sexta-feira, 6 de agosto de 2021

GOVERNO BOLSONARO PERDE DE 23 A 11 NA ‘COMISSÃO DO VOTO IMPRESSO’, POR FERNANDO BRITO

Acachapante, de mais de dois por um, a derrota da proposta da volta do voto em papel – o relatório do deputado Felipe Barros propunha isso e apuração manual da votação – por 23 votos a 11 na comissão que analisava o projeto é mais do que garantia de que não há maioria de 2/3 dos votos necessária a aprovação e uma emenda constitucional com este teor no plenário da Câmara.

Agora, Jair Bolsonaro terá de confrontar não apenas o Judiciário, mas também o pronunciamento do Legislativo, por mais que queira se esconder numa alegação de que foi Luiz Roberto Barroso o responsável por este placar.

Forçar a barra para levar ao plenário a proposta será uma tática desastrosa à qual Arthur Lira não aderirá, porque é uma fórmula pronta para atestar sua incapacidade de conseguir uma maioria para emendas constitucionais que não terá só por estalar de dedos.

Igualmente, fica mais difícil, com o resultado de hoje e mais ainda com uma votação em plenário, para Bolsonaro agitar a proposta como “um desejo do povo”, ainda que ele vá permanecer agitando o tema, até que arranje outro para criar confusão.

Parece pouco, mas a derrota do desafio bolsonarista no Legislativo deixa em 2 a 1, por enquanto, o jogo entre Poderes que não deveria existir, mas precisa existir agora, mais que nunca, pela preservação, ao menos, da democracia formal que permita ao brasileiro e à brasileira corrigir os rumos do país.

Tijolaço.

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

A GUERRA ESTÁ ABERTA E NÃO É DE BRINCADEIRA, POR FERNANDO BRITO

Alexandre de Moraes incluiu Jair Bolsonaro no rol de investigados do inquérito das fake news por suas ameaças sobre as eleições. Os participantes da live presidencial, a começar do ministro da Justiça, Anderson Torres, serão chamados a depor e há poucas dúvidas de que o próprio presidente da República terá de responder às perguntas dos policiais federais.

Diz seu despacho:

“Nesse contexto, não há dúvidas de que as condutas do Presidente da República insinuaram a prática de atos ilícitos por membros da SUPREMA CORTE, utilizando-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário, o Estado de Direito e a Democracia; revelando-se imprescindível a adoção de medidas que elucidem os fatos investigados, especialmente diante da existência de uma organização criminosa – identificada no presente Inquérito 4781 e no Inquérito 4874 – que, ilicitamente, contribuiu para a disseminação das notícias fraudulentas sobre as condutas dos Ministros do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL e contra o sistema de votação no Brasil, tais como as constantes na live do dia 29/7/2021, objeto da notícia crime.”

Ok, muito bem, é o que deveria ter sido feito, do ponto de vista jurídico, embora o mais adequado fosse uma ação da Procuradoria Geral da República, neste momento respirando por aparelhos, diante do estado de conveniência comatosa do Procurador Geral da República, Augusto Aras.

Em tese, concluído o inquérito e com Aras já de mandato novo e “estabilidade no emprego” poderia apresentar denúncia ao Supremo e este encaminhar o pedido de abertura de processo à Arthur Lira, presidente da Câmara, que enviará notificação ao Planalto e remetera a denúncia à presidente da Comissão de Constituição e Justiça, a deputada Bia Kicis, que nomeará um relator, certamente bolsonarista também.

Daí o presidente terá 10 sessões de plenário – o que, pela vontade do presidente da Casa, pode levar até um mês – e haverá mais cinco sessões de debates.

Aprovado um parecer, o caso vai ao plenário e serão precisos 2/3 da Câmara, 342 votos, para a concessão de licença para processar, o que implicaria no afastamento do presidente por seis meses, mas não sua inegilibilidade.

Nas condições que se tem hoje, é claro que Bolsonaro não seria denunciado. se fosse, não teria autorização para ser processado e, pelo menos até meados do ano que vem se apresentaria como vítima de uma perseguição judicial e pronto a fazer o que já hoje ameaçou: “Eu jogo dentro das quatro linhas da Constituição, e jogo, se preciso for, com as armas do outro lado”.

Deveria ter dito “com as armas do meu lado”.

Mas é, essencialmente, bravata destinada a fazer o que, em algum grau, já conseguiu: tornar suspeitas, ao menos para os seus, as eleições.

Embora seja indispensável, o combate a Bolsonaro não pode ser apenas jurídico-institucional.

Precisa ser político e social: barrar a pressão que faz sobre a Câmara, o que só será possível, dado o nível de nosso parlamento, com o medo de que se tornem eleitoralmente malditos os que a ele se alinharem.

Tijolaço.

DEPUTADOS ADIAM VOTAÇÃO DA REFORMA ELEITORAL A TOQUE DE CAIXA NO MEIO DA MADRUGADA

Políticos escolheram horário incomum para dificultar acompanhamento pela sociedade. PEC muda sistema eleitoral para o 'distritão' que beneficia atuais parlamentares.

As alterações nas regras eleitorais para 2022 ganharam fôlego depois que o presidente Jair Bolsonaro abriu o Palácio do Planalto ao Centrão (Najara Araujo/Câmara dos Deputados).

A comissão especial da Câmara sobre reforma política desistiu de analisar nesta madrugada desta quinta a mudança no sistema de votação de deputados federais, estaduais e distritais para a eleição de 2022. O texto substitutivo da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 125/2011 institui a adoção do modelo “distritão” no lugar do atual sistema “proporcional”, mas não houve consenso para votação.

Sem acordo entre líderes dos partidos, o presidente da comissão especial da PEC, Luís Tibé (Avante-MG), sugeriu que fosse votado um requerimento de retirada de pauta, de forma simbólica. O debate será retomado nesta quinta-feira, 5, às 14 horas. “Vamos distensionar e tentar construir um acordo”, disse Tibé.

Parte dos deputados tem interesse em levar a discussão direto para o plenário da Câmara, como disse Aluísio Mendes (PSC-MA), aliado do presidente Jair Bolsonaro. Para ter efeitos, a PEC precisa passar por duas votações no plenário, com pelo menos 308 votos em cada. O mesmo deve ocorrer no Senado. As mudanças nas regras têm de ser realizadas pelo menos um ano antes da eleição, marcada para outubro de 2022.

 A sessão começou pouco antes das 23 horas e iria entrar pela madrugada, em horário incomum, o que dificultaria o acompanhamento pela sociedade. Deputados contrários ao sistema, governistas e oposicionistas, reclamaram da operação “na calada da noite”. Eles criticaram a discussão às pressas e alertaram que os parlamentares podem se arrepender.

 "Essa discussão açodada e repentina, no momento em que diversos outros temas de interesse da população estão sendo discutidos, como a reforma tributária e a pandemia, nos constrange", disse Capitão Wagner (PROS-CE).

 A relatora da proposta, deputada Renata Abreu (SP), que é presidente nacional do Podemos, sugeriu  alterações de última hora no texto, mas depois desistiu de formalizá-las por falta de consenso. Abreu chegou a propor a adoção do “voto preferencial”, o que implicaria o fim do segundo turno em eleições para presidente, governador e prefeito, mas recuou. Nesse modelo, o eleitor vota não apenas em um candidato a presidente, mas em até cinco, em ordem de preferência.

 O “distritão” já foi rejeitado duas vezes pelo plenário da Câmara, durante votações de minirreformas eleitorais. Em 2015, atingiu somente 267 votos. Em 2017, foram apenas 238 votos.

 No modelo “distritão”, os candidatos disputam votos em todo o Estado, que passam a ser considerados distritos, com a mesma quantidade de vagas no parlamento atual. No caso de São Paulo, seriam eleitos apenas os 70 mais votados da lista final para a Câmara, desprezando-se os votos recebidos pelos demais.

 A tendência é que a campanha para deputado se assemelhe com a de governadores, prefeitos, senadores e presidente. Passa a ser majoritária e dificulta a representação da diversidade social no Legislativo.

 “Esse modelo acaba com a fidelidade partidária. Será a anarquia total”, disse o deputado Henrique Fontana (PT-RS). “Esse sistema é a Disneylândia do abuso do poder econômico. É uma espécie de garantia da reeleição.”

 No sistema proporcional, usado atualmente, o eleitor pode votar tanto em partidos quanto em candidatos. A Justiça Eleitoral calcula o quociente eleitoral, levando em conta somente os votos válidos e a quantidade de cadeiras em disputa em cada Estado. A partir desse quociente é feita a definição do número de vagas a que cada coligação ou partido isoladamente terá direito. Elas são ocupadas pelos mais bem votados das listas.

 A expectativa de políticos é que esse sistema, se aprovado, venha a privilegiar candidatos famosos, os atuais “puxadores de voto”, como artistas em geral, líderes religiosos, jogadores de futebol, youtubers, influenciadores digitais, apresentadores de TV e locutores de rádio. Na contramão, a previsão é que reduza o poder de partidos políticos.

 A pressão pela troca do sistema vem de dirigentes de partidos ameaçados de ficar sem acesso a recursos públicos por causa da cláusula de desempenho mínimo, vigente desde 2018, e que já levou à fusão de legendas. Os dirigentes de partidos médios e grandes são contra, pois tendem a perder poder político com a alteração.

 As alterações nas regras eleitorais para 2022 ganharam fôlego depois que o presidente Jair Bolsonaro abriu o Palácio do Planalto ao Centrão, com a posse do senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI) como ministro da Casa Civil. Ele é aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e da deputada Margareth Coelho (Progressistas-PI), que encabeçou as discussões.

 Em outros projetos, a Câmara também debate a adoção do voto impresso, bandeira de Bolsonaro, o veto à divulgação de pesquisas de intenção de voto às vésperas das eleições, autorização de uso do Fundo Partidário para qualquer tipo de despesa, redução de mecanismos de fiscalização e blindagem a candidatos de punições mais graves.

Dom Total/O Estado de São Paulo

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

SEGUE PASSANDO A BOIADA DE ARTHUR LIRA, POR FERNANDO BRITO

Estamos nós, aqui, devidamente empenhados em evitar que a crise provocada por Jair Bolsonaro e suas ameaças de cancelar as eleições e, enquanto isso, o esperto e autoritário Arthur Lira vai passando a boiada em questões vitais para o Brasil.

Tudo, agora, anda a toque de caixa na câmara: reforma tributária, reforma eleitoral, PEC dos Precatórios (“pedalando” para os próximos governos as dívidas que este deveria honrar) e uma infinidade de atropelos de fazer corar um frade.

Quase sem registro, passou ontem o PL da Grilagem, como ficou conhecida a autorização legal para a regularização da posse de terras da União, sem qualquer exigência de vistoria da ocupação privada pelo Incra, para até 6 módulos fiscais. O que quer dizer, nas áreas do Norte e Centro-Oeste, onde está a maioria delas, regularizar no grito áreas de até 700 hectares, algo impensável que se justifique como concesssão ao pequeno lavrador.

E se promete, ainda para esta semana, a votação da privatização dos Correios.

Hoje, na posse de Ciro Nogueira, veremos o enxame que se formará, nos moldes destas liquidações de supermercado, com parlamentares disputando quase a tapas as bancas do “saldão” do governo Bolsonaro.

Na ocasião, Bolsonaro cobrará o preço de ouvirem suas ameaças à democracia e de ameaçar os parlamentares do Centrão a que obedeçam ao que ele diz ser “a vontade do povo”.

À qual, esperta e criminosamente, responderão com um silêncio que se ocula na “legitimidade da discussão”, quando sabem que a convers é outra, a da continuidade forçada no poder do atual presidente.

E, claro, apelos à concórdia com quem brande uma faca.

Tijolaço.

terça-feira, 3 de agosto de 2021

NA FALTA DE UM DISCURSO FIRME DE FUX, TSE REAGE AS BRAVATAS DE BOLSONARO, POR FERNANDO BRITO

A reação deveria ser do STF, que é a corte de proteção constitucional, porque a tentativa de suprimir eleições é atentado à Constituição.

Mas, na falta de uma ação concreta deste, coube ao Tribunal Superior Eleitoral fazer o que tinha de ser feito: abrir inquérito sobre as acusações de Jair Bolsonaro de que se preparava uma fraude para as eleições de 2022.

Luiz Roberto Barroso fez o que Luiz Fux não fez, deixando claro o que se está fazendo aqui:

“Nos Estados Unidos, por exemplo, insuflados pelo presidente derrotado, 50% dos republicanos acreditam que a inequívoca vitória do presidente [Joe] Biden foi fraudada. Essas narrativas, fundadas na mentira e em teorias conspiratórias, destinam-se precisamente a pavimentar o caminho da quebra da legalidade constitucional”

Tanto é assim que corte eleitoral vai enviar ao Supremo Tribunal Federal notícia-crime contra o presidente por divulgação de fakenews, enquanto a questão é, claramente, de ameaça à ordem constitucional.

Estamos diante de uma evidente articulação de uma tentativa de cometimento de crime de responsabilidade que engloba praticamente todo o capítulo de crimes contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, da Lei 1.079:

Art. 7º São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:
1- impedir por violência, ameaça ou corrupção, o livre exercício do voto;

(…)

4 – utilizar o poder federal para impedir a livre execução da lei eleitoral;

 imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua;
6 – subverter ou tentar subverter por meios violentos a ordem política e social;

 7 – incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina;

 8 – provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis;

Não é tema para o TSE, mas para o STF e para seus integrantes. Não é caso para “diálogo entre poderes”, mas para uma ação incisiva que faça o presidente da República deixar de ser um cotidiano subvertedor da ordem constitucional e arregimentar apoio para que se faça uma interrupção, pela força, paramilitar ou militar, da ordem constitucional.

Há semanas e todo dia, é a isso que ele se dedica e, portanto, não é uma questão lateral, da política corriqueira.

Não é possível separar nada do que faz Jair Bolsonaro hoje do seu plano golpista e não há negociação possível em torno de projetos de seu governo sobre qualquer matéria no Congresso: em tudo o que se concordar com seu governo estar-se-á concordando com o golpe.

Tijolaço.

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

JAIR AVANÇA ANTES DA HORA? DIZ FERNANDO BRITO

À primeira onda de ameaças às eleições, Jair Bolsonaro insinuou recuar, marcando o tal “encontro entre os 3 Poderes” que acabou não se realizando pela suposta crise intestinal que o levou, às pressas, a uma internação de emergência e aquela tenebrosa apelação da foto “moribunda” , substituída, poucos dias depois, pela imagem máscula do desfile de motos pesadas.

Agora, porém, com a live de quinta-feira à noite e a nova saraivada de bravatas disparadas hoje, com as mensagens para suas manifestações “meia-boca”, tudo indica que Jair Bolsonaro não contará com reações tão lenientes quanto as que teve da outra vez.

Até o insosso Luiz Fux, antecipa Luís Nassif, no GGN, ensaia uma reação forte.

Não é para menos, porque Bolsonaro chegou ao limite da explicitude goslpista:

“Vocês estão aí, além de clamar pela garantia da nossa liberdade, buscando uma maneira que tenhamos uma eleições limpas e democráticas no ano que vem. Sem eleições limpas e democráticas, não haverá eleição (…)Nós mais que exigimos, podem ter certeza, juntos porque vocês são de fato meu Exército —o nosso Exército— que a vontade popular seja expressada na contagem pública dos votos”.

É verdade que reforçou seu cacife como “Rei da Direita”, posição que retém, incontestável. Os atos que promoveu nem de longe poderiam ser realizados pelos que lhe disputam o lugar com o apelido de “Terceira Via” ansiando por recolher os despojos de um bolsonarismo agonizante.

Ao mesmo tempo, porém, empurra-os para que, diante da própria incapacidade de alavancarem suas candidaturas no campo conservador ainda controlado por Bolsonaro, comecem a perder sustentação política pela perda de suas bases eleitorais para ele e, também, para o polo nítido que se forma em torno de Lula.

Este, talvez, seja o grande erro – além, claro, do crime de golpismo – que Jair Bolsonaro esteja cometendo.

Ao fazer da mudança do sistema eleitoral uma exigência para haver eleições, sob o “argumento” de que, do contrário, Lula vencerá, ele tente a transformar todo a rejeição que acumula em, cada vez mais, votos para Lula.

É como se dissesse: quem é contra Lula é Bolsonaro, o que, na reciprocidade, empurra ao ex-presidente o voto de quem não é Bolsonaro, de resto um personagem que não se adequa ao “tanto faz”.

O ex-capitão pôs suas tropas em marcha, com rumo definido, e não há paradas no caminho quando se inicia uma ofensiva.

A alardeada capacidade de composição política de Ciro Nogueira, na Casa Civil, foi reduzida a zero mesmo antes de sua posse, porque só lhe resta o papel de emissário do senhor das armas para propor rendição incondicional.

Nem mesmo teve tempo de costurar acordos, fazer composições, agregar aliados ou construir neutralidades.

O ex-capitão subiu ao jipe e partiu para a guerra aberta.

Bolsonaro crê que poderá fazer sua segunda campanha com os mesmos grupos de fanáticos que o cercaram na primeira, mas revela pouca compreensão de que, daquela vez, rolaram a seu lado os barulhentos tanques da mídia e os silenciosos blindados do Judiciário, com os quais não pode mais contar. Ao menos, não na sua cavalgada solitária e alucinada, carregando a bandeira do “que fique tudo como está”.

Tijolaço.

domingo, 1 de agosto de 2021

BOGHOSSIAN, PARA LER E NÃO SORRIR ANTE O BOLSONARISMO AGÔNICO, POR FERNANDO BRITO

Bruno Boghossian, na Folha, escreve artigo de leitura obrigatória para os que pensam serem os uivos de Jair Bolsonaro apenas estertores, ruídos da respiração do governo moribundo, que já se abandona a ser consumido pelo Centrão e que, por isso, já não oferece perigo, por não ter forças para mais que seus arreganhos, pavorosos mas inúteis, pois desprovido de força real para virarem atos de força.

Ao contrário, são sinais de perigo que devem ser considerados e provocar os cuidados que se deve ter diante de um animal peçonhento, que dispõe das garras e dentes das armas e do veneno do ódio, que injetou-se, faz tempo, na sociedade e nas instituições.

Daí porque “diálogo institucional” ou tentativas de “moderar a serpente” são perigos a que não se pode dar ao luxo de permitir-se ao que resta dos poderes públicos democráticos. De Bolsonaro, é obrigatório manter distância prudente e entender que os que se aproximarem, se não perfurados por suas presas, estarão presos em suas pavorosas constrições golpistas.

Sem provas, desordem é

elemento-chave 

do plano golpista de Bolsonaro

Bruno Boghossian, na Folha

O plano de Jair Bolsonaro para 2022 nunca dependeu das provas inexistentes de fraude que ele prometia apresentar. Há outro elemento-chave em sua longa campanha para desacreditar o sistema de votação eletrônica e abrir caminho para a contestação das eleições em caso de derrota: a incitação à desordem.

No comício digital transmitido pela TV do governo na quinta (29), Bolsonaro falou quatro vezes no risco de agitações públicas provocadas pela desconfiança em relação às urnas. Disse que “o povo” pode se revoltar, mencionou um período de inquietação pós-eleitoral e afirmou que alguns grupos estariam dispostos a “realizar ações contrárias ao pleito”.

Não é premonição, é incentivo. Com o megafone da Presidência, Bolsonaro tenta criar um ambiente de dúvidas e convencer uma parcela não desprezível de apoiadores a participar de mobilizações a favor de suas teses. O objetivo é criar a impressão de que rejeitar o resultado das urnas não é um projeto pessoal, mas uma demanda popular.

O presidente busca um estímulo adicional a esse tumulto e trabalha pela reativação do antigo pavor de seus eleitores em relação ao PT. Em sua última transmissão ao vivo, ele repetiu a tese de que a suposta tramoia nas urnas é parte de um complô para levar Lula de volta ao poder.

Se realmente acreditasse que a eleição será roubada, Bolsonaro não deveria se importar com o eventual beneficiário da trapaça –seja Lula, João Doria ou o Cabo Daciolo. Fica claro que seu objetivo não é denunciar nenhuma irregularidade, mas provocar reações nas ruas, nas polícias e nos quartéis contra o rival petista.

A desordem é a ferramenta ideal para o projeto de Bolsonaro em 2022 porque não depende de uma maioria que concorde com seus ataques ao resultado das eleições. Se for derrotado, ele só precisa fabricar barulho e alguns episódios de violência, com um punhado de homens armados na retaguarda. Pode não ser suficiente para conseguir o golpe, mas deve ajudar a manter o bolsonarismo vivo como força política.

Tijolaço.

sábado, 31 de julho de 2021

PODER LEGISLATIVO; PODER JUDICIÁRIO E O ‘PODER DO MOLEQUE’, POR FERNANDO BRITO

Escrevi o post anterior antes que Monica Bergamo confirmasse, em sua coluna, que não há condições de chamar, a esta altura, um “diálogo institucional” entre os poderes da República, já que “Bolsonaro é chamado de moleque no Supremo e ministros dizem que TSE não ficará mais só no palavrório“.

O que há para conversar com um moleque que, não sendo moleque por idade, é porque mente, dissimula, cria histórias para justificar o que não é mais que seu desejo egoísta de continuar dono de um brinquedo chamado Brasil.

Todos viram Jair Bolsonaro dizer que “os mesmos que soltaram Lula é que vão apurar os votos”.

Os ministros do STF que integram o TSE – Alexandre de Moraes, Edson Fachin, e o presidente da corte eleitoral, Luís Roberto Barroso – votaram TODOS contra o fim da prisão em segunda instância que tirou Lula da cadeia.

O “especialista” Eduardo que distorceu dados eleitorais, na live de ontem, da mesma forma, foi exibido de forma mentirosa: trata-se de um coronel da reserva pendurado num cargo do Planalto, pessoa de confiança dos generais Luiz Eduardo Ramos e Walter Braga Netto e não tem qualquer expertise em sistemas eletrônicos.

Anunciada como “bombástica”, a live foi apenas uma “bomba na latrina”, com muito barulho e pouco conteúdo, para fingir uma questão técnica onde há apenas o desejo político de confundir um quadro político desfavorável.

Tudo foi agitação para a manifestação com que Bolsonaro pretende “peitar” Congresso e STF no domingo, aliás com parcas perspectivas de sucesso, embora as máquinas robóticas nas redes sociais estejam a todo vapor.

Só pode haver diálogo entre poderes se houver harmonia e não há, neste momento, nem uma nem outra.

Pois o “moleque”, na definição de ministros do Supremo, quer coagir Congresso e Justiça a fazerem “prova” de que nossas eleições foram e serão fraudadas se não forem seguidas suas ordens.

Tijolaço.

sexta-feira, 30 de julho de 2021

UNIR A DIREITA E ‘PRÉ-MELAR’ ELEIÇÃO DE 2022 SÃO OS PLANOS DE BOLSONARO, POR FERNANDO BRITO

 

Não foi só ao ministro Luiz Roberto Barroso que Jair Bolsonaro acusou ontem de estar preparando uma fraude eleitoral.

Foi ao Supremo Tribunal Federal, a quem acusou de tê-la planejado, ao soltar – e depois anular os processos viciados de Curitiba.

Acusações, como registraram a imprensa e os sites de verificação de notícias, falsas, distorcidas e, sobretudo, sem qualquer prova.

Como, diante de algo assim, vai o Poder Judiciário, fazer um bilu-bilu institucional ao presidente, reunindo os chefes de poderes para um entendimento.

Entendimento sobre o quê?

Fazer o Legislativo e a Justiça cederem ao desejo presidencial de impor uma votação em papel que nada tem a ver com a necessária capacidade de auditar a eleição, mas de mobilizar um sistema de coações sobre os eleitores?

Parece evidente, até a onde a vista alcança, que não haverá a submissão de ambos ao quase-ultimato presidencial.

É outra a estratégia presidencial, que consiste em criar um clima de turbulência no processo eleitoral, previamente desqualificado como fraudável e efetivamente fraudado, como o acusou de ser Bolsonaro.

O primeiro movimento é o de “tocar reunir” entre antipetistas, conservadores, militares e tudo o mais que se puder juntar à sua candidatura, tirando o que puder dos demais candidatos da direita. Conservar seu “núcleo duro”, fanático e agressivo, é ponto central em seu projeto de continuidade.

O segundo, a depender de um bom resultado de primeiro turno, o que já começou, segundo as pesquisas, a se tornar incerto, é alcançar uma polarização em segundo turno que lhe permita um movimento para “melar” o processo eleitoral sob a bandeira de um veto (militar e/ou judicial) a Lula.

Ao Judiciário e ao Legislativo, ceder agora significaria reconhecer que a eleição é fraudável e já foi fraudada, como acusa Bolsonaro.

Que, não por acaso, diz que só Deus o tirará da cadeia presidencial. Como Deus não tem título de eleitor….

Uma vitória de Lula só terá segurança se lhe der uma vantagem à prova de golpes.

Tijolaço.

quinta-feira, 29 de julho de 2021

NO QUE VAI DAR O “NÃO ME DEIXEM SÓ” DE BOLSONARO? POR FERNANDO BRITO

1° de agosto.

Jair Bolsonaro convocou e reconvocou o “não me deixem só” dos governantes em má situação.

Problemão fazer isso: tem de mostrar o que anda difícil acreditar que tem.

Um quarteirão ou dois da Paulista não bastam para provar apoio quando este é pedido com a explicitude que se pediu na live presidencial.

Não são terceiros convocando, é ele próprio chamando sua massa a uma manifestação pelo voto impresso.

Sucesso e, sobretudo, fracasso, serão seus.

Os robôs já entraram em ação, convocando para o ato de 1° de agosto no qual o presidente jogou as sua fichas.

Mas robôs só existem no mundo virtual e vai ser preciso gente de carne e osso para que a demonstração de força funcione.

E precisa ser muito grande para botar medo, não basta enfileirar as motos para aumentar o seu tamanho.

Porque não será com Ciro Nogueira e com a “militância” do Centrão que irá encher a Avenida, como prometeu.

Jair Bolsonaro, como se disse antes, está chegando ao estado patético que os que viveram os anos Collor conheceram.

Tijolaço.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

BOLSONARO DIZ QUE ‘ENTREGA A ALMA’ DO GOVERNO. QUE GOVERNO, QUE ALMA? INDAGA FERNADO BRITO

Jair Bolsonaro mente com sinceridade ou, se você preferir, é mentirosamente sincero.

Ao dizer hoje que que está entregando “a alma do governo” a Ciro Nogueira, está praticando esta sincera mentira ou a sinceridade mentirosa.

Bolsonaro não vive uma situação aguda imediata.

Não há risco iminente de impeachment, o que existe é um imenso risco, quase uma certeza, de uma derrota eleitoral acachapante em 2022.

Bolsonaro entrega o governo, pelo qual tem uma enorme inapetência, mas não entrega alma que é sua força maléfica essencial.

Ele não se incomoda que uma nuvem de gafanhotos caia sobre o país indefeso e se prepara para colocar-se como vítima para encobrir seu fracasso.

E o que o Centrão quer, igual, não é alma, mas governo.

É uma soma infernal, onde o fanatismo assume o controle da política e o fisiologismo, o da máquina.

Quem não entender que, para extirpar o mal é preciso enterrar as mãos nas estruturas das podres políticas vai fazer o jogo da dobradinha selvagem que só poderá ser evitada se tivermos um personagem que torne impossível que elas se aliem, por temor eleitoral, às forças do fascismo.

Se, para isso, será preciso entregar parte do governo, que seja, desde que fique penada, isolada, solitária a alma do fascismo.

Tijolaço.

terça-feira, 27 de julho de 2021

CIRO JÁ É MINISTRO, MAS MINISTRO DE QUEM E DE QUÊ? POR FERNANDO BRITO

Ciro Nogueira tuitou, há minutos, que é ministro da Casa Civil.

Será?

O ministro da Casa Civil fala pelo presidente com outros ministros mas é difícil crer que Ciro será tido como esta voz.

O ministro da Casa Civil fala com parlamentares, líderes partidários e dirigentes do Judiciário em nome do presidente e por ele assume compromissos, mas é quase impossível crer que o novo ocupante do cargo possa fazê-lo.

Para desempenhar essas funções, precisa gozar de confiança absoluta do Presidente, o que significa dizer que é, por consequência, alguém que precisa ter fidelidade canina a ele, embora necessite ter habilidade política.

Ciro, é evidente, não tem perfil para preencher estas condições, exceto a última, que é insuficiente para cumprir com as demais.

Portanto, o papel de Ciro é o de ser o Ministro do Centrão, não da Casa Civil de Bolsonaro.

Ao Centrão, deve cargos e verbas e a posse, provavelmente amanha, mostrará o tamanho dos que se pretendem comensais deste bolo.

A Bolsonaro, tem o dever de escapar de confrontar suas declarações absurdas e de trata-lo com a leniência do “ah, mas ele é assim mesmo…”, como um “esquisitão” que o país deveria ignorar grosserias e bravatas.

Não é arranjo que possa durar muito tempo e muito menos que não acumule insatisfações e rancores, e não porque Ciro Nogueira seja disso.

Tijolaço.

segunda-feira, 26 de julho de 2021

O PAPEL DO BRASIL. OU ‘SAUDADES DO FUTURO”, POR PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Ultimamente, tenho pensado muito – não só com a cabeça, mas também com o coração – no papel planetário do Brasil. Isso pode parecer estranho, quando se considera o ponto baixíssimo em que nos encontramos, dentro e fora de casa. Reconheço que é mesmo estranho. Mas nosso país, leitor, tem que pensar grande. Não pode cuidar apenas de si mesmo e da sua vizinhança imediata.

Estou exagerando? Não creio. O Brasil teve, ou começou a ter, em tempo não muito distante, exatamente esse papel planetário. Eu mesmo participei disso, no âmbito do FMI, do G20 e dos BRICS, e sei do que estou falando. O que vou escrever, hoje, está ancorado não apenas em desejos ou projetos, mas também em vivências. Convido o leitor a passar ao largo da nossa conjuntura deplorável e voltar os olhos para o futuro. Também do futuro se pode ter saudades.

Megalomania e nanomania

Bem sei que toda vez que o Brasil procura se comportar à altura da sua dimensão e do seu potencial, ergue-se, sinistro, o coro das vozes discordantes, céticas ou derrotistas. Denuncia-se, muito mais dentro do que fora do país, não raro com agressividade, a suposta megalomania de projetos nacionais brasileiros.

Ora, ora, francamente! Megalomania? Ao contrário! O brasileiro sofre de nanomania, como notou o chanceler Celso Amorim. Exatamente isso: nanomania, mania de ser pequeno, termo que talvez tenha sido cunhado pelo próprio ex (e, espero, futuro) Ministro das Relações Exteriores do Brasil.

O nosso problema nunca foi uma suposta mania de grandeza. Aliás, nem tem cabimento falar nisso. O Brasil é grande – objetivamente falando. Nem precisamos, portanto, ter mania de ser o que já somos.

O que nos falta, claro, é a dimensão subjetiva da grandeza, a autoconfiança que transforma a grandeza objetiva, factual em uma realidade completa. Mas a base objetiva e factual é de uma abundância clamorosa.

Permita, leitor, que eu me repita um pouco, antes de entrar propriamente no assunto deste artigo. É que a repetição costuma ser um recurso absolutamente essencial. Já dizia Nelson Rodrigues que tudo aquilo que não é repetido, com insistência, com determinação e com descaro, permanece rigorosamente inédito. Seguindo essa recomendação, tenho então apontado incansável e obsessivamente para o óbvio ululante: o Brasil é um dos gigantes do mundo. Temos o quinto maior território, a sexta maior população e a oitava economia do planeta. O Brasil faz parte de um grupo de apenas cinco países, junto com os Estados Unidos, a China, a Índia e a Rússia, que integram as listas das dez maiores nações em termos de PIB, extensão geográfica e habitantes. Não foi por outra razão que batizei o meu livro mais recente de “O Brasil não cabe no quintal de ninguém”.

Esses dados de tão óbvios nem precisariam ser mencionados, muito menos insistentemente. Nem seria necessário que um economista brasileiro escrevesse um livro com esse título. É a nossa nanomania que torna a insistência inescapável, ou pelo menos desculpável.

Isso tudo a título de introdução. Eis o que eu realmente queria dizer: ao Brasil está reservado um destino planetário e, por isso, não podemos pensar apenas em nós mesmos e nossos vizinhos próximos. Messiânico? Que seja. Mas tento explicar.

Europa, Estados Unidos, China

Começo pelo quadro mundial. Há um vácuo escandaloso no planeta. Nenhuma das principais potências, apesar dos seus méritos, consegue oferecer uma visão de mundo convincente.

A Europa, por exemplo, é uma maravilha. Que continente! Quanta cultura, história, beleza e variedade! E, no entanto, envelheceu. Não tem mais o mesmo vigor, nem a mesma criatividade. Enquanto em países como o Brasil tudo está por se fazer, na Europa o peso do passado esmaga as gerações presentes. Preconceituosa e fechada, repliée sur soi même, a Europa sequer se interessa, realmente, pelo resto do mundo. Defensiva e agarrada a suas conquistas e seus privilégios, pouco oferece, pouco inventa em benefício dos outros. Eu mesmo vi como no FMI e no G20, os europeus, em bloco, resistiam tenazmente à reforma das instituições internacionais.

Os Estados Unidos são inegavelmente uma grande nação, que já deu e ainda dará muito para o desenvolvimento da civilização. Sem ter cultura e história tão antigas e tão ricas quanto às da Europa, os americanos compartilham com os europeus valores, tradições, princípios. E, também, alguns receios fundamentais. Temem o fim da hegemonia duramente conquistada no século 20. Lidam mal com a perda gradual de expressão econômica e demográfica, em face da ascensão dos países de economia emergente, especialmente a China. No meu convívio com os americanos, no FMI e no G20, pude notar como é difícil, às vezes impossível, trabalhar em cooperação com eles. Mesmo quando há acordo nos temas em discussão! Prevalece do lado americano uma atitude arrogante e uma certa mania de se autodesignar líder mundial e pretender, com frequência, impor seus pontos-de-vista.

Isso muda com Biden? Ele está se esmerando em recuperar a coesão interna do país, erodida por décadas de políticas econômicas e sociais de cunho neoliberal e pelos tumultos ocasionados por seu antecessor imediato. Tem plena consciência de que atacar as desigualdades, injustiças e ineficiências que se acumularam nos últimos 40 anos é condição sine qua non para enfrentar o desafio representado pela China. Ao fazer esse esforço interno, Biden rompe com políticas regressivas e manda uma mensagem positiva para o mundo.

Infelizmente, a essa altura, já ficou claro que uma coisa é a sua política interna, inovadora e louvável, e outra a sua política externa, marcada pelos vícios e egoísmos arraigados da potência imperial. Solidariedade, justiça e desenvolvimento para dentro. Imperialismo, hostilidade ou indiferença para fora. É isso mesmo? Não quero ser injusto nem preconceituoso, mas a política internacional de Biden não escapa por enquanto dos trilhos tradicionais. Até gostaria de poder dizer o contrário. Mas como? Para citar apenas um exemplo: até agora Biden não deu um passo sequer para relaxar a absurda política de embargo em relação a Cuba, intensificada no período Trump.

E a China? Ela tem condições de ocupar o vácuo deixado pelas potências tradicionais? De oferecer uma mensagem nova para o mundo? Os chineses, assim como os europeus e americanos, têm qualidades – e não são poucas. São notáveis a sua disciplina, capacidade de trabalho, dedicação, sentido de coletividade e patriotismo. Os chineses se orgulham, com toda razão, do sucesso estrondoso do país ao longo das mesmas quatro décadas em que grande parte do Ocidente empacou no atoleiro neoliberal. A China, diga-se de passagem, nunca comprou o “Consenso de Washington” que tanto sucesso fez aqui na América Latina.

A coesão que falta aos Estados Unidos sobra na China (talvez seja até excessiva). E repare, leitor, que as qualidades dos chineses se fizeram sentir com toda a força na forma rápida, disciplinada e eficaz com que enfrentaram o desafio da Covid-19 – um contraste impressionante com as hesitações, irracionalidades e incompetências que se viram, e ainda se veem, no Ocidente.

E, no entanto, apesar de algumas iniciativas de impacto, notadamente a Rota da Seda, como ainda é estreita e pouco criativa a agenda internacional da China! Tanto no FMI, como no G20 e nos BRICS, pude observar como os chineses concentram seus esforços em poucos pontos-chave, que julgam do seu interesse, e deixam o resto mais ou menos em segundo plano. Isso deve mudar, acredito, mas não de uma hora para outra.

Nos anos mais recentes, com Xi Jinping no comando, perdeu-se um aspecto que me parecia importante – um certo cuidado, uma certa humildade no trato com outros países. O sucesso talvez tenha subido um pouco à cabeça. Nota-se agora certa arrogância, certo chauvinismo. A China, ainda mais do que antes, tem dificuldade em despertar a confiança de outros países e, em especial, dos seus vizinhos. Não tem liderança e hegemonia asseguradas nem mesmo no Leste da Ásia. Há muita inveja, intriga e propaganda anti-China, sem dúvida, mas os chineses também fomentam as reações negativas a eles no exterior.

O papel planetário do Brasil

Mas era do Brasil que queria falar. Como fica então o nosso país nesse quadro internacional? Pois bem, prepare-se, querido leitor, para uma declaração bombástica: o Brasil destina-se por sua própria história e formação a exercer um papel singular, a trazer uma mensagem de esperança, generosidade e união para o planeta inteiro.

O texto já está ficando longo demais e preciso tentar ser mais direto. Por circunstâncias da vida, coube-me viver grande parte do tempo no exterior. E cedo pude perceber as grandes qualidades do brasileiro em comparação com outros povos – vivacidade, alegria, cordialidade, afetuosidade, doçura, criatividade, capacidade de inventar e improvisar, entre outras. Desde 2015, e sobretudo desde 2019, fomos jogados na negação disso tudo. O brasileiro já nem se reconhece mais. Mas não é em alguns poucos anos que se consegue destruir o espírito de um povo. E é justamente desse espírito que o planeta está precisando, urgentemente, para fazer face a suas crises econômicas, sociais, climáticas e de saúde pública.

A nossa história nos prepara para exercer naturalmente um papel planetário. O Brasil é um país universal na sua própria origem e formação. Para cá confluíram os povos originários, oriundos da Ásia, os portugueses, os africanos, outros povos europeus, italianos, espanhóis, alemães etc. A maior população japonesa fora do Japão está no Brasil. A população brasileira de origem libanesa é maior do que a população inteira do Líbano. Salvador é a maior cidade negra fora da África, superada em número de habitantes por apenas quatro ou cinco cidades do outro lado do Atlântico Sul. O Brasil, em suma, contém o planeta dentro de si mesmo.

Quase diria: não é só que o Brasil não cabe no quintal de ninguém, mas é o mundo que cabe no nosso quintal. Mas isso já seria arrogância, algo que o brasileiro sabe bem evitar. Não é que o mundo cabe no nosso quintal. Ele está dentro de nós, na nossa história, na nossa formação, no nosso sangue. O mundo nos constituiu.

Nem preciso frisar que esse papel internacional do Brasil depende da retomada de um projeto nacional de desenvolvimento, que começa com o resgate do próprio povo brasileiro, resgate que precisa ser consubstanciado na geração de empregos e oportunidades e na luta contra a desigualdade, a pobreza e a injustiça dentro do País, como procurei ressaltar em artigo recente nesta coluna. Esse resgate tem que tomar a forma de uma verdadeira ofensiva, um movimento em marcha forçada, concentrado no tempo e apoiado em nossas experiências bem-sucedidas na área social.

Mas o ponto que queria frisar hoje é que o nosso projeto nacional de desenvolvimento, não poderá ser apenas nacional, estreito e egoísta. Nacional, sim, mas não apenas nacional. Brasileiro, sim, mas não fechado e excludente. O projeto brasileiro haverá de ser nacional e universal ao mesmo tempo. É o nosso destino.

Estou usando aqui a palavra destino cum grano salis. O Brasil pode perfeitamente continuar infiel a esse destino. E deixar, assim, uma imensa lacuna no planeta.

A nossa vivência

A quem duvide disso tudo e queira desqualificar o que estou dizendo como mero delírio, utopia ou devaneio tenho apenas o seguinte a dizer: o Brasil já mostrou, na prática, insisto, que tem condições de caminhar nessa direção. Foi o que vimos há pouco tempo, durante o governo Lula e, em menor medida, no governo Dilma. O Brasil já foi, como disse na época Chico Buarque, um país que não falava grosso com a Bolívia e nem piava fino com os Estados Unidos. Tratava todos com cuidado e consideração. Mais do que isso: começou a atuar em todos os quadrantes do mundo, trazendo sempre uma palavra de paz, justiça e congraçamento. Eu morava no exterior durante a maior parte desse tempo e posso testemunhar da influência crescente do Brasil e do respeito e da simpatia que suscitávamos.

Mais do que testemunha fui, em determinadas áreas, participante ativo dessa ascensão brasileira, no âmbito do FMI, do G20 e dos BRICS. Tínhamos energia, leitor, para nos preocuparmos até com temas remotamente ligados a interesses imediatos do País. Por exemplo: a Islândia estava sendo injustiçada por outros europeus? Lá estávamos nós para ajudar os islandeses a se defender no FMI. A Grécia era massacrada pela Alemanha e outros europeus? Lá estávamos nós para denunciar e criticar, em detalhe, os absurdos do ajustamento econômico imposto aos gregos. Os países pequenos e frágeis precisavam de uma atenção especial? Lá estávamos nós para construir iniciativas e mecanismos de atuação em defesa desses países dentro do FMI. Os países de língua portuguesa, da África e da Ásia, estavam abandonados e negligenciados? Lá estávamos nós para tentar auxiliá-los e, se possível, trazê-los para dentro do nosso grupo no FMI.

Nos grandes temas então, de interesse imediato e estratégico do Brasil, a atuação brasileira subia aos mais altos níveis de governo, ao ministro da Fazenda, ao ministro das Relações Exteriores e ao Presidente ou à Presidenta da República. Por exemplo: o G7, composto apenas pelos principais países desenvolvidos, se mostrava estreito demais para enfrentar os desafios da crise internacional? Lá estávamos nós para ajudar, e em certos momentos, liderar o movimento para transformar o G20 em foro de líderes e colocá-lo no lugar do G7 como principal instância de cooperação internacional. O Banco Mundial e outros bancos multilaterais mostravam-se intrusivos, lentos e defasados? Lá estávamos nós, junto com os outros BRICS, para criar um banco multilateral, o Novo Banco de Desenvolvimento, desenhado para inaugurar um novo padrão de financiamento do desenvolvimento, focado na sustentabilidade social e ambiental e fundado no respeito aos países em desenvolvimento e às suas estratégias nacionais. O FMI resistia a reformas em sua governança? Lá estávamos nós, de novo com os BRICS, para criar um fundo monetário próprio capaz de atuar de forma independente.

Mencionei apenas exemplos da minha esfera de atuação imediata. O Brasil fez muito mais no campo internacional. Muitas das nossas iniciativas ainda não frutificaram ou ficaram pelo caminho depois que o Brasil mergulhou na sua crise política e econômica. Estávamos apenas começando e cometemos, certamente, muitos erros. Mas ninguém estranhava que o Brasil estivesse presente e atuante em quase todas as grandes questões internacionais. É o que se espera de um país-gigante como o nosso.

É verdade, também, que a súbita ascensão do Brasil contrariou interesses e despertou inquietações e ciúmes em algumas partes do mundo desenvolvido, notadamente nos Estados Unidos, ainda que isso nem sempre se manifestasse claramente. E essas inquietações deram lugar a ações externas que explicam, em parte, as nossas desgraças atuais – como ficou claro nas informações que têm vindo à tona no passado mais recente. Temos que proteger melhor os nossos flancos e a nossa retaguarda da próxima vez.

Retomar o papel planetário do Brasil é retomar um projeto de gerações anteriores de brasileiros que souberam pensar grande. Celso Furtado, por exemplo, o patrono da cátedra que estou conduzindo na UFRJ, encerrou conferência pronunciada na USP em 2000, com o seguinte apelo aos jovens brasileiros:

“Temos que preparar a nova geração para enfrentar grandes desafios, pois se trata de, por um lado, preservar a herança histórica da unidade nacional, e, por outro, continuar a construção de uma sociedade democrática aberta às relações externas. (…) Numa palavra, podemos afirmar que o Brasil só sobreviverá como nação se se transformar numa sociedade mais justa e preservar a sua independência política. Assim, o sonho de construir um país capaz de influir no destino da humanidade não se terá desvanecido”.

Sobrevivemos!

Vou terminando este texto que me saiu longo demais. Espero que o leitor tenha chegado até aqui. Apesar de todos os argumentos e explicações, o artigo talvez tenha ficado, mesmo, meio delirante. Paciência. Não é, afinal, pelo delírio que se chega ao fundo das coisas? E nem me parece tanto delírio assim reconhecer que o Brasil tem condições, dimensão e experiência para atuar de forma decisiva, positiva e solidária nas grandes questões que preocupam o mundo hoje – na crise ambiental, no combate à miséria e à fome, no combate a pandemias presentes e futuras.

Entendo perfeitamente que afirmações como as que fiz possam despertar desconfiança e ceticismo. Sofremos e estamos sofrendo muito, eu sei. A destruição foi grande – e ela continua. Mas, como disse Nietzsche, o que não nos mata nos torna mais fortes. Sobrevivemos e estamos nos preparando para dar a volta por cima. Em retrospecto, nossos tormentos recentes e atuais serão lembrados, acredito, como a provação que tivemos que atravessar para nos preparar melhor e de forma mais profunda para o papel planetário a que estamos destinados.

Releio o que escrevi. Está muito emotivo. Carreguei demais nas tintas? Acho que não. Mas veremos.

Tijolaço.

domingo, 25 de julho de 2021

A RUA PRECISA SER O FUTURO, NÃO O PASSADO, POR FERNANDO BRITO

 

Estão terminando as centenas de atos públicos contra Bolsonaro que marcaram o dia de hoje pelo Brasil.

Expressivos por toda a parte, eles nos mostram, porém, que não se pode pensar, exclusivamente, numa maratona de manifestações, mas que é preciso começar a organizar pela base o processo de preparação para o processo eleitoral que pode terminar com este pesadelo que vive o Brasil.

Sim, porque crescerão a dificuldades de ser oposição a um governo que já não existe e no qual não se acredita, nem mesmo nas bravatas e rosnados de seus chefes (dos) militares, porque é mais que duvidoso que interpretem vontades orgânicas e estratégicas das Forças Armadas.

Tudo o que estamos vivendo rescende a falsidade: o bolsonarismo hoje não é além de um anacronismo direitista, velho como Guerra Fria, que só é hegemônico entre a direita porque tem dois fatores a conservá-lo: o óbvio aproveitamento das estruturas governamentais e o desmantelamento das estruturas político-partidárias que se provocou com a Lava Jato, que destruiu totalmente as próprias forças que a promoveram.

Tivesse sobrado algo, estaria aí a tal terceira via, mas não sobrou.

Daí que é falso crer que Lula procura, tal como quer Bolsonaro, um confronto exclusivo entre ele e o ex-capitão. Não é mau para o ex-presidente que haja candidaturas à sua direita que formem contra Bolsonaro, embora, a depender do desenho que tomem as eleições, não se possa garantir que formarão na oposição em um eventual segundo turno eleitoral.

Mas estas forças seguem se vitimizando com o que chamam de “intransigência da esquerda” para justificar a sua ausência do combate ao bolsonarismo. Sem elas, não haveria Arthur Lira que atrelasse – ainda que com espertezas marotas – o Legislativo a Bolsonaro e, agora, passando de cavalgadura a cavaleiro, tomando as rédeas do governo.

O que cabe às forças de esquerda, diante disso, é converter rua em voto, sair da pobreza “identitária” egoísta e entender que há uma primeira identidade a nos reunir, a de democratas e progressistas, que nos reúne ao povo e une o povo.

Por fogo em Borba Gato, de resto um personagem que não encanta ninguém senão os mumificados, realmente não faz parte das prioridades urgentes. Pode ser, no máximo, uma boa sugestão de carro alegórico do carnaval que vem aí, tomara, sem pandemia.

Não estamos lutando contra os exterminadores do passado, mas contra os exterminadores do nosso futuro.

Tijolaço.

sábado, 24 de julho de 2021

PAPÉIS FALSOS ENTREGAM BANDITISMO NA COMPRA DA COVAXIN, POR FERNANDO BRITO

No Estadão, a revelação das falsificações grosseiras nos documentos entregues ao Ministério da Saúde pela Precisa, intermediária da compra da vacina indiana Covaxin, é mais que bastante para saber que aquela não foi uma negociação normal, mas uma picaretagem bilionária que não poderia ter avançado dentro do governo brasileiro.

“Colar” arquivos de texto criados pela Precisa sobre documentos da Bharat Biotech, aproveitar carimbos, com erros grosseiros de grafia, tudo isso é estarrecedor e, obviamente, criminoso em si mesmo.

É estranho que o Ministério da Saúde, em tese enganado por estes expedientes sujos, não tenha reagido. Só a Anvisa que, diante da anulação da autorização da Precisa, disse que que está reavaliando o”pedido de autorização de uso emergencial e um protocolo para condução de pesquisa clínica no país” feitos por ela em nome da Bharat Biotech.

Mas como é que estes aventureiros da Precisa chegaram à empresa indiana e financiaram o envio de emissários para Nova Deli e Hyderabad, cidade onde fica a fábrica de vacinas?

A história, se bem apurada, vai se ligar à compra das doses por empresas privadas, entre elas clínicas de vacinação que firmaram contratos com a Precisa e pagaram adiantado por isso.

Era fácil de prever isso, quando se começou, dentro do Congresso a se discutir a badalada “intenção de ajudar” de empresas privadas que queriam comprar doses – que no mundo inteiro, pelos fabricantes de vacina, só eram negociadas com governos – para vacinar seus trabalhadores, “doando” uma parcela ao SUS, que adiante, seriam pagas pelo poder público.

Era picaretagem, e isso era possível ver meses antes de ser consumada, quando um grupo de empresários anunciou que estaria comprando 33 milhões de doses para distribuir entre seus funcionários e doações ao SUS.

Quando esta mutreta, que chegou a ser aprovada na Câmara, empacou no Senado, os negócios se deslocaram para que ofertas milionárias e obscuras fossem feitas ao Governo brasileiro, por uma vasta fauna de intermediários: empresários “amigos”, “representantes”, um reverendo e até um cabo da PM.

Podem estar certos de que negócios deste valor não são feitos por funcionários de quarto escalão ou trambiqueiros rastaqueras. Eles podem estar dando a cara aos negócios, mas não são os “big boss”.

Fechar o cerco sobre os falsários da Precisa pode abrir o caminho para que sejam revelados estes esquemas, que são bem maiores do que crê a nossa ingenuidade diante de bandidos.

Tijolaço.