sábado, 5 de dezembro de 2020

A ESQUERDA QUE A DIREITA GOSTA, POR FERNANDO BRITO

Algumas premissas para os que me conhecem pouco: jamais fui “petista”.

Não fui e não sou. Militei no Partido Comunista Brasileiro – e nunca o chamei de “Partidão” – e, depois, no PDT, do qual saí há sete anos. Sem ódio, sem empurrar o partido para o inferno como forma de projetar-me ao céu. E jamais carregando, nestas dissensões, ódio a pessoas, nem mesmo àquelas que marcaram o desvio de rumos que considerei em minhas atitudes.

Política, como outros relacionamentos, move-se por amor, identidades ou por interesses. E estes últimos, em geral, renegam os dois primeiros.

Pois, mais que pedetista, fui, durante 3 décadas, algo que chamem, se quiserem, de brizolista, mas que era – e nem eu, no inicio, entendia que fosse – um trabalhista.

Por mais que os livros, os debates, a curiosidade filosófica, e tudo o que um garoto dos anos 70 pudesse ter como referências, eu ainda era o filho da professora primária e o neto do operário do Iapi de Realengo. E, portanto, era neto de Getúlio Vargas, de quem ouvia falarem mal, com tantas boas razões para isso.

Razões contra as quais se erguiam, em silêncio, a história de progresso e de inclusão da qual fui fruto.

Por isso, não tenho muita paciência com os que se pretendem “novos” e “modernos” quando se trata de reconhecer quem simbolizou e liderou a afirmação das lutas sociais do povo brasileiro.

Li textos e vejo pessoas dizerem que “o antipetismo” é uma realidade social – leia-se aí antilulismo – como razão, pelo estigma, que apoio do PT é sempre bem-vindo.

É fácil: não é preciso enfrentar as estruturas dominantes que querem, na marra ou na mídia, que Lula não participe mais do processo político. Diretamente, como candidato ou como legítimo núcleo de apoio a uma candidatura popular.

Não, não é porque Lula seja um radical. É pela razão contrária de que ele, após a protelada mas inevitável anulação dos vereditos de Sérgio Moro, desmoralizados por seu próprio comportamento, tende a recuperar não só popularidade como capacidade de articulação política, ambas prejudicadas por sua interdição política..

Porque Lula deu um sentido nacional – embora com muitas falhas – ao que é ser de esquerda neste país.

Nunca houve tanto sentido de coletividade, de identidade, de nacionalidade, de pais quanto o que tivemos em seu governo. Nunca houve tanta paz institucional.

Se algo faltou em Lula foi exatamente a “luta de classes” e o projeto de ditadura com que estigmatizam a esquerda e que está aí, com a extrema direita.

E há certa esquerda que acha que pavimentará seu caminho ao poder com a tolerância da direita (e mesmo no PT há quem seja assim) pela derrubada do seu ícone popular.

Com Brizola, vi não um, nem dois, nem três personagens que ascenderam do nada à sua sombra e se tornaram “renovadores”. Renovadores do atraso: Cesar Maia, Anthony Garotinho, Marcello Alencar, para ficar nos graúdos.

Hoje há gente que acha que precisamos de uma “geléia geral antibolsonaro“, como se achou, mas primeiras eleições “quase-pós-ditadura” de 1982. E que deveríamos todos votar na direita para evitar a extrema-direita da ditadura.

É evidente – salvo para fanáticos – que este arranjo não será Ciro, em quem jamais confiarão, mas um personagem na faixa Doria-Huck ou até o agora improvável Moro.

Não tínhamos nada quando Brizola ressurgiu, exceto a memória popular – e velha, de uma geração inteira de atraso – e vencemos, vencemos justamente por não tergiversarmos.

Lula, ao contrário, tem muito, embora não haja pesquisa que possa medir o seu potencial eleitoral enquanto ele permanecer inelegível. E, por isso, você vai encontrar muitos falando do “prejuízo eleitoral” que a proximidade com o ex-presidente faria.

Curioso é que Boulos, Marília e Manuela chegaram onde ninguém achava, dois meses antes, que poderiam chegar sem nunca terem partido para uma negação do papel de Lula e nem, mesmo com as dores da derrota, o desqualificaram como responsável por suas derrotas, como fazem alguns próprios petistas.

Mas há quem pretenda resolver com Paris o “dilema” entre Bolsonaro e Haddad, no qual se via Lula em 2018.

A esquerda da qual a direita gosta, para lembrar a frase do velho mestre Darcy Ribeiro, está assanhada para culpar Lula por derrotas que, convenhamos, só ocorreram porque a direita bolsonarista despejou seu votos nos seus adversários.

O que ela sempre fez, desde 1989, quando deu maioria absoluta a Fernando Collor.

Do Tijolaço.

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