sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

RESTRIÇÕES ‘MEIA-BOCA’ NÃO VÃO MUDAR COMPORTAMENTO PÚBLICO, POR FERNANDO BRITO

Como se vem, há dias, repetindo aqui, os governos estaduais e municipais estão anunciando medidas para restringir a circulação de pessoas e sua aglomeração.

Mas, apenas 11 dias depois de jurarem de pés juntos – até a eleição – que não se fariam novas limitações ao comércio e às aglomerações de pessoas, não têm coragem de fazer o que precisa ser feito e estão meio na base do “me engana que eu gosto”, para livrarem a cara de sua responsabilidade no morticínio que temos pela frente.

No Rio, inventou-se o “lockmóvel”, proibindo estacionamento na orla, mas a orla não lota por causa dos automóveis, exceto na Barra da Tijuca. Copacabana, Ipanema e Leblon lotam com ônibus e metrô, faz muito tempo. Com um ou dois milhões de banhistas num final de semana de sol, talvez nem 15% deles tenha usado o automóvel para chegar ali. Permitir as áreas de lazer do calçadão e do Aterro do Flamengo sem fechar, como de hábito, as avenidas que correm junto a eles só serve para adensar mais o que fica funcionando: mais gente em menos espaço.

Em São Paulo, baixou-se o “decreto antibalada”, que proíbe a venda de bebidas alcoólicas a partir das 20 horas, o que já vai dar belas matérias a partir da noite de amanhã, com todos “chocados” com aglomeração de jovens bebendo nas calçadas, o que todos sabem que vai acontecer, ainda que não estivéssemos – e estamos – em época de festejos de fim de ano.

O fato é que a resistência da população está no fim, o auxílio emergencial terminando. a busca por emprego desesperadora e a época natalina, tudo junto e misturado já criaria problemas mesmo com uma ação incisiva das autoridades públicas.

Mas tudo fica pior porque elas se desmoralizaram, agindo mesmo como se estivéssemos “no finalzinho” da pandemia e com a vacina à vista, contando com uma fórmula mágica que nos livraria do vírus.

E não é assim: o convívio com esta desgraça durará muitos meses, ainda, e ceifará milhares de vidas.

Do Tijolaço.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

O QUE É UM PRESIDENTE; O QUE É UM DELINQUENTE, POR FERNANDO BRITO

Morreram ontem 848 brasileiros, a segunda maior marca de mortes diárias desde o final de setembro.

Se tivéssemos a vacina – e não temos – e um plano para aplicá-la – e também não temos – levaríamos meses para imunizar uma parcela significativa da população – e não o faremos, tão cedo.

Mas para o Presidente da República, “ainda estamos vivendo um finalzinho de pandemia”.

A menos que a tenha lido num mapa astrológico de Olavo de Carvalho, não se sabe de onde Jair Bolsonaro tirou essa.

Se tudo não piorar, o “finzinho” de Bolsonaro será o fim de algumas dezenas de milhares de vidas.

Mas está piorando, e sensivelmente. Hoje, as Santas casas de Misericórdia anunciaram que já não têm vagas, a mesma situação da rede pública do Rio, de Santa catarina e de outros estados. Em São Paulo, o mais importante hospital de infectologia, o Emílio Ribas, está virtualmente lotado.

Mas Jair Bolsonaro não sente. Ele, aliás, não sente nada que se possa classificar como sentimento humano.

Hoje, o presidente da Argentina, Alberto Fernández anunciou o início da vacinação ainda em dezembro, usando a vacina Sputnik V, com a imunização de 10 milhões de pessoas – um quarto da população, praticamente – até fevereiro quando nós, com sorte, estaremos começando a fazer algo por aqui.

Para superar as resistências “ideológicas”, Fernández anunciou que será o primeiro a tomar, em público, o imunizante russo.

Bolsonaro nem liga. O negócio é a Bolsa, que está “bombando”, porque o mercado não se importa com cadáveres enquanto tudo estiver funcionando.

Somos governados por um monstro. E o pior é que ele não está “no finalzinho”.

Do Tijolaço.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

O “LARANJA” AZEDOU, POR FERNANDO BRITO

A demissão de Marcelo Álvaro Antônio era prevista – ele e Onyx Lorenzoni, da Cidadania, estão há tempos em desgraça – e não deveria ter significado político maior, porque Antônio era mesmo uma figura minúscula, que só ganhou alguma notoriedade pelo escândalo do “laranjal mineiro” e as denúncias de candidaturas criadas apenas para transferir dinheiro para a sua campanha.

Ficou, porém, com uma advertência até para os que, no grupo fisiológico de deputados que dá apoio a Bolsonaro.

É o de que não há espaço para os políticos no exercício do poder que, de fato, é dividido entre a família presidencial e o grupo de militares palacianos.

O texto suicida enviado pelo agora ex-ministro do Turismo, chamando o general Luiz de traíra e de “exemplo de tudo o que eu não quero ser na vida” seria apenas uma enxurrada de desaforos, mas sinaliza que tem mais o que dizer. Transcrevo de O Globo, mantendo as maiúsculas da mensagem de Whattsap:

“Ministro Ramos, o Sr entra na sala do PR comemorando algumas aprovações insignificantes no Congresso, mas não diz o ALTÍSSIMO PREÇO que tem custado, conheço de parlamento, o nosso governo paga um preço de aprovações de matérias NUNCA VISTO ANTES NA HISTÓRIA, e ainda assim (na minha avaliação), não temos uma base sólida no Congresso Nacional”.

É evidente que Antonio tem uma lista das “mercadorias” pelas quais se pagou “altíssimo preço”.

Pior ainda, usando um general que só deixou de estar na ativa em julho deste ano como o responsável pelas “compras”.

Do Tijolaço.

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

COM 842 MORTES HOJE, TESTES MOSTRAM DIAS SOMBRIOS PARA O BRASIL, POR FERNANDO BRITO

As secretarias de Saúde acabam de liberar o total de mortes contabilizadas nas últimas 24 horas e o número saltou para perto do mesmo dos piores períodos da pandemia de Covid-19: 842 vidas perdidas, o que nos deixa a dois ou três dias de chegarmos a 180 mil óbitos, pois já temos 178.159 contados às 18 horas de hoje.

Vai piorar, pois os casos confirmados voltaram a somar 50 mil por dia e a curva ascendente é aguda. Como prometi mais cedo, trago os números e as comparações que deveriam estar assustando nossas autoridades sanitárias, neste momento mais empenhadas em suas guerrinhas políticas.

No gráfico, registra-se a evolução por Semana Epidemiológica (SE) do percentual de resultados positivos – o que indica a presença ativa do vírus – obtidos nos exames de RT-PCR aplicados no país. Não é o número de testes, atente, mas a parcela deles que dá positivo para a presença da doença e que indica a necessidade de quarentena ou internação hospitalar.

Na SE 48, encerrada dia 28 de novembro, tínhamos 30,81% dos exames apresentando resultados positivos para o Sars-Cov-2, ou quase um terço das pessoas submetidas aos testes estando doentes e em fase de transmissão.

Compare com a tabela desta mesma taxa de positividade em alguns países europeus onde sabemos que a situação está deteriorada, todos medidos na mesma Semana Epidemiológica de n°48.

Como o número de testes está aumentando, uma taxa maior é crescimento sobre crescimento.

É questão, infelizmente, de tempo – e muito pouco tempo – para voltarmos à terrível marca de mil mortos por dia e, com os 22 dias que faltam para o final do ano, terminarmos 2020 bem perto das 200 mil mortes.

Os dados originais podem ser obtidos aqui e aqui.

Do Tijplaço.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

GULA SEM FIM: PGR DESCOBRE R$ 270 MI DA JBS PARA “ONG DA LAVA-JATO”, POR FERNANDO BRITO

Conjur publica que o Procurador Geral da República, Augusto Aras, pediu a anulação de cláusula do acordo de leniência da JBS que previa a entrega, pela empresa de R$ 270 milhões para uma “ONG” criada pela Força Tarefa da lava Jato com a Transparência Internacional para a fundação de uma entidade “para atender a imposição de investimentos sociais” das obrigações impostas ao frigorífico.

É uma espécie de “replay” do que a Lava Jato tentou fazer com os recursos que a Petrobras pagou nos EUA por um acordo de leniência com o Departamento de Justiça daquele país, num acordo bem mais “gordo”, que daria aos procuradores poderes cobre como destinar R$ 2,5 bilhões.

O dinheiro da JBS – que não tem sequer nada a ver com a Lava Jato – ia servir para uma “campanha educativa contra a corrupção”, certamente desenvolvida pelos “reizinhos” de Curitiba, em parceria com o diretor-executivo da filial brasileira da Transparência Internacional, Bruno Brandão, destinatário de pedidos de Deltan Dallagnol para produzir manifestações de apoio à Lava-Jato, como revelaram as mensagens publicadas pelo The Intercept e pela Agência Pública.

É espantoso que continue a existir este cancro que é a Força Tarefa da Lava Jato. Usar a função de fiscal da lei, paga pelo dinheiro do contribuinte, para arquitetar negócios escusos só é menos escandaloso do que o escândalo de continuarem impunes nos seus cargos.

Do Tijolaço.

sábado, 5 de dezembro de 2020

A ESQUERDA QUE A DIREITA GOSTA, POR FERNANDO BRITO

Algumas premissas para os que me conhecem pouco: jamais fui “petista”.

Não fui e não sou. Militei no Partido Comunista Brasileiro – e nunca o chamei de “Partidão” – e, depois, no PDT, do qual saí há sete anos. Sem ódio, sem empurrar o partido para o inferno como forma de projetar-me ao céu. E jamais carregando, nestas dissensões, ódio a pessoas, nem mesmo àquelas que marcaram o desvio de rumos que considerei em minhas atitudes.

Política, como outros relacionamentos, move-se por amor, identidades ou por interesses. E estes últimos, em geral, renegam os dois primeiros.

Pois, mais que pedetista, fui, durante 3 décadas, algo que chamem, se quiserem, de brizolista, mas que era – e nem eu, no inicio, entendia que fosse – um trabalhista.

Por mais que os livros, os debates, a curiosidade filosófica, e tudo o que um garoto dos anos 70 pudesse ter como referências, eu ainda era o filho da professora primária e o neto do operário do Iapi de Realengo. E, portanto, era neto de Getúlio Vargas, de quem ouvia falarem mal, com tantas boas razões para isso.

Razões contra as quais se erguiam, em silêncio, a história de progresso e de inclusão da qual fui fruto.

Por isso, não tenho muita paciência com os que se pretendem “novos” e “modernos” quando se trata de reconhecer quem simbolizou e liderou a afirmação das lutas sociais do povo brasileiro.

Li textos e vejo pessoas dizerem que “o antipetismo” é uma realidade social – leia-se aí antilulismo – como razão, pelo estigma, que apoio do PT é sempre bem-vindo.

É fácil: não é preciso enfrentar as estruturas dominantes que querem, na marra ou na mídia, que Lula não participe mais do processo político. Diretamente, como candidato ou como legítimo núcleo de apoio a uma candidatura popular.

Não, não é porque Lula seja um radical. É pela razão contrária de que ele, após a protelada mas inevitável anulação dos vereditos de Sérgio Moro, desmoralizados por seu próprio comportamento, tende a recuperar não só popularidade como capacidade de articulação política, ambas prejudicadas por sua interdição política..

Porque Lula deu um sentido nacional – embora com muitas falhas – ao que é ser de esquerda neste país.

Nunca houve tanto sentido de coletividade, de identidade, de nacionalidade, de pais quanto o que tivemos em seu governo. Nunca houve tanta paz institucional.

Se algo faltou em Lula foi exatamente a “luta de classes” e o projeto de ditadura com que estigmatizam a esquerda e que está aí, com a extrema direita.

E há certa esquerda que acha que pavimentará seu caminho ao poder com a tolerância da direita (e mesmo no PT há quem seja assim) pela derrubada do seu ícone popular.

Com Brizola, vi não um, nem dois, nem três personagens que ascenderam do nada à sua sombra e se tornaram “renovadores”. Renovadores do atraso: Cesar Maia, Anthony Garotinho, Marcello Alencar, para ficar nos graúdos.

Hoje há gente que acha que precisamos de uma “geléia geral antibolsonaro“, como se achou, mas primeiras eleições “quase-pós-ditadura” de 1982. E que deveríamos todos votar na direita para evitar a extrema-direita da ditadura.

É evidente – salvo para fanáticos – que este arranjo não será Ciro, em quem jamais confiarão, mas um personagem na faixa Doria-Huck ou até o agora improvável Moro.

Não tínhamos nada quando Brizola ressurgiu, exceto a memória popular – e velha, de uma geração inteira de atraso – e vencemos, vencemos justamente por não tergiversarmos.

Lula, ao contrário, tem muito, embora não haja pesquisa que possa medir o seu potencial eleitoral enquanto ele permanecer inelegível. E, por isso, você vai encontrar muitos falando do “prejuízo eleitoral” que a proximidade com o ex-presidente faria.

Curioso é que Boulos, Marília e Manuela chegaram onde ninguém achava, dois meses antes, que poderiam chegar sem nunca terem partido para uma negação do papel de Lula e nem, mesmo com as dores da derrota, o desqualificaram como responsável por suas derrotas, como fazem alguns próprios petistas.

Mas há quem pretenda resolver com Paris o “dilema” entre Bolsonaro e Haddad, no qual se via Lula em 2018.

A esquerda da qual a direita gosta, para lembrar a frase do velho mestre Darcy Ribeiro, está assanhada para culpar Lula por derrotas que, convenhamos, só ocorreram porque a direita bolsonarista despejou seu votos nos seus adversários.

O que ela sempre fez, desde 1989, quando deu maioria absoluta a Fernando Collor.

Do Tijolaço.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

O XADREZ DO JOGO POLÍTICO PARA 2022, POR LUIS NASSIF

Confira o cenário político e econômico do Brasil nesta sexta-feira, 04 de dezembro. Os dados da covid-19 no Brasil, que registrou 46.884 novos casos e 694 novos óbitos.

A média diária semanal permanece em alta, e chegou em 42.231 novos casos e 570 óbitos. “E o general Pazuello dizendo que todo mundo saiu para a campanha eleitoral e não mudaram os indicadores. Em que mundo que vive?”, pergunta Nassif.

Na análise por estados, 18 Estados apresentam alto crescimento no registro de casos, três Estados tem crescimento moderado, quatro Estados apresentam quadro estável e apenas dois Estados mostram queda drástica. Já os dados de óbitos por Estado mostram alto crescimento em 11 Estados, crescimento moderado em três Estados, patamar estável em sete Estados e queda drástica em seis Estados.

O comentarista André Roncaglia discorre sobre as declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que a economia brasileira está “voltando em V”. “A gente está longe de restaurar nos níveis pré-pandemia: quando colocada em uma ótica de mais longo prazo, o nosso atual nível de atividade se encontra 7% abaixo do pico, atingido no primeiro trimestre de 2014”

“Quando a gente considera os índices de desenvolvimento medidos pelo PIB per capita, a gente vê que o Brasil retrocedeu 10 anos e encontra-se hoje em níveis de 2009. Isso está longe de ser a terra da fantasia que Guedes quer pintar para a sociedade”, explica Roncaglia. “Mesmo assim, o ministro já vem utilizando isso como justificativa para a extinção do auxílio emergencial a partir de 2021, muito embora mesmo o Fundo Monetário Internacional (FMI) tenha alertado o Brasil para a importância de manter os estímulos fiscais na tentativa de não desrespeitar o teto de gastos”.

“A postura de Guedes entra em flagrante contraste com aquilo que vem ocorrendo mundo afora, que é uma mudança radical na maneira de se compreender a política econômica, em particular a política fiscal”, diz Roncaglia. “Os Bancos Centrais injetaram trilhões mundo afora e relaxaram muito aquilo que os economistas chamam de ‘restrição fiscal do Estado’ – ou seja, a ideia de que o dinheiro acabou, a ideia de que o Estado precisa restringir os seus gastos a aquilo que ele consegue arrecadar da economia”.

“O resultado tem sido uma mudança radical de pensamento econômico, em particular a postura prática dos economistas”, diz Roncaglia, citando o discurso da indicada para a Secretaria do Tesouro dos EUA, Janet Yellen.

“A grande discussão é essa: como você coloca no centro das políticas públicas os vulneráveis, os cidadãos, como algo imprescindível para o desenvolvimento do país”, diz Nassif, citando o debate realizado na série Milênio, abordando a busca de outro paradigma.

Sobre as eleições de 2022, Nassif começa sua análise abordando as forças que se uniram em torno do impeachment, tendo como ponto central o antipetismo e o antilulismo.  “Quando cai o PT, e vem o impeachment, vem a fase terrível do Temer, que foi um preparativo para Bolsonaro – agora essas forças se diluem com interesses divergentes, com posições diferentes. O Bolsonaro vira um inimigo em comum e, agora, você começa a planejar para 2022”

“Grosso modo, você tem dois grupos se articulando hoje: um grupo muito estranho que é um centro-direita mais centro-esquerda, que não vai se sustentar. Entra o mercado, entra o STF e a mídia, você tem o DEM e o Rodrigo Maia e essa tentativa do Ciro Gomes de trazer o PDT e o PSB”

“Você tem o mercado, o Supremo Tribunal Federal e a mídia, você tem o DEM e o Rodrigo Maia e essa tentativa do Ciro Gomes de trazer o PDT e o PSB. Do outro lado você tem uma frente de esquerda em que entra o PT, entra o Lula, e entram os partidos menores que estão se articulando”, diz Nassif

Nassif diz que “a centro-direita, que tem o PDT e o PSDB, tem como potenciais candidatos o Luciano Huck, que é o favorito, o João Doria e o Ciro Gomes, que acha que vai entrar nesse bolo e vai poder ser o candidato desse grupo. Isso é uma autoilusão sem tamanho. E você vê um discurso muito recorrente do Ciro, de apresentar o Lula como ultrapassado”.

“O PT tem que fazer uma reciclagem, tem que fazer uma autocrítica para ver formas de atuação, tem que desenvolver projetos de país, mas o Lula é a maior liderança popular da historia do país”, afirma Nassif. “O que querem é anular, efetivamente, qualquer vontade do Lula de se apresentar como candidato ou endossando algum candidato”.

“E entra o fator Ciro. O Ciro jamais vai ser aceito por esse leque de centro-direita/centro-esquerda por algumas razões”, diz Nassif. “Primeiro pelas virtudes: ele tem um conjunto de propostas de políticas públicas que é contra as negociatas que são o cerne desse pensamento”

“Eu não aguento mais ver televisão quando o cara entra e fala ‘se a Lei do Teto não vier, acaba o país’ (…) É vergonhoso, não tem raciocínio, tem malícia, tem campanha. E o Ciro é melhor discurso até agora para combater esses factoides. Então, ele jamais vai ser aceito”.

“E por qual motivo que está tendo esse namoro? A centro-direita é muito esperta: traz o Ciro, o Ciro fica como agente para tentar impedir qualquer formação de frente de esquerda e para tentar inviabilizar o Lula. Não tem outra”.

“O Ciro não seria aceito pelas ideias dele e nem pelo temperamento dele. Alguém acha que o Ciro, se fosse Presidente da República com esse grupo, iria se curvar ao que pensa esse grupo? Não vai. Então, ele é um instrumento para desmoralizar o Lula. É evidente que o PSOL vem vindo com um pensamento mais moderno, mas os principais quadros técnicos de políticas sociais estão no PT. Uma parte está indo para o PSOL, mas a maior liderança popular está no PT”.

“O Ciro é um Cavalo de Troia, e nem é no mau sentido. Ele não é malicioso, ele é egocentrado. O mundo tem que girar ao redor dele, e então fica com esse pessoal, que faz a corte e daqui um tempo ele tá rompendo com esse pessoal e se inviabiliza como candidato”.

“E tem o fator João Doria”, diz Nassif. “O Doria é uma expressão da ultradireita. O antipetismo dele, a radicalização dele, a falta de empatia com o pobre, o estilo autoritário que ele tenta disfarçar com esse papel de estadista que trata da saúde. Não cola (…) O que ele está fazendo com a saúde, de estimular a disputa com Bolsonaro, é irresponsável”, afirma Nassif.

“Ele (Doria) trouxe a Joice Hasselmann e o Alexandre Frota para ele. Traiu o PSDB paulista – a presidência do PSDB SP mostra a maneira como ele rifou o PSDB (…) Ele (Doria) tem um componente de falta de lealdade e de autoritarismo que torna impossível qualquer acerto com o PSDB. Então, você vai ter um Huck, que vai se fortalecer efetivamente”, explica Nassif.

“A grande aposta é o Luciano Huck, que não é nada, é uma loucura mas é alguém que vai ser ciceronado por esse centro-direita e o mercado”.

Nassif entrevista o jornalista Américo Antunes, organizador do projeto Minas +300, abordando os 300 anos de fundação de Minas Gerais – que é marcada por conflitos de diversas origens.

Antunes também aborda a importância da comunidade negra para a formação de Minas Gerais, que era o principal destino dos escravos por conta do trabalho de mineração de aluvião. “Ao mesmo tempo em que você teve o massacre de indígenas e a importação maciça de escravos da África, principalmente da Costa da Mina, você também teve um movimento de resistência muito grande, que hoje é um campo de pesquisa – os quilombos de MG são poderosos”

“Houve uma resistência muito forte, e que vai marcar profundamente a identidade cultural mineira, tanto na culinária como no patrimônio cultural – Aleijadinho é filho de um português com uma negra escravizada e é alforriado no momento do batismo”

O livro de Américo Antunes se chama “Terra Prometida – um Herege nas Minas de Ouro”, elaborado a partir de trabalho de campo realizado “seguindo pelo Rio das Velhas, indo pelo São Francisco até a fronteira com a Bahia, entrando pelo Rio Paraguaçu até chegar ao Recôncavo”.

GGN

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

GUERRA PELA CÂMARA É PRÉ-DISPUTA POR 2022, POR FERNANDO BRITO

Nos velhos tempos, havia as “raposas do Congresso”: animais políticos matreiros, espertos, de pelo macio e movimentos suaves.

Em matéria de canídeos, hoje, além das grotescas hienas que se vê, a toda hora, o que parece dominar a fauna parlamentar são mesmo lobos, em lugar dos refinados felpudos do passado.

Rodrigo Maia e David Alcolumbre, com muito pouco acanhamento senão o verbal têm os poderes de presidentes da Câmara e do Senado e mostram que não irão largá-los, ainda que à custa de um atropelo constitucional que só mesmo o desqualificado STF que tem este país poderia considerar.

Até há alguns anos, ainda que os partidos políticos brasileiros já fossem extremamente degradados, ainda se conseguia tratar da escolha dos chefes do Legislativo com um mínimo de correspondência com o tamanho das bancadas partidárias.

Agora, o DEM, que acumula a presidência das duas Casas, é apenas o 10° partido na Câmara e o 7° no Senado.

A despeito da clareza do comando constitucional que proíbe a reeleição dos presidentes de Câmara e Senado na mesma legislatura, o Judiciário está atraído pela ideia de que Rodrigo Maia, principalmente, é um obstáculo ao poder absoluto de Jair Bolsonaro, afinal parido pelas decisões da Justiça que lhe abriram caminho.

Providencialmente, surge agora a acusação do Ministério Público contra Arthur Lira, o candidato do Centrão – e de Bolsonaro à chefia da Câmara. Lira teria, como o filho-senador do presidente, se beneficiado de um sistema de “rachadinhas”, como relata o Estadão:

(…)o deputado federal Arthur Lira (Progressistas-AL) esteve à frente de um esquema milionário de “rachadinha” quando integrou a Assembleia Legislativa de Alagoas, segundo acusação do Ministério Público Federal. Documentos até então sigilosos obtidos pelo Estadão indicam desvio, entre 2001 e 2007, de R$ 254 milhões dos cofres públicos. Somente o líder do Centrão movimentou R$ 9,5 milhões em sua conta. As informações estão em uma ação penal que Lira ainda responde na Justiça estadual. Ele já foi condenado pelo caso na esfera cível.
Para desviar o dinheiro da Assembleia, o “grupo criminoso” liderado por Lira, como destaca o processo, incluiu na folha de pagamentos funcionários fantasmas. O esquema, afirma a acusação, usava empresas de terceiros para simular negociações e empréstimos pessoais como forma de justificar a movimentação financeira nas contas dos parlamentares.

É possível que seja reação ao comando que vem do Planalto: derrotar Rodrigo Maia de qualquer forma, para evitar que ele seja o núcleo de uma candidatura de centro-direita (seja com que candidato for) e atrapalhe os planos de outra reeleição, ao do próprio Bolsonaro.

A política brasileira virou esta mixórdia, por que o baixo clero ocupou a própria Santa Sé.

Do Tijolaço.

PGE PEDE QUEBRA DE SIGILO DE LUCIANO HANG E DE QUATRO EMPRESAS

Medida integra ação sobre irregularidades durante campanha eleitoral de Jair Bolsonaro, e sugere reabertura de investigação do caso.

Luciano Hang deve ter sigilo bancário e fiscal quebrados em investigação sobre envio em massa de mensagens via Whatsapp.

A Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) encaminhou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) documento apontando novos indícios de disparo em massa de mensagens via Whatsapp para favorecer a campanha do então candidato Jair Bolsonaro em 2018.

A procuradoria defendeu a quebra do sigilo bancário e fiscal do empresário bolsonarista Luciano Hang e de quatro empresas suspeitas de terem efetuado os disparos em massa (Quick Mobile, Yacows, Croc Services e SMS Market) no período de 1º de julho a 30 de novembro de 2018.

Segundo o jornal O Globo, o panorama do caso sofreu uma reviravolta por conta do surgimento de novas documentações: em novembro de 2019, o Whatsapp enviou um ofício apontando o “comportamento anormal, indicativo do envio automatizado de mensagens em massa” por contas pertencentes às empresas SMS Market Soluções Inteligentes e à Yacows Desenvolvimento de Softwares, além de uma conta pertencente à pessoa física William Evangelista, sócio da SMS Market.

O documento do Whatsapp só foi recebido após o encerramento da fase de instrução, o que levou a PGE a pedir a reabertura do caso em duas ações que estavam em vias de arquivamento. Além disso, o vice-PGE adotou novo entendimento e recomendou as quebras de sigilo ao TSE para aprofundar as investigações.

Do GGN

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

ESQUERDA TEVE JUVENTUDE, MAS ESTÁ LONGE DO TRABALHADOR, POR FERNANDO BRITO

Há um evidente traço em comum nas três estrelas do campo da esquerda formalmente vencidas na eleição de hoje: a juventude.

Guilherme Boulos, Manuela D’Ávila e Marília Arraes (embora esta tenha tido um adversário novo na idade, mas velho na política oligárquica) trouxeram um sopro de renovação que há tempos não se sentia nas forças progressistas.

Não creiam que, já sessentão, esteja eu dizendo que os mais velhos não tenham mais o que fazer ou de dizer à política, e Lula está aí para prová-lo, inclusive por seu apoio aos três, inequívoco mesmo quando não expresso por querelas partidárias.

Os três personagens, porém, trazem mais do que a presença de uma nova geração – diferente da minha e da anterior a ela, formadas na luta contra a ditadura e no aprendizado da reconstrução de uma democracia podada, durante um quarto de século, da vida brasileira.

Trazem, com certeza, a força de um novo fenômeno político que é a irrupção das redes sociais como forma de interação entre as pessoas, até aqui muito mais proveitosa para a direita, que fez delas a propaganda do mais estúpido moralismo e a irracionalidade de louvar o que a faz mais medíocre e pobre.

Importam menos os quatro ou cinco por cento que lhes faltaram para vencer numericamente (porque a Boulos também faltaria isso, se a Covid não o tivesse tirado do último debate, na Globo) do que o fato de terem surgido no cenário político.

Dito isto, é preciso ver o que lhe faltou para vencerem.

Parece claro que foi o voto do povão, das periferias, a perda das estruturas de representação histórica das camadas populares, onde o discurso cosmopolita que trazem – e é bom que tragam – não é o que empolga, o que agrega e o que mobiliza as pessoas.

A grande crítica que se faz ao PT, a de ter se articulado com as camadas políticas convencionais, foi posta à prova nos últimos tempos. A campanha lavajatista deixou o partido sozinho, sem alianças e aliados, em estado “puro”. E, assim, minguou e vulnerou-se, quando não teve como evitar a destruição mental do que construiu de fato: a época de maior progresso da história recente do Brasil.

Claro que não é possível colocar no partido mais forte do campo da esquerda a culpa essencial de seus problemas e esquecermo-nos de que eles resultam de uma ação, criminosa e monstruosa, dos aparelhos judiciais que eles próprios promoveram, prestigiaram e fortaleceram, pouco atentos ao fato de que eles são um aparato do establishment, da atual ordem econômico-social e de seus interesses políticos.

Mas o PT errou, sim, e muito, ao imaginar que a força política e o carisma excepcional de Lula seriam o bastante para garantir-lhe a hegemonia do processo político e o resultado de hoje, que o deixa, pela primeira vez em 35 anos, fora do comando de qualquer capital brasileira é o atestado de que, salvo em raríssimo momento, não conseguiu se renovar em quadros políticos e passou a ficar refém das políticas acessórias – embora importantes e indispensáveis – que o acabaram por afastá-lo dos segmentos populares urbanos.

O fato é que, sem Lula, o PT perde a referência popular que o ergueu. E, sem Lula, também a camada jovem, oriunda da classe média, que emerge agora, não tem a conexão popular sem a qual não tem força eleitoral suficiente para a vitória.

Este será, ao que penso, o desafio que se põe ao campo progressista no Brasil. Separados, divididos, isolados – “puros”, afinal – não iremos a lugar nenhum senão à derrota, que se não se evitou mesmo com a direita dividida como esteve.

Boulos, Marília e Manuela merecem todos os aplausos. E precisam, mais ainda, da própria humildade e de apoio de todos nós, que sustentamos a inglória luta contra o tempo.

Dorrit Harazin, em seu artigo de hoje em O Globo, traz uma frase magnífica de Bertrand Russell sobre este tempo final: “amplie gradualmente seus interesses, torne-os mais impessoais, até que as paredes do seu ego recuem, e sua vida possa se fundir na vida universal.”

Do Tijolaço.

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

UM PATIFE SEM MÁSCARA, POR FERNANDO BRITO

O Brasil tem um patife como presidente, não há mais palavras que, sem ferir o decoro ou o Código Penal sirvam para definir o covarde e desqualificado que ocupa o Planalto.

Depois de prescrever, como charlatão que é, mezinhas e poções contra a Covid 19, Bolsonaro, em sua maldita live, em meio a um monte de asneiras, investiu contra a única e mísera arma que temos para evitar que o morticínio seja ao menos, contido nas alturas em que está: a máscara.

“A questão da máscara, não vou falar muito porque ainda vai ter um estudo sério falando da efetividade da máscara, se ela protege 100%, 80%, 90%, 10%, 4% ou 1%. Vai chegar esse estudo. Acho que falta apenas o último tabu a cair”

Não é, claro, nem na teoria nem na prática que este energúmeno investe contra a máscara. Já em agosto, o supercientista dizia que a máscara “tem eficácia quase nula”. E antes (e depois, também) fez questão de, sem ela, meter-se a provocar aglomerações de seus fanáticos.

Fosse apenas um imbecil sem função, nada de mal nos faria passar, senão vergonha.

Acontece que todos sabem que os dirigentes dos órgãos públicos com responsabilidades sobre a saúde e o bem-estar da população devem-lhe obediência canina e ele não hesita em os pressionar e até os humilhar para que sigam à risca os seus delírios: os militares não lhe foram atrás do conto da cloroquina, deixando milhões de doses encalhadas e o próprio general da Saúde, Eduardo Pazuello não aceitou se publicamente humilhado no caso da vacina chinesa?

Por isso Bolsonaro é mais que um presidente nulo em meio à pandemia. Não é apenas um mau governante, é um governante mau, que não titubeia em ameaçar direitos da população, inclusive o primeiro e maior, o direito à vida.

Do Tijolaço.

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

OBJETIVOS DO MILÊNIO: AS CIDADES COMO CENTRO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS, POR LUIS NASSIF

Globalmente, fortaleceram-se novos arranjos internacionais, a cooperação cidade-a-cidade e as redes de cidade, ajudando a desenvolver lideranças colaborativas e ações de apoio mútuo e troca de conhecimento.

Se eleito, Guilherme Boulos terá uma oportunidade única de surfar nas mudanças que estão ocorrendo internacionalmente, de valorização das experiências municipais.

O seminário da Brookings Institution e da Fundação Rockefeller, sobre o mundo pós-pandemia, traz um capítulo alentado sobre as novas tendências das cidades e as articulações internacionais visando valorizar as experiências comunitárias e inovadoras.

O trabalho parte da constatação que a Covid-19 mostrou a centralidade do papel das cidades. Coube aos prefeitos comandar a linha de frente do combate à pandemia, protegendo e restaurando a saúde pública e a segurança econômica.

Globalmente, fortaleceram-se novos arranjos internacionais, a cooperação cidade-a-cidade e as redes de cidade, ajudando a desenvolver lideranças colaborativas e ações de apoio mútuo e troca de conhecimento. Tudo isso enquanto os sistemas multilaterais tradicionais afundavam nas tentativas de articular ações coletivas.

O U20, rede de cidades ligada ao G-20, anunciou planos pra lançar um “Fundo Global de Resiliência Urbana”, criado por cidades para cidades, para permitir o financiamento internacional direto aos municípios.

As propostas

Segundo os estudos, a recuperação das cidades se dará em cima de dois objetivos paralelos: saúde pública e recuperação verde. E o principal indicador deverão ser os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), acompanhados pela Organização das Nações Unias (ONU).

Esses movimentos já seriam nítidos. Diz o trabalho que há uma tendência de buscar a equidade priorizando os mais vulneráveis. Ao mesmo tempo, há a preocupação de acelerar as ações sobre mudanças climáticas, além da necessidade de investir em infraestrutura que apoie a recuperação verde.

Citam o exemplo do prefeito de Boston, Marty Walsh, prometendo tornar a cidade neutra em carbono até 2050. Esse movimento atinge, também, Paris, Berlim e Buenos Aires.

Por outro lado, há dois problemas financeiros séries a serem enfrentados: o estrago nas finanças municipais, provocando pela pandemia; e a dependência das cidades em relação aos governos estaduais e nacionais.

A maneira de contornar o problema é aumentar a demanda por líderes locais e por apenas e compromissos adotadas por redes globais lideradas por cidades. Citam o “Decálogo para as Consequências do Covid-19”, da United Cities and Local Governments.

Em muitas cidades, prefeitos e governos locais estão buscando novos modelos de governança e engajamento dos cidadãos. E buscando maximizar sua influência através de experiências inovadoras de governança e da mobilização das iniciativas coletivas.

Por exemplo, Bristol está moldando a política de recuperação da cidade com conselhos temáticos reunindo lideres locais. Mannheim realizou pesquisas e grupos de foco para identificar suas prioridades. E Nova York possui “conselhos consultivos setoriais”, formados por representantes da sociedade civil e dos setores público e privado, para reorientar a abertura da cidade.

Esses movimentos ganharam projeção na última década, através de conselhos municipais. Em São Paulo, esse modelo acabou esvaziado por gestões vazias, como de João Dória Jr.

Com o clima política gerado por políticas inovadoras, o passo seguinte será mobilizar os diversos eco-sistemas da cidade e flexibilizar coletivamente seus próprios recursos e ativos. Recentemente, prefeitos de 12 grandes cidades se comprometeram a alienar os ativos visando aumentar seus investimentos financeiros em soluções climáticas que promovam empregos decentes.

As políticas habitacionais do Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) teriam tudo para chamar a atenção – e o apoio – de organismos internacionais.

OUTROS CAPÍTULOS DO SEMINÁRIO:

1. Metas ambientais no centro das políticas públicas.

2. Sistema financeiro internacional.

3. Cadeias globais.

4. Multilateralismo.

5. Liderança local

6. Desenvolvimento sustentável

7. Produtividade global.

8. Deslocamento do trabalho.

9. Desigualdade.

10. Custos humanos da pandemia.

11. Gestão do Covid

12. Educação global.

Do GGN

terça-feira, 24 de novembro de 2020

VIRADA DE BOULOS JÁ NÃO É UTOPIA, DIZ FERNANDO BRITO

Nada mais revelador da visão que a elite impõe à classe média do que aquilo com que a tucanérrima apresentadora do Roda Viva, Vera Magalhães, procurou desqualificar as propostas de Guilherme Boulos, ontem, no Roda Viva, dizendo que parecia “muito utópico” – no que, aliás, foi muito bem rebatida pelo candidato, que ironizou a São Paulo “perfeita” da propaganda de Bruno Covas.

É que eles fazem assim: desqualificam os sonhos, os desejos, a grandeza dos sentimentos humanos de fraternidade, dizendo que são irreais e que o importante é a “gestão”, o ser prático, mesmo que essa praticidade seja miséria, pobreza, juventude atirada ao descaminho, pobres para sempre pobres e a convivência humana eternamente conflituosa.

E, tal como a Terra gira e é redonda, não importa a quantas vezes quem o dizia foi posto à fogueira por querê-la plana e fixa, o sonho sobrevive e teima em virar realidade.

Nada como os sonhos para gerar o futuro. Utopia hoje, carne e osso amanhã, escreveu Victor Hugo, há 250 anos, em seu Os miseráveis, e isso é algo que a mais escura noite da estupidez e da brutalidade que se abateu sobre o Brasil não consegue eclipsar para sempre.

O crescimento de Boulos nas pesquisas, como no Datafolha que o aproxima de Bruno Covas (agora é um +4/-4%, ante um +6,5/-6,5% de cinco dias atrás) é isso, o rebrotar inesperado de uma necessária utopia e em que a maior e mais rica cidade do país compreenda – e compreende, já se vê – a lição do carioca Tom Jobim: é impossível ser feliz sozinho.

E é mesmo, porque pobreza, miséria, abandono, violência, descaso com o ser humano são fonte de infelicidade para todos, inclusive para os privilegiados.

A pesquisa dá um novo gás à campanha de Boulos nos cinco dias que separam os paulistanos das urnas. Sua vitória não é mais uma utopia, é uma realidade, ainda que possa não acontecer na frieza dos números.

Mas no calor da política, ela é um fato e há um vitorioso.

São Paulo tem – e o Brasil tem – um novo e importante personagem político, ideologicamente sólido, pessoalmente gentil, de raciocínio rápido e abrangente e que sabe fazer sonhar, primeiro e necessário passo para todos que nasceram para fazer.

Do Tijolaço

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

BETO ESTAVA ‘MARCADO’ E MORTE NÃO FOI ‘CASUAL’, POR FERNANDO BRITO

O novo vídeo obtido pela Gaúcha ZH, divulgado na noite de ontem, mostra que o assassinato de João Alberto Freitas Silveira não foi provocado por uma confusão fortuita. “Sem cena, tá? A gente te avisou da outra vez“, diz um outro segurança, de um total de pelo menos cinco funcionários do Carrefour presentes na cena do crime, três dos quais participaram da imobilização fatal da vítima.

Isto induz a uma grande possibilidade de que a primeira agressão física, a de João aos seguranças do supermercado ter sido uma reação ao popular “esculacho”, prática de humilhação nada rara entre policiais e assemelhados diante de alguém sobre quem percebem ter superioridade na situação.

O uso de técnicas perigosas de imobilização – joelho no pescoço do suposto oponente – também deixa claro que os seguranças tinham preparo para essa prática, usada por diversas organizações policiais, como você pode ver na foto de uma ação da PM de São Paulo publicada pelo El País. Também está na página 80 do manual oficial da polícia de Minas Gerais, sem nenhum comentário sobre seu risco fatal.

O famoso “eu não consigo respirar” é, assim, uma ação que faz parte dos treinamentos de agentes de segurança

Há, portanto, muito mais gente envolvida no caso do que os dois seguranças autuados pelo crime: os que os treinaram para este tipo de comportamento, abordagem e ação e os que, com visível posição de chefia nas cenas que assistimos permitiram que um homem já nitidamente dominado continuasse a ser brutalizado sem defesa possível.

Que, ao menos, a morte daquele homem desencadeie uma rejeição social àquilo que, durante anos, foi aceito e estimulado por mídia e governantes: as ações desnecessariamente violentas de agentes de segurança, que, agora, pela profusão de câmeras e de vídeos, aparecem diante dos olhos de todos, enquanto ficava antes apenas flagrante quando se vivia nas periferias e comunidades pobres.

Do Tijolaço

sábado, 21 de novembro de 2020

A PRIVATIZAÇÃO TORNOU-SE A CLOROQUINA DO SETOR ELÉTRICO, POR LUIS NASSIF

Antigo modelo integrado, com geração, transmissão e distribuição concentrados em grandes empresas de energia, pulverizou-se. Houve mudanças tecnológicas que geraram novas perspectivas e novas incertezas para o setor.

Um dos principais pensadores sobre o papel da mídia no Brasil, Rodrigo Mesquita tem uma definição exemplar sobre o papel da imprensa: “Mais do que informar, o papel das empresas de informação foi e será sempre contribuir para os processos de articulação da sociedade”.

Um país é um organismo complexo, com instituições públicas e privadas, organizações sociais, movimentos, associações empresariais e sindicais, poderes independentes, universidades, institutos de pesquisa. Por isso mesmo, a imprensa tem papel central de ventilar os grandes temas, buscar as informações precisas, os diagnósticos técnicos e científicos, a racionalidade nas decisões.

Uma imprensa pouco precisa, ideologizada, é duplamente perniciosa. De um lado, por não saber identificar as informações relevantes. De outro, por vender falsos diagnósticos.

É o caso das discussões sobre o setor elétrico, a partir do blackout ocorrido no Amapá.

Em alguns veículos respeitáveis divulgou-se a informação de que as causas foram o baixo investimento público e o preconceito em relação ao investimento privado. Foram afirmações mecânicas, ideológicas, sem se dar conta que o problema ocorreu com uma empresa privada, a Isolux, responsável pela transmissão de energia da hidrelétrica de Tucuruí para o estado.

A Covid-19 mostrou a importância das discussões técnicas e do respeito à ciência. O setor elétrico merece tratamento igual. E tratamento técnico significa discutir tecnicamente o modelo de funcionamento do setor, para entender melhor a parte em que cabe privatização ou não.

O foco dos problemas: a Isolux

O sistema que abastece o Amapá depende de três empresas:

Geração – usina de Turucuí.

Distribuição – empresa estadual do Amapá.

Transmissão – Da Gemini Energy, que adquiriu da espanhola Isolux, dona da Linhas de Macapá Transmissora de Energia (LMTE).

A LMTE tinha três transformadores, um em manutenção, um que explodiu e o terceiro que foi danificado pelo fogo. E não havia uma estrutura nacional capaz de suprir a linha com novos transformadores.

Em 2008, a Isolux venceu a licitação para a linha de transmissão de 1.438 km que levava energia de Tucuruí ao Amapá. Fez grande estardalhaço com as torres que construiu para transportar a energia, batizada por ela de  As Torres Gêmeas da Isolux.

Na época, era a sétima construtora da Espanha. Com a crise de 2008, o mercado europeu desabou e o da América Latina foi impulsionado pela manutenção das cotações de commodities. A empresa decidiu investir pesadamente na região, abrindo várias frentes simultaneamente..

No contrato da  LMTE, previu investimento da ordem de R$ 2,7 bilhões. Mas o valor real saltou para $ 3,7 bilhões e os atrasos acarretaram multas de mais R$ 400 milhões. Enfrentou os mesmos problemas de empreiteiras brasileiras, com a dificuldade de identificar custos reais a partir dos projetos executivos das licitações.

O endividamento pesou e a queda nas cotações de commodities ampliou a crise na região e o faturamento projetado da empresa.

Em 2015, tentou abrir capital e captar 600 milhões de euros para redução da dívida O lançamento seria coordenado pelo Citigroup, Morgan Stanley e Banco Santander. Aparentemente, não deu certo

Em 2016 a Isolux entrou em recuperação judicial na Espanha. Conseguiu homologar um plano e recuperação gigantesco, com passivos de 4,6 bilhões de euros. O principal credor era o Santander, com 350 milhões dos 650 milhões de dívidas bancárias do grupo. De imediato, conseguiu uma injeção de capital de 200 milhões de euros.

Na renegociação, anunciou ter colocado à venda uma planta fotovoltaica e as linhas de transmissão no Brasil. Em 2017 entrou oficialmente em processo de falência, com uma dívida estimada em 4 bilhões de euros.

A aventura latino-americana terminou em desastres sucessivos. Foi obrigada a cancelar um contrato com o Metrô de São Paulo, duas obras de saneamento no Uruguai, a construção de um prédio para a Universidade de Santiago do Chile.

No início de 2018, um tribunal de Madri condenou Luis Delso, ex-presidente da Isolux, e José Gomis, sócio e ex-vice-presidente, a seis meses de prisão por fraude fiscal. No dia 1o de fevereiro de 2018 a Justiça brasileira homologou o pano de recuperação judicial da Isolux no Brasil.

Em setembro de 2019 vendeu seus ativos para dois fundos especializados em reestruturação de empresas, constituídos para avançar sobre os destroços das empresas brasileiras destruídas pela Lava Jato e pela crise de 2016.

A VENDA DE ATIVOS

A LMTE foi adquirida pela Starboard Asset, apresentada como subsidiária do Grupo Starboard Restructuring Partners. A empresa pertence a Fábio Vassel, um ex-sócio e executivo do Brasil Plural, passou pela Nomura, , pelo UBS e participou de várias reestruturações, como da Saraiva, da OGX, Inepar etc.  A Starboard foi constituída em 2015 tendo como outro sócio, Warley Isaac Noboa Pimentel, ex-presidente da paranaense Inepar que assumiu a empresa após os problemas enfrentados por ela com a Lava Jato. A Starboard montou a Gemini, com 20% de participação da Perfin.

Em março de 2020, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) rejeitou a proposta da Isolux de transferir suas operações para outra companhia, o Power Fundo de Investimentos em Participações Infraestrutura Ltda.  As regras do acordo foram elaborados pela Starboard Partners. Propunha que o novo dono não herdasse as sanções previstas em contrato, para o caso de atrasos nas obras. A ANEEL não aceitou.

O negócio acabou fechado com a própria Starboard. Em nenhum momento, a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) se preocupou com as vulnerabilidades criadas pela crise da Isolux.

AS VULNERABILIDADES

A crise expõe vulnerabilidades do setor. Antes, tinha-se um modelo integrado nacional, sob controle da Eletrobras. Com o modelo de privatização – iniciado por Fernando Henrique e consolidado por Lula – criou-se um modelo partido que, teoricamente, deveria estimular a competição.

Por exemplo, geradores de energia poderiam disputar o fornecimento para distribuidoras, desde que houvesse uma transmissão integrada e neutra. Ainda mais depois que ganharam espaço novas formas de energia, a solar, a eólica e a energia distribuída ganha espaço.

A competição ocorre no mercado livre. Mas o grande modelo de capitalização se deu através da chamada energia contratada. Por ela, antes de iniciar investimentos – especialmente os grandes investimentos – o gerador acertava contratos de longo prazo com as distribuidoras. E, tendo como garantia os recebíveis, conseguem captar recursos no mercado.

Em suma, o antigo modelo integrado, com geração, transmissão e distribuição concentrados em grandes empresas de energia, pulverizou-se. Além disso, houve mudanças tecnológicas que geraram novas perspectivas e novas incertezas para o setor.

Tudo isso exige uma discussão racional, técnica, despida do terraplanismo do ideologismo rasteiro, algo que já ocorreu em outros momentos da história e que se perdeu em algum momento em que a polarização e a radicalização emburreceram drasticamente o país.

Do GGN