terça-feira, 20 de julho de 2021

BOLSONARO NÃO TEM ADVERSÁRIOS; FABRICA INIMIGOS, DIZ FERNANDO BRITO

Provavelmente não terá consequência prática a ameaça do vice-presidência da Câmara, Marcelo Ramos, de colocar em votação pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro.

Ele pode até pautar a votação, numa ausência circunstancial de Arthur Lira, mas este voltará e “despautará”, colhendo mais alguns créditos (inclusive orçamentários) junto a Bolsonaro.

Mas o que acontece com Ramos não se limita a ele: é cada vez maior o número de parlamentares e lideranças políticas que de “aderentes”, em maior ou menor grau, foram transformados em inimigos.

Rodrigo Maia, claro, foi o maior exemplo, mas Ramos também o ajudou, como presidente da Comissão da Reforma da Previdência.

Se você quiser aumentar a lista, tem um lote: Alessandro Vieira, Omar Aziz, Simone Tebet, sem falar nos governadores eleitos na maré bolsonarista: Witzel, Doria, Eduardo Leite…

Jair Bolsonaro vive disso, da criação de inimigos que, em geral, destrói mas que, no processo, também danifica sua base de sustentação.

Dar apoio a Bolsonaro na Câmara ou no Senado não é a mesma coisa que grudar-se a ele nas eleições que virão em outubro do ano que vem.

Até porque os votos – em número muito menor que em 2018 – Bolsonaro arrastará serão destinados, essencialmente, ao seu grupo de fanáticos e não aos candidatos do PP, PTB, Republicanos, Podemos e outras legendas que se associaram mais fortemente a ele.

Portanto, carregar Bolsonaro em suas chapas não trará grande lucro eleitoral a candidatos a deputados de MDB, DEM e a alguns grupos do “Centrão”. A verbas para obras municipais, a esta altura, já estará lá, não precisa de “sacrifícios” extras.

Bolsonaro, que não tem partido e não parece muito preocupado em ter – saiu do PSL, abandonou a criação do Aliança 38, deixou desandarem os acertos para sua entrada no Patriotas – elegeu 10% do Congresso – 53 deputados – com 46% dos votos no primeiro turno. Com os 23% que lhe dão as pesquisas faria o quê? 23 ou 24, apenas os mais fanáticos e icônicos bolsonaristas. O baixo-clero não cabe nesta cota.

Não parece provável a hipótese que Bolsonaro arraste votos na próxima eleição na mesma proporção que os carregou em 2018.

Tijolaço.

A MAMATA VESTE FARDA? QUEM SÃO OS MILITARES COM MULHER E FILHOS EMPREGADOS NO GOVERNO FEDERAL

Contratações para cargos de confiança e promoções-relâmpago com aumento salarial são rotina para aliados de Bolsonaro.

Governo Bolsonaro e suas relações com os militares levaram a uma crise de imagem das Forças Armadas - Marcos Corrêa/PR

Pelo menos sete filhos, filhas, pai, irmãos e parentes em geral de militares com cargos no primeiro escalão do governo federal foram nomeados a cargos públicos de confiança da administração federal desde o início do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), em janeiro de 2019.

No último dia 9, o Brasil de Fato publicou reportagem que mostra dez casos de suspeita de corrupção e crimes envolvendo militares ligados aos Bolsonaro que foram denunciados desde 2019, quando o ex-capitão do Exército assumiu a Presidência da República: 

Publica-se, agora, a lista de contratações do governo Bolsonaro que beneficiam ou beneficiaram parentes de militares.

No início da tarde da última segunda-feira, o Brasil de Fato entrou em contato com o Exército Brasileiro a com o Ministério da Defesa, a quem estão subordinadas as três Armas nacionais. A reportagem questionou se existe algum tipo de protocolo ou procedimento interno para o preenchimento de vagas de confiança no Poder Executivo por parte de parentes militares que ocupam o primeiro escalão.

Questionou também se o Exército ou a Defesa teriam algo a comentar sobre as contratações citadas nesta reportagem. Ate a sua publicação, não houve resposta. Caso as autoridades se manifestem, as informações serão colocadas nesta página. 

1 - A filha de Eduardo Pazuello que precisava de auxílio emergencial e foi contratada por Marcelo Crivella.

Presidente Jair Bolsonaro e Eduardo Pazuello, general da ativa que ocupou o cargo de ministro da Saúde: a filha do militar precisava de auxílio emergencial, mas tinha currículo para ser contratada pela prefeitura do Rio / Evaristo Sa/AFP

No dia 23 de julho de 2020, Stephanie Santos Pazuello, filha do então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, foi nomeada para o cargo de supervisora da Diretoria de Gestão de Pessoas da Empresa Pública de Saúde do Rio de Janeiro S.A, a RioSaúde, com salário bruto (sem contar gratificações) de R$ 7.171.

À época, o prefeito da capital fluminense era Marcelo Crivella (Republicanos). Ele concorria à reeleição com o apoio de Jair Bolsonaro. O cargo de confiança foi franqueado pela secretaria da Casa Civil da prefeitura. O município, então, ao ser questionado sobre a contratação, afirmou em nota que "Stephanie Pazuello não foi contratada por seu parentesco com o ministro e sim por sua experiência na área e por sua formação em administração".

Se a justificativa municipal corresponde à verdade, fato é que os atributos profissionais da filha do general que explicariam a contratação, por alguma razão, não resultavam em sucesso financeiro, pelo contrário.

Tanto é assim que, no dia 30 de julho de 2020 (sete dias após sua nomeação na prefeitura do Rio), o nome de Stephanie constava em lista do governo federal como solicitante do auxílio emergencial pago a trabalhadores informais e pessoas de baixa renda para diminuir o impacto econômico da epidemia causada pelo novo coronavírus.

A informação consta nos sites da Dataprev, Caixa Econômica Federal e Portal da Transparência, e foi publicada na época pelo jornal O Globo.

O nome da filha de Pazuello chegou a ser aprovado pelo governo para receber o auxílio, mas o valor não foi liberado porque os sistemas detectaram inconsistências em seu cadastro.

2 - A filha do general Braga Netto que se formou em design e foi

 nomeada para ser gerente da Agência Nacional de Saúde

O ministro da Casa Civil, general Braga Netto (esq), o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da República, Jair Bolsonaro / Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Também em julho de 2020, uma semana antes da contratação da filha de Pazuello pela prefeitura do Rio, Isabela Oassé de Moraes Ancora Braga Netto, filha do ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, foi indicada para um cargo de gerência na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), com salário bruto de R$ 13 mil.

Ela se formou em design em uma faculdade privada do Rio em 2016 e já havia tentado uma vaga no Exército antes de obter o cargo na ANS, mas fora reprovada. Com a indicação de julho de 2020, ocuparia a gerência de Análise Setorial e Contratualização com Prestadores, que trata da relação entre ANS, planos de saúde e prestadores de serviços, como hospitais. Jamais havia trabalhado na área.

A indicação de Isabela, porém, gerou intensa repercussão negativa, uma vez que, procurada por órgãos de imprensa quando o caso veio à tona, a ANS não soube explicar os motivos que levaram à contratação da filha do ministro.

"No dia de hoje, recebi a informação que a candidata desistiu de participar do processo de nomeação, embora tenha atendido todos os requisitos para o cargo", informou o diretor de desenvolvimento setorial da ANS, Rodrigo Rodrigues de Aguiar, no dia 22 de julho do ano passado.

3 - O filho do general e vice-presidente Hamilton Mourão que teve o salário triplicado assim que o pai foi empossado

General Hamilton Mourão (esq) e Jair Bolsonaro: militares na cúpula do Poder Executivo / Agência Brasil

No dia 8 de janeiro de 2019, uma semana após a posse de Jair Bolsonaro e de Hamilton Mourão como presidente e vice da República federativa do Brasil, o filho do segundo, Antonio Hamilton Rossell Mourão, foi promovido a assessor especial do presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, que, por sua vez, assumira o cargo no dia anterior, 7 de janeiro. 

Antes, ele era assessor empresarial da área de agronegócios do banco, com salário de R$ 12 mil. Com a mudança de cargo, sua remuneração mensal triplicou, indo a R$ 36 mil. O filho do general trabalhava no banco havia 18 anos, e jamais recebera uma promoção que elevasse seu salário - de uma tacada só - a um patamar sequer 50% maior ao anterior. O salto que o filho do vice deu na carreira bancária após a nomeação do pai foi de três degraus de uma vez na carreira, algo inédito em seu desempenho até então.

O caso veio à público na época, e o vice-presidente apresentou uma explicação: ele disse que seu filho foi escolhido pela competência e que ele já devia ocupar um cargo de destaque na instituição há mais tempo, mas vinha sendo boicotado "pelas administrações petistas" do governo federal.

Dois dias depois, no entanto, o site Congresso em Foco publicou reportagem demonstrando que o filho do vice havia sido promovido oito vezes ao longo dos governos Lula e Dilma (2003-2016), em ascensão regular da carreira. Procurado, Mourão não comentou o desmentido.

4 - A filha do general Villas Bôas que é assessora de Damares e ganha R$ 10 mil por mês

Desde novembro de 2019, Adriana Haas Villas Bôas, filha do general Eduardo Villas Bôas - ex-comandante do Exército, portador de uma doença degenerativa que o mantém sem movimentos em uma cadeira de rodas, mas que ainda assim é assessor especial da Presidência e por isso recebe R$ 13,6 mil por mês, fora a aposentadoria por ser general -  está lotada como assessora do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, na Coordenadoria-geral de Pessoas com Doenças Raras. Salário: R$ 10,4 mil mensais.

Ela é formada em direito e, segundo o ministério que a emprega, foi contratada por sua competência, e não por seu parentesco. A pasta também informa que a filha do general "exerce sua função adequadamente" em Brasília.

5 - O comandante da Marinha que tem o filho e a esposa empregados em cargos de confiança 

De branco, o comandante da Marinha do Brasil, Almir Garnier Santos, no dia 9 de abril deste ano, data de sua posse no cargo / Agência Brasil

O almirante de esquadra e comandante da Marinha do Brasil, Almir Garnier Santos, tem um filho empregado na Emgepron, uma estatal vinculada à Marinha e sua esposa contratada em cargo comissionado na Presidência da República.

Selma Foligne Crespio de Pinho, especialista em computação, se aposentou na Marinha em abril de 2019. Em novembro do mesmo, ano foi contratada pelo governo de Jair Bolsonaro em um cargo comissionado de assessora na Secretaria-Geral da Presidência. Em junho do ano seguinte, foi promovida a diretora de Estratégia, Padronização e Monitoramento de Projetos, cargo com salário bruto de R$ 29,5 mil.

Já o filho do almirante, o advogado Almir Garnier Santos Júnior, recebe R$ 10,9 mil mensais da Emgepron (Empresa Gerencial de Projetos Navais), estatal vinculada à Marinha. Segundo a empresa, sua nomeação a um cargo de confiança não guarda qualquer relação com seu parentesco com o atual chefe da Armada brasileira. 

6 - O filho de general que era estagiário e foi nomeado para cargo de R$ 11 mil

Alcides Valeriano de Faria Júnior,  / Reprodução/Exército Brasileiro

O general de Brigada Alcides Valeriano de Faria Junior foi indicado, no início do governo de Jair Bolsonaro, para ocupar o cargo de subcomandante de interoperabilidade no Comando Sul das Forças Armadas dos Estados Unidos, algo inédito na história do Exército Brasileiro.

Menos de um ano depois, outro ineditismo veio a ocorrer com um membro da mesma família. O filho do general, o jornalista então recém-formado Lucas Faria, passou de estagiário da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) para um cargo por indicação de assessoria da emissora com salário de R$ 11 mil. 

De acordo com a tabela de remuneração da estatal, um jornalista que ingressa por meio de concurso público na EBC, sem indicação, recebe um salário inicial de R$ 7 mil a menos que o filho do general. 

7 - O coronel que ganhou cargo na Petrobras e é pai do servidor que fez relatório falso sobre a covid no TCU

Alexandre Figueiredo Costa e Silva Marques, servidor do TCU: ele produziu relatório falso sobre dados da covid depois que seu pai - um coronel - ganhou cargo na Petrobras / Arquivo pessoal

O pai do servidor Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques – investigado no Tribunal de Contas da União (TCU) por produzir um relatório falso que questionava o número de mortes por covid-19 no país – ganhou cargo na Petrobras durante a atual gestão do governo federal.

Seu nome é Ricardo Silva Marques, coronel do Exército Brasileiro. O militar foi nomeado gerente-executivo de Inteligência e Segurança Corporativa da Petrobras em abril 2019. O coronel aposentado serviu junto com Jair Bolsonaro em brigada paraquedista do Exército Brasileiro, e são amigos desde então.

Vivian Viríssimo – Brasil de Fato.

segunda-feira, 19 de julho de 2021

ELE VOLTOU, O ‘SEM NOÇÃO’ VOLTOU NOVAMENTE, DIZ FERNANDO BRITO

Bem disposto e bem falante, Jair Bolsonaro saiu do hospital, em São Paulo, com novos anúncios imprudentes e espetaculares.

Já de cara, sua cura velocíssima deveu-se, “talvez à viagem, talvez o sacolejar da ambulância ou a um milagre de Deus”. Pra quê medicina, né?

Depois, disse que, depois da obesidade, a maior causa de morte por Covid é o “medo, o pavor”. Isto é, psicológica.

Disse que vai procurar o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para que o Ministério da Saúde invista na promessa de uma Cloroquina- Parte II, a proxalutamida, medicamento em teste para tratamento de câncer, sobre o qual não existe nenhuma publicação científica atestando sua eficácia para o combate à Covid-19.

Não para Bolsonaro, porém. A lado do pastor Waldomiro Santiago, aquele que vendia feiões mágicos que eliminavam o novo coronavírus, o presidente garantiu que “estudou” documentos dos Centers for Diseases Control and Prevention, o CDC norte-americano e já concluiu que temos a cura para a pandemia.

Depois da baboseira farmacêutica, passou a discorrer sobre suas teorias a respeito da corrupção. Disse que, como Eduardo Pazuello estava sem paletó e gravou um vídeo cumprimentando os picaretas que foram vender vacinas Coronavac que não existiam, isso prova que não havia corrupção porque “quando [se] fala em propina, é pelado dentro da piscina”.

Espetacular. Imagina-se que o próximo a prometer acabar com a corrupção vá mandar aterrar todas as piscinas do país.

E, no final, ainda disse que o “fundão” eleitoral de R$ 5,7 bilhões saiu porque colocaram “uma casca de banana” na Lei de Diretrizes Orçamentárias, como se não tivesse sido na maior parte a sua base – e inclusive seus filhos – quem aprovou, contra o voto dos partidos de oposição.

Bolsonaro não vai mudar e, ao contrário, vai subir o tom de suas sandices e charlatanismo.

É mais fácil o feijão do Santiago curar a Covid do que o bom-senso curar Bolsonaro.

Tijolaço.

domingo, 18 de julho de 2021

BOLSONARO FICOU A PÉ, POR ENQUANTO, DIZ FERNANDO BRITO

Jair Bolsonaro ficou a pé.

Nem a velocíssima transição do relato que falava de uma “cirurgia de emergência”, na quarta-feira, até o “está liberado” de sábado, a crise de saúde presidencial não provocou a comoção solidária que em algum momento habitou a cabeça dos estrategos do Planalto.

Vá lá que seja verdadeira a velocíssima recuperação presidencial – ou a gravidade que se deu ao seu problema – mas há uma consequência grave na política bolsonarista.

É a proibição – óbvia e ululante, diria Nélson Rodrigues – de montar em uma motocicleta e liderar o esquadrão motoqueiro que se tornou a única forma de exibir poderio, porque expande, visualmente, o que seria seu apoio de massas, que já não tem como rio, mas como poças do temporal que já passou.

Não se sabe para que outro tipo de artifício Bolsonaro irá apelar para negar o óbvio: ele representa, agora, uma minoria barulhenta e agressiva da classe média.

É provável que a quantidade minguante de apoiadores vá, como já vinha fazendo antes de sua internação hospitalar, sendo substituída por mais ameaças – bravateiras ou nem tanto – golpistas.

E, para isso, repetir todo o tempo que o Brasil está “ameaçado” pela volta de Lula, que só ele pode evitar.

Um problema e tanto para os aspirantes a “Terceira Via”, que fazem do mesmo temor o ponto de legitimação de suas parcas forças eleitorais.

Tijolaço.

O AGRO É POP; A FOME É POBRE, POR FERNANDO BRITO

A Folha de S. Paulo, trouxe um destes retratos do Brasil de hoje que dói fundo na alma.

Bruna Pereira vai conversar com moradores pobres de Cuiabá, capital do Mato Grosso, terra do próspero agronegócio, que se promove como “pop” na televisão, que fazem fila diante de um açougue piedoso que distribui os restos do desossamento de bois – ou outros o vendem – nos quais lascas de carne e gordura vão alimentar a eles e aos filhos.

Nada perto da “Picanha do Mito”, carne de gado da raça wagyu, de origem japonesa, aquela dos 1.799,99 o quilo dos churrascos presidenciais, mas o que lhes podem dar, o osso na sopa.

A repórter, aparentemente jovem, não vê o gancho da reportagem, que vem lá ao final do texto: Mato Grosso tem 10 bois para cada ser humano, mas muitos deles não têm direito sequer a um fiapo de carne.

Mas conta que a carne só sobe de preço, por conta das exportações em alta.

Criar cotas de exportação – como fazem outros países quando seus produtos disparam nos mercados de commodities, estabelecem cotas de exportação, garantindo produto para o mercado interno – nem pensar. É coisa de comunista, porque é o mercado que se regula, ainda que isso deixe gente disputando restos de ossos.

Dez anos atrás, a exportação era o destino de 14,5% da carne produzida no Brasil; agora, este ano, de 24,5%. Traduzindo: um de cada sete quilos de carne bovina brasileira era exportado em 2011 e agora, um em cada quatro quilos vai para fora.

E, claro, faz o preço da carne para consumo dos brasileiros sofra o duplo efeito do aumento de preços e da queda de renda, que lhe reduzem o consumo ao menor nível desde 1996, com 26 quilos por pessoa/ano: 72 gramas diárias para cada pessoa por dia.

Tijolaço.

sábado, 17 de julho de 2021

EMPRESA FARMACÊUTICA PAGOU POR ANÚNCIOS DOS “MÉDICOS PELA VIDA”, POR FERNANDO BRITO

Saudades dos tempos em que os “propagandistas farmacêuticos” eram aqueles senhores modestos que, com uma malinha preta, geralmente poída, passavam a frente da gente que esperava a consulta, para deixar apenas as “amostras grátis” que logo eram passados adiante aliviando os sintomas e o bolso dos pacientes.

Eles ainda existem – e ralam duro – mas a propaganda das farmacêuticas se tornou muito mais corruptora: em algumas áreas da medicina, abundam os congressos e seminários, com viagens e hospedagens subsidiadas, muitos em paraísos tropicais e com programas turísticos acoplados.

Agora, porém, revela a Folha, pelo menos uma das farmacêuticas que produz – e vende como bananas – o chamado “kit Covid”, pagou os caríssimos anúncios dos tais “Médicos Pela Vida”, uma associação de médicos bolsonaristas que insiste com cloroquina, ivermectina e outras drogas de ineficácia comprovada no tratamento da doença pandêmica.

A Vitamedic é uma das principais produtoras de ivermectina do país. Em dados enviados à CPI da Covid, ela informou que aumentou a venda de caixas do medicamento em 1.230%, passando de 5,7 milhões em 2019 para 75,8 milhões em 2020.

A um preço de R$ 12 de venda, é uma “tacada” de mais de 900 milhões de reais, perto do que gastar R$ 1 milhão em anúncios é farelo. Com outros integrantes do “kit” e de outras farmacêuticas não dá nem para imaginar o quanto se lucrou com o charlatanismo patrocinado por médicos e pelo governo.

Tijolaço.

sexta-feira, 16 de julho de 2021

A CELEBRAÇÃO DO CAPITAL FINANCEIRO SEM GERAR PRODUÇÃO NO PAÍS É INÓCUO, POR LUIS NASSIF

Em geral, as variações do dólar e das ações refletem a liquidez do momento (ou seja, maior disponibilidade de recursos no mercado), movimentos externos, e eventualmente alguma medida interna de impacto. Mas refletem exclusivamente movimentos de curtíssimo prazo do mercado.

A cobertura jornalística financeira no país ainda continua muito primária, sem diferenciar os diversos tipos de investimento externo no país, ou a natureza do capital financeiro.

O capital financeiro é virtuoso quando permite ampliação da capacidade de produção de um país. Ou seja, quando financia mais empresas, mais obras, gerando mais produção, emprego e tributos.

Há vários mercados de atuação do capital financeiro:

1. Operações de curto prazo no mercado de ações.

2. Operações de arbitragem com juros e câmbio. Ou seja, adquirir títulos públicos em determinado momento e apostar na apreciação do câmbio. O Banco Central aumenta os juros e entra mais capital externo. O dólar é convertido em reais, que é engordar pelos juros dos títulos adquiridos. Com mais entrada de dólares, há uma apreciação gradativa do real. A valorização do real implica em ganhos para quem entrou com dólares, pois permitirá comprar mais dólares na saída do que trouxe.

3. Fusões e aquisições, adquirindo empresas já existentes, sem acrescentar novos investimentos.

4. Investimentos e financiamento de novos setores.

Das quatro atividade, a única que agrega riqueza ao país é a quarta, investimentos e financiamentos de novos setores. Portanto, a medida econômica virtuosa é aquela que estimula o investimento produtivo, na ampliação da capacidade instalada.

Em geral, as variações do dólar e das ações refletem a liquidez do momento (ou seja, maior disponibilidade de recursos no mercado), movimentos externos, e eventualmente alguma medida interna de impacto. Mas refletem exclusivamente movimentos de curtíssimo prazo do mercado.

A política virtuosa para investimentos produtivos é aquela que estimula o aumento da atividade interna. Aumentando, abre-se espaço para novos investimentos.

No entanto, há tempos, a atividade preferencial dos investimentos financeiros, em nível global, além das operações de curto prazo em bolsas de valores ou em câmbio, é a compra de empresas e as fusões.

Dias atrás, o Financial Times desbastou o balanço do Goldman Sachs, um dos maiores bancos de investimento do mundo. No segundo trimestre do ano, o melhor desempenho do banco foi na unidade de gestão de ativos.

A receita total foi de US$ 15,4 bilhões, 16% a mais em relação ao ano anterior, e bem mais do que as previsões de US$ 12,4 bilhões de resultado.

O lucro por ação saltou de US$ 0,53 para US$ 15,02 – um salto estelar. US$ 1,59 bilhão foi reservado para perdas potenciais em empréstimos, devidos à crise do coronavirus.

O fundo de ativos da Goldman inclui seu fundo para investimentos em private equity, para aquisições. A receita foi de US$ 5,1 bilhões, 144% a mais do que no ano anterior.

O grande impulso foram as operações de fusão e aquisição. Já a receita com operações de mercado foram de US$ 4,9 bilhões. No início da pandemia, essa carteira rendeu bastante, graças à volatilidade dos mercados com a pandemia, ninguém sabendo quem iria sair vivo fui mais forte. Com a estabilização, há uma redução da volatilidade e, por tabela, dos resultados dos agentes mais profissionais.

GGN.

NÃO FUNCIONA BOLSONARO SER VÍTIMA E AGRESSOR AO MESMO TEMPO, POR FERNANDO BRITO

Aliviaram-se as pressões nos intestinos mas, na política, inevitável dizer que Jair Bolsonaro segue enfezado.

Provavelmente pelas mãos de Carluxo, seu filho vereador, nem mesmo durante a sedação de ontem, parou a metralhadora de ódio das redes sociais do presidente.

Se a ideia era de que o vitimismo presidencial iria desencadear-lhe uma onda de solidariedade, a impressão é a de que isso não funcionou.

Apresentar Bolsonaro de torso nu, a la Cristo, ok, pois ensina meu professor Nilson Lage, “sociopatas são capazes de tirar proveito político de suplício real ou encenado”.

Mas, afora, a movimentação piedosa foi, basicamente, produzida por fanáticos e robôs, não parece plausível dizer que há comoção nacional como na facada de Juiz de Fora, em 2018.

E muito menos com o alegado moribundo despejando ataques pelo Twitter, Facebook e Instagram.

Ontem, era a esquerda sendo o “braço” do Adélio da facada.

Hoje, são os ataques ao “circo da CPI Renan, Omar e Saltitante estão mais para três otários que três patetas”, em postagens que mostrariam que ele acompanhou em detalhes a descrição da aventura do homem da Davati junto ao coronelato.

Não seria preciso um medalhão da medicina, bastaria o farmacêutico da esquina para vetar que alguém, transferido às pressas de avião para um big hospital na noite anterior pudesse estar, já de manhã, acompanhando horas de depoimento vital para seu próprio mandato presidencial.

Ou não é grave a situação de saúde do presidente não é delicada – e recorro de novo a Nilson Lage, que diz que “o que se passa na barriga de Bolsonaro é segredo de Estado já há muito tempo” – e para isso corrobora seu “passeio pelo hospital e a entrevista ao vomitivo Sikêra Jr, para demonstrar isso ou ele entregou ao filho Carluxo a tarefa de ser a sua voz ao país, uma espécie de vice-presidente virtual, que assume as rédeas nos impedimentos presidenciais.

O que, afinal, parece já estar institucionalizado, do contrário o General Hamilton Mourão não manteria a viagem a Angola, até para não ficar fazendo papel de “dois de paus”, como diria a minha avó.

O fato é que não faz, hoje, muita diferença que Bolsonaro se expresse diretamente – com ou sem soluços – ou através do filho soturno. Seja por sua boca ou pelos dedos de Carluxo, só virão ameaças e ataques ao regime democrático.

É porque nele, afinal – e diga-se, para os imbecilizados não criarem caso- o bolsonarismo está condenado à morte eleitoral.

Tijolaço.

quinta-feira, 15 de julho de 2021

FLÁVIO BOLSONARO NÃO FOI AO HOSPITAL PARA ASSISTIR DEPOIMENTO NA CPI DE EMANUELA? POR FERNANDO BRITO

Faz sucesso na internet o “fora” que a senadora Simon Tebet deu em Flávio Bolsonaro durante a sessão desta quarta-feira da CPI da Covid, onde era ouvida Emanuela Medrades, peça chave na história da compra da vacina indiana Covaxin.

O vídeo está aqui.

De fato, chamou a atenção, mas deveria chamar mais atenção o fato de Flávio ter comparecido – e permanecido por horas – à reunião de uma comissão da qual não é membro titular ou suplente e, portanto, não pode falar senão ao final da tarde, depois de todos os integrantes, no mesmo dia em que seu pai, Jair Bolsonaro, era internado às pressas, com uma obstrução intestinal inflamada e um litro de líquido no diafragma.

Desde a manhã, Flávio plantou-se no plenário, interferindo, provocando. Do pai, soube pelo médico que “passou o telefone para meu pai, ele ainda estava meio grogue, disse que ia ficar tudo bem”.

O cuidado do pai – e a furiosa postagem de tweets – ficou por conta de Carlos Bolsonaro, justamente aquele que, em meio de semana, deveria estar no Rio de Janeiro, cumprindo seu mandato de vereador.

Seria falta de amor filial ou, ao contrário, uma demonstração de quanto a família cuida de si que Flávio, indiferente ao perigo pelo qual passava Jair, permanecesse ali no plenário, bem visível a Emanuela que, da figura frágil e descontrolada de terça-feira, assumia a mais ousada e desafiadora personagem já ouvida na CPI?

Na terça-feira, o governismo havia sumido da CPI e sequer um senador governista se manifestou. Ontem, todos eles estavam presentes, combativos, sem deixar passar uma e tumultuando quando se evidenciavam situações suspeitas.

Se estivesse escrevendo um romance policial – e alguém duvida que está se escrevendo um romance policial no drama da vacinação no Brasil? – diria que a presença de Flávio Bolsonaro seria a “assinatura” de um compromisso com a depoente, que já não se sentiria só e abandonada.

Nas famílias mafiosas, o amor filial é a fidelidade nos negócios do clã.

Tijolaço.

quarta-feira, 14 de julho de 2021

O ‘NOVO’ CIRO GOMES ATACA LULA E AS ESQUERDAS E SE JOGA NOS BRAÇOS DA DIREITA. POR MOISÉS MENDES

Ciro Gomes. Reprodução

Ciro Gomes disse ontem a Roberto D’Avila, na GloboNews, que não fugiu para Paris e que votou em Fernando Haddad em 2018. Afirmou que só o que ele não fez foi campanha para Haddad.

Ciro disse, em tom de apelo, que não quer mais ser conhecido por frases infelizes e adjetivos fortes, porque chegou agora à maturidade. Não é maios o homem do pavio curto.

Lula e Bolsonaro, segundo ele, se dedicam ao mesmo modelo de gestão do Brasil. Ele é o novo, e Lula é o velho.

Repetiu que “Lula é o maior corruptor da história moderna brasileira”. E que ele, Ciro, tem “mais conteúdo para repartir numa palestra do que o Lula”.

D’Avila perguntou com quem ele tem conversado. E Ciro disse que conversa com presidentes dos maiores bancos e dos grandes conglomerados. Nessa ordem.

Não contou se conversa com alguém do povo, sindicatos, entidades, índios, ONGs. Só citou os os banqueiros e os conglomerados e, genericamente, disse que conversa com todo mundo que queira ajudar o Brasil.

Ciro acha que Bolsonaro, que ele define como criminoso, está transformando parte dos militares e das polícias em partido armado.

Ciro tentou se apresentar como outro homem, mas sem saber dizer direito que homem é esse. O novo Ciro Gomes, que se apresenta como a terceira via, é um sujeito dependente do velho Ciro Gomes.

Desde o início, Ciro bateu forte na direita e na esquerda, porque pretende, como admitiu, conquistar esse centro difuso e nebuloso que é a direita encabulada.

Sim, essa direita é importante para a democracia, é decisiva para a governabilidade em qualquer país, mas é direita.

O ex-tucano desistiu de se apresentar como alguém de esquerda e fez força para empurrar essa tarefa para Lula. Ciro não quer mais saber de rótulos que o incomodem.

Ciro parece mesmo querer ser um novo Geraldo Alckmin, com a diferença de que Alckmin não odeia tanto Lula, o PT, o PSOL e o PCdoB, depreciados em tom de deboche por ele na entrevista.

E tem quem ainda ache que Ciro é trabalhista e brizolista.

DCM.

O REVERENDO É UMA BOMBA PRESTES A EXPLODIR, POR FERNANDO BRITO

Na entrevista dada ao repórter Nilson Klava, da Globo, o reverendo Amílcar Gomes de Paula, homem de ligação entre a Davati e suas centenas de milhões de vacinas fake, não consegue sequer arranjar alguma versão sobre o fato de estar sendo apontado, pelas mensagens de texto e áudio encontradas no celular do cabo PM Luiz Paulo Dominghetti que o indicam como o articulador junto ao Ministério da Saúde e o próprio Jair Bolsonaro do golpe de estelionato que era tramado por um grupo de picaretas de quinta categoria.

O vídeo pode ser assistido aqui e mostra uma reação desconexa, capaz de fazer corar o Rolando Lero, na qual o cidadão sequer consegue conectar uma frase e outra.

É espantoso que se juntem em uma quadrilha vacineira um cabo da PM, um espertalhão que propõe negócios de bilhões de dólares enquanto recebe auxílio emergencial e um reverendo que surgiu não se sabe de onde e, juntos, manipulem uma oferta de 400 milhões de doses de vacina ao Governo brasileiro.

E que essa gente vá bater à portas do Palácio do Planalto, assim, no más, como dizem os gaúchos.

Mais espantoso ainda é que não haja, sobre isso, uma ação da Polícia Federal, nem que o Ministério Público já não esteja na Justiça, pedindo a apreensão dos computadores e celulares desta turma, para saber com quer armavam uma trampa cruel, porque envolvia o desespero dos brasileiros com milhares de mortes todos os dias.

E que tudo isso chegou às portas do Palácio do Planalto – se é que não entrou por elas – e se reuniu com o coronel Élcio Franco, lugar-tenente do general Eduardo Pazuello.

Este tal reverendo, que recorreu aos seus problemas renais para adiar sua ida à CPI, é uma bomba.

Tijolaço.

terça-feira, 13 de julho de 2021

LUÍS MIRANDA REVELOU A CPI O SUPOSTO POLÍTICO QUE TERIA AMEAÇADO PAZUELLO E COBRADO PROPINA

Em entrevista ao Roda Viva, deputado considerado um dos 'homens-bomba' das suspeitas de corrupção por parte do governo federal desconversou sobre Arthur Lira.

“Eu jamais gravaria um presidente da República, mas eu não estava sozinho na sala,” disse durante o programa. (Pablo Valadares/Câmara)

O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) diz ter relatado em caráter privado a membros da CPI da Covid o nome do político que supostamente teria ameaçado o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e pedido "pixulé". A afirmação foi feita pelo parlamentar em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, nesta segunda-feira. Ele, contudo, não revelou a identidade de quem supostamente pediu propina. "Se Pazuello der o nome, eu confirmo. Esse nome não é do meu partido", limitou-se a dizer.

De acordo com a jornalista Vera Magalhães, âncora do programa, Miranda citou o nome do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL) aos senadores da CPI. O deputado não confirmou - nem negou -, mas ressaltou que Pazuello deveria voltar à comissão de inquérito para esclarecer o episódio. "Eu não quero ser a pessoa do 'ouvi falar', quem passou por isso deve falar", afirmou na entrevista. Miranda disse ainda que, caso Pazuello acuse a pessoa errada, vai desmenti-lo publicamente.

O deputado, tido como um dos "homens-bomba" das suspeitas de corrupção por parte do governo federal em compras de vacinas, ainda afirmou que Pazuello não sabia do escândalo da Covaxin dois dias antes de ser exonerado do cargo, sinalizando que o presidente Jair Bolsonaro pode não tê-lo avisado sobre as denúncias apresentadas pelos irmãos Miranda. O parlamentar destacou que rompeu completamente com o chefe do Palácio do Planalto. "Eu não subo mais em um palanque com Jair Messias Bolsonaro."

GRAVAÇÕES

Miranda negou diversas vezes ter áudios da conversa que teve com o presidente Bolsonaro no dia 20 de março acompanhado de seu irmão, mas não descartou a possibilidade de existir uma gravação.

“Eu jamais gravaria um presidente da República, mas eu não estava sozinho na sala”, disse durante o programa. Sobre a reunião, Miranda acrescentou que informou em detalhes, com o seu irmão, a situação sobre um possível de caso de corrupção na compra vacina indiana Covaxin.

"O presidente viu tudo, o processo inteiro. Meu irmão imprimiu o processo, mostrou para ele o contrato”, afirmou Miranda. “De fato, ele não se atenta aos detalhes da documentação técnica, mas entende que era grave.”

O parlamentar se diz decepcionado com Bolsonaro. “Ele não desmente, só minimiza a denúncia, o que é muito frustrante para quem esteve do lado dele o tempo todo”. Como reação às represálias, ele avalia que seguirá como independente. “A reação do governo foi muito dura. Mas dizer que, daqui para frente, eu vejo essas antes que a gente possa caminhar politicamente juntos? Isso nunca mais”, disse Miranda. “Eu não subo mais em palanque com Jair Messias Bolsonaro.”

Dom Total/O Estado de São Paulo.

segunda-feira, 12 de julho de 2021

O BRASIL PRECISA SE PERMITIR PODER SONHAR, POR PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Já disse, e repito hoje: não sou um sonhador. Cético de temperamento, parece-me até meio ridícula, ligeiramente demagógica e sentimental, a frequente referência a sonhos e à necessidade de sonhar. E, no entanto, …

Manoel Bomfim, um dos grandes pensadores brasileiros (injustamente esquecido como são muitos grandes brasileiros – enquanto, diga-se de passagem, não poucos trastes e mediocridades são celebrados intensamente), Bomfim dizia que uma nação precisa inventar os seus próprios sonhos, sonhar os seus sonhos plausíveis.

Sonhos plausíveis – inspirados de alguma forma, ainda que tênue ou não tão evidente, na realidade histórica e atual da nação. Temos que sonhar nossos sonhos, sonhados por nós, cultivar nossas próprias imagens, nossas próprias noções de beleza, verdade e valor, dizia ele por outras palavras.

Bonito. Mas aí é que se abre o alçapão. Sonhos podem ser perigosos. Certo tipo de sonho, justamente os plausíveis que desejava Bomfim. O sonho possível carrega em si a possibilidade da decepção e do sofrimento.

E, por essa via, chego ao verdadeiro assunto desta pequena crônica – um outro gênio da nossa raça, este verdadeiramente monumental. Refiro-me, leitor, ao grande, imenso, gigantesco Fernando Pessoa. A poesia, como sabemos, resiste tenazmente à tradução. Se Pessoa tivesse escrito em francês ou inglês (até escreveu nesta última língua, mas pouco), seria conhecido e venerado no planeta inteiro. Ele deixa na poeira, a meu ver, muitos luminares da literatura francesa ou anglo-americana. Quantos deles parecem realmente minúsculos ao lado do poeta português!

Não só por sua poesia, que é fulgurante, mas também por sua prosa. E dela retiro uma observação acurada sobre dois tipos de sonhos. Vamos passar a palavra a ele diretamente. Diz Pessoa, ou o heterônimo Bernardo Soares, no Livro do Desassossego:

“Tenho mais pena dos que sonham o provável, o legítimo, e o próximo, do que dos que devaneiam sobre o longínquo e o estranho. Os que sonham grandemente, ou são doidos e acreditam no que sonham e são felizes, ou são devaneadores simples, para quem o devaneio é a música da alma, que os embala sem lhes dizer nada. Mas o que sonha o possível tem a possiblidade real da verdadeira desilusão. Não me pode pesar muito o ter deixado de ser imperador romano, mas pode doer-me o nunca ter sequer falado à costureira que, cerca das nove horas, volta sempre à esquina da direita. O sonho que nos promete o impossível já nisso nos priva dele, mas o sonho que nos promete o possível intromete-se com a própria vida e delega nela sua solução. Um vive exclusivo e independente; o outro submisso das contingências do que acontece.”

Maravilhoso, não? A relação ambivalente com o sonho permeia a sua obra, também a poética. Por exemplo, no lindo poema Manhã dos outros!, que sei de cor e cheguei a tentar, quando morava em Washington, traduzir para o inglês para benefício de alguns amigos estrangeiros:

“Manhã dos outros! Ó sol que dás confiança / Só a quem já confia! / É só à dormente, e não à morta esperança / Que acorda o teu dia.”

E aí vem o verso cintilante:“A quem sonha de dia e sonha de noite, sabendo / Todo sonho vão, / Mas sonha sempre, só para sentir-se vivendo / e a ter coração. A esses raias sem o dia que trazes, ou somente/ Como alguém que vem/ Pela rua, invisível ao nosso olhar consciente, / Por não ser-nos ninguém.”

Em inglês, ficou assim o verso central:

“To those that dream by day and dream by night, knowing / that all dreams are vain/ But go on dreaming, just to feel what it ́s like to be alive/ And to have a heart” Falei em “amigos estrangeiros”.

Não queria dar pinta de quem explora a poesia para fins espúrios e extrapoéticos. Mas a verdade é que a tentativa de tradução foi para uma namorada estrangeira, linda, linda, mas por desgraça totalmente ignorante da bela língua portuguesa.

Mas volto ao poema. Vê-se, claramente, que a morta esperança não está tão morta assim. E que continua sonhando de dia e de noite, sonhando sempre, mesmo declarando todo sonho vão, por saber que a vida e o coração deixam de existir propriamente sem a capacidade de sonhar.

Já estou resvalando para uma defesa meio ingênua do sonho. Na verdade, o mais interessante, tanto no texto como no poema de Pessoa, é o embate, dentro da mesma alma, entre o impulso de sonhar e a resistência a ele. Ou em outros termos, talvez mais precisos: o conflito entre a vontade de sonhar e a incapacidade de fazê-lo plenamente, com o coração inteiro. A sua obra está eivada de paradoxos ou hesitações desse tipo, sempre muito carregadas de conotações emotivas.

Dou outro exemplo, também retirado do Livro do Desassossego, este do âmbito da política, sobre a dualidade sincero/insincero ou ilusão/realismo prático:

“O governo do mundo começa em nós mesmos. Não são os sinceros que governam o mundo, mas também não são os insinceros. São os que fabricam em si uma sinceridade real por meios artificiais e automáticos; essa sinceridade constitui a sua força, e é ela que irradia para sinceridade menos falsa dos outros. Saber iludir-se bem é a primeira qualidade do estadista. Só aos poetas e aos filósofos compete a visão prática do mundo, porque só a esses é dado não ter ilusões. Ver claro é não agir.”

Raramente encontrei um parágrafo tão brilhante, tão iluminado por paradoxos certeiros! Não são os sinceros nem os insinceros que lideram. A sinceridade do estadista é fabricada e real ao mesmo tempo. E, contrariamente ao senso comum, a visão realista do mundo não é do estadista, mas do poeta e do filósofo, cuja clarividência, entretanto, impede a ação. Enfim, repito, um gênio da nossa raça.

Talvez esteja me perdendo do assunto inicial. Mas nem tanto. Em relação a sonhos, cabe a mesma ambivalência. Os sonhos plausíveis de Bomfim são fonte de equívocos, desastres e decepções. Mas sem eles o que sobra da vida? Ela não se esvazia? Sonhar não pede coragem? E o ceticismo pode ser, no fundo, sintoma de perda de vitalidade. Talvez uma forma de covardia.

E, assim, continuamos. Mesmo sabendo ou proclamando todo sonho vão, vamos sonhando, de dia e de noite, sonhando sempre, para sentirmo-nos vivendo e a ter coração.

Uma versão condensada desta crônica foi publicada na revista “Carta Capital” em 9 de julho de 2021. O autor é titular da cátedra Celso Furtado do Colégio de Altos Estudos da UFRJ. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, começou a circular em março de 2021.E-mail: paulonbjr@hotmail.com;Twitter: @paulonbjr;Canal YouTube: youtube.nogueirabatista.com.br; Portal: www.nogueirabatista.com.br

Tijolaço.

STF TOMA MEDIDAS CONTROVERSAS PARA CONTER AVANÇOS BOLSONARISTAS CONTRA INSTITUIÇÕES DO ESTADO

Reprodução

Para tentar conter os avanços bolsonaristas contra as instituições do Estado, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem precisado usar a criatividade e tomar medidas heterodoxas no modo como tem conduzido suas ações, principamente quanto a Procuradoria Geral da União (PGR).

Essas medidas tem ajudado a diminuir a divulgação de fake news  e de ataques à democracia nas redes sociais e também culminaram, por exemplo, no pedido de exoneração de Ricardo Salles, que conduziu uma agenda antiambiental no Ministério do Meio Ambiente.

Apesar de a ação estar sendo feito em resposta as posturas adotadas pelo governo, especialistas temem que, a longo prazo, elas também possam ser um precedente para questionar a democracia.

De acordo com analistas, a necessidade de o Supremo conter bolsonarismo não é questionada, mas dizem que tergiversar com o devido processo legal, independentemente da finalidade que se busque, pode levar à criação de precedentes perigosos que, no futuro, venham a ser usados de maneira arbitrária pelo Judiciário em geral.

Em outro campo, o militar, a descrença no mandatário também dá o tom.

O ex-ministro da Secretaria de Governo, Santos Cruz, cobrou da sociedade uma reação forte contra as bravatas do genocida

DCM com informações de Folha de São Paulo e Estadão.

domingo, 11 de julho de 2021

A INCRÍVEL CARA DE PAU DA ELITE HIPÓCRITA BRASILEIRA, POR FERNANDO BRITO

Quando a gente acha, neste otimismo generoso que deve caracterizar quem crê na democracia, que as elites brasileiras estão se vergando a realidade e verificando que o país se volta para Lula como esperança de superar tudo o que de desastroso e odiento se instalou no Brasil sob Bolsonaro, eis que surgem suas vozes mostrando que, incorrigíveis, tudo o que lhes passa pela cabeça é que, sem voto, possam chegar ao poder na garupa de quem, uma vez lá, possam descartar ou manietar para que tudo possa continuar essencialmente igual, com a diferença de que mais bem educado.

Quando a gente acha, neste otimismo generoso que deve caracterizar quem crê na democracia, que as elites brasileiras estão se vergando a realidade e verificando que o país se volta para Lula como esperança de superar tudo o que de desastroso e odiento se instalou no Brasil sob Bolsonaro, eis que surgem suas vozes mostrando que, incorrigíveis, tudo o que lhes passa pela cabeça é que, sem voto, possam chegar ao poder na garupa de quem, uma vez lá, possam descartar ou manietar para que tudo possa continuar essencialmente igual, com a diferença de que mais bem educado.

Em 2018, não fizeram isso com o próprio ex-capitão ora presidente, na esperança de que ele fosse domado de suas inconveniências e amansado de seus arroubos autoritários?

Deu, como é patente, num bicho tão xucro e perigoso que ameaça partir os cristais da própria democracia, com os cascos a dar no vidro das eleições.

Agora, quando as pesquisas eleitorais revelam que a população, sozinha, encontrou o caminho para corrigir a quadra desgraçada de nossa história a que nos lançaram com Bolsonaro, lá vem eles com os parquíssimos votos que seus preferidos podem amealhar dizer, candidamente: “ah, não, mas Lula tem muitas resistências, quem sabe não seria melhor outro, mais palatável…”

É o que faz hoje no Estadão a inefável Eliane Cantanhêde, a eterna “colunista da massa cheirosa” com uma ideia “genial”:

Lula abriria mão de ser candidato a Presidente e aceitaria ser vice de outro, não importa quem fosse, para ser vice numa chapa encabeçada por alguém que ela, a um ano e um tico das eleições, diz que virá dos “os líderes que o passado nos lega e o futuro já nos oferece, nos três Poderes, nas organizações, na iniciativa privada.”

“Com Lula disputando a volta à Presidência, e com grandes chances, aprofundam-se a polarização e esvaem-se as soluções. Com Lula trocando a vaga na chapa pelo papel histórico de arquiteto e líder da união nacional, ele mantém sua capacidade poderosa de atrair votos, mas desanuvia-se o ambiente, tira-se a motivação de parte dos votos em Bolsonaro e abre-se a porta para uma nova era, inclusive na economia.
Além de decisiva para o Brasil, a solução pode ser conveniente para o próprio Lula. Ele tem milhares de motivos para ressentimento, mas seu maior troco é a vitória, o reconhecimento, não a volta à cadeira que ocupou por oito anos (…) Lula terá 77 anos em 2022 e 81 em 2026. Nada mal. Ele, porém, teve uma vida difícil e tem sérios problemas de saúde, além de… viver um novo amor. O que ganharia assumindo a rotina de presidente, com críticas, pedradas, cargos, reuniões e chateações?”

Que meigo! Como ela quer o bem do ex-presidente: o belo Palácio do Jaburu, residência oficial do vice, linda casa com comida e roupa lavada, carro oficial bacana e, sobretudo, nada para fazer e ficar curtindo seu amor outonal!

E como conseguir essa maravilha? Simples, mercadejando a confiança que recebe do povo brasileiro, manifestada nas pesquisas eleitorais, com qualquer outro – o mais bem colocado tem intenção de voto cinco vezes menor que a dele! – e ganhando em troca a “maré mansa” de quatro anos paradisíacos. De maneira mais direta: vendendo as esperanças do povo brasileiro em troca de vantagens pessoais.

Nada que difira, aliás, do que fazem os políticos convencionais.

Vão vendo como a colunista repete, tosca e melosamente, a fábula da raposa que elogia o canto da gralha para que esta solte o queijo que traz no bico…

Mas, se você apurar bem o ouvido verá que isso é, na verdade, o mudo “ele, não” que a elite brasileira sempre tem na cabeça quando se trata de aceitar a ideia de que o Brasil possa ser governado por um filho do próprio povo que, não importa o que tenha já provado em fazê-lo traz, na testa, o estigma de não ser alguém integrado ao pensamento medíocre de que o país não precisa apenas de um gerente, mas de uma expressão de identidade, afirmação e estímulo.

Suavemente, com todos os modos e generosidades, apoiam os vetos da extrema-direita a Lula e a intolerância que eles próprios ajudaram a construir.

Tijolaço.