Os
procuradores de Curitiba, que acusam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
de ser “dono” de um triplex no Guarujá, apresentaram suas alegações finais,
última fase antes do juiz Sérgio Moro proferir a sentença. A peça jurídica
reforça o que a defesa de Lula tem afirmado desde sempre: na ausência de
provas, a procuradoria usa “convicção” para tentar incriminar o ex-presidente.
As
334 páginas das alegações finais, no entanto, mais parecem um conto de ficção
do que um documento jurídico. Basicamente, a equipe de Dallagnol usa essas
alegações finais não para apresentar provas e argumentos, mas para explicar
teoricamente (e com muita convicção, sem provas) como se pode imputar crime a
alguém sem prová-lo. Enquanto isso, o documento esquece que 73 testemunhas e
duas auditorias internacionais inocentaram Lula.
Usando
as argumentações do procurador Deltan Dallagnol, que citou seu próprio livro
sete vezes como fonte teórica para explicar o PowerPoint, fizemos uma lista com
oito principais absurdos apresentados pela procuradoria para o pedido de condenação
do ex-presidente Lula:
Absurdo
1: Não ter provas é a prova
Nas
alegações finais, o MPF afirma, a todo tempo, que não foram encontradas provas
contra Lula. Como exemplo disso, separamos alguns trechos citados pelo próprio
Dallagnol: “Se é extremamente importante a repressão aos chamados delitos de
poder e se, simultaneamente, constituem crime de difícil prova o que se deve
fazer? A solução mais razoável é reconhecer a dificuldade probatória” e “os
indícios são equivalentes a qualquer outro meio de prova pois a certeza pode
provir deles”.
Neste
trecho, o procurador tenta argumentar e explicar o porquê de a incerteza ser
algo necessário na construção da denúncia: “A certeza, filosoficamente falando,
é um atributo psicológico e significa ausência de capacidade de duvidar. O
estado de certeza diz mais a respeito da falta de criatividade do indivíduo do
que a respeito da realidade”.
Absurdo
2: Teoria do domínio do fato
Você
sabia que na época do julgamento da AP 470 pelo Supremo Tribunal Federal (STF),
a ministra Rosa Weber tinha como juiz auxiliar Sérgio Moro quando veio à tona a
teoria do domínio do fato? Agora, o MPF traz de volta essa teoria que serve
para condenar mesmo na ausência de provas, porque “a literatura permite”.
Dallagnol
argumenta, basicamente, que, por ser presidente da República, Lula deveria
saber do que acontecia na Petrobras. Porém, duas auditorias internacionais, a
KPMG e Price, isentaram Lula de qualquer fraude na contabilidade da Petrobras e
73 testemunhas provaram a inocência de Lula. Parece, no entanto, que estes
fatos e essas provas, não bastaram para a procuradoria.
Nas
alegações finais, o MPF chega ao ponto de comparar o papel que eles atribuíram
a Lula no PowerPoint com estupro e tráfico de drogas: “No estupro, em regra, é
quase impossível uma prova testemunhal. […] Nos delitos de poder não pode ser
diferente. Quanto maior o poder ostentado pelo criminoso, maior a facilidade de
esconder o ilícito, pela elaboração de esquemas velados, destruição de
documentos, aliciamento de testemunhas”.
Absurdo
3: A prova de que o Triplex é do Lula é a convicção
O
MPF alega que Lula recebeu o triplex como “presente” da OAS por ter “deixado” a
empreiteira vencer milionários contratos na Petrobrás. Porém, a prova cabal de
que o apartamento 164-A nunca foi de Lula é simples: o imóvel é da OAS, sempre
foi. Tanto que a empreiteira usa o triplex em contratos com terceiros. Além dos
documentos que provam ser de propriedade da OAS, Léo Pinheiro, em depoimento,
também confirmou a informação.
Mas,
para os convictos do MPF a propriedade no papel e o uso do imóvel como garantia
de operações financeiras pela OAS não bastam. Para os procuradores, o fato de
não ter prova é a própria prova: “Como provado no presente caso, sendo o
triplex no Guarujá destinado ao réu Lula pela OAS a partir dos crimes de
corrupção contra a Administração Pública Federal, sobretudo contra a Petrobras,
esconder que o réu Lula é o proprietário do imóvel configura o crime. Dizer que
“não há escritura assinada” pelo réu Lula é confirmar que ele praticou o crime
de lavagem de dinheiro”
Absurdo
4: O PowerPoint de Dallagnol
O
procurador Dallagnol cita, por sete vezes, seus livros como fontes teóricas que
embasam as alegações finais. Citando uma de suas obras, ele tenta justificar os
motivos pelos quais seria difícil encontrar provas para o crime de lavagem de
dinheiro: “Considerando que a lavagem de capitais é conduta que busca conferir
aparência de licitude a dinheiro de origem ilícita, parece evidente a razão
pela qual em muitos casos a indevida utilização de instrumentos em si lícitos é
eleita como método de preferência pelos agentes criminosos”.
Aqui
ele cita mais uma teoria, também registrada em seu livro, para tentar dar
embasamento às convicções apresentadas nas alegações finais: “O ponto aqui é
que disso tudo flui que os crimes perpetrados pelos investigados são de difícil
prova. Isso não é apenas um “fruto do acaso”, mas sim da profissionalização de
sua prática e de cuidados deliberadamente empregados pelos réus”.
O
procurador recorre ao célebre personagem de ficção Sherlock Holmes para explicar
o uso de uma suas teorias, o explanacionismo: “[…] outros renomados autores,
examinaram exemplos do uso dessa lógica em inúmeras passagens de Sherlock
Holmes”.
Absurdo
5: Criminalização da prática política
Além
de usar e abusar da convicção, o MPF também criminaliza a política nas
alegações finais. Exemplo disso é usar, como indício, a nomeação de aliados aos
cargos da administração federal com o objetivo de ganhar apoio entre os
partidos que se uniram a ele nas eleições e formarem um governo de coalizão. O
que jamais constou na lei como crime.
“No
intuito de angariar o apoio de importantes partidos políticos que não compunham
a base governamental, Lula nomeou, ainda em 2003, pessoas ligadas notadamente
ao Partido Progressista e ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro para
ocupar altos cargos da Administração Pública Federal, compondo relevantes
alianças, ao que, finalmente, o então Presidente da República viu seu projeto
governamental alinhado às suas prioridades”
Nesse
contexto, o MPF criminaliza uma prática comum da política, inerente a qualquer
administração pública em um país presidencialista de coalizão, tradicionalmente
republicano, como o Brasil. Tenta tornar crime algo que não está previsto na
lei como crime.
Absurdo
6: Depoimentos inocentam Lula e contradizem alegações do MPF
O
MPF afirma que Lula, como o “chefe do esquema”, teria nomeado, para cargos
importantes, pessoas que facilitariam as práticas criminais. A procuradoria
cita Pedro Correa, Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco. Porém, os três negaram
em depoimentos – já amplamente divulgados– a realização de qualquer reunião com
Lula em que ele tenha solicitado ou recebido vantagem indevida.
Eles
também negaram qualquer relação entre Lula e o tríplex do Guarujá. Detalhe:
eles eram testemunhas da acusação, mas desconstruíram as argumentações contra o
presidente e apresentaram, mais uma vez, argumentos que sequer são considerados
pelos procuradores.
Absurdo
7: Acerto entre os réus buscando perdão e os acusadores
Léo
Pinheiro, em meio a negociação de delação premiada junto ao MPF para reduzir
sua pena de 26 anos de prisão e para liberar a OAS para voltar a fechar
contratos com a administração pública, trocou sua equipe de advogados no dia em
que depôs na ação do triplex. O acordo saiu mediante depoimento que
incriminasse o ex-presidente Lula.
Curiosamente,
antes mesmo do depoimento, jornais já veiculavam trechos das declarações de
Pinheiro. Desde sua prisão, em 2014, Pinheiro inocentou Lula em todos os
depoimentos prestados. Mas a versão mudou quando ele começou a negociar a delação
para reduzir a pena.
As
alegações finais dos procuradores trazem a prova do acordo. Eles pedem que o
juiz reduza as penas de Léo Pinheiro e Agenor Medeiros pela metade por terem,
sem provas, validado a acusação do Ministério Público de forma pouco crível em
depoimentos sem compromisso em dizer a verdade.
Absurdo
8: Responsabilidade Penal Objetiva
Essa
é outra linha adotada por Dallagnol para “incriminar” o ex-presidente Lula.
Nessa teoria, dispensa-se a análise da culpa, violando o princípio constitucional
da presunção da inocência. O MPF traz para o corpo das alegações finais
referências ao processo da AP 470, conhecida como “mensalão”, apesar de Lula
ter sido inocentado, à época, de qualquer participação e responsabilidade.
Apesar disso, Dallagnol retoma o caso para tentar, agora, reafirmar essa
teoria.
A
responsabilidade penal objetiva significa que uma pessoa é responsável, penal,
pelos atos de outra pessoa, mesmo sem prova de ordem direta para que a outra
pessoa tenha cometido aquele ato.
247/Agência PT de Notícias
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