quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

BANCO DIGITAL É O PRENÚNCIO DA PRIVATIZAÇÃO DA CAIXA, AVALIA PRESIDENTE DA FENAE

 

Os benefícios sociais operados pelo banco serão transferidos para a nova subsidiária, que deve ser criada neste ano.

Uma outra instituição financeira, com outro CNPJ, será responsável pelo pagamento de todos os benefícios sociais operados pela Caixa. É o que pretende o presidente da instituição, Pedro Guimarães, com a criação do banco digital – que vai passar por um processo de abertura de capital (IPO) no Brasil e no exterior.

“O que for banco social vai para o digital”, disse Guimarães em entrevista para o jornal Valor Econômico, no dia 30 de dezembro. A criação do banco digital ainda precisa ser aprovada pelo Banco Central e pelo Conselho de Administração da Caixa (CA/Caixa).

Além do pagamento de todos os benefícios sociais como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida (que será substituído pelo Casa Verde e Amarela), o banco digital vai liberar microcrédito para, no mínimo, 10 milhões de clientes. Também vai fornecer crédito imobiliário para famílias de baixa renda.

O presidente da Federação Nacional das Associações da Caixa Econômica Federal (Fenae), Sergio Takemoto, considera a criação do banco digital mais uma etapa para privatizar a Caixa – “O projeto deste governo e da direção da Caixa é dividir o banco em várias partes (subsidiárias) e vender cada uma delas – uma privatização disfarçada para burlar a Lei, que não permite a venda da empresa-mãe sem aval do Congresso. Mas Takemoto considera que a criação de mais uma subsidiária como o banco digital, que já nasce com objetivo de privatização, tem um objetivo mais “ousado e perigoso”.

“O coração da Caixa, a função pública e social do banco será transferida para um outro CNPJ que não é o da Caixa. Qual será o futuro dos programas e benefícios sociais se estiverem nas mãos do mercado privado, que só visa o lucro? As políticas públicas que atendem a população mais carente do País serão garantidas?”, questiona o presidente da Fenae, Sergio Takemoto.

Para Rita Serrano, representante dos empregados no CA/Caixa, a medida é grave e coloca em risco a sustentabilidade e integridade do banco. “O banco digital nada mais é do que um outro banco, com outro CNPJ, para onde serão transferidas as principais operações da Caixa. Num outro momento esta nova instituição será privatizada”, alertou.

Com o pagamento do Auxílio Emergencial, a Caixa foi responsável pela inclusão bancária de milhões de brasileiros que não tinham acesso aos bancos. 105 milhões de poupanças digitais foram abertas para o pagamento do benefício por meio do aplicativo Caixa TEM – o coração do banco digital. Além do acesso a informações sobre o Auxílio emergencial, programas sociais, FGTS e Seguro-Desemprego, pelo aplicativo é possível fazer compras pela internet com o cartão de débito virtual gerado na própria ferramenta.

Todo esse salto de qualidade tecnológica, realizado pelos empregados da Caixa com patrimônio público, deveria ser usado para fortalecer o banco e impulsionar o seu papel como instituição pública, avalia Serrano. “Mas o que a direção do banco vai fazer é o contrário – transferir toda esta herança positiva para outra instituição”, explica.

Serrano lembra que o Banco do Brasil e os maiores bancos privados como Bradesco, Itaú e Santander têm plataformas digitais. A diferença é que foram criadas para agregar público, em especial o público jovem, e entrar na concorrência com as fintechs, que tomam grande parte deste público.

“No caso da Caixa é diferente – ela já possui a plataforma digital, que é o Caixa TEM, já conquistou um público grande com a abertura das poupanças sociais digitais e fez a inclusão bancária de milhões de brasileiros que não tinham acesso aos bancos. Tudo isso já é um patrimônio da Caixa. O que está se falando é criar um outro CNPJ, transferir esse patrimônio já conquistado para outra instituição e, no momento seguinte, fazer a abertura de capital desta instituição, privatizando parte ou todo o banco”, disse. “Quem ganha são os investidores que vão comprar um patrimônio que a Caixa construiu com recursos públicos. Nós temos o dever e o poder de impedir mais esse absurdo contra o patrimônio dos brasileiros”, alerta a conselheira.

Do GGN

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

“O BRASIL ESTÁ QUEBRADO”, ADMITE BOLSONARO SUA PRÓPRIA INCOMPETÊNCIA, POR FERNANDO BRITO

O Brasil tem muita sorte de ter um presidente tão desmoralizado que aquilo que diz, por ninguém acreditar, não tem repercussões.

Imagine o leitor distinto e a caríssima leitora que ocorreria se o presidente de qualquer lugar do mundo dissese, de público, que seu país “está quebrado”.

Claro, a Bolsa despencaria, o dólar saltaria, o mercado de juros explodiria.

Mas Jair Bolsonaro disse hoje a seus fanáticos, queimado de sol e gorduchinho com os feriados de fim de ano, que não consegue “fazer nada” pelo fato de que “o Brasil está quebrado”, por causa “desse vírus potencializado pela mídia”.

E foi apenas mais uma cena folclórica do desclassificado. O dólar, que já subia, ficou lá onde estava. A Bolsa, que já caía, também se manteve onde estava.

Somos um país exangue, inerte, cansado ao ponto de não ter forças para resistir à própria destruição.

Além do mais, apesar de haver dinheiro, e muito, circulando, por conta dos mais de R$ 600 bilhões injetados ao longo de 2020 na economia, são poucos os que se dão conta de que isso está acabando, porque não há mais para dar e ainda se o tem de pagar, com os vencimentos cavalares da dívida pública no primeiro quadrimestre do ano.

Sou forçado a dizer que Bolsonaro está certo e os que duvidam do que ele diz, errados.

O Brasil está quebrado, e não é nem essencialmente nas contas públicas.

É na alma, na dignidade, no amor ao país, despedaçado por todos eles – políticos, militares, financistas e mídia – que puseram esta Pátria nas mãos de um psicopata.

Do Tijolaço.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

O QUE O ESPERNEIO DE TRUMP ENSINA SOBRE BOLSONARO, POR FERNANDO BRITO

A gravação em que Donald Trump pressiona o secretário de Estado da Geórgia, o republicano Brad Raffensperger, a “encontrar 11.780 votos” para reverter o resultado eleitoral daquele Estado e a carta de todos os 11 secretários de Defesa norte-americanos vivos afirmando que o quase ex-presidente tenta envolver as Forças Armadas do país em seus planos continuístas dereiam acender os óbvios alertas no Brasil sobre o que nos aguarda ao fim de 2022.

Tal como ocorreu com seu “modelo” do Norte, não bastará que Jair Bolsonaro seja vencido, será preciso que não se permita que ele ache nas instituições públicas suporte para o que se está vendo – felizmente como caricatura – nos Estados Unidos.

E não é isso o que parece estar acontecendo.

Até agora, políticos, juízes e militares estão, quando não cúmplices, vacilantes e omissos diante das loucuras e crimes cometidos pelo presidente da República.

Nem mesmo emitem sinais de que lhe imporiam limites se fosse além das bravatas e ameaças que faz, aliás trilhando previamente o caminho da desconfiança da lisura do processo eleitoral.

Está escancarado que Bolsonaro é contra a vacinação e que joga um jogo de aparências, forçando situações apenas para que isso não se explicite, mas sabotando, na prática, as ações que deveriam estar acontecendo para que ela ocorra.

Ministério da Saúde, Anvisa e o que mais houver no governo federal são simples passageiros da nau dos insensatos que o tem como capitão.

A parcela da direita que o apoiou ainda acha que pode se livrar dele com candidaturas de R$ 1,99, como as de Luciano Huck, Sergio Moro e assemelhados.

Ainda que o conseguisse – o que é improvável ao oferecer outra aventura ao povo brasileiro – isto não resistiria aos métodos e disposições golpistas do atual presidente.

Nos Estados Unidos, há uma tradição de 224 anos de respeito militar ao comando civil do país e uma Suprema Corte que, se é formada ao sabor das inclinações políticas dos presidentes que indicam seus integrantes, sabe manter sua coluna ereta diante de situações absurdas.

Quem pode dizer algo semelhante do Brasil?

Do Tijolaço.

domingo, 3 de janeiro de 2021

VACINA: QUAL, QUANDO, QUANTAS. ESTÁ NA HORA DE SABER A VERDADE, POR FERNANDO BRITO

Segue completamente obscuro o início do longo processo de vacinação contra a Covid, sem que haja no país uma dose sequer além das chineses da Sinovac, em parceria com o Butantã.

Não obstante, cada um fala numa data – como fez hoje Eduardo Paes, ao mencionar que “ouviu dizer” que a vacinação nacional começaria no dia 20 de janeiro, o que foi formalmente desmentido pelo Ministério da Saúde, que preferiu dizer que a data é, apenas, “a melhor das hipóteses”.

Como o mundo inteiro com a vacinação já em marcha (lenta, aliás, pela baixa disponibilidade dos imunizantes), não é preciso ser muito atilado para saber que – como aconteceu há meses com os respiradores – há uma guerra para capturar os pequenos estoques de vacinas já prontas.

O Globo publica agora à tarde que a “Vacina de Oxford, a maior aposta do governo, pode levar cerca de um mês para ficar disponível“, apontando razões burocráticas para tamanho atraso.

Há, porém, etapas anteriores a elas.

É preciso, primeiro, receber as vacinas e ter a garantia de um fluxo de fornecimento que permita planejar a vacinação, do contrário estaremos causando mais confusão, como fez hoje o novo prefeito do Rio ao falar em vacinar 2,6 milhões de pessoas numa primeira fase. Ora, isso é o equivalente a 38% dos cariocas e significaria que, recebendo vacinas segundo sua proporção na população brasileira, seria necessário que o país tivesse disponíveis 83 milhões de vacinas, o que nem o mais otimista espera que tenhamos até o terceiro trimestre de 2021!

Além disso, o Reino Unido, sede da empresa que produz a vacina de Oxford e a Índia, onde se encontra a maior planta de produção do imunizante – o Serum Institute – começam amanhã a usá-la e é claro que não seremos a prioridade. Aliás, o Serum já assinou um protocolo de intenções com a associação de clínicas vacinais privada brasileira, para o fornecimento de 5 milhões de doses (2,5 milhões de imunizações), certamente a preço melhor do que o cobrado do governo brasileiro.

Tudo está, ainda, na base do “se cumprirem o prometido”, que a gente nem sabe o que foi, como no caso do vai-não vai com a vacina da Pfeizer.

Depois do show aquático com direito a xingamentos a João Doria é legítimo duvidar que Jair Bolsonaro vá deixar o seu arqui-inimigo posar de pioneiro da vacina no Brasil, embora seja ele que tem, na mão, 10,6 milhões de doses dela para aplicar.

Se isso será feito apressando a de Oxford, mesmo em pequena quantidade, para o que tenho chamado de “vacinação cenográfica” ou atrasando a liberação da Anvisa do imunizante chinês, logo iremos saber.

Do Tijolaço.

EMPOSSADO ARNALDO CARDOSO O NOVO PREFEITO DE BURITI PARA UM MANDATO DE QUATRO ANOS

Tomou posse, em primeiro de janeiro de 2021, Arnaldo Cardoso (PL), como novo prefeito de Buriti para o quadriênio 2021 a 2024, numa solenidade muito concorrida, comandada pela cerimonialista Ana Baldez, oportunidade em que compôs a mesa solene num primeiro momento com Joaquim Borges Neto (Neto Borges), representando o povo, e o velho Chico Mourão como o maior líder político do município, segundo suas palavras.

Os demais compunham o primeiro escalão da administrativo, pela ordem, Shirlyane e Lucas Machado – Saúde; Gabriela Chaves e Edilene Tertulino – Educação; Cristina Cardoso e Jean Cássio – Administração e Finanças; Francisco das Chagas (Rosin) e Júnior Frazão – Obras; José Dionísio e Toinho Mouros – Transporte; Ademar Lago e Bernardo – Agricultura; Jeferson Rocha e Ana Susane – Cultura; Romualdo Veras e José Carlos – Esporte; Antonio Luís Nunes Bastos e Clovis Nunes Bastos – Meio Ambiente; Francilvânia Silva Sousa dos Anjos – Procuradoria Geral; Francisco Luís das Chagas Rocha - Lulu – Secretário de governo; Solange Machado – Chefia de Gabinete. 

Fizeram-se presentes a “vereança” conforme nominou o cerimonial, além de Naires Marques Freire recém eleita Presidente da Câmara, portanto credenciada a dar posse ao prefeito, abriu o ato agradecendo a Deus e lembrando seu pai em memória, foram chamados para sentarem nas cadeiras da frente do auditório outros quatro vereadores eleitos na chapa vencedora, exceto Andréa Costa que lera o compromisso de posse. As falas foram seletivas, primeiro Neto Borges, ali na qualidade de representante do povo, acho que por não ter cargo, fez um alerta, “que os políticos que já tiveram sua vez, que deixasse o prefeito trabalhar”, disse.


sábado, 2 de janeiro de 2021

XADREZ DO ANOS 2010, A DÉCADA DA INFÂMIA, POR LUIS NASSIF

Lula foi vítima do próprio sucesso. De um lado, ganhou uma força política imbatível. Sem perspectivas de conquistar a presidência, a oposição passou a conspirar. De outro lado, incensado mundialmente, confiou desmedidamente na sua intuição política e republicanamente desarmou-se.

O Brasil vive o seu maior desafio como nação. Nos últimos anos houve uma hecatombe institucional cujos maiores responsáveis foram os grupos de mídia e o Supremo Tribunal Federal. Em uma disputa selvagem por poder, foram jogadas fora todas as conquistas da Constituição de 1988, desmontou-se o modelo político, destruíram-se as maiores fontes geradoras de emprego, desmontaram-se as políticas sociais, educacionais, científico-tecnológicas e matou-se provisoriamente o futuro, uma destruição iniciada no interinato de Michel Temer e consumada no governo Jair Bolsonaro.

Os historiadores, cientistas políticos, talvez consigam explicar, no futuro, o que levou uma nação ao suicídio.

PARTIDOS POLÍTICOS

Tudo começou quando um partido de esquerda, o PT, movimentou-se para o centro-esquerda, a social-democracia. Tinha como trunfo instrumentos da social-democracia que faltavam ao antigo aspirante, o PSDB, como sindicatos, movimentos sociais e um líder popular de expressão. E foi bem sucedido em suas políticas sociais, apesar da oposição infame da mídia.

Por seu lado, a financeirização empreendida no governo Fernando Henrique Cardoso, a morte de lideranças históricas, como Mario Covas e André Franco Montoro, a ascensão de duas lideranças inescrupulosas, como José Serra e Aécio Neves, e de uma liderança medíocre, como Geraldo Alckmin, afastaram cada vez mais o PSDB de qualquer veleidade programática. Sob FHC, Aécio e Serra, principalmente quando a popularidade de Lula bateu recordes, o PSDB tornou-se cada vez mais um partido com uma única bandeira: o “delenda PT”.

MÍDIA

Simultaneamente, os grupos de mídia entram em violenta crise econômica e, sem estratégia para enfrentar a quebra de barreiras representada pelos novos meios de comunicação, resolveram ganhar protagonismo político: “nós somos a verdadeira oposição”, dizia Roberto Civita, o pai do modelo. Teve início um período de jornalismo de esgoto, uma arma de guerra que estuprou todos os princípios jornalísticos, democráticos, plantou o ódio e contaminou irreversivelmente a democracia brasileira.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Com suas armas preferidas – os ataques aos recalcitrantes e lisonja aos que aderiram – a mídia passou a monitorar as ações do Supremo, processo acentuado pela imprudência dos julgamentos televisionados e pela transformação de Ministros em celebridades.

Ministros dignos foram submetidos a escrachos; ministros indignos a aplausos televisivos; Ministros medíocres saudados como grandes poetas ou frasistas. E, com cenoura e chicote, o Supremo foi se moldando aos novos tempos de incúria.

Tinha-se, portanto, um partido que trocou a social-democracia pelo discurso de ódio, uma mídia que pretendia se tornar poder político para se salvar, e um Supremo passando a atuar sem os limites impostos pela Constituição.

Mas não ficou nisso. O vírus inicial espalhou-se por todos os poros da República.

AS CORPORAÇÕES PÚBLICAS

As profissões de elite do setor público voltaram  a ser prestigiadas com salários elevados. A nova elite do funcionalismo abdica da função de servidor público para assumir o espírito dos CEO de mercado. Como CEOs públicos, puderam frequentar cursos superiores, cursar MBAs, ganharam bolsas de suas instituições para estudar fora. Agora, queriam seu naco de poder.

Essa onda de protagonismo foi se espalhando pelo setor civil armado do Estado, as corporações com poder da caneta. O aprimoramento dos sistemas de controle, com o Tribunal de Contas da União, Controladoria Geral da União, Ministério Público Federal, criou entidades de poderes ilimitados, especialmente depois que a campanha em torno da Lava Jato oficializou a máxima de todo poder aos Catões.

Com o vácuo institucional, até as Forças Armadas entraram no jogo, através do seu comandante, general Villas Boas.

O PT

O julgamento do “mensalão” marcou o início desse jogo macabro, de falsificação diária de notícias, de fabricação diuturna de escândalos e de manipulação de provas.

Lula venceu a primeira rodada de golpe com a maneira como enfrentou a crise de 2008, que alçou-o à condição de político mais popular do planeta.

Durante algum tempo o país ressuscitou a auto-estima dos tempos de JK. O modo de ser brasileiro, as políticas sociais, o soft power, a liderança diplomática sobre os países do sul, o avanço diplomático-econômico na África, Oriente Médio, o sucesso do etanol e do agronegócio, a mediação de conflitos no Oriente Médio, tudo apontava para o nascimento de uma nova Nação.

Lula foi vítima do próprio sucesso. De um lado, ganhou força política imbatível. Sem perspectivas de conquistar a presidência, a oposição passou a acelerar a conspiração. De outro lado, incensado mundialmente, confiou desmedidamente na sua intuição política e desarmou-se. Descuidou-se nas indicações para Ministros do Supremo e abriu mão de qualquer tentativa de influenciar  até  poderes sob responsabilidade da Presidência – como a Polícia Federal, a indicação do Procurador Geral da República. Foi terrivelmente imprudente na negociação de cargos na Petrobras.

Mais que  isso, cometeu dois erros fatais: na indicação da sua sucessão  e ao abrir mão  de concorrer nas eleições de 2014.

O caos

Aberto o caminho do vale-tudo, a partir da campanha do “mensalão” todos os pecados foram permitidos. Ministros do Supremo Tribunal Federal concordaram em participar de armações grosseiras sobre grampos, Ministros que assumiram como legalistas se encantaram com a nova onda, jogaram a Constituição no lixo e saíram rodando a baiana. Tudo isso perante um governo petista desarmado, inepto para enfrentar as disputas do poder.

Qualquer bobagem era motivo para explosões de escândalo de baixíssimo nível – quinquilharias, como a tapioca comprada com cartão corporativo, o perfil da jornalista alterado na Wikipédia, até factóides óbvios, como invasão das FARCs, dólares em garrafas de rum e outras obscenidades que marcaram para sempre a mídia brasileira.

O suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina foi a síntese macabra das libações da Justiça, obra conjunta de uma delegada da Polícia Federal, um procurador do Ministério Público Federal, uma juíza da Justiça Federal, da Controladoria Geral da República.

Até hoje, uma imprensa invertebrada, medrosa, foi incapaz de conferir ao episódio a gravidade de que se revestia, para não atrapalhar a estratégia do “delenda quem pensar diferente” ou simplesmente para não ir contra a onda.

Quando sobreveio a queda nas cotações de commodities, perdendo-se o bônus político dado pela economia, o país estava nas mãos honestas, sinceras, mas inexperientes e auto-suficientes de Dilma Rousseff.

Não houve condições de reorganizar a resistência política.

E agora, José? A noite chegou, o monstro surgiu, o custo dessa irresponsabilidade pode ser contabilizado no próprio número de mortes evitáveis do Covid, frutos do negacionismo do Frankenstein político que emergiu do cemitério em que foram enterradas as instituições e as esperanças de construir uma Nação digna.

O que se terá daqui para frente?

Os responsáveis pela destruição institucional e econômica

Moro, Dallagnol, setoristas da Lava Jato, colunistas de ódio, Eduardo Cunha e seu grupo político foram apenas coadjuvantes, os germes oportunistas em um organismo enfraquecido pela atuação dos responsáveis maiores.

O duro recomeço passará por alguns desafios complexos.

PEÇA 1 – O CARÁTER NACIONAL

A crise atual serviu para expor uma das piores heranças culturais do país: o chamado racismo estrutural.  

Mas há um outro componente pouco estudado, talvez primo-irmão, o caráter das elites brasileiras e dos setores que ambicionam um lugar na chamada Casa Grande.

A maneira como mídia, Supremo, políticos, corporações públicas ingressaram no golpismo mais explícito, sem a menor preocupação com a imagem ou, melhor, regozijando-se com sua imagem refletida no esgoto, é um fenômeno típico de sociedades sem caráter.

Tenho a impressão de que a necessidade de se identificar com as classes altas seja um resquício da República Velha, na qual as classes de baixo, para se defenderem dos abusos da Justiça e do poder, tinham que se abrigar sob as asas de algum coronel local.

Essa submissão, por sua vez, gerava um sentimento de onipotência quando, por alguma razão, o cidadão normal, através de estudos passava a cumprir o papel de jagunço letrado, tornando-se defensor das demandas da classe superior junto às instituições de Estado – em uma função de jornalista, juiz ou Ministro do Supremo. Aí havia  o deslumbramento total, dos que supunham ter conseguido a inclusão por cima.

Some-se o fato de uma sociedade historicamente permissiva, que permitia a convivência com traficantes de escravos, bicheiros, doleiros, desde que bem-sucedidos financeiramente. Grandes doleiros, contrabandistas, são aceitos com naturalidade nas sociedades do Rio ou de Brasilia, e confraternizam-se com autoridades no paraíso tropical de Miami.

Esse talvez seja o motivo por que, na guerra jurídico-midiática-política mais suja da história, não tenha ocorrido sequer as chamadas objeções de consciência como impeditivo.  Por tal, entenda-se a atitude do motorista de um trator, que recebeu a ordem de destruir as casas de famílias sem terra. Ele se negou a cometer a crueldade. Recorreu à chamada objeção de consciência.

Nada disso se viu no período em que o ódio foi plantado, cevado e colhido. Não houve objeção de consciência por parte dos principais agentes da conspiração e sequer  um mínimo de pudor, aquela pequena vergonha que acomete até as mentes mais insensíveis, quando flagradas em grandes malfeitos.

Em países com caráter, quem aderisse ao golpismo seria mal visto ao menos por sua categoria. Uma mídia com caráter denunciaria desvios de condutas, exporia os oportunistas, os excessivamente ambiciosos, os crimes cometidos pelos guardiões da lei.

Nada ocorreu. Pelo contrário, os bárbaros foram celebrados, houve pruridos da mídia até em divulgar o suicídio do reitor da UFSC.

Este foi o Brasil da década de 2010.

Por outro lado, começa a surgir uma onda de liberalização relativa, impulsionada pelos ventos externos. Alguns dos principais responsáveis pelo envenenamento político anterior ressurgem como baluartes da democracia – e nada lhes é cobrado, nem um mínimo de autocrítica.

Por tudo isso, nada espere desse aggiornamento liberal dos porta-vozes dos homens de bens, nem mesmo com as novas ondas que se propagam pelo mundo civilizado, como reação à barbárie da era Trump.

O país sem caráter só se submete a contingências de ordem política e é reativo a movimentos de opinião pública.  Jamais assumirá o protagonismo da defesa da civilização.

Portanto, movimentos virtuosos que vierem a surgir, serão externos a esses personagens centrais do golpe.

PEÇA 2 – A MÍDIA

A guerra cultural inicial em 2005 criou uma geração de jornalistas assustados, enquadrados. Não os culpe. Passou a ser pré-condição para seguir carreira.

Agora, começa a haver uma pequena reação de algumas cabeças mais independentes, no pequeno espaço aberto por alguns veículos que perceberam  que jornalistas com caráter próprio são peças centrais na credibilidade do veículo como um todo. Mas esse tipo de jornalista com luz própria ainda é minoria e pisa em ovos.

Além disso, o liberalismo midiático vai até o limite Lula. Persistem todas as idiossincrasias do período anterior, substituindo os assassinatos de reputação pela invisibilização. E tudo isso em um momento em que o mercado de opinião foi pulverizado por bolhas de todas as cores, tirando definitivamente da mídia o papel de mediadora central das discussões nacionais.

A grande contribuição da mídia será refrear o jornalismo de esgoto do período anterior e deixar de aspirar a ser partido político.

Aliás, os editoriais de hoje da Folha e do Estadão escancaram a estreiteza de visão, em relação à maior crise política da história. 

PEÇA 3 – O SISTEMA DE JUSTIÇA

Hoje em dia, o sistema de Justiça lembra os exércitos confederados depois da guerra da Secessão, grupos andando pelas estradas e fuzilando quem passe pela frente, adversários, transeuntes, pouco importando. Bastava não vestir uniformes cor de cinza.

Primeiro foi a Lava Jato impulsionando o protagonismo político do Judiciário. Depois, o liberou geral de alguns tribunais, estimulando o lawfare judicial contra supostos adversários políticos.

Há em curso, também, uma guerra mundial interna no Judiciário.

A Procuradoria Geral da República monta uma ofensiva contra o juiz Marcelo Bretas e a Lava Jato Rio. Para se defender, ambos acertam uma operação que mira filhos de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ).  Antes disso, a Lava Jato de Curitiba se valeu de suas ligações internacionais ilegais para tentar provas contra Ministros do Supremo.

Nessa frente, o fim da Lava Jato é um refresco, mesmo deixando indevassáveis vários porões dos tribunais superiores.

No Supremo, a entrada de um Ministro garantista, ainda que indicado por Bolsonaro, traz esperanças de uma pacificação da corte e da Justiça em geral. Mesmo porque, os batedores de 1a instância, que vão na linha de frente fuzilando adversários, jogando bombas nos inimigos, representam ameaças efetivas ao próprio conceito de hierarquia jurídica.

Além disso, o fim da onda punitivista faz com que Ministros-que-seguem-ondas, como Luís Roberto Barroso, passem a cavalgar outras ondas, desinteressando-se da guerra nada santa contra os garantistas do Supremo.

Não espere nenhuma contribuição do Supremo – e da Justiça – a um pacto civilizatório de envergadura. Mas, também, não será mais um protagonista político, limitando-se a convalidar as políticas econômicas de desmonte das redes de proteção social votadas pelo Congresso. O que não é pouco.

PEÇA 4 – AS FORÇAS ARMADAS

Hoje em dia as Forças Armadas estão irreversivelmente ligadas à imagem do governo Bolsonaro. Os erros dos generais de Bolsonaro na questão de energia, especialmente na Saúde, na articulação política, a apatia ante a liberação de armas, a aceitação pacífica da oferta abundante de empregos na área civil, fez com que as Forças Armadas brasileiras tivessem seu momento Malvinas.

Não se verá mais atitudes como a do general Villas Boas que, com um mero twitter, ajudou a consolidar o golpe jurídico-parlamentar. Mas será um enorme desafio desalojar os militares do enorme mercado de trabalho criado na área civil e nas escolas militares.

De qualquer modo, apesar da excelência dos institutos militares de tecnologia, não espere das Forças Armadas nenhuma contribuição à ideia de pacto ou projeto nacional. Seu papel no desenvolvimento industrial, desde as políticas industriais dos anos 30 ao desenvolvimento da indústria aeronáutica e do enriquecimento de urânio, são apenas retratos na parede. Hoje, o que viceja é o padrão Pazuello.

PEÇA 5 – OS PARTIDOS POLÍTICOS

O sistema partidário foi triturado. Hoje em dia, o jogo político se dá em torno de dois movimentos:

Liberalismo selvagem – movimento que junta o MMS – Mídia, Mercado e Supremo. Seu objetivo maior é sancionar o desmonte final do Estado. Todos seus movimentos ocorrem na validação dos negócios da privatização, do desmonte das políticas sociais, mas com um olho em 2022. É o que mantém Bolsonaro imune, apesar de todos os descalabros que comete. Sua aposta é em Luciano Huck, apesar dos esforços de João Dória Jr em se habilitar.

Progressistas – há uma corrente progressista presente nos movimentos sociais e em várias categorias profissionais. Hoje em dia, há os economistas pela democracia, os juízes, os procuradores e os policiais antifascistas. Mas não há um ponto de organização para essas demandas.

Espinha dorsal do petismo, o sindicalismo foi fuzilado a partir do interinato de Temer. Mesmo antes, jamais conseguiu sair das bolhas corporativas. E o PT não conseguiu se arejar para repetir o papel dos anos 80, do grande ônibus abrigando movimentos sociais de toda espécie.

Lula mantém-se como a grande liderança, mas sem as condições de articulação de antes. Caso semelhante ocorreu com Getúlio Vargas quando retornou do exílio interno e se tornou novamente presidente. As circunstâncias eram outras, os atores eram outros e ele não conseguiu se mover com a mesma desenvoltura política de antes.

Por outro lado, movimentos auspiciosos que estavam se formando – como a frente dos governadores do Nordeste – recuou devido às fragilidades fiscais provocadas pela pandemia. E o ativismo político da Justiça liquidou com o grande articulador da frente, Ricardo Coutinho, ex-governador da Paraíba.

Dono dos melhores diagnósticos sobre a crise, Ciro Gomes padece dono mesmo voluntarismo que o marcou a vida toda.

Em todo caso, à medida em que as esquerdas não conseguem apresentar uma proposta competitiva, e a direita se perde em devaneios com Huck, há um espaço para o novo conhecido, o bonapartismo de Ciro.

PEÇA 6 – SEM CONCLUSÕES

Vive-se um momento totalmente inconclusivo. A década de 2010 legou um país destroçado, com as instituições desmoralizadas, sem lideranças expressivas. Não existe vácuo na política mas também não existe, à vista, nenhuma instituição em condições de empalmar o poder – o que é bom, pois poderia significar a consolidação da ditadura em mãos de um poder.

Mas, como não existe vácuo na política, resta aguardar movimentos mais concretos para um xadrez mais assertivo. O agravamento da crise, misturando segunda onda do Covid-19, fim do auxílio emergencial, pressão de custos, certamente colocará fatos novos na mesa.

Espera-se que para o bem do país.

Do GGN

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

BOLSONARO SUPERA TRUMP E É ELEITO PERSONALIDADE CORRUPTA DE 2020

Título de Personalidade Corrupta do Ano foi conferido por organização internacional de jornalistas investigativos. Hipocrisia foi critério de desempate.

Bolsonaro superou os presidentes dos EUA e da Turquia, Trump e Erdogan, concorrentes por usar propaganda como arma de governo, desprezar a democracia e politizar os sistemas.

O presidente Jair Bolsonaro foi nomeado “Personalidade Corrupta do Ano” pelo Projeto de Relatórios do Crime Organizado e da Corrupção (OCCRP, na sigla em inglês). O coletivo, que reúne jornalistas investigativos e ativistas de diversos países, observa que Bolsonaro, depois de eleito com discurso anticorrupção está rodeado de figuras corruptas. Além disso, gastou dinheiro público em propaganda para promover sua agenda conservadora, sabotou o sistema de Justiça. O “prêmio” se deve ainda à gestão ambiental destrutiva, sobretudo na Amazônia, ao tolerar desmatamento e queimadas recordes, enriquecendo figuras que a OCCRP classifica como “alguns dos piores proprietários de terras do país”.

Para alcançar o título de Personalidade Corrupta do Ano, edição 2020 (o prêmio existe desde 2012), Bolsonaro teve concorrência de peso. Entre os finalistas, superou o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o presidente turco, Recep Erdogan, e o chefe de Estado da Ucrânia, Ihor Kolomoisky. Todos expoentes da onda de extrema direita que assola o mundo. De acordo com a OCCRP, os finalistas ostentam em comum a propaganda como arma de governo, o desprezo às instituições democráticas. Além disso, a politização dos sistemas de Justiça, a falta de diálogo e de acordos multilaterais. “Premiaram círculos internos corruptos e moveram seus países da lei e da ordem democráticas para a autocracia”, explica a organização.

VENCEU A HIPOCRISIA

“Esse é o tema central do ano”, disse Louise Shelley, diretora do Centro Transnacional de Crime e Corrupção (TraCCC), da Universidade George Mason University (Estado da Virginia. EUA), que participou do painel do prêmio. “Todos são populistas causando grandes danos aos seus países, regiões e ao mundo. Infelizmente, eles são apoiados por muitos, que é a chave do populismo”, diz Louise.

Bolsonaro é também acusado de receber repasses de salários de funcionários fantasmas – prática conhecida como “rachadinha”. Mas em meio a tantas semelhanças com outros líderes populistas do mundo, o critério de desempate pelo qual Bolsonaro tirou dos pares neofascistas o troféu de Personalidade Corrupta do Ano foi o quesito hipocrisia. Ele assumiu o poder com a promessa de lutar contra a corrupção, mas não apenas se cercou de pessoas corruptas, como também acusou injustamente outros de corrupção.

“A família de Bolsonaro e seu círculo íntimo parecem estar envolvidos em uma conspiração criminosa em andamento e têm sido regularmente acusados ​​de roubar do povo”, afirma Drew Sullivan, editor do OCCRP e um dos juízes do painel. “Essa é a definição de um livro sobre uma gangue do crime organizado”, explica Sullivan. (Nota do editor: A organização criminosa pela qual pessoas próximas ao círculo de Bolsonaro são investigadas é minuciosamente descrita no livro-reportagem de Bruno Paes Manso República das Milícias – Dos Esquadrões da Morte à Era Bolsonaro, editora Todavia.)

CONEXÕES

Essas conexões incluem familiares do presidente, como seus filhos Carlos Bolsonaro e Flávio Bolsonaro. As acusações vão de participação em esquema de repasse de salários de funcionários fantasmas a envolvimento com milícias violentas que controlam territórios do Rio de Janeiro. Inclusive grupos investigados pelo assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol) e do motorista Anderson Gomes.

É citada ainda a segunda ex-mulher de Jair Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira Valle. Ela adquiriu 14 imóveis, parte deles em dinheiro vivo, enquanto esteve casada com o então deputado federal. Também é lembrado pela OCCRP o amigo e aliado Marcelo Crivella, prefeito afastado do Rio de Janeiro, em prisão domiciliar por operar uma organização criminosa dentro da administração.

Por Paulo Donizetti de Souza (tradução livre)
Para ler a íntegra do original em inglês, acesse aqui

Do RBA

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

FIM DO ‘PRESENTE DE NATAL’. MORTES DA COVID VOLTAM A MAIS DE 1 MIL/DIA, POR FERNANDO BRITO

Desde a véspera de Natal os números de casos e de mortes causadas pela Covid-19 vinham dando a falsa impressão de que, apesar de grave, a situação estava “sob controle”.

Não está.

O balanço das secretarias de Saúde, fechado há pouco – e ainda com registros incompletos – voltou a marcas terríveis: 58.178 casos novos e 1.111 óbitos diários, com totais acumulados de 5,763 milhões de casos e 192,7 mil mortes.

É que, desde meados da semana passada deixou-se de registrar, em muitos Estados, a grande maioria dos casos de contágio e das mortes acontecidas. Minas, por exemplo, onde vinham ocorrendo cerca de 100 mortes diárias, registrou, neste balanço, apenas 10.

Ainda assim, é o pior número diário de mortes relatado pelo Ministério sa Saúde desde 15 de setembro.

Mas vai passar disso, é certo, senão nestes dias, logo ao início de janeiro.

“Para janeiro, esses dados vão se agravar. Nós vamos ter uma mortalidade por Covid aqui no Brasil não vista até agora na pandemia. O número de óbitos vai explodir”, diz Domingos Alves, responsável pelo Laboratório de Inteligência em Saúde da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, ouvido pelo G1.

Mas, afinal, está “no finalzinho”

Tijolaço.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

CASO DA STFVAC: FUX SE ESQUIVA E ‘MATA NO PEITO’ DE SEU AUXILIAR, POR FERNANDO BRITO

Luís Fux, presidente do STF, tem, como qualquer outro cidadão, o benefício da dúvida.

Tanto é assim que, quando se noticiou o vergonhoso pedido de uma “reserva” de sete mil vacinas à Fiocruz para serem aplicada em magistrados e servidores – ativos e aposentados – e a seus dependentes, disse-se, aqui, que só haveria uma razão para que o signatário do ofício, o diretor-geral do Supremo Tribunal Federal, Edmundo Veras, não fosse exonerado: o pedido ter sido ordenado pelo próprio Fux.

Nem o ministro assumiu o erro, nem o diretor -geral foi demitido. Luís Fux, como é tradicional, “puniu” a parte mais fraca da corrente, exonerando o secretário de serviços integrados de saúde da Corte, o médico Marco Polo Dias Freitas (foto).

Demitiu uma semana após o pedido, que primeiro defendeu publicamente, dizendo que fora feito de forma educada e ética” e que o pedido se justificava porque ” temos que nos preocupar para não pararmos as instituições fundamentais do Estado, nem o Executivo, nem o Legislativo, nem o Judiciário, normalmente integrados por homens e mulheres que já têm uma certa maturidade”.

Ora, Fux poderia ter dito que o pedido fora feito à sua revelia, que o considerava absurdo e que repreenderia o auxiliar que o fez ou, como seria natural com alguém que tem a responsabilidade de, como diretor-geral, falar pelo próprio STF, administrativamente, o demitiria.

Não o fez, por que?

E agora, assustado com a repercussão e, possivelmente, com a “prensa” que levou de outros ministros, colocados sob a reprovação pública sem terem nada com isso, resolveu degolar um auxiliar de terceiro escalão que pode ter tido a ideia infeliz e espúria, mas que foi posta em prática por escalões superiores e, portanto, mais (ir)responsável ainda.

Fux, o julgador, não está isento de ser julgado moralmente.

Está aí um caso onde se pode usar, com justiça, a tal teoria do domínio do fato, que ele cansa de elogiar.

Do Tijolaço.

sábado, 26 de dezembro de 2020

FELIZ 2021. TEM CERTEZA?, POR FERNANDO BRITO

Por toda a parte, repetem-se as mensagens dizendo o quanto é bom deixar para trás este ano de morte, medo e estupidez.

Então, leio no Facebook a observação de alguém de que 2021 nos fará sentir saudades do 2020 que se vai.

“Xô!”, é claro, é a primeira reação: como pensar que algo possa ser pior do que estes meses que nos legaram 1,8 milhão de mortos, em 10 meses de pandemia, e uma retração da economia que matará centenas de milhares mundo afora, ainda que o capital financeiro e sua especulação andem gordos como nunca.

Então, vejo o gráfico da Universidade de Washington, que dedica sua técnica e seus modelos matemáticos a estimar quantos ainda morrerão e vejo que, só até 1° de abril – quem dera isso fosse sinal de mentira, há mais 1,1 milhão a serem levados.

Daí me recordo que um terço da população, diz o Datafolha, tem como única renda o auxílio emergencial. Ou tinha, porque o auxílio também se foi.

O resultado é mais pressão sobre o mercado de trabalho, que se ressente da lenta recuperação do setor de serviços, o que mais rapidamente e em maior quantidade gera empregos, ainda mais num verão sem Réveillon, sem Carnaval e sebe Deus o que mais.

Mais pressão também pela alta de juros inevitável, que não ocorreu ainda este ano por “honra da companhia” e porque a especulação vai muito bem, obrigado.

Na construção civil, estamos a quase zero em obras públicas e a chegada nos novos prefeitos, de caixa baixa e incerteza em alta não permite prever mais que as tradicionais “operações tapa-buracos”.

O alto preço das commodities de exportação, que quase dobrou em dois anos, dificilmente ser manterá por aí, numa associação lucrativa com um dólar que explodiu, salvando nossas contas de exportação, que vinham mal das pernas em 2019.

A situação da Europa e dos EUA nos deixará mais que nunca pendurados nos “negócios da China” e o país oriental, que recompôs e ampliou seus estoques no pós (para eles) pandemia não tem razões para sustentar fortes compras, ainda mais num quadro de alta de preços.

Vejo que a frase lida no Facebook, afinal, não era absurda.

Absurdo é não termos, além de planos de vacinação, planos de recuperação econômica.

Estamos deixando como está para ver como é que fica, enquanto nos perdemos – e não só no Governo e na direita – com “pautas de costumes” e politização de comportamentos das pessoas.

Catamos piolhos, esquecidos de que é o calor que deles vai nos livrando. E sem ligar para os efeitos tóxicos no veneno que colocamos em nossas relações.

Do Tijolaço.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

UMA BELA AULA DE FRANKLIN MARTINS SOBRE REVOLUÇÃO DE 30, POR FERNANDO BRITO

Completaram-se, em outubro, 90 anos da Revolução de 1930, na minha opinião o acontecimento mais marcante na formação do Brasil moderno.

Fala-se muito superficialmente dele, como se tudo ali fossem golpes, regime autoritário e privação das liberdades. Houve de tudo isso, claro, mas houve a modificação de horizontes de um país meramente agrário para os de um país industrial que ensaiamos ser e que, miseravelmente, vem sendo destruído nos últimos anos.

Para estas horas mais vazias do dia de Natal, vale muito dar 20 minutos de atenção a uma rápida e fundamentada aula que o jornalista Franklin Martins, ex-ministro de Lula, dá sobre aqueles acontecimentos.

Franklin, um apaixonado por nossa história, tanto quanto por este sonho de um Brasil moderno não perde a crítica mas dá a dimensão histórica do varguismo que, afinal, criou a matriz que está no DNA do pensamento progressista brasileiro ainda hoje, claro que com diferenças importantes, mas ainda no mesmo eixo – ou fio, se preferirem – da história deste país. Assista os vídeos abixo:

Do Tijolaço.

DESEMBARGADOR DO TRF-4 CORRIGE FUX E SUSPENDE “DEFESA ÀS CEGAS” DE LULA, POR FERNANDO BRITO

Pouco antes do Natal, o ministro Luiz Fux, que não cansa de exibir sua parcialidade lava-jatista, despachou um pedido da defesa de Lula – para ter acesso aos documentos (relatórios da Odebrecht) usados pelo Ministério Público para acusá-lo na história do prédio (que nunca foi) do Instituto Lula.

O tema está ligado à famosa “planilha italiano”, sobre o que um juiz federal de Brasília mandou arquivar a denúncia por falta de provas senão as que foram oferecidas por réus de delação premiada, sem nada que as autenticasse.

Embora o prazo para a defesa de Lula ser apresentada se encerrasse no dia 7 de janeiro, o primeiro dia depois do recesso do Judiciário, Fux disse que “não havia pressa” (não haver pressa em habeas corpus é dose) e mandou o pedido para que o relator “carta marcada” Luiz Edson Fachin o despachasse quando voltar dos feriados.

Como Fux negou na prática mas, juridicamente, omitiu-se de decidir, o vice-presidente do Tribunal Federal da 4ª Região, Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, respondendo pela corte na semana do Natal, acolheu o habeas corpus e determinou que se interrompesse o prazo para a apresentação da defesa de Lula até que seja dado acesso – “efetivo acesso”, nas palavras do desembargador – a “todos os documentos que embasaram a denúncia”.

Menos mal que, mesmo provisoriamente, tenha sido freado este completo absurdo de acusar alguém com base em documentos que se dizem “secretos” e que nem o acusado pode ver.

É kafkiano, ou kaftiano como dizia o defenestrado Abraham Weintraub.

Do Tijolaço.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

PARA ESCONDER AÇÕES DE LULA E DILMA, FOLHA “INVENTA” SUJEITO, POR ELIARA SANTANA

Nessa terça-feira, 22-12, no tuíte da Folha, a chamada para a matéria sobre a conquista do direito à universidade pelos negros, diz que “Década colocou os negros na faculdade”.

A reportagem mostra que o intervalo de tempo (década) decorrido entre 2010 e 2020 – 10 anos – foi marcado pela “conquista do direito dos negros ao conhecimento pelo acesso ao ensino superior”.

Bem legal, os dados mostram isso, mostram a evolução nesse intervalo de tempo decorrido.

A década continua a ser descrita na reportagem como muito frutífera, marcada pelo protagonismo das mulheres negras também.

Tudo muito legal, a não ser por um detalhe: não há sujeito da ação de fomento a essas mudanças.

Ou melhor, o sujeito é a “década” – “Década colocou os negros na faculdade”. Assim, simplesmente, uma evolução natural.

No processo de edição e seleção dos fatos e na construção do modo de informar os fatos, a naturalização de certo estado de coisas, a falta de ligação histórica e a ocultação de determinados atores são ações deliberadas e intencionais do fazer jornalístico.

São escolhas editoriais.

Portanto, usar “Década” como o sujeito de uma ação tão significativa do ponto de vista histórico e politico (garantir políticas públicas de acesso da população negra, sempre marginalizada, ao ensino superior) nada tem de aleatório ou inconsequente.

Os anos mostrados e destacados na reportagem são os anos de administrações do PT – Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff –, e as conquistas ressaltadas não são fruto de uma tendência histórica, que naturalmente iria ocorrer pela evolução dos anos e das sociedades.

Não. Elas são fruto da mobilização de movimentos sociais e da proposição de políticas públicas afirmativas que ocorreram, volto a afirmar, durante os governos petistas.

Portanto, não são resultados aleatórios ou fruto de um processo de “evolução” natural das sociedades.

E é no mínimo desonesto o jornal não reconhecer os verdadeiros atores por trás das ações. A “década” não colocou ninguém em lugar nenhum. Foram as políticas afirmativas dos governos Lula e Dilma que o fizeram.

Se a “década” fosse sujeito agente, poderíamos considerar que ela fez:

– Inclusão do Dia da consciência Negra e da História da África no currículo escolar

– Sanção do Estatuto da Igualdade Racial

– Criação da Secretaria de Políticas da Promoção da Igualdade Racial

– Criação da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira

Entre várias outras ações.

Como “década” não pode ser o sujeito dessas ações, é preciso que os textos jornalísticos sejam corretos e apontem os verdadeiros responsáveis.

*Eliara Santana é jornalista e doutora em Estudos Linguísticos pela PUC/UFMG

Do Viomundo