Reportagem
da Agência Pública e do Intercept Brasil mostra como o FBI tinha conhecimento
detalhado da operação da Lava Jato que destruiu a maior empresa de engenharia
brasileira, a Odebrecht. Os diálogos obtidos mostram como Deltan Dallagnol
escondeu da PGR a ação conjunta da força tarefa brasileira com o FBI, numa ação
clandestina e ilegal.
(Foto: Fotos: Reuters)
Natalia
Viana, Rafael Neves, Agência
Pública/The Intercept Brasil - Nos seus pouco mais de 20 anos no FBI,
a agente especial Leslie R. Backschies esteve diversas vezes no Brasil.
Backschies, cujo nome do meio é Rodrigues, com a grafia portuguesa, é fluente
na língua nacional e vem ao país desde pelo menos 2012, ano em que há um
primeiro registro de uma visita sua à Polícia Militar de São Paulo. É, também,
a única foto que se encontra na internet dessa notável agente do FBI – embora
esteja longe da câmera e de óculos escuros. O objetivo daquela visita era
firmar parcerias para capacitação de policiais para responder a ameaças
terroristas antes da Copa de 2014.
Ao
longo de sua carreira, Leslie trabalhou na divisão de Segurança Nacional do
FBI, atuando nas áreas de contraterrorismo e resposta a armas de destruição em
massa – ela foi co-autora de um guia sobre armas biológicas para o site Jane’s
Defense.
Trabalhando
para a Divisão de Operações internacionais do FBI, em 2012 Leslie mudou-se para
a América do Sul, passando a viver em local não revelado, de onde
supervisionava os escritórios do FBI nas capitais do México, Colômbia,
Venezuela, El Salvador e Chile, além dos agentes do FBI lotados na embaixada em
Brasília. No mesmo posto, comandou operações da polícia federal americana em
Barbados, República Dominicana, Argentina, Panamá e no Canadá.
Mas
nos últimos anos, a carreira de Leslie deu uma guinada. De especialista em
armamentos e terrorismo, ela passou a se dedicar a investigar casos de
corrupção e lavagem de dinheiro na América Latina – com destaque para o Brasil.
Em
2014, Leslie foi designada pelo FBI para ajudar nas investigações da Lava Jato.
A informação consta de reportagem do site Conjur sobre evento promovido pelo
escritório de advocacia CKR Law em São Paulo, em fevereiro de 2018, que contou
com presença dela. A atuação de Leslie foi considerada “um trabalho tremendo” e
“crítico para o FBI” pelos seus supervisores, segundo seu ex-chefe afirmou em
um evento sobre o combate à corrupção em Nova York no ano passado acompanhado
por uma colaboradora da Pública.
Leslie
se tornou especialista na legislação FCPA, Foreign Corrupt Practices Act, uma
lei americana que permite que o Departamento de Justiça (DOJ) investigue e puna
nos Estados Unidos atos de corrupção praticados por empresas estrangeiras mesmo
que não tenham acontecido em solo americano. Foi com base nessa lei que o
governo americano investigou e puniu com multas bilionárias empresas
brasileiras alvos da Lava Jato, dentre elas a Petrobras e a Odebrecht, que se
comprometeram a desembolsar mais de US$ 4 bilhões em multas para os EUA, Brasil
e Suíça.
Hoje
morando de novo nos Estados Unidos, Leslie comanda a Unidade de Corrupção
Internacional do FBI, cuja grande novidade no ano passado foi um escritório
aberto em março em Miami apenas para investigar casos de corrupção na América
do Sul, o Miami International Corruption Squad.
A
unidade conta com seis agentes especiais, um supervisor e um contador forense
que atuam na cidade conhecida por receber exilados cubanos, venezuelanos e,
mais recentemente, uma enxurrada de ricos brasileiros. “Você não pode apenas
ter um agente ou dois em um escritório em campo trabalhando com isso…. Não dá
para trabalhar com isso apenas duas ou três horas por semana. Assim não vai
funcionar. Você precisa de recursos dedicados em período integral”, afirmou
Leslie à à Agência de Notícias Associated Press.
O
esquadrão para América do Sul é o quarto esquadrão do FBI especializado em
corrupção internacional. Todos foram abertos nos últimos cinco anos – ao mesmo
tempo que a maior investigação de corrupção da história brasileira varria o
continente.
A
reportagem pediu uma entrevista a Leslie Backschies, mas não obteve resposta
até a publicação.
Cinco
anos depois, Leslie parece bastante satisfeita com os resultados. “Nós vimos
muita atividade na América do Sul — Odebrecht, Petrobras. A América do Sul é um
lugar onde… Nós vimos corrupção. Temos tido muito trabalho ali”, disse ela à
Agência de Notícias Associated Press no começo de 2019.
“Não
dá pra ser melhor do que isso”, ela afirmou no evento da CKR Law em São Paulo.
“Nossa relação com o Brasil é o modelo de colaboração para países lutando
contra crimes financeiros”.
“Isso
é apenas o começo. Temos o enquadramento correto, a vontade e os fundos para
continuar trabalhando juntos”.
Em
outubro de 2015, Leslie fez parte da comitiva de 18 agentes americanos que
foram a Curitiba se reunir com procuradores e advogados de delatores sem passar
pelo Ministério da Justiça, órgão que deveria, segundo a lei, intermediar todas
as matérias de assistência jurídica com os EUA, segundo revelaram Agência
Pública e The Intercept Brasil.
A
proximidade com a equipe da Lava Jato era tanta que Leslie foi um dos agentes
do FBI que posaram com um cartaz apoiando o projeto de lei das 10 Medidas
Contra a Corrupção, bandeira da Força-Tarefa e em especial do seu chefe, Deltan
Dallagnol, que foi derrotada no Congresso Nacional.
Em
um chat com Deltan em 18 de maio de 2016 constante do arquivo entregue ao site
The Intercept Brasil, a procuradora Thaméa Danelon, ex-coordenadora da Força-Tarefa
em São Paulo, brincou antes uma viagem para os EUA: “Vou tentar tirar uma foto
c a Jennifer Lopes e o cartaz das 10 Medidas”, brinca ela. “Os agentes do FBI
já apoiaram. Mas não pode publicar a foto ok? Eles não deixaram”, explica
Thaméa, enviando a foto a seguir.
A
imagem foi posteriormente apagada e não consta do arquivo entregue ao
Intercept. Se divulgada, ela poderia causar uma saia justa ao MPF por se tratar
de autoridades estrangeiras atuando em uma campanha legislativa nacional.
Thaméa
diz que na foto todos são agentes, com exceção de uma tradutora brasileira.
Mostrando familiaridade com a agente americana, Deltan Dallagnol se entusiasma
e diz que a imagem lembra o filme Missão Impossível, estrelado por Tom Cruise.
“Legal a foto! A Leslie está em todas rs”.
A foto havia sido tirada em São Paulo um dia antes, em 17 de maio de 2016, quando Thaméa participou, junto com Leslie, de uma palestra para 90 membros do MPF paulista. Estavam lá também os agentes Jeff Pfeiffer e Patrick Kramer, além de George “Ren” McEchern, então diretor do Esquadrão de Corrupção Internacional do FBI em Washington – e chefe de Leslie.
Promovida
pela Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República
(PGR) e a Procuradoria da República em São Paulo, a palestra teve como objetivo
ensinar o funcionamento da FCPA. “Foi uma excelente oportunidade para
aprendermos sobre um eficiente sistema de combate à corrupção”, ressaltou
Thaméa no evento.
A
fala de Leslie Backschies não foi reproduzida online. A reportagem pediu as
fotos do evento à procuradoria, mas a assessoria de imprensa respondeu que
“infelizmente tivemos um problema no nosso backup e perdemos alguns registros
de anos anteriores, inclusive esse evento”. Questionada via Lei de Acesso, o
MPF fez uma dupla negativa: “E mesmo que tivéssemos estas imagens, elas
precisariam de autorização de uso das pessoas fotografadas (palestrantes e
espectadores), documento que não foi requisitado no evento”.
Meses
depois, foi a vez de Thaméa ir a Washington para dar um curso ao FBI sobre a
Lava Jato, conforme revela um diálogo com Deltan Dallagnol em 11 de Outubro de
2016 a partir das 16:47:23. “O FBI pediu pra eu falar sobre a Lavajato no curso
em Washington, tudo bem? Vc me mandaria um material em Inglês? Eles tb. querem
q eu fale sobre as 10 Measures!!!! show heim? até eles já sabem da campanha!!!”
Deltan
responde: “Animal. Não é tudo bem. É tudo excelente!!!!!”
As
mensagens foram reproduzidas com a grafia encontrada nos arquivos originais
recebidos pelo The Intercept Brasil, incluindo erros de português e
abreviaturas.
Segundo
um documento constante dos arquivos da Vaza Jato, em 2015 havia nove policiais
americanos lotados na embaixada de Brasília e no Consulado de São Paulo,
incluindo do FBI, da Polícia de Imigração e Alfândega e do Departamento de
Segurança Interna.
Com
base nos diálogos e em apuração complementar, a Agência Pública conseguiu
localizar, além de Leslie Backschies, 12 nomes de agentes do FBI que atuaram
nos casos da Lava Jato em solo brasileiro.
Pela
lei, nenhum agente americano pode fazer diligências ou investigações em solo
brasileiro sem ter autorização expressa do Ministério da Justiça, pois as
polícias não têm jurisdição fora dos seus países de origem. O FBI e a embaixada
dos Estados Unidos se negam a detalhar publicamente o que fazem seus agentes no
Brasil. Mas um documento da própria embaixada, obtido pela Pública, revela como
funciona esse trabalho. Trata-se de um anúncio em 19 de outubro de 2019 em
busca de um “investigador de segurança” para trabalhar na equipe do adido legal
e passar 70% do tempo fazendo investigações. “Essas investigações são
frequentemente altamente controversas, podem ter implicações sociais e
políticas significativas”, diz o texto do anúncio, escrito em inglês. O anúncio
avisa que o policial terá de viajar de carro, barco, trem ou avião por até 30
dias “para áreas remotas de fronteira e para todas as regiões do Brasil”.
Questionada
pela Pública sobre a atuação de agentes do FBI em território brasileiro e sobre
a parceria com os membros da Lava Jato, a embaixada americana respondeu através
de uma nota: “O FBI colabora com as autoridades brasileiras, que conduzem todas
as investigações no Brasil, inclusive todas as investigações que envolvem o
Brasil e os EUA. As autoridades federais e estaduais brasileiras trabalham
rotineiramente em parceria com as agências policiais dos EUA em uma ampla gama
de questões. Os Estados Unidos e o Brasil mantêm uma excelente cooperação
policial na FCPA, mas também no combate ao crime transnacional e em muitas
outros ámbitos de interesse mútuo. Procuramos oportunidades de aprender com
todas as nossas investigações. Um intercâmbio de boas práticas faz parte da boa
cooperação que desfrutamos com nossos colegas brasileiros”.
Há
dezenas de menções ao FBI e seus agentes nos diálogos constantes da Vaza-Jato
analisados pela Agência Pública e Intercept Brasil. Fica claro que o
relacionamento mais constante é entre membros da PF brasileira e agentes do
FBI.
À
frente da Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) da Procuradoria-Geral da
República, o procurador Vladimir Aras alertou diversas vezes para problemas
legais envolvendo a colaboração direta com agentes do FBI.
Uma
conversa bastante tensa, em 11 de fevereiro de 2016, revela até que ponto a PF
mantinha proximidade com o FBI e desconfiava do governo de Dilma Rousseff. A
ponto de o próprio chefe da Lava Jato, Deltan Dallagnol, admitir ao secretário
de Cooperação Internacional da PGR que a PF preferia tratar direto com os
americanos a seguir as vias formais.
Às
11:27:04, Deltan pede que Aras olhe um email enviado para os Estados Unidos.
Aras se surpreende com o teor: tratava-se de um pedido de extradição de um
suspeito da Lava Jato. Não fica claro quem é a pessoa a quem se referem. O
pedido, informal, havia sido enviado ao Escritório de Assuntos Internacionais
(OIA, na sigla em inglês) diretamente por Dallagnol, sem passar pela Secretaria
Cooperação Internacional da PGR nem pelo Departamento de Recuperação de Ativos
e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), do Ministério da Justiça,
autoridade central responsável, de acordo com um tratado bilateral. O diálogo
dá a entender que um mandado de prisão ainda estava por ser decretado pelo
então juiz Sergio Moro.
“Passa
o nome e os dados que vamos atrás. Fizemos isso com o advogado de Cerveró”,
responde Aras. “Nosso parceiro preferencial para monitorar pessoas tem sido o
DHS, mas podemos trabalhar com o FBI também. Quanto antes tivermos os dados,
melhor”, explica Aras, referindo-se ao Departamento de Segurança Interna dos
EUA (DHS, na sigla em inglês). Aras prossegue explicando que o pedido de
extradição teria que passar pelo DEEST, o Departamento de Estrangeiros do
Ministério da Justiça, além do Ministério de Relações Exteriores, “um parceiro
importante”.
“Não
é bom tentar evitar o caminho da autoridade central, já que, como vc sabe, isso
ainda é requisito de validade e pode pôr em risco medidas de cooperação no
futuro e a “política externa” da PGR neste campo”, explica Vladimir.
“O
que podemos fazer agora é ajustar com o FBI e com o DHS para localizar o alvo e
esperar a ordem de prisão, que passará pelo DEEST. Podemos mandar
simultaneamente aos americanos”, ele prossegue.
Em
resposta, Deltan é direto. “Obrigado Vlad por todas as ponderações. Conversamos
aqui e entendemos que não vale o risco de passar pelo executivo, nesse caso
concreto. Registra pros seus anais caso um dia vá brigar pela função de
autoridade central rs”, escreveu, deixando no ar a sugestão para que Aras se
ocupasse do assunto se um dia comandasse o MPF ou o Ministério da Justiça. “E
registra que a própria PF foi a primeira a dizer que não confia e preferia não
fazer rs”.
Vladimir
insiste: “Já tivemos casos difíceis, que foram conduzidos com êxito”.
“Obrigado,
Vlad, mas entendemos com a PF que neste caso não é conveniente passar algo pelo
executivo”.
Vladimir
responde que “A questão não é de conveniência. É de legalidade, Delta. O
tratado tem força de lei federal ordinária e atribui ao MJ a intermediação”.
Procurada
pela reportagem, a Força-Tarefa da Lava Jato reiterou, através de nota, que
“além dos pedidos formais por meio dos canais oficiais, é altamente
recomendável que as autoridades mantenham contatos diretos. A cooperação
inclui, antes da transmissão de um pedido de cooperação, manter contatos, fazer
reuniões, virtuais ou presenciais, discutir estratégias, com o objetivo de
intercâmbio de conhecimento sobre as informações a serem pedidas e recebidas”.
Leia a resposta completa no final desta reportagem.

Para a professora de direito penal e econômico na Fundação Getulio Vargas, Heloísa Estellita, o episódio é “lamentável”. “Não temos notícia de como o procurador procedeu e se procedeu a alguma medida. Mas não deixa de ser lamentável que, mesmo corretamente orientado por colega especialista em cooperação internacional e zeloso pela legalidade, o procurador tenha manifestado que, em tese, preferiria outro caminho”, avalia. “Como o procurador especialista alerta, a hipótese de circundar a autoridade competente poderia não só causar problemas institucionais no Brasil, como gerar descrédito para as instituições brasileiras perante autoridades estrangeiras”.
Naquele
mesmo ano, alguns meses depois, a relação com a polícia americana voltaria a
ser tema de debate entre os procuradores, desta vez pelo Chat Acordo ODE, onde
discutiam o contrato de leniência com a construtora Odebrecht.
O
tema da conversa, iniciada às 15:29:40 do dia 31 de agosto de 2016, era o
sistema de informática My Web Day, que, assim como o Drousys, era usado pelo
Setor de Operações Estruturadas, um departamento da Odebrecht que geria os
pagamentos de propinas a políticos de vários países. Os membros da Lava Jato
pediram informalmente ajuda ao FBI para quebrar as senhas de ambos os sistemas.
O pedido foi feito em agosto de 2016, quase um ano antes da Lava Jato receber
oficialmente os arquivos do Mywebday e Drousys a partir da assinatura do acordo
de leniência com a Odebrecht, o que ocorreu em agosto de 2017, segundo
reportagem de O Globo.
Naquele
dia o procurador Paulo Roberto Galvão explicou que pediu auxílio do FBI para
“quebrar” ou “indicar um hacker” para acessar o sistema My Web Day. Em
resposta, o promotor Sérgio Bruno, que coordenava a Lava Jato em Brasília,
afirma que o então Procurador Geral da República Rodrigo Janot chegou a ter uma
reunião na embaixada americana para pedir ajuda com os sistemas criptografados
da Odebrecht.
“O
canal com o FBI é com certeza muito mais direto do que o canal da embaixada. O
FBI tb já tem conhecimento total das investigações, enquanto a embaixada não
teria”, informa Paulo Roberto. “De minha parte acho útil manter os dois
canais”.
Depois,
ele explica: “A nossa foi sim com o adido, porém o que fica em SP. O mesmo que
acompanha o caso LJ”.
As trocas entre FBI e a Lava Jato em relação ao sistema My Web Day continuaram nos meses seguintes, mas parecem ter sido infrutíferas. Em outubro de 2016, Paulo Roberto Galvão compartilhou no chat “Acordo Ode” uma resposta em inglês de David Williams, adido do FBI na embaixada americana, sobre as possibilidades indicadas pelos experts em criptologia do FBI.
A
comunicação demonstra que o assunto já fora tratado, pessoalmente, com o
procurador Carlos Bruno Ferreira, da Secretaria de Cooperação Internacional da
PGR. “Se não me engano o assunto de baixo é o mesmo que o Carlos Bruno explicou
para mim recentemente na despedida do Adido Frank Dick na embaixada do Reino
Unido (certo Carlos?)”, escreve, em português fluente, prometendo consultar os
“cyber experts” do FBI. O problema é que o MywebDay usava uma poderosa
criptografia que só podia ser descriptografada usando 3 componentes. E a
Odebrecht dizia que tinha perdido dois deles, tendo apenas a senha. A
criptografia usava o programa Truecrypt.
“Eu
acho que em resumo o que eles estão falando é que sem os arquivos-chave, é
impossível no cenário da Odebrecht destravar o volume do TrueCrypt apenas com
uma senha”, escreveu como resposta David Williams. “Eles podem fazer uma
análise forense nas imagens que têm os dados do TrueCrypt, e fazer uma
tentativa para localizar os outros arquivos-chave. Se essa análise é algo que
você gostaria de receber assistência, avise-nos e podemos ver se é algo que o
FBI pode tentar”.
“Caros,
na Suíça aparentemente o pessoal da Odebrecht disse q teria condições de abrir
o sistema. Vamos entender melhor isso”, encerra Paulo.
No
final de 2016, a Odebrecht, junto com sua subsidiária Braskem – à época uma
joint-venture com a Petrobras – fez um acordo com o DOJ pelo qual ambas
concordaram em pagar uma indenização de no mínimo US$ 3,2 bilhões aos EUA,
Suíça e Brasil – total depois reduzido para US$ 2,6 bilhões – por práticas de
corrupção ocorridas fora dos EUA.
Procurada
pela reportagem, a Lava Jato afirmou, através de nota, que “os dados do sistema
Drousys, entregues ao MPF no bojo do acordo de leniência firmado pelo Grupo
Odebrecht, já foram objeto de perícia submetida à avaliação do Poder Judiciário
brasileiro e auxiliaram no fornecimento de provas a diversas investigações e
acusações criminais”. A resposta completa está no final da reportagem.
Porém,
apenas em agosto de 2017 cinco discos rígidos com cópia de dados do software
MyWebday foram entregues oficialmente aos procuradores da Lava Jato como parte
do acordo, segundo reportagem de O Globo. Os arquivos para descriptografá-los
continuavam desaparecidos – e mais uma vez a Lava Jato precisou da ajuda dos
americanos.
Discutindo
a reportagem do Globo, o procurador Roberson Pozzobon, colega de Dallagnol em
Curitiba que chegou a negociar a abertura de uma empresa de palestras em
sociedade com ele, reclamou: “Da forma como ele colocou, parece que não nos
empenhamos (e ainda estamos nos empenhando) para buscar acessar essas
informações (quando os dispositivos foram enviados até o FBI para ver se seria
possível acessar sem as senhas)”, escreveu ele no chat “Filhos do Januario 2 –
SAIR” em 6 de fevereiro de 2018.
A
colaboração com o FBI nas investigações em relação à Odebrecht levou a um dos
maiores acordos assinados até então pelo DOJ com uma empresa internacional, no
valor de US$ 2,6 bilhões de multa.
Como
a Odebrecht não é uma empresa de capital aberto e portanto não tem suas ações
vendidas na bolsa nos Estados Unidos – como era o caso da Braskem – o acordo
descreve algumas situações que estariam sob a jurisdição americana.
Por
exemplo, a Odebrecht teria usado contas em bancos de Nova York para transferir
dinheiro para contas Offshore em Belize e nas Ilhas Virgens Britânicas que,
afinal, seria “em parte” usada para o pagamento de propina em países
latino-americanos. O DOJ vai além. “A Odebrecht, os seus empregados e agentes,
tomaram diversos passos enquanto nos Estados Unidos para aprofundar o esquema.
Por exemplo, em 2014 e 2015, enquanto estavam em Miami, na Flórida, dois
funcionários da Odebrecht tiveram condutas relativas a certos projetos dentro
do esquema, incluindo reuniões com outros co-conspiradores para planejar ações
a serem tomadas em conexão com a Divisão de Operações Estruturadas, a
movimentação de produtos de crimes, e outras condutas criminosas”.
Após
ser alvo da Lava-Jato e de ter assinado acordo nos EUA, a Odebrecht passou a
ser investigada em diversos países onde mantinha contratos na América Latina.
Em junho de 2019, a empresa pediu recuperação judicial.
Segundo
o jornal Mimai Herald, foi justamente a crença de que o dinheiro lavado pelos
membros do regime chavista – incluindo a propina da Odebrecht – acabou no
mercado imobiliário do sul da Flórida que levou à criação no ano passado de um
Esquadrão de Corrupção Internacional em Miami. O esquadrão é subjugado à
Unidade de Investigação liderado por Leslie Backschies, a agente que fala
português fluentemente e apoiou as 10 medidas contra a corrupção de Deltan e
companhia, segundo as mensagens da Vaza Jato.
A
expressão usada por Leslie Rodrigues Backschies para descrever o impacto
político das investigações do FBI sobre corrupção estrangeira é que são
“politicamente sensíveis”.
“Esses
casos são muito sensíveis politicamente, não somente nos Estados Unidos mas no
exterior,” explicou a agente especial em entrevista à Associated Press. “Quando
você está olhando para oficiais estrangeiros em outros governos — quer dizer,
veja, na Malásia, o presidente não foi reeleito. Nós vimos presidentes
derrubados no Brasil. Esses são os resultados de casos como esses. Se você está
olhando para membros do alto escalão de governos, há muitas sensibilidades.”
É
por conta de tamanhas “sensibilidades” que, diferentemente de outros casos
criminais, todos os casos de FCPA são dirigidos pela unidade especializada do
Departamento de Justiça em Washington – mesmo que tenham se iniciado em um
distrito distante da capital. O DOJ é chefiado pelo Procurador-Geral dos
Estados Unidos, uma espécie de Ministro da Justiça, nomeado diretamente pelo
presidente.
Segundo
a reportagem da Associated Press, os supervisores do FBI se encontram com
advogados do Departamento de Justiça a cada 15 dias para avaliar potenciais
investigações e possíveis consequências políticas e econ.
A
mudança na carreira de Leslie acompanhou uma mudança de foco do Departamento de
Justiça e do FBI na última década. A partir de uma percepção de que a lavagem
de dinheiro ajudava o financiamento do terrorismo, os agentes americanos
passaram a se dedicar cada vez mais a casos de corrupção transnacional e
lavagem de dinheiro usando a legislação FCPA, que tem jurisdição ampliada para
o mundo todo. Hoje, a maioria dos casos de FCPA não tem nada a ver com
terrorismo.
A
mudança trouxe dividendos para o DOJ e possibilitou uma renovada parceria com
polícias e Ministérios Públicos de todo o continente americano. E se
solidificou. Em 2017, pela primeira vez a Estratégia de Segurança Nacional dos
Estados Unidos – já sob o governo de Donald Trump – incluiu o “combate à
corrupção estrangeira” como prioridade para a segurança interna dos cidadãos
americanos.
Antes
dele, a estratégia definida por Barack Obama em 2015 já mencionava a corrupção
internacional como ponto de atenção – mas ela não tinha uma lista de “ações
prioritárias”.
Em
março de 2015, o FBI abriu três esquadrões dedicados à corrupção internacional
em Nova York, Los Angeles e Washington, triplicando o número de agentes
dedicados a investigar violações da FCPA e “crimes de cleptocracia” – foram de
10 agentes para 30. Até o final de 2017 os recursos para o FBI investigar
corrupção transnacional aumentaram em 300%, segundo o seu ex-chefe “Ren”
McEachern.
O
anúncio oficial explicava o foco na investigação de “cleptocracias”, “oficiais
estrangeiros que roubam dos tesouros dos seus governos às custas dos seus
cidadãos” e afirmava ainda que os agentes do FBI iriam contar com “operações
secretas, informantes e fontes”, além de “parceria com nossas contrapartes
internacionais – facilitada pela nossa rede de adidos legais situados
estrategicamente ao redor do mundo”.
A
explicação de Leslie para o foco do FBI na corrupção internacional – e por que
investigar empresas que cometeram corrupção fora dos Estados Unidos ajuda a
melhorar a segurança dos cidadãos americanos – é rocambolesca. “Queremos que se
cumpra a lei. Se a lei não é cumprida, você terá certas sociedades nas quais
eles [os cidadãos] sentem que os governos deles são tão corruptos, que irão
buscar outros elementos que são considerados fundamentais, que eles vêem como
limpos ou algo contra o regime corrupto, e isso se torna uma ameaça para a
segurança nacional [dos Estados Unidos]”.
“Uma
coisa quando eu falo com empresas, eu digo ‘Quando você paga um suborno, você
sabe onde o dinheiro está indo? Sua propina está indo para financiar
terrorismo?’”, completa, sem explicar como isso ocorre.
Em
julho de 2019, Leslie Backschies participou de mais um evento para discutir
corrupção internacional, dessa vez em Washington, DC, e desvendou mais uma
atuação “sensível” da polícia americana no exterior. Segundo o site Market
Insight a agente especial afirmou que o FBI tem a estratégia de valer-se de
membros de governos de outros países para buscar investigar casos de FCPA.
Ela
afirmou que, quando há uma mudança de regime, uma nova administração às vezes
pede ajuda para investigar a corrupção no governo anterior. E quando um novo
governo chega a um país, pode haver servidores restantes do governo anterior
que querem relatar a corrupção.
A
atuação do FBI em casos fora do seu território tem gerado diversas críticas
entre juristas, que apontam que os Estados Unidos se comporta como “polícia do
mundo”.
“Eu
tenho alguns clientes que quase nem tocaram nos Estados Unidos, e eles
perguntam: até onde isso vai se estender? E, você sabe, até certo ponto, qual o
interesse dos EUA?” questiona o advogado Adam Kauffman, um ex-procurador do
distrito de Nova York que trabalhou com Sergio Moro na investigação sobre o
caso Banestado, quando ele era juiz federal.
Ele
deu uma entrevista à Agência Pública em Nova York em junho de 2019, antes do
vazamento dos diálogos da Força-Tarefa. “Em muitos casos, quando o governo
[americano] processa esses casos de corrupção, as pessoas admitem a culpa
porque estão com medo, e conseguem um acordo bom, então o governo garante
jurisdição sobre coisas que são muito tênues. Mas ninguém questiona isso, então
se torna mais e mais comum e a jurisdição vai para mais e mais longe”.
“Porque
jurisdição”, reflete Adam, “é como gravidez. Ou você tem ou você não tem. Você
não pode ter um pouquinho de jurisdição e você não pode estar um pouquinho
grávida. Onde está o limite?”.
Respostas
da Lava Jato
Procurada
pela Pública, a força-tarefa da Lava Jato respondeu por email. Leia a íntegra
das respostas a seguir:
Um
dos diálogos vazados ao The Intercept Brasil atesta que em 31 de agosto de 2016
o FBI tinha “total conhecimento” das investigações feitas pela Lava Jato sobre
a empresa Odebrecht. Como funcionava essa atuação do FBI em parceria com os
investigadores da Lava Jato? Como se dava essa transmissão de informações?
Não
se trata de atuação em parceria, mas de cooperação entre autoridades
responsáveis pela persecução criminal em seus países, conforme determinam
diversos tratados internacionais de que o Brasil é signatário. O intercâmbio de
informações entre países segue igualmente normas internacionais e também leis
brasileiras. Além dos pedidos formais por meio dos canais oficiais, é altamente
recomendável que as autoridades mantenham contatos diretos. A cooperação
inclui, antes da transmissão de um pedido de cooperação, manter contatos, fazer
reuniões, virtuais ou presenciais, discutir estratégias, com o objetivo de
intercâmbio de conhecimento sobre as informações a serem pedidas e recebidas.
A
parceria com o FBI, que incluiu a busca de quebrar a criptografia do sistema
Drousys, foi criticada por alguns advogados como um possível risco à soberania
nacional por poder ser usada contra uma empresa brasileira por um governo
estrangeiro. Qual é a posição da Lava Jato sobre isso?
Não
recebemos da jornalista dados sobre a “busca de quebrar a criptografia do
sistema Drousys”, nem sobre “foi criticada por alguns advogados como um
possível risco à soberania nacional por poder ser usada contra uma empresa
brasileira por um governo estrangeiro”. De todo modo, os dados do sistema
Drousys, entregues ao MPF no bojo do acordo de leniência firmado pelo Grupo
Odebrecht, já foram objeto de perícia submetida à avaliação do Poder Judiciário
brasileiro e auxiliaram no fornecimento de provas a diversas investigações e
acusações criminais.
Os
diálogos demonstram ainda que em pelo menos uma ocasião o chefe da Lava Jato
manteve contatos diretor com o DOJ em temas de extradição e cooperação
internacional – uma atribuição do DRCI /MJ – e expressou a decisão de evitar
passar pelo Executivo, no caso o Ministério da Justiça, durante o governo de
Dilma Rousseff. Por que a Lava Jato preferia evitar a Autoridade Central e se
comunicar diretamente com o Departamento de Justiça Americano? Esse tipo de postura
não poderia prejudicar a imagem internacional das instituições brasileiras
perante autoridades estrangeiras?
Conforme
respondido no item “1”, além dos pedidos formais por meio dos canais oficiais,
é altamente recomendável que as autoridades mantenham contatos diretos. A
cooperação inclui, antes da transmissão de um pedido de cooperação, manter
contatos, fazer reuniões, virtuais ou presenciais, discutir estratégias, com o
objetivo de intercâmbio de conhecimento sobre as informações a serem pedidas e
recebidas.
A
Lava Jato continua trocando informações e colaborando com o FBI em solo
brasileiro? Existem ainda empresas brasileiras que são investigadas pelo FBI
com base na legislação FCPA?
A
força-tarefa da Lava Jato no Paraná não comenta sobre eventuais investigações
em curso.
Do
247/Pública/Intercept