sexta-feira, 16 de julho de 2021

A CELEBRAÇÃO DO CAPITAL FINANCEIRO SEM GERAR PRODUÇÃO NO PAÍS É INÓCUO, POR LUIS NASSIF

Em geral, as variações do dólar e das ações refletem a liquidez do momento (ou seja, maior disponibilidade de recursos no mercado), movimentos externos, e eventualmente alguma medida interna de impacto. Mas refletem exclusivamente movimentos de curtíssimo prazo do mercado.

A cobertura jornalística financeira no país ainda continua muito primária, sem diferenciar os diversos tipos de investimento externo no país, ou a natureza do capital financeiro.

O capital financeiro é virtuoso quando permite ampliação da capacidade de produção de um país. Ou seja, quando financia mais empresas, mais obras, gerando mais produção, emprego e tributos.

Há vários mercados de atuação do capital financeiro:

1. Operações de curto prazo no mercado de ações.

2. Operações de arbitragem com juros e câmbio. Ou seja, adquirir títulos públicos em determinado momento e apostar na apreciação do câmbio. O Banco Central aumenta os juros e entra mais capital externo. O dólar é convertido em reais, que é engordar pelos juros dos títulos adquiridos. Com mais entrada de dólares, há uma apreciação gradativa do real. A valorização do real implica em ganhos para quem entrou com dólares, pois permitirá comprar mais dólares na saída do que trouxe.

3. Fusões e aquisições, adquirindo empresas já existentes, sem acrescentar novos investimentos.

4. Investimentos e financiamento de novos setores.

Das quatro atividade, a única que agrega riqueza ao país é a quarta, investimentos e financiamentos de novos setores. Portanto, a medida econômica virtuosa é aquela que estimula o investimento produtivo, na ampliação da capacidade instalada.

Em geral, as variações do dólar e das ações refletem a liquidez do momento (ou seja, maior disponibilidade de recursos no mercado), movimentos externos, e eventualmente alguma medida interna de impacto. Mas refletem exclusivamente movimentos de curtíssimo prazo do mercado.

A política virtuosa para investimentos produtivos é aquela que estimula o aumento da atividade interna. Aumentando, abre-se espaço para novos investimentos.

No entanto, há tempos, a atividade preferencial dos investimentos financeiros, em nível global, além das operações de curto prazo em bolsas de valores ou em câmbio, é a compra de empresas e as fusões.

Dias atrás, o Financial Times desbastou o balanço do Goldman Sachs, um dos maiores bancos de investimento do mundo. No segundo trimestre do ano, o melhor desempenho do banco foi na unidade de gestão de ativos.

A receita total foi de US$ 15,4 bilhões, 16% a mais em relação ao ano anterior, e bem mais do que as previsões de US$ 12,4 bilhões de resultado.

O lucro por ação saltou de US$ 0,53 para US$ 15,02 – um salto estelar. US$ 1,59 bilhão foi reservado para perdas potenciais em empréstimos, devidos à crise do coronavirus.

O fundo de ativos da Goldman inclui seu fundo para investimentos em private equity, para aquisições. A receita foi de US$ 5,1 bilhões, 144% a mais do que no ano anterior.

O grande impulso foram as operações de fusão e aquisição. Já a receita com operações de mercado foram de US$ 4,9 bilhões. No início da pandemia, essa carteira rendeu bastante, graças à volatilidade dos mercados com a pandemia, ninguém sabendo quem iria sair vivo fui mais forte. Com a estabilização, há uma redução da volatilidade e, por tabela, dos resultados dos agentes mais profissionais.

GGN.

NÃO FUNCIONA BOLSONARO SER VÍTIMA E AGRESSOR AO MESMO TEMPO, POR FERNANDO BRITO

Aliviaram-se as pressões nos intestinos mas, na política, inevitável dizer que Jair Bolsonaro segue enfezado.

Provavelmente pelas mãos de Carluxo, seu filho vereador, nem mesmo durante a sedação de ontem, parou a metralhadora de ódio das redes sociais do presidente.

Se a ideia era de que o vitimismo presidencial iria desencadear-lhe uma onda de solidariedade, a impressão é a de que isso não funcionou.

Apresentar Bolsonaro de torso nu, a la Cristo, ok, pois ensina meu professor Nilson Lage, “sociopatas são capazes de tirar proveito político de suplício real ou encenado”.

Mas, afora, a movimentação piedosa foi, basicamente, produzida por fanáticos e robôs, não parece plausível dizer que há comoção nacional como na facada de Juiz de Fora, em 2018.

E muito menos com o alegado moribundo despejando ataques pelo Twitter, Facebook e Instagram.

Ontem, era a esquerda sendo o “braço” do Adélio da facada.

Hoje, são os ataques ao “circo da CPI Renan, Omar e Saltitante estão mais para três otários que três patetas”, em postagens que mostrariam que ele acompanhou em detalhes a descrição da aventura do homem da Davati junto ao coronelato.

Não seria preciso um medalhão da medicina, bastaria o farmacêutico da esquina para vetar que alguém, transferido às pressas de avião para um big hospital na noite anterior pudesse estar, já de manhã, acompanhando horas de depoimento vital para seu próprio mandato presidencial.

Ou não é grave a situação de saúde do presidente não é delicada – e recorro de novo a Nilson Lage, que diz que “o que se passa na barriga de Bolsonaro é segredo de Estado já há muito tempo” – e para isso corrobora seu “passeio pelo hospital e a entrevista ao vomitivo Sikêra Jr, para demonstrar isso ou ele entregou ao filho Carluxo a tarefa de ser a sua voz ao país, uma espécie de vice-presidente virtual, que assume as rédeas nos impedimentos presidenciais.

O que, afinal, parece já estar institucionalizado, do contrário o General Hamilton Mourão não manteria a viagem a Angola, até para não ficar fazendo papel de “dois de paus”, como diria a minha avó.

O fato é que não faz, hoje, muita diferença que Bolsonaro se expresse diretamente – com ou sem soluços – ou através do filho soturno. Seja por sua boca ou pelos dedos de Carluxo, só virão ameaças e ataques ao regime democrático.

É porque nele, afinal – e diga-se, para os imbecilizados não criarem caso- o bolsonarismo está condenado à morte eleitoral.

Tijolaço.

quinta-feira, 15 de julho de 2021

FLÁVIO BOLSONARO NÃO FOI AO HOSPITAL PARA ASSISTIR DEPOIMENTO NA CPI DE EMANUELA? POR FERNANDO BRITO

Faz sucesso na internet o “fora” que a senadora Simon Tebet deu em Flávio Bolsonaro durante a sessão desta quarta-feira da CPI da Covid, onde era ouvida Emanuela Medrades, peça chave na história da compra da vacina indiana Covaxin.

O vídeo está aqui.

De fato, chamou a atenção, mas deveria chamar mais atenção o fato de Flávio ter comparecido – e permanecido por horas – à reunião de uma comissão da qual não é membro titular ou suplente e, portanto, não pode falar senão ao final da tarde, depois de todos os integrantes, no mesmo dia em que seu pai, Jair Bolsonaro, era internado às pressas, com uma obstrução intestinal inflamada e um litro de líquido no diafragma.

Desde a manhã, Flávio plantou-se no plenário, interferindo, provocando. Do pai, soube pelo médico que “passou o telefone para meu pai, ele ainda estava meio grogue, disse que ia ficar tudo bem”.

O cuidado do pai – e a furiosa postagem de tweets – ficou por conta de Carlos Bolsonaro, justamente aquele que, em meio de semana, deveria estar no Rio de Janeiro, cumprindo seu mandato de vereador.

Seria falta de amor filial ou, ao contrário, uma demonstração de quanto a família cuida de si que Flávio, indiferente ao perigo pelo qual passava Jair, permanecesse ali no plenário, bem visível a Emanuela que, da figura frágil e descontrolada de terça-feira, assumia a mais ousada e desafiadora personagem já ouvida na CPI?

Na terça-feira, o governismo havia sumido da CPI e sequer um senador governista se manifestou. Ontem, todos eles estavam presentes, combativos, sem deixar passar uma e tumultuando quando se evidenciavam situações suspeitas.

Se estivesse escrevendo um romance policial – e alguém duvida que está se escrevendo um romance policial no drama da vacinação no Brasil? – diria que a presença de Flávio Bolsonaro seria a “assinatura” de um compromisso com a depoente, que já não se sentiria só e abandonada.

Nas famílias mafiosas, o amor filial é a fidelidade nos negócios do clã.

Tijolaço.

quarta-feira, 14 de julho de 2021

O ‘NOVO’ CIRO GOMES ATACA LULA E AS ESQUERDAS E SE JOGA NOS BRAÇOS DA DIREITA. POR MOISÉS MENDES

Ciro Gomes. Reprodução

Ciro Gomes disse ontem a Roberto D’Avila, na GloboNews, que não fugiu para Paris e que votou em Fernando Haddad em 2018. Afirmou que só o que ele não fez foi campanha para Haddad.

Ciro disse, em tom de apelo, que não quer mais ser conhecido por frases infelizes e adjetivos fortes, porque chegou agora à maturidade. Não é maios o homem do pavio curto.

Lula e Bolsonaro, segundo ele, se dedicam ao mesmo modelo de gestão do Brasil. Ele é o novo, e Lula é o velho.

Repetiu que “Lula é o maior corruptor da história moderna brasileira”. E que ele, Ciro, tem “mais conteúdo para repartir numa palestra do que o Lula”.

D’Avila perguntou com quem ele tem conversado. E Ciro disse que conversa com presidentes dos maiores bancos e dos grandes conglomerados. Nessa ordem.

Não contou se conversa com alguém do povo, sindicatos, entidades, índios, ONGs. Só citou os os banqueiros e os conglomerados e, genericamente, disse que conversa com todo mundo que queira ajudar o Brasil.

Ciro acha que Bolsonaro, que ele define como criminoso, está transformando parte dos militares e das polícias em partido armado.

Ciro tentou se apresentar como outro homem, mas sem saber dizer direito que homem é esse. O novo Ciro Gomes, que se apresenta como a terceira via, é um sujeito dependente do velho Ciro Gomes.

Desde o início, Ciro bateu forte na direita e na esquerda, porque pretende, como admitiu, conquistar esse centro difuso e nebuloso que é a direita encabulada.

Sim, essa direita é importante para a democracia, é decisiva para a governabilidade em qualquer país, mas é direita.

O ex-tucano desistiu de se apresentar como alguém de esquerda e fez força para empurrar essa tarefa para Lula. Ciro não quer mais saber de rótulos que o incomodem.

Ciro parece mesmo querer ser um novo Geraldo Alckmin, com a diferença de que Alckmin não odeia tanto Lula, o PT, o PSOL e o PCdoB, depreciados em tom de deboche por ele na entrevista.

E tem quem ainda ache que Ciro é trabalhista e brizolista.

DCM.

O REVERENDO É UMA BOMBA PRESTES A EXPLODIR, POR FERNANDO BRITO

Na entrevista dada ao repórter Nilson Klava, da Globo, o reverendo Amílcar Gomes de Paula, homem de ligação entre a Davati e suas centenas de milhões de vacinas fake, não consegue sequer arranjar alguma versão sobre o fato de estar sendo apontado, pelas mensagens de texto e áudio encontradas no celular do cabo PM Luiz Paulo Dominghetti que o indicam como o articulador junto ao Ministério da Saúde e o próprio Jair Bolsonaro do golpe de estelionato que era tramado por um grupo de picaretas de quinta categoria.

O vídeo pode ser assistido aqui e mostra uma reação desconexa, capaz de fazer corar o Rolando Lero, na qual o cidadão sequer consegue conectar uma frase e outra.

É espantoso que se juntem em uma quadrilha vacineira um cabo da PM, um espertalhão que propõe negócios de bilhões de dólares enquanto recebe auxílio emergencial e um reverendo que surgiu não se sabe de onde e, juntos, manipulem uma oferta de 400 milhões de doses de vacina ao Governo brasileiro.

E que essa gente vá bater à portas do Palácio do Planalto, assim, no más, como dizem os gaúchos.

Mais espantoso ainda é que não haja, sobre isso, uma ação da Polícia Federal, nem que o Ministério Público já não esteja na Justiça, pedindo a apreensão dos computadores e celulares desta turma, para saber com quer armavam uma trampa cruel, porque envolvia o desespero dos brasileiros com milhares de mortes todos os dias.

E que tudo isso chegou às portas do Palácio do Planalto – se é que não entrou por elas – e se reuniu com o coronel Élcio Franco, lugar-tenente do general Eduardo Pazuello.

Este tal reverendo, que recorreu aos seus problemas renais para adiar sua ida à CPI, é uma bomba.

Tijolaço.

terça-feira, 13 de julho de 2021

LUÍS MIRANDA REVELOU A CPI O SUPOSTO POLÍTICO QUE TERIA AMEAÇADO PAZUELLO E COBRADO PROPINA

Em entrevista ao Roda Viva, deputado considerado um dos 'homens-bomba' das suspeitas de corrupção por parte do governo federal desconversou sobre Arthur Lira.

“Eu jamais gravaria um presidente da República, mas eu não estava sozinho na sala,” disse durante o programa. (Pablo Valadares/Câmara)

O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) diz ter relatado em caráter privado a membros da CPI da Covid o nome do político que supostamente teria ameaçado o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e pedido "pixulé". A afirmação foi feita pelo parlamentar em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, nesta segunda-feira. Ele, contudo, não revelou a identidade de quem supostamente pediu propina. "Se Pazuello der o nome, eu confirmo. Esse nome não é do meu partido", limitou-se a dizer.

De acordo com a jornalista Vera Magalhães, âncora do programa, Miranda citou o nome do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL) aos senadores da CPI. O deputado não confirmou - nem negou -, mas ressaltou que Pazuello deveria voltar à comissão de inquérito para esclarecer o episódio. "Eu não quero ser a pessoa do 'ouvi falar', quem passou por isso deve falar", afirmou na entrevista. Miranda disse ainda que, caso Pazuello acuse a pessoa errada, vai desmenti-lo publicamente.

O deputado, tido como um dos "homens-bomba" das suspeitas de corrupção por parte do governo federal em compras de vacinas, ainda afirmou que Pazuello não sabia do escândalo da Covaxin dois dias antes de ser exonerado do cargo, sinalizando que o presidente Jair Bolsonaro pode não tê-lo avisado sobre as denúncias apresentadas pelos irmãos Miranda. O parlamentar destacou que rompeu completamente com o chefe do Palácio do Planalto. "Eu não subo mais em um palanque com Jair Messias Bolsonaro."

GRAVAÇÕES

Miranda negou diversas vezes ter áudios da conversa que teve com o presidente Bolsonaro no dia 20 de março acompanhado de seu irmão, mas não descartou a possibilidade de existir uma gravação.

“Eu jamais gravaria um presidente da República, mas eu não estava sozinho na sala”, disse durante o programa. Sobre a reunião, Miranda acrescentou que informou em detalhes, com o seu irmão, a situação sobre um possível de caso de corrupção na compra vacina indiana Covaxin.

"O presidente viu tudo, o processo inteiro. Meu irmão imprimiu o processo, mostrou para ele o contrato”, afirmou Miranda. “De fato, ele não se atenta aos detalhes da documentação técnica, mas entende que era grave.”

O parlamentar se diz decepcionado com Bolsonaro. “Ele não desmente, só minimiza a denúncia, o que é muito frustrante para quem esteve do lado dele o tempo todo”. Como reação às represálias, ele avalia que seguirá como independente. “A reação do governo foi muito dura. Mas dizer que, daqui para frente, eu vejo essas antes que a gente possa caminhar politicamente juntos? Isso nunca mais”, disse Miranda. “Eu não subo mais em palanque com Jair Messias Bolsonaro.”

Dom Total/O Estado de São Paulo.

segunda-feira, 12 de julho de 2021

O BRASIL PRECISA SE PERMITIR PODER SONHAR, POR PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Já disse, e repito hoje: não sou um sonhador. Cético de temperamento, parece-me até meio ridícula, ligeiramente demagógica e sentimental, a frequente referência a sonhos e à necessidade de sonhar. E, no entanto, …

Manoel Bomfim, um dos grandes pensadores brasileiros (injustamente esquecido como são muitos grandes brasileiros – enquanto, diga-se de passagem, não poucos trastes e mediocridades são celebrados intensamente), Bomfim dizia que uma nação precisa inventar os seus próprios sonhos, sonhar os seus sonhos plausíveis.

Sonhos plausíveis – inspirados de alguma forma, ainda que tênue ou não tão evidente, na realidade histórica e atual da nação. Temos que sonhar nossos sonhos, sonhados por nós, cultivar nossas próprias imagens, nossas próprias noções de beleza, verdade e valor, dizia ele por outras palavras.

Bonito. Mas aí é que se abre o alçapão. Sonhos podem ser perigosos. Certo tipo de sonho, justamente os plausíveis que desejava Bomfim. O sonho possível carrega em si a possibilidade da decepção e do sofrimento.

E, por essa via, chego ao verdadeiro assunto desta pequena crônica – um outro gênio da nossa raça, este verdadeiramente monumental. Refiro-me, leitor, ao grande, imenso, gigantesco Fernando Pessoa. A poesia, como sabemos, resiste tenazmente à tradução. Se Pessoa tivesse escrito em francês ou inglês (até escreveu nesta última língua, mas pouco), seria conhecido e venerado no planeta inteiro. Ele deixa na poeira, a meu ver, muitos luminares da literatura francesa ou anglo-americana. Quantos deles parecem realmente minúsculos ao lado do poeta português!

Não só por sua poesia, que é fulgurante, mas também por sua prosa. E dela retiro uma observação acurada sobre dois tipos de sonhos. Vamos passar a palavra a ele diretamente. Diz Pessoa, ou o heterônimo Bernardo Soares, no Livro do Desassossego:

“Tenho mais pena dos que sonham o provável, o legítimo, e o próximo, do que dos que devaneiam sobre o longínquo e o estranho. Os que sonham grandemente, ou são doidos e acreditam no que sonham e são felizes, ou são devaneadores simples, para quem o devaneio é a música da alma, que os embala sem lhes dizer nada. Mas o que sonha o possível tem a possiblidade real da verdadeira desilusão. Não me pode pesar muito o ter deixado de ser imperador romano, mas pode doer-me o nunca ter sequer falado à costureira que, cerca das nove horas, volta sempre à esquina da direita. O sonho que nos promete o impossível já nisso nos priva dele, mas o sonho que nos promete o possível intromete-se com a própria vida e delega nela sua solução. Um vive exclusivo e independente; o outro submisso das contingências do que acontece.”

Maravilhoso, não? A relação ambivalente com o sonho permeia a sua obra, também a poética. Por exemplo, no lindo poema Manhã dos outros!, que sei de cor e cheguei a tentar, quando morava em Washington, traduzir para o inglês para benefício de alguns amigos estrangeiros:

“Manhã dos outros! Ó sol que dás confiança / Só a quem já confia! / É só à dormente, e não à morta esperança / Que acorda o teu dia.”

E aí vem o verso cintilante:“A quem sonha de dia e sonha de noite, sabendo / Todo sonho vão, / Mas sonha sempre, só para sentir-se vivendo / e a ter coração. A esses raias sem o dia que trazes, ou somente/ Como alguém que vem/ Pela rua, invisível ao nosso olhar consciente, / Por não ser-nos ninguém.”

Em inglês, ficou assim o verso central:

“To those that dream by day and dream by night, knowing / that all dreams are vain/ But go on dreaming, just to feel what it ́s like to be alive/ And to have a heart” Falei em “amigos estrangeiros”.

Não queria dar pinta de quem explora a poesia para fins espúrios e extrapoéticos. Mas a verdade é que a tentativa de tradução foi para uma namorada estrangeira, linda, linda, mas por desgraça totalmente ignorante da bela língua portuguesa.

Mas volto ao poema. Vê-se, claramente, que a morta esperança não está tão morta assim. E que continua sonhando de dia e de noite, sonhando sempre, mesmo declarando todo sonho vão, por saber que a vida e o coração deixam de existir propriamente sem a capacidade de sonhar.

Já estou resvalando para uma defesa meio ingênua do sonho. Na verdade, o mais interessante, tanto no texto como no poema de Pessoa, é o embate, dentro da mesma alma, entre o impulso de sonhar e a resistência a ele. Ou em outros termos, talvez mais precisos: o conflito entre a vontade de sonhar e a incapacidade de fazê-lo plenamente, com o coração inteiro. A sua obra está eivada de paradoxos ou hesitações desse tipo, sempre muito carregadas de conotações emotivas.

Dou outro exemplo, também retirado do Livro do Desassossego, este do âmbito da política, sobre a dualidade sincero/insincero ou ilusão/realismo prático:

“O governo do mundo começa em nós mesmos. Não são os sinceros que governam o mundo, mas também não são os insinceros. São os que fabricam em si uma sinceridade real por meios artificiais e automáticos; essa sinceridade constitui a sua força, e é ela que irradia para sinceridade menos falsa dos outros. Saber iludir-se bem é a primeira qualidade do estadista. Só aos poetas e aos filósofos compete a visão prática do mundo, porque só a esses é dado não ter ilusões. Ver claro é não agir.”

Raramente encontrei um parágrafo tão brilhante, tão iluminado por paradoxos certeiros! Não são os sinceros nem os insinceros que lideram. A sinceridade do estadista é fabricada e real ao mesmo tempo. E, contrariamente ao senso comum, a visão realista do mundo não é do estadista, mas do poeta e do filósofo, cuja clarividência, entretanto, impede a ação. Enfim, repito, um gênio da nossa raça.

Talvez esteja me perdendo do assunto inicial. Mas nem tanto. Em relação a sonhos, cabe a mesma ambivalência. Os sonhos plausíveis de Bomfim são fonte de equívocos, desastres e decepções. Mas sem eles o que sobra da vida? Ela não se esvazia? Sonhar não pede coragem? E o ceticismo pode ser, no fundo, sintoma de perda de vitalidade. Talvez uma forma de covardia.

E, assim, continuamos. Mesmo sabendo ou proclamando todo sonho vão, vamos sonhando, de dia e de noite, sonhando sempre, para sentirmo-nos vivendo e a ter coração.

Uma versão condensada desta crônica foi publicada na revista “Carta Capital” em 9 de julho de 2021. O autor é titular da cátedra Celso Furtado do Colégio de Altos Estudos da UFRJ. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, começou a circular em março de 2021.E-mail: paulonbjr@hotmail.com;Twitter: @paulonbjr;Canal YouTube: youtube.nogueirabatista.com.br; Portal: www.nogueirabatista.com.br

Tijolaço.

STF TOMA MEDIDAS CONTROVERSAS PARA CONTER AVANÇOS BOLSONARISTAS CONTRA INSTITUIÇÕES DO ESTADO

Reprodução

Para tentar conter os avanços bolsonaristas contra as instituições do Estado, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem precisado usar a criatividade e tomar medidas heterodoxas no modo como tem conduzido suas ações, principamente quanto a Procuradoria Geral da União (PGR).

Essas medidas tem ajudado a diminuir a divulgação de fake news  e de ataques à democracia nas redes sociais e também culminaram, por exemplo, no pedido de exoneração de Ricardo Salles, que conduziu uma agenda antiambiental no Ministério do Meio Ambiente.

Apesar de a ação estar sendo feito em resposta as posturas adotadas pelo governo, especialistas temem que, a longo prazo, elas também possam ser um precedente para questionar a democracia.

De acordo com analistas, a necessidade de o Supremo conter bolsonarismo não é questionada, mas dizem que tergiversar com o devido processo legal, independentemente da finalidade que se busque, pode levar à criação de precedentes perigosos que, no futuro, venham a ser usados de maneira arbitrária pelo Judiciário em geral.

Em outro campo, o militar, a descrença no mandatário também dá o tom.

O ex-ministro da Secretaria de Governo, Santos Cruz, cobrou da sociedade uma reação forte contra as bravatas do genocida

DCM com informações de Folha de São Paulo e Estadão.

domingo, 11 de julho de 2021

A INCRÍVEL CARA DE PAU DA ELITE HIPÓCRITA BRASILEIRA, POR FERNANDO BRITO

Quando a gente acha, neste otimismo generoso que deve caracterizar quem crê na democracia, que as elites brasileiras estão se vergando a realidade e verificando que o país se volta para Lula como esperança de superar tudo o que de desastroso e odiento se instalou no Brasil sob Bolsonaro, eis que surgem suas vozes mostrando que, incorrigíveis, tudo o que lhes passa pela cabeça é que, sem voto, possam chegar ao poder na garupa de quem, uma vez lá, possam descartar ou manietar para que tudo possa continuar essencialmente igual, com a diferença de que mais bem educado.

Quando a gente acha, neste otimismo generoso que deve caracterizar quem crê na democracia, que as elites brasileiras estão se vergando a realidade e verificando que o país se volta para Lula como esperança de superar tudo o que de desastroso e odiento se instalou no Brasil sob Bolsonaro, eis que surgem suas vozes mostrando que, incorrigíveis, tudo o que lhes passa pela cabeça é que, sem voto, possam chegar ao poder na garupa de quem, uma vez lá, possam descartar ou manietar para que tudo possa continuar essencialmente igual, com a diferença de que mais bem educado.

Em 2018, não fizeram isso com o próprio ex-capitão ora presidente, na esperança de que ele fosse domado de suas inconveniências e amansado de seus arroubos autoritários?

Deu, como é patente, num bicho tão xucro e perigoso que ameaça partir os cristais da própria democracia, com os cascos a dar no vidro das eleições.

Agora, quando as pesquisas eleitorais revelam que a população, sozinha, encontrou o caminho para corrigir a quadra desgraçada de nossa história a que nos lançaram com Bolsonaro, lá vem eles com os parquíssimos votos que seus preferidos podem amealhar dizer, candidamente: “ah, não, mas Lula tem muitas resistências, quem sabe não seria melhor outro, mais palatável…”

É o que faz hoje no Estadão a inefável Eliane Cantanhêde, a eterna “colunista da massa cheirosa” com uma ideia “genial”:

Lula abriria mão de ser candidato a Presidente e aceitaria ser vice de outro, não importa quem fosse, para ser vice numa chapa encabeçada por alguém que ela, a um ano e um tico das eleições, diz que virá dos “os líderes que o passado nos lega e o futuro já nos oferece, nos três Poderes, nas organizações, na iniciativa privada.”

“Com Lula disputando a volta à Presidência, e com grandes chances, aprofundam-se a polarização e esvaem-se as soluções. Com Lula trocando a vaga na chapa pelo papel histórico de arquiteto e líder da união nacional, ele mantém sua capacidade poderosa de atrair votos, mas desanuvia-se o ambiente, tira-se a motivação de parte dos votos em Bolsonaro e abre-se a porta para uma nova era, inclusive na economia.
Além de decisiva para o Brasil, a solução pode ser conveniente para o próprio Lula. Ele tem milhares de motivos para ressentimento, mas seu maior troco é a vitória, o reconhecimento, não a volta à cadeira que ocupou por oito anos (…) Lula terá 77 anos em 2022 e 81 em 2026. Nada mal. Ele, porém, teve uma vida difícil e tem sérios problemas de saúde, além de… viver um novo amor. O que ganharia assumindo a rotina de presidente, com críticas, pedradas, cargos, reuniões e chateações?”

Que meigo! Como ela quer o bem do ex-presidente: o belo Palácio do Jaburu, residência oficial do vice, linda casa com comida e roupa lavada, carro oficial bacana e, sobretudo, nada para fazer e ficar curtindo seu amor outonal!

E como conseguir essa maravilha? Simples, mercadejando a confiança que recebe do povo brasileiro, manifestada nas pesquisas eleitorais, com qualquer outro – o mais bem colocado tem intenção de voto cinco vezes menor que a dele! – e ganhando em troca a “maré mansa” de quatro anos paradisíacos. De maneira mais direta: vendendo as esperanças do povo brasileiro em troca de vantagens pessoais.

Nada que difira, aliás, do que fazem os políticos convencionais.

Vão vendo como a colunista repete, tosca e melosamente, a fábula da raposa que elogia o canto da gralha para que esta solte o queijo que traz no bico…

Mas, se você apurar bem o ouvido verá que isso é, na verdade, o mudo “ele, não” que a elite brasileira sempre tem na cabeça quando se trata de aceitar a ideia de que o Brasil possa ser governado por um filho do próprio povo que, não importa o que tenha já provado em fazê-lo traz, na testa, o estigma de não ser alguém integrado ao pensamento medíocre de que o país não precisa apenas de um gerente, mas de uma expressão de identidade, afirmação e estímulo.

Suavemente, com todos os modos e generosidades, apoiam os vetos da extrema-direita a Lula e a intolerância que eles próprios ajudaram a construir.

Tijolaço.

sábado, 10 de julho de 2021

O BRASIL PERDEU A PACIÊNCIA COM BOLSONARO. VEM MAIS AÍ, POR FERNANDO BRITO

A esta altura, é possível dizer que as pesquisas de aprovação de governo, intenção de voto e abertura de impeachment – esta publicada agora há pouco pelo Datafolha – já estão desatualizadas.

Jair Bolsonaro jogou gasolina – e parece que jogará ainda mais – na fogueira do descontentamento da população ao dar um passo que o coloca abertamente na posição em que há tempos se sabia que ele estava: a do golpismo, ao ameaçar, de forma expressa, a suspensão das eleições do próximo ano.

Dentro de alguns dias sairão pesquisas sobre a ameaça presidencial e ninguém tem dúvida de que a reprovação passará dos 80%, deixando apenas o núcleo do bolsonarismo a favor desta decretação de ditadura que ele propõe.

Nem mesmo entre o empresariado – único setor onde Bolsonaro ainda conta com apoio majoritário – não haverá quem seja capaz de verbalizar apoio a este arreganho autoritário, exceto (e talvez) as figuras deprimentes de aventureiros e sonegadores que macaqueiam ao seu lado.

E, ao inverso, tornar mais aguda a posição dos que não o apoiam, mas não o hostilizam abertamente.

Aliás, só agora começa-se a romper o medo de manifestar-se publicamente contra Bolsonaro, porque contra isso conta o fato de que se corre o risco de agressão física das falanges que acompanham o “mito”.

É portanto, que Bolsonaro tenha conseguido perder mais alguns pontos dos poucos que já tem em matéria de aprovação e em intenção de votos. E reduzir também o número dos que defendem a continuidade de seu governo até que cheguem as eleições.

Que, com Bolsonaro no poder, já ninguém pode ter certeza que cheguem.

Tijolaço.

O ADVOGADO WASSEFF É PAU MANDADO EXPRESSA A VOZ DE SEU DONO, FERNANDO BRITO

O presidente nacional da Ordem dos Advogados, Felipe Santa Cruz, anuncia que a Corregedoria da OAB vai abrir processo contra Frederick Wasseff pelas agressões e ameaças que fez à jornalista Juliana Dal Piva, ontem, através de mensagem – reproduzida acima.

Wasseff é advogado do presidente da República e de seu filho Flávio e está furibundo com as reportagens de Juliana, publicadas pelo UOL, sobre as rachadinhas, com documentos e áudios que tornam mais que evidente a sucção de dinheiro por pai e filho, recolhendo a maior parte dos salários dos parentes – deles e de Fabrício Queiroz – para engordar seus recursos pessoais.

O advogado é um perfeito representante do clã, expressando-se aos mesmos coices e intimidações em lugar de fatos e argumentos. E, como eles, nos seus mandatos, sempre metido em situações sombrias, como a de ajudar – ou compelir – Queiroz a homiziar-se num sítio particular, registrado como escritório de advocacia para ganhar imunidades legais.

Wasseff é matéria semelhante à que expele, nas suas falas, o seu constituinte presidencial.

A sua notoriedade, se atrai moscas, também o inutiliza. Afinal, onde ele está, está uma suspeita.

Tijolaço.

sexta-feira, 9 de julho de 2021

BOLSONARO NÃO PRECISA DE AJUDA, ELE MESMO CONSTRÓI SUA PRÓPRIA QUEDA, POR FERNANDO BRITO

Jair Bolsonaro está deliberadamente aumentando a tensão política, ao ponto de ter conseguido que o moderadíssimo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, saísse de sua mudez e fizesse hoje um pronunciamento, ainda que em mineirês, de advertência aos planos golpistas do presidente, ao dizer hoje, ao seus idólatras, que “corremos o risco de não termos eleição no ano que vem”, se não for aprovada a impressão dos votos que, já ficou claro para quem quiser ver que não é uma preocupação com segurança, mas uma forma de estimular a coação aos eleitores.

Mas não foi só: conseguiu que o normalmente flácido presidente do TSE, Luiz Roberto Barroso emitisse uma nota dura, dizendo que trabalhar para impedir as eleições constitui-se crime de responsabilidade.

O chão está se desfazendo sob os pés de Bolsonaro – são insistentes os boatos de que logo virá à tona a gravação de seu encontro com os irmãos Miranda, no fétido caso das vacinas Covaxin – e ele se debate ameaçando arrastar para as profundezas de sua selvageria a democracia brasileira, embora tenha tido o apoio e a colaboração de muitos para levá-la à situação de anomalia e fragilidade em que se encontra hoje.

Ele apressa a crise, por isso, sabendo que seu apoio se dissolve como um pedra de gelo ao sol, exceto nos núcleos acanalhados para quem é, ainda, o “Mito” de que um regime autoritário e fascistoide ainda é possível na terceira década do século 21 como era nos anos 50 e 60, tempos da Guerra Fria, com o discurso de que o comunismo buscava “dissolver a família brasileira”.

Está há tempos se preparando para isso e um dos passos mais importantes foi remover o então Ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva e os três comandantes da Força, colocando em seu lugar o soturno e ambicioso Walter Braga Netto, o inexpressivo Fernando Nogueira de Oliveira no comando do Exército e dois militares que lhe são simpáticos à frente da Marinha e da Aeronáutica.

Aliás, o fato de Braga Netto tê-los colocado a assinar a nota ameaçadora contra a CPI foi uma manobra que revela bem o caráter do atual ministro: não era para criticar Omar Aziz, era para exibir os oficiais que julga serem sua tropa em perfilados às costas do comandante Bolsonaro.

Não se sabe se o juízo amplo revelado nas pesquisas sobre Bolsonaro ser “pouco inteligente” se estenderá ao alto oficialato da ativa, já que os da reserva parecem inebriados pelos corredores do Planalto.

Acaso acham que pode ser viável uma quartelada no padrão Togo, Guiné Bissau, Mali num país da extensão e importância do Brasil? Nem na Bolívia deu.

E Bolsonaro acha que militares dispostos a um golpe o farão “pela Pátria” ou vão cobrar avidamente o butim da democracia esfacelada?

É melhor já ir se moderando, Bolsonaro, e deixar que termine seu período como presidente, algo muito maior do que você jamais sonhou quando planejava explodir latrinas de quartel para arrumar mais algum no soldo.

Tão maior que a sua pequenez o transforma no pior anão moral que já ocupou tanto poder.

Tijolaço.

CPI DA COVID MOSTRA QUE MILITARIZAÇÃO DA SAÚDE LEVOU BRASIL À TRAGÉDIA DE 530 MIL MORTES

Quando Pazuello assumiu, país registrava cerca de 15 mil mortes por covid e 230 mil casos. Quando saiu, os infectados eram 12,2 milhões e os mortos, 300 mil.

Fernando Frazão/Agência Brasil. Pazuello comandou o ministério por dez meses, período em que os mortos por covid se multiplicou por 20.

Em sua inquirição ao ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirmou que a gestão do ex-ministro e general Eduardo Pazuello representou uma “verdadeira intervenção militar” na pasta. O senador quis saber se essa “ocupação” levou algum beneficio ao serviço e se, com a militarização, o ministério da Saúde passou a trabalhar melhor. A resposta de Dias foi que “não teve nenhuma melhora”. O depoimento do primeiro ouvido da CPI que acabou detido, na quarta-feira (7), deixou claro, segundo senadores, que as principais decisões do ministério, inclusive em relação às vacinas, eram tomadas pelo coronel da reserva Élcio Franco, secretário-executivo do Ministério da Saúde na gestão Pazuello, o número 2 na hierarquia.

Alguns analistas, e também senadores da CPI, avaliaram que a ordem de prisão de Aziz foi precipitada. Dias pode ter omitido informações e ser acusado de suposta corrupção, argumentaram, mas a comissão detectou que a corrupção no Ministério não é pouca. Dias, que foi solto sob fiança em seguida, poderia ser um bode expiatório. Além disso, muitos depoentes mentiram de forma ainda mais acintosa do que Dias. Entre eles, a médica Nise Yamaguchi, apontada como membro do gabinete paralelo. Ou o próprio Luiz Domingueti, estranho personagem, cabo da Polícia Militar, que perambulou pela Esplanada dos Ministérios e foi recebido na própria pasta de Pazuello como um mercador de vacinas.

COM PAZUELLO, MILITARIZAÇÃO DA SAÚDE CRESCE

Desde a chegada de Pazuello, de confiança do presidente Bolsonaro, militares passaram a ocupar cada vez mais cargos em diversos níveis. O número deles chegou a 25 em junho do ano passado. Élcio Franco foi nomeado secretário-executivo com a chegada do general e sua “expertise” em logística. Por sua vez, Franco nomeou o tenente-coronel Alex Lial Marinho na Coordenação de Logística e o coronel Marcelo Blanco como assessor de Roberto Dias, que o citou como o homem que levou Domingueti à reunião no shopping para tratar da vacina indiana Covaxin. Por outro lado, os civis da área da saúde nomeados pelo então ministro general, em plena pandemia, eram defensores de tratamento precoce e outras formas de “combate” ao vírus fora dos protocolos científicos.

Pazuello comandou o ministério por pouco mais de dez meses. Ao chegar, em 15 de maio de 2020, no lugar de Nelson Teich, o país registrava 15 mil mortes e 230 mil casos de covid. Em 24 de março de 2021, quando Marcelo Queiroga falou pela primeira vez como ministro, eram 12,2 milhões os infectados e o número de mortos, 20 vezes maior, ultrapassava 300 mil brasileiros. “Missão cumprida”, disse Pazuello ao deixar o ministério. Hoje (9), são 530 mil.

ÉLCIO FRANCO

O ex-secretário executivo foi exonerado do ministério em março passado, mas nomeado assessor especial da Casa Civil menos de um mês depois. Na oitiva mais tensa realizada pela comissão até a última quarta-feira, o senador Randolfe Rodrigues afirmou que o dado mais importante levado por Dias à CPI foi que o depoimento apontou a responsabilidade final na contratação de vacinas contra a covid como sendo de Élcio Franco. O que quer dizer que, de acordo com Dias, o coronel estaria ligado ao caso da Covaxin, que implica a participação da “intermediária” Precisa Medicamentos. O coronel Franco passa a figurar “como foco das investigações da CPI”, afirmou o senador do Amapá, e será necessário ouvi-lo novamente.

“Estavam querendo o núcleo militar para tomar conta do galinheiro”, disse a senadora Simone Tebet (MDB-RS) durante o depoimento de Roberto Dias. Ela declarou acreditar que a CPI já tem “a materialidade” do crime relativo à Covaxin. “Estamos atrás da autoria. A Covaxin vai ser o grande calcanhar de Aquiles do governo”, acrescentou. “Eles (Pazuello e Élcio Franco) citaram ‘cláusulas leoninas’ da Pfizer, uma vacina cientificamente comprovada e hoje aplicada o mundo inteiro.”

Segundo a CPI, Élcio Franco é o principal responsável operacional pelo “banho-maria” em que foi colocada a Pfizer nas negociações da vacina. Enquanto a Pfizer ficava no “banho-maria” e a CoronaVac era atacada pelo próprio presidente da República, as negociações pela Covaxin andavam rapidamente. O contrato com a Pfizer levou 330 dias para ser fechado, enquanto com o imunizante indiano consumiu meros 97 dias.

DOIS NÚCLEOS

À CPI, em 9 de junho, entre muitos pretextos, o ex-secretário executivo tentou justificar tratamento ao imunizante norte-americano com a seguinte frase: “Nem ela (Pfizer) confiava no que ela estava oferecendo pra gente”. Hoje, a vacina norte-americana é considerada a mais eficaz contra o Sars-Cov-2.

O depoimento de Roberto Dias deixou claro, segundo Randolfe Rodrigues em coletiva logo após a oitiva, que existiam “dois núcleos em disputa” no Ministério da Saúde: o que era dirigido por Dias e o comandado por Franco. “É uma disputa de poder, e eu diria, pelo controle dos esquemas de corrupção no Ministério da Saúde.”

Ouvida na quinta-feira (8), a ex-coordenadora do Plano Nacional de Imunização (PNI) Francieli Fantinato disse que deixou o Ministério da Saúde por motivos pessoais, mas ressaltou: “Existe uma politização do assunto, por meio do líder da nação, que traz elementos que muitas vezes colocam (a vacinação) em dúvida”. “Para uma campanha de vacinação funcionar precisa ter vacina e campanha publicitária. Infelizmente, eu não tive nenhum dos dois.”

Rede Brasil Atual.

quinta-feira, 8 de julho de 2021

OS SONHOS DA DIREITA LIBERAL BRASILEIRA E A SUCESSÃO PRESIDENCIAL, POR LUIS NASSIF

Jorge Bornhausen é um dos mais experientes políticos brasileiros. Assim como José Sarney e outros velhos caciques, tem a sabedoria da idade e a capacidade de recorrer a pesquisas para monitorar suas decisões

Os estudos passaram pelas seguintes questões:

É possível a terceira via?

O que pode ser feito antes do afunilamento das candidaturas, na reta final das eleições?

Qual perfil adequado do campeão branco?

As análises concluíam que é perfeitamente possível e provável a nova via, em 40% da população que não aceita a polarização entre Lula e Bolsonaro. É uma lógica conhecida: a polarização beneficia os dois lados; o anti de Bolsonaro fortalece Lula e vice-versa. Assim, se um dos dois cair, a rejeição ao remanescente garantiria a tal terceira via.

Bornhausen considera “perfeitamente possível e provável” a nova via, a partir do que ele considera sinais vindos da sociedade e dos partidos

* documento assinado por cinco pré-candidatos em defesa da democracia – João Dória Jr, Henrique Mandetta, Luciano Huck, Ciro Gomes e Amoedo e apoio de Sérgio Moro. Houve uma depuração, com a saída de Amoedo e Luciano Huck do jogo.

* Encontro de presidente de partidos em defesa da democracia.

* Declaração de Gilberto Kassab, presidente do PSD – que se transformou em grande partido – de quem não apoiaria a bipolarização.

Mesmo assim, há alguns eventos pela frente antes de definir claramente a estratégia dos liberais.

Aguardar regras do jogo, do processo eleitoral, que está em discussão no Congresso. A votação será até 30 de setembro e será publicada até 1o de outubro e passa por tentativas de impor distritão. Bornhausen não acredita em nenhuma mudança de natureza constitucional, como o voto impresso ou o distritão. A grande discussão, segundo ele, é em relação às sobras eleitorais – os votos de partidos que não foram aproveitados por nenhum candidato. Até 2018, havia uma regra que permitia as sobras apenas para partidos que atingissem consciente eleitoral. Houve modificações permitindo que todos os partidos se beneficiem das sobras. Mesmo com a proibição de coligações, manterá a enorme quantidade de partidos, diz ele. 

Segundo passo, janela de março, quando candidatos poderão mudar de partido. Se regra atual for mantida, eles irão procurar aqueles partidos em que poderão se eleger em cima das sobras. Se voltar a norma antiga, haverá aglutinação partidária.

Só a partir desses movimentos, haverá condições de se discutir frentes ou candidatos.

Até lá, a iniciativa será dos partidos políticos, que procurarão melhor forma de fortalecer sua chapa nas eleições estaduais. O governador favorito ao segundo turno é instrumento muito forte nas eleições presidenciais.

A POSIÇÃO DA DIREITA LIBERAL

Bornhausem confia, especialmente, nas pesquisas de Antonio Lavareda, do IPESP. Para definir o figurino ideal, Lavareda recorre a pesquisas com grupos focais selecionados entre pessoas que pertencem aos tais 40% contra a polarização.

Houve duas pesquisas sobre o perfil ideal, que identificou as seguintes características.

·      Moderado

·      Que governe para todos os brasileiros

·      Ficha limpa

·      Que se preocupe com pessoas

·      Que tenha experiencia política, administrativa e recupere a imagem do Brasil no exterior.

Dos cinco presenciáveis, Ciro e João Dória não se enquadraram no figurino. Dória devido à enorme rejeição que tem, especialmente em São Paulo. Com todo o trabalho em favor da vacinação, o percentual de paulistas que desaprova sua atuação na Covid-19 é do mesmo tamanho dos que aprovam. Segundo Bonhausen, a não ser que reverta essa desconfiança do eleitor, Doria poderá não ser candidato nem a Presidente, nem a nada.

As posições bélicas de Ciro Gomes também o desclassificam nessa seleção – aliás, nem precisaria de pesquisas para constatar isso. Mas, entre os liberais-conservadores pesa a posição de Ciro de ser a favor de um estado forte.

Enquadraram-se o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, o ex-Ministro Mandetta e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Mas os três enfrentam alto grau de desconhecimento. Segundo Bornahusen, Leite deu um lance de mestre, ao se apresentar como gay. Aumentou substancialmente o nível de conhecimento público com ele. Mandetta comunica-se muito bem, diz Bornahusen, mas não teve atuação no debate promovido pelo Estadão. Talvez por não ter feito media training, Ciro tem facilidade de falar, admite Bornhausen. Mas sua cabeça em economia é igual à de Brizola, Dilma.

Eduardo foi o melhor. Segundo Bornhausen, teve profundidade e, no debate, antecipou o grande lance que fez no mesmo dia, quando defendeu a liberdade de gênero no programa de Bial. Foi inteligente, uma jogada bonita, elogia Bornhausen. Rodrigo Pacheco tem estilo do político tradicional de MG, estilo Tancredo Neves e se enquadra nesse perfil.

A partir daí, o campeonato dependerá dos outros jogadores. Sua esperança é de que Lula e Bolsonaro se estraçalhem, e levem Ciro junto.

O FATOR MILITAR

Talvez nem o próprio Bornhausen acredite no que diz sobre as esperanças em relação à terceira via. O discurso otimista é essencial para manter a tropa unida. Mas, aí, entra-se em um terreno pedregoso, que é o fator militar.

Ontem, os três comandantes das Forças Armadas divulgaram uma nota de protesto contra declarações do presidente da CPI, Osmar Aziz, terminando com uma declaração: “as Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”.

É uma declaração intencionalmente dúbia. Houve quem visse ameaças aos críticos, houve quem visse reafirmação da defesa das instituições contra “ataque leviano” – o que caberia a Bolsonaro.

Serviu para decifrar melhor os campeões brancos. O governador gaúcho Eduardo Leite visitou comandantes militares – provavelmente antes do episódio. E o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, comportou-se de modo pusilânime.

Esse quiproquó escondeu o essencial. Em sua declaração, Aziz alertou para setores, dentro das Forças Armadas, sem generalização. De fato, assusta a multiplicidade de oficiais da ativa e da reserva envolvidas com o golpe das vacinas. Fica claro que essa ligação com Bolsonaro está contaminando celeremente as Forças Armadas. Vários militares estão deixando o serviço ativo e montando empresas visando aproveitar as benesses do poder.

O modo dúbio com que o Alto Comando tratou o episódio Pazuello, além disso, enfraqueceu sua autoridade moral sobre a tropa.

Em suma, sabendo-se do profundo anti-lulismo da corporação, o episódio é mais um alerta para a necessidade de um pacto amplo que fortaleça a democracia.

GGN.