Com
um manejo ecológico, comunidade no Mato Grosso transformou a criação de gado em
aliada do meio ambiente.

“No
Brasil, a grande maioria das comunidades tradicionais não têm respaldo para o
seu território.”
Os
ciclos do rio Araguaia marcam o ritmo da vida dos retireiros, uma comunidade
tradicional que se formou no município de Luciara, no Mato Grosso, na década de
1940.
Quando
as águas do rio baixam, entre maio e novembro, eles deixam as casas na cidade e
descem com o gado para a região de várzea. É lá que ficam os retiros, as
residências da época da seca.
E
é também onde brota o capim agreste usado como pasto para os animais. A
retireira Lidiane Taverny Sales conta como é essa relação intensa com a
paisagem e o gado.
“Por
ser uma área de gado solto, na larga, tem que ter um cuidado mais próximo.
Então os meninos têm essa lida mais intensa de sair na madrugada para buscar um
gado bem longe, porque a área é extensa. Na casa dos retireiros é sempre falado
do gado: o gado que sumiu, a vaca que pariu, o boi que tá doente".
A
retireira ressalta que uma das características mais interessantes da comunidade
é que "um cuida do gado do outro”.
O
manejo do gado feito pelos retireiros tem vantagens do ponto de vista ecológico
quando comparado à pecuária tradicional. É o que explica a ecóloga Isabel
Figueiredo, que coordena o Programa Cerrado e Caatinga do Instituto Sociedade,
População e Natureza, o ISPN.
“Esse
é um pasto natural, então não é necessário remover a vegetação nativa e plantar
uma variedade de capim que vem lá da África e que precisa de um monte de
insumos, de trator que compacta o solo. Então nesse caso é uma criação de gado
muito mais integrada com a vegetação natural.
Ainda
de acordo com a ecóloga, "o gado pode estar pastando e do lado ter
uma ema pastando também. É uma paisagem onde a fauna consegue circular, que o
cerrado consegue produzir frutos, consegue seguir com a biodiversidade”.
Mas
a vida nos retiros não é só trabalho pesado. Lidiane relata que a época de seca
também é um momento de aproveitar o contato com a natureza.
“A
gente vai pra ficar em contato com o lago, pescando. E descansando também
desse mundo mais moderno, de tecnologias, em contato com a família
e com os amigos. Os lagos são muito lindos, a gente tem um boto, tem um
boto aqui que é famoso, que é bonzinho, o pessoal brinca com ele. É um momento
muito bom dentro do território”.
Reserva
de Desenvolvimento Sustentável
Com
o avanço da grilagem e do agronegócio, o modo de vida tradicional dos
retireiros está em risco. Por isso, desde 2003, eles tentam criar a Reserva de
Desenvolvimento Sustentável do Mato Verdinho nas margens do rio, uma área que
pertence à União.
No
começo, o processo fluiu bem. Mas em 2013, quando foi marcada uma consulta popular
sobre a criação da reserva, houve um conflito intenso na cidade de Luciara,
como lembra Lidiane.
“As
forças políticas municipais, juntamente com o agronegócio e os fazendeiros,
usaram isso para colocar a população contra a nossa luta, e sitiaram o município.,
bloqueando a entrada e a saída. Vivemos sete dias de intenso conflito. Tivemos
queimas de retiros. E desde então, nossa luta pelo reconhecimento oficial do
território tem sido barrada”.
A
reportagem entrou em contato com o ICMBio, a prefeitura de Luciara e o governo
do estado do Mato Grosso, mas nenhum deles respondeu ao questionamento sobre a
criação da reserva.
Isabel
Figueiredo explica que faltam instrumentos legais para amparar comunidades como
a dos retireiros.
“Além
de quilombolas e indígenas, não há outra categoria com respaldo legal para a
demarcação de territórios coletivos. Existem algumas legislações estaduais ou
regionais. Tem algumas leis municipais que reconhecem as comunidades
geraizeiras no norte de Minas".
A
ecóloga lembra que a Bahia possui uma legislação que reconhece territórios
coletivos de comunidades de fundo e de fecho de pasto, mas com uma série de
problemas, como a questão do marco temporal".
Então,
no Brasil a grande maioria das comunidades tradicionais não têm respaldo para o
seu território”, avalia.
Para
fortalecer a identidade retireira, um instrumento importante é o bordado feito
pelas mulheres. Além de ser uma fonte de renda, as peças também são um meio de
divulgar a luta pela regularização fundiária e a preservação do modo de vida
comunitário.
Seu
Benoir, que é pai de Lidiane e foi um dos primeiros retireiros a se estabelecer
nas margens do Araguaia, resume bem qual o sonho dele para o território:
“Meu
sonho é que fique do mesmo jeito de quando eu era criança, quando era novo”.
Brasil de Fato.
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