A
entrevista de Antônio Barra Torres, presidente da Anvisa, ao jornal O Globo é um dos libelos mais duros que
já se fez a um governo e, um dia, será usado nos tribunais deste país.
Em
três “perguntas” ele atira sobre o governo Bolsonaro e seu ministro da Saúde a
responsabilidade consciente pela morte de crianças (e de adultos) por conta da
Covid-19.
“O
ministério [ da Saúde] precisa apresentar à sociedade a justificativa
do porquê de nós mantermos inalterada uma estatística macabra. Nós temos 301
crianças mortas na faixa de 5 a 11 anos desde a chegada da Covid até o início
de dezembro. Nesses 21 meses, numa matemática simples, nós teríamos um
pouquinho mais de 14 mortes de crianças ao mês, praticamente uma a cada dois
dias.”
“Se (a
consulta pública, usada pelo Ministério para adiar a vacinação infantil) é
uma ferramenta tão necessária, por que não foi usada em relação às outras
faixas etárias, às outras vidas?”
A
terceira pergunta é sobre as opiniões de pessoas que não trabalham com a
análise vacinal: de que maneira isso pode influenciar numa decisão que é
eminentemente técnica?
Torres
termina as perguntas com uma direta e simples: “o que mais falta” para se
iniciar a vacinação das crianças, uma vez que todas as entidades médicas e
sanitárias a aprovaram?
Torres
responsabiliza diretamente Jair Bolsonaro de instigar as ameaças que os
funcionários da Anvisa recebem, todos os dias, e que já somam mais de 170:
Tivemos
uma [manifestação presidencial] em 16 de dezembro, que foi o pedido,
dito por ele oficioso, quanto a nomes de envolvidos. A frase em si, palavra
após palavra, se retirada do contexto, pode parecer apenas o exercício do
supremo mandatário do país, no livre direito, de solicitar a informação que
julgar necessária. Mas, quando essa frase é colocada no contexto, na entonação
e em tudo o que foi dito naquela live, se entende que a intenção não era
essa. Não era uma intenção apenas de saber os nomes.(…) No dia 19 de dezembro,
o senhor presidente disse que é “inacreditável o que a Anvisa fez”, ou seja,
reitera o sentido que deu na declaração do dia 16. Não há dúvida quanto ao que
ocorreu nessa sequência de duas declarações, com intervalo de três dias, em que
as ameaças se tornaram ainda mais profusas.
Como aqui já se fez, Torres compara as mortes pela Covid com
acidentes aéreos;
Nós
estamos com um avião caindo por dia de óbitos de Covid-19 em todas as faixas
etárias. Imagina você como repórter noticiar na segunda-feira “um avião caiu”.
Aí você, na terça-feira, diz de novo: “um avião caiu”. Na quarta-feira, você
diz de novo: “um avião caiu”. Na quinta-feira, você diz de novo: “um avião
caiu”. Estou sendo repetitivo para que as pessoas entendam o que estamos
falando. É irresponsável dizer que a pandemia acabou. Quem diz isso deveria
falar à família dos mortos desses aviões que caem todo dia. Todo dia um avião
cai em território nacional…
O
diretor-presidente da Anvisa diz que não são casuais estas situações
inexplicáveis: para ele, há um “perfeito alinhamento político” entre o que faz
(e deixa de fazer) o Ministério da Saúde e a vontade do presidente da
República.
Em
qualquer país do mundo, o que diz Barra Torres tem densidade suficiente para
que se abram processo contra Jair Bolsonaro e Marcelo Queiroga por crime de
responsabilidade contra o direito essencial à Saúde.
É
público, está num grande jornal, o que falta para que o Ministério Público abra
inquérito para que se respondam as perguntas formuladas por Barra Torres. É
claro, porém, que não irá a lugar nenhum, mesmo que se vá bater ao STF pedindo
que se apurem e atribuam as responsabilidade pela inação do presidente e de seu
ministro.
Ao
menos, não agora. Mas, amanhã, o libelo de Barra Torres há de ser ouvido num
tribunal.
Tijolaço.
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