaro levou gangue golpista ao poder, e não apenas
no sentido do golpe político, mas no de aplicação de golpes de toda espécie,
espalhados numa imensa rede de favorecimentos.
Mas
vivemos um tempo em que tudo isso se aceita “em nome” do combate ao que seria
“esquerdismo”contrário a um governo que, afinal, está “combatendo a corrupção”.
O
governo Bolsonaro, se é que se pode chamá-lo de governo, está se putrefazendo.
Mas,
muito mais rapidamente do que se dissolve, dissolve as instituições da
República, a vontade nacional e nosso senso de decência púbica.
Ainda
faltam 16 meses para as eleições e só quem for muito tolo acreditará que todo
este tempo se permitirá que se forme naturalmente a consciência da população.
Não
estamos lidando com um adversário político, mas com uma quadrilha.
Alexandre
Figueiredo da Costa Silva Marques é amigo dos filhos de Jair Bolsonaro e foi
levado por eles para ser, durante alguns meses, para o BNDES por outro
integrante da “turma”, Gustavo Montezano, quando este foi nomeado presidente do
Banco pelo presidente, que não se conformava de Joaquim Levy não ter criado a
“caixa preta” escandalosa que desejava usar para atingir os governos petistas.
Alexandre
acabou sendo barrado pelos ministros do TCU, que não queriam alguém do Tribunal
exercendo uma função que seria auditada pelo próprio Tribunal.
Foi o auditor
Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques o responsável por elaborar o “estudo
paralelo” apontando que metade das mortes pela covid-19 no país não ocorreram.
Segundo ele, os governadores inflaram o total de óbitos para obterem mais
verbas do governo federal.
Procurado
pelo Blog, Alexandre disse que só falaria com autorização da assessoria de
imprensa do TCU, que já foi demandada. O auditor é amigo dos filhos do
presidente Jair Bolsonaro e do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano.
O “estudo
paralelo” foi citado por Bolsonaro na segunda-feira (07/06) para desqualificar
a pandemia do novo coronavírus, que já matou quase 500 mil brasileiros. Nesta
terça (08/06), o presidente assumiu que o “estudo” não pertence oficialmente ao
Tribunal de Contas da União.
Alexandre está
lotado na secretaria do TCU que lida com inteligência e combate à corrupção.
Quando começou a pandemia do novo coronavírus, ele pediu para acompanhar as
compras com dinheiro público de equipamentos para o combate à covid.
A partir dali, o
auditor começou a elaborar o “estudo paralelo”. Quando apresentou os resultados
de sua tese aos colegas de trabalho, foi veemente repreendido, pois ficou claro
que ele queria desqualificar os governadores e favorecer o discurso de
Bolsonaro. Nenhum outro auditor do TCU endossou o “estudo” por considerá-lo uma
farsa.
Assustados com a
insistência de Alexandre, os colegas de trabalho comunicaram os ministros da
Corte de Contas o que estava acontecendo. Mas o auditor entregou a sua tese aos
filhos de Bolsonaro, que a tornou pública. O TCU abriu investigação para apurar
a conduta de Alexandre.
Quem acompanha as
redes sociais de Alexandre pode verificar que ele costuma compartilhar fake
news, como os benefícios do uso de ivermectina no combate à covid, e incitar
ataques a governadores, justamente a quem ele quer prejudicar com seu “estudo
paralelo”.
Num
final de apuração de tirar o fôlego, o candidato da esquerda peruana, Pedro
Castillo, acaba de passar à frente da direitista Keiko Fujimori, com pouco mais
de 44 mil votos de vantagem, o que representa perto de 0,3% de diferença.
Keiko
ganha em Lima e Castillo, com larga margem, entre população indígena da região
andina e do litoral sul do país, numa divisão que se reproduz quase que
eternamente na política peruana.
Falta
boa parte da apuração dos votos no exterior (onde onde Keiko leva vantagem, mas
também muitos das regiões de Cuzco, Puno, Junín, Ayacucho e outros de maioria
indígena, com vantagem ainda maior, em geral de 4 para um.
Mas
os votos do exterior são muitos e, com um quarto apenas apurados entre os quase
93% de urnas da contagem atual, devem deixar o resultado final em suspenso até
o final da noite de hoje, ou até a madrugada.
Não
há mais tempo para se perseguir terceiras vias ou esperar que a crise ou as
manifestações de rua resolvam. O país está no momento mais decisivo da sua
história e com a pior geração de homens públicos e privados.
Há
uma enorme discrepância entre o que a mídia passa sobre o pensamento militar,
através de inúmeras declarações em off, e os atos concretos do Exército. Nas
declarações, apoio integral à disciplina e à visão das Forças Armadas como
poder de Estado. Na prática, endosso tácito às arbitrariedades de Jair
Bolsonaro.
As
explicações devem ser buscadas em um fenômeno manjado do mercado de opinião: a
diferença entre as opiniões individuais e as opiniões coletivas.
Individualmente todos somos a favor do bem, da verdade, dos bons propósitos. No
coletivo, tudo é possível, pois submetido ao monstro, a onda instável criada no
grupo, que pode ir da generosidade mais sensível à ferocidade mais
inexplicável. Isso porque entra, no comportamento, o componente dos interesses
corporativos e pessoais e o efeito-manada.
Nenhuma
categoria está imune ao efeito manada. O discurso de ódio dos últimos anos
transformou jornalistas experientes em bestas feras sedentas de sangue e
exigindo autocrítica das vítimas. O refluxo os devolveu à civilização, com um
discurso humanista emocionado – e sem autocrítica. Nos órgãos de controle,
transformou burocratas pacatos em justiceiros do velho oeste, daqueles que
arrombam a porta da delegacia para enforcar suspeitos. No Ministério Público,
infundiu um sentimento de onipotência que se espalhou por toda a corporação,
calando as vozes de bom senso.
O
primeiro passo, então, é separar dois tipos de opiniões pessoais. Um, a das
chamadas pessoas-bússola, que mantêm suas convicções independentemente das
ondas. Outra, a das birutas-de-aeroporto, que seguem as ondas. Tudo isso em um
país sem nenhum caráter institucional, com uma história secular de oportunismo.
Por isso, jornalistas, ministros, juízes, procuradores, políticos, militares,
cronistas de variedades, seguem as ondas de opinião com a mesma facilidade com
que adolescentes seguem a última moda.
Nesse
quadro, em qualquer dessas organizações há pouco espaço para as
figuras-bússola. Assim, o caráter dessas corporações-instituições acaba
refletindo o oportunismo e a tibieza da cúpula que, por sua vez, foi filtrada
justamente por sua postura acomodatícia.
No
caso do Exército, há uma dificuldade extra para decifrar os movimentos
coletivos. As declarações têm que ser sempre em off. Como toda reportagem é em
off, elas são vulneráveis ao efeito “elefante e os 7 cegos”, cada qual dando ao
elefante o formato de acordo com o pedaço do corpo que apalpa. Ou então,
valendo-se da cegueira generalizada para incluir jabutis nas declarações
em off. Afinal, como tudo é off, um pouquinho de subjetividade não fará mal a
ninguém.
É
o caso de Merval Pereira, sustentando que a decisão do Exército foi para não
fragilizar Bolsonaro perante Lula. Nenhum dos colunistas supostamente com
fontes militares reportou tal preocupação. Donde se conclui que Merval apalpou
apenas a tromba do elefante e transformou a preocupação lateral imediata de uma
fonte em objetivo geral. Ou então quis reeditar o efeito Villas Boas, trazendo
de volta o fantasma da intervenção militar contra Lula para estimular a chegada
de algum dom Sebastião, descendo dos céus para salvar o país do lulismo e
transformar em algo sólido o ectoplasma da terceira via.
Mas
acertou a questão maior. Quando houve a invasão da administração pública por
militares, eles se acostumaram com o poder com suas diversas benesses: melhoria
da renda, aumento da influência sobre setores da economia e celebrização.
E, cimentando esses interesses menores, a afinidade com várias das teses
defendidas por Bolsonaro no plano moral, ambiental e no antipetismo
exacerbado.
Assim
como em 1964, a ocupação militar se dá, inicialmente, preservando alguns
formalismos democráticos. Em 1964 não faltou o endosso de uma eleição indireta
de Castello Branco – depois do Congresso devidamente expurgado por cassações. E
a promessa – jamais cumprida – de devolver o poder aos civis, depois do país
ser limpado dos indesejáveis.
O
mesmo ocorre agora. O Supremo ordena que o Exército vá atender as populações
indígenas atacadas pelo Covid. Não há questionamento, mas não se cumpre a
ordem. A ordem é jogada de um lado para o outro, de um escaninho
burocrático para outro e nada se faz.
Repete-se
com as milícias oficiais ligadas à violência. Tome-se o massacre de
Jacarezinho. O STF só autorizou operações policiais em casos graves. Aí, o
Secretário da Policia Civil dá como motivo quadrilhas aliciando menores – um
dado rotineiro na vida carioca. Mas é suficiente para montar uma operação
bélica que resulta no maior massacre da história do Rio de Janeiro. Mas,
como dizem os idiotas da objetividade, as instituições continuam funcionando.
A
estratégia de Bolsonaro tem sido óbvia. Vai comendo a democracia pelas bordas.
Vez por outra tenta o embate frontal, encontra resistências e muda de assunto.
E continua comendo pelas bordas, enquanto o país civilizado alimenta o sonho de
que irá tirá-lo do poder nas eleições de 2022.
PONTO
1 – PREPARAÇÃO DO GOLPE
O
processo de golpe em marcha consiste dos seguintes pontos:
1.
Entrada descontrolada de armamentos beneficiando dois setores formais e um
setor criminoso ligados a Bolsonaro: ruralistas e clubes de tiro e caça, e
asmilícias propriamente ditas. No primeiro caso, assinou vários decretos não só
liberando a importação e compra indiscriminada de armas como aboliu até os
procedimentos para identificação de origem das munições. No segundo caso,
afastou um superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro e fiscais da
Receita do porto de Itaguaí – porta de entrada do contrabando de armas no país
– que combatiam diretamente a atividade criminosa do contrabando de armas.
2.
Cooptação das bases das polícias militares. A última iniciativa, do Ministério
da Justiça – dirigido por um ministro bolsonarista – é conseguir o e-mail de
todos os policiais militares do país para um suposto levantamento das suas
condições sócio-econômicas. É evidente que a ideia será inseri-los no circuito
dos algoritmos que sustentam a base bolsonarista.
3.
As benesses aos militares, escancarando os cargos na administração civil para
militares da ativa e da reserva, ampliando suas verbas e benefícios funcionais.
Ao aceitar os decretos de armas de Bolsonaro, o Exército abriu mão do seu maior
poder, o do monopólio da força. É uma instituição sem espinha dorsal.
4.
Fortalecimento das bases evangélicas, com a atuação pertinaz da Ministra
Damares destruindo políticas de saúde e de inclusão para transferir poder a
asilos e escolas especiais dominadas pelo neopentecostalismo.
5.
Manutenção dos laços de parceria com a ultradireita mundial através do
Itamarati. Tirou-se um Ministro das Relações Exteriores trapalhão, mas não se alterou
a orientação do Itamarati.
6.
Queima irresponsável de ativos públicos essenciais – em operações conduzidas
por quadros militares, como o Ministro das Minas e Energia Bento Albuquerque –
para comprar o apoio do mercado.
7.
O maior projeto de suborno da história do país, entregando todo o orçamento
para controle absoluto dos parlamentares, visando fortalecer
Parafraseando
Noel Rosa – por aqui tudo se compra -, Bolsonaro logrou cooptar três
instituições essenciais:
Congresso –
com o suborno das emendas.
Exército –
com empregos e tornando-o co-gestor do país.
Mercado –
com o suborno das privatizações.
PONTO
2 – AS FORÇAS DO CONTRAGOLPE
Em
todo esse imbróglio, há apenas uma força impedindo o golpe: a indignação de
parte da população com a necropolítica de Bolsonaro e a permanência da crise
econômica. É esse alarido que impõe limites à própria ampliação do poder
militar, confere autoridade aos Supremo Tribunal Federal e à própria CPI do
Covid. Esse desgaste é medido nas pesquisas de opinião e nas manifestações de
rua.
Atualmente,
há há dois processos promovendo a mobilização. O primeira, os desastres da
política de saúde de Bolsonaro no combate à pandemia. O segunda, a crise
econômica e a notável inoperância do Ministério da Economia.
E
se esses fatores se diluirem?
Do
lado da saúde, a vacinação – ainda que tardia – afastará o fantasma do Covid,
deixando para trás a lembrança das centenas de milhares de famílias órfãs.
Afastado o risco da pandemia, o foco maior será a economia.
Do
lado da economia, com o controle da pandemia haverá uma melhoria óbvia. E
haverá também o efeito externo, do novo ciclo de alta dos commodities
permitindo alguma recuperação econômica. E, obviamente, fortalecendo o discurso
de Bolsonaro de que seu combate ao isolamento social garantiu a recuperação.
Coloque-se
nesse caldeirão a reativação dos programas de transferência de renda e se terá
um candidato competitivo.
Há
outras sombras no horizonte, como a provável crise hídrica, uma possível
terceira onda do Covid.
Repare,
portanto, que todo o blábláblá dos idiotas da objetividade sobre a força das
instituições, fica na dependência exclusiva de fatores fora do controle das
instituições. Se a economia se recuperar, o resultado político será um; se
piorar, será outro.
PONTO
3 – O QUE SERIA UM SEGUNDO GOVERNO BOLSONARO
Caso
prevaleçam os fatores pró-Bolsonaro na economia e na saúde, há o risco concreto
de uma consolidação da barbárie, mas ampliada com outros atores. Afinal,
trata-se definitivamente de um país sem caráter institucional.
Para
impedir um governo social-democrata que coloque um fim a esse banquete de
bárbaros, poderá ocorrer o seguinte movimento.
1.
Bolsonaro repaginado
Fortalecido,
Bolsonaro não terá necessidade de continuar apelando às suas bases radicais,
moderando a retórica – não a prática – para ampliar sua base de apoio.
Hoje
em dia, por exemplo, o desmonte final do Estado é contido pela resistência de
quadros do Estado ligados ao bolsonarismo – especialmente as forças policiais.
Conseguindo diversificar sua base de apoio, poderá se aventurar a encarar
a pá de cal no Estado brasileiro, a reforma administrativa. Preservando,
obviamente, a polícia e o Judiciário.
2.
Exército co-gestor do desastre
Sem
o alarido das ruas, o Exército poderá se curvar cada vez mais a Bolsonaro.
Afinal, tornou-se uma corporação sem nenhum verniz intelectual, sem projeto
algum de país, sem uma liderança de fôlego sequer, meramente administrando
alianças com outros setores e benesses para a corporação. Juarez Távora,
Estilac Leal, os Cardoso, Golbery, personalidades à esquerda e à direita serão
apenas um quadro na parede das Forças Armadas, substituídos por DAS armados.
Assista
a entrevista do historiador Manuel Domingos sobre os militares, hoje. Vídeo
abaixo:
3.
Mercado comprado
Se
der certo o projeto Bolsonaro repaginado, haverá uma aceleração do desmonte do
Estado, com a destruição final do sistema público de serviço. Com o endosso do
mercado, bastarão alguns acenos de Bolsonaro para a mídia corporativa cair de
novo em seus braços consumando a privatização total da educação, com a
destruição do sistema público de ensino, e a ampliação da privatização da
saúde.
4.
Diques de contenção
Sem
o endosso das ruas, um cabo e um sargento bastarão pra retrair o Supremo, a CPI
do Covid e outras tentativas de conter Bolsonaro.
PONTO
4 – OS PONTOS DE RESISTÊNCIA
Menciono
o cenário acima como um argumento “ad terrorem”. Mas é uma possibilidade
concreta. Não é por outro motivo, que a própria OCDE e o Fórum Econômico
Mundial conferem ao Brasil o status de ameaça – tanto climática quanto à
democracia -, em pé de igualdade com a Turquia.
Veja,
a propósito, entrevista com o jornalista Jamil Chade, sobre o pensamento dos
organismos multilaterais e das principais associações do capitalismo. Vídeo abaixo:
Não
há mais tempo para se perseguir terceiras vias ou seja lá isso o que for, ou
procrastinar em relação aos abusos de Bolsonaro, esperando que a crise ou as
manifestações de rua resolvam a questão.
O
país está no momento mais decisivo da sua história e com a pior geração de
homens públicos e privados da história. Resta apenas uma personalidade com
dimensão – Lula, por sua história e por seu papel de ex-presidente. Resta ver
se conseguirá superar o pensamento miúdo e imediatista de um país que perdeu
todas as referências.
As
recentes manifestações conjuntas de Lula e FHC acendem uma luz, ainda que
tênue, de esperança.