Hamilton
Mourão, ironicamente, foi o personagem da primeira e última fala de um delírio,
autoritário e anacrônico, de volta dos militares ao poder no Brasil.
Lá
atrás, ainda no período Dilma, foi a peça da qual se serviu o então comandante
do Exército para encobrir o xadrez subversivo em que já se encontravam,
tramando a derrubada do governo constitucional. Foi a voz aberta da
desobediência militar que todos na cúpula das Forças Armadas sussurravam.
Ontem,
melancolicamente, coube ao mesmo Mourão apresentar a vexaminosa versão de que
as Forças Armadas nada tinham a ver com o projeto golpista e autoritário do
qual Bolsonaro foi o pretendido e fracassado “Cavalo de Tróia”.
Entre
outras bobagens e autolouvações, no pronunciamento em rede nacional – em que se
serviu da ridícula condição de “Presidente da República em exercício” de
um titular que fugiu do país e nem lhe transmitiu o cargo – quase lamenta que
não se possa dar golpes de estado sem quebrar a Constituição.
A
falta de confiança de parcela significativa da sociedade nas principais
instituições públicas decorre da abstenção intencional desses entes do fiel
cumprimento dos imperativos constitucionais, gerando a equivocada canalização
de aspirações e expectativas para outros atores públicos que, no regime
vigente, carecem de lastro legal para o saneamento do desequilíbrio
institucional em curso.
“Carecem
de lastro legal para o saneamento do desequilíbrio institucional”?
O
que é isso, general, o senhor espera que alguma Constituição vá dar “lastro
legal” à sua própria violação?
Pior
ainda é o “me incluam fora desta” que Mourão pretende usar diante das
responsabilidades das Forças Armadas por um quadro que boa parte de sua
oficialidade estimulou e integrou:
Lideranças
que deveriam tranquilizar e unir a nação em torno de um projeto de País
deixaram com que o silêncio ou o protagonismo inoportuno e deletério criasse um
clima de caos e de desagregação social e de forma irresponsável deixaram que as
Forças Armadas de todos os brasileiros pagassem a conta, para alguns por inação
e para outros por fomentar um pretenso golpe.
Se
o comando das Forças Armadas não tivessem sido sócios ativos deste processo,
não estariam “pagando a conta”, conta na qual a instituição teve prejuízos
imensos, mas alguns de seus integrantes, como Mourão, recolheram lucros, como
os oito confortáveis anos que terá no Senado.
A
culpa é de Bolsonaro, mas não só dele. E não será fingindo que não tiveram nada
com isso que os militares, se conseguirem, vão apagar estes anos de demolição
de sua imagem. Verdade e dignidade, para começar, seria uma boa e bem-vinda
demão de cal nas nódoas com que as mancharam.
Aliás,
a maior prova de que são necessárias é a reação dos bolsonaristas a Mourão, que
tem de se calar quando é chamado por eles de “traidor”.
Tijolaço.