Políticos
escolheram horário incomum para dificultar acompanhamento pela sociedade. PEC
muda sistema eleitoral para o 'distritão' que beneficia atuais parlamentares.
A
comissão especial da Câmara sobre reforma política desistiu de analisar nesta
madrugada desta quinta a mudança no sistema de votação de deputados federais,
estaduais e distritais para a eleição de 2022. O texto substitutivo da Proposta
de Emenda à Constituição (PEC) 125/2011 institui a adoção do modelo “distritão”
no lugar do atual sistema “proporcional”, mas não houve consenso para votação.
Sem
acordo entre líderes dos partidos, o presidente da comissão especial da PEC,
Luís Tibé (Avante-MG), sugeriu que fosse votado um requerimento de retirada de
pauta, de forma simbólica. O debate será retomado nesta quinta-feira, 5, às 14
horas. “Vamos distensionar e tentar construir um acordo”, disse Tibé.
Parte
dos deputados tem interesse em levar a discussão direto para o plenário da
Câmara, como disse Aluísio Mendes (PSC-MA), aliado do presidente Jair
Bolsonaro. Para ter efeitos, a PEC precisa passar por duas votações no
plenário, com pelo menos 308 votos em cada. O mesmo deve ocorrer no Senado. As
mudanças nas regras têm de ser realizadas pelo menos um ano antes da eleição,
marcada para outubro de 2022.
A sessão começou pouco antes das 23 horas e
iria entrar pela madrugada, em horário incomum, o que dificultaria o
acompanhamento pela sociedade. Deputados contrários ao sistema, governistas e
oposicionistas, reclamaram da operação “na calada da noite”. Eles criticaram a
discussão às pressas e alertaram que os parlamentares podem se arrepender.
"Essa discussão açodada e repentina, no
momento em que diversos outros temas de interesse da população estão sendo
discutidos, como a reforma tributária e a pandemia, nos constrange", disse
Capitão Wagner (PROS-CE).
A relatora da proposta, deputada Renata Abreu
(SP), que é presidente nacional do Podemos, sugeriu alterações de última
hora no texto, mas depois desistiu de formalizá-las por falta de consenso.
Abreu chegou a propor a adoção do “voto preferencial”, o que implicaria o fim
do segundo turno em eleições para presidente, governador e prefeito, mas
recuou. Nesse modelo, o eleitor vota não apenas em um candidato a presidente,
mas em até cinco, em ordem de preferência.
O “distritão” já foi rejeitado duas vezes pelo
plenário da Câmara, durante votações de minirreformas eleitorais. Em 2015,
atingiu somente 267 votos. Em 2017, foram apenas 238 votos.
No modelo “distritão”, os candidatos disputam
votos em todo o Estado, que passam a ser considerados distritos, com a mesma
quantidade de vagas no parlamento atual. No caso de São Paulo, seriam eleitos
apenas os 70 mais votados da lista final para a Câmara, desprezando-se os votos
recebidos pelos demais.
A tendência é que a campanha para deputado se
assemelhe com a de governadores, prefeitos, senadores e presidente. Passa a ser
majoritária e dificulta a representação da diversidade social no Legislativo.
“Esse modelo acaba com a fidelidade
partidária. Será a anarquia total”, disse o deputado Henrique Fontana (PT-RS).
“Esse sistema é a Disneylândia do abuso do poder econômico. É uma espécie de
garantia da reeleição.”
No sistema proporcional, usado atualmente, o
eleitor pode votar tanto em partidos quanto em candidatos. A Justiça Eleitoral
calcula o quociente eleitoral, levando em conta somente os votos válidos e a
quantidade de cadeiras em disputa em cada Estado. A partir desse quociente é
feita a definição do número de vagas a que cada coligação ou partido isoladamente
terá direito. Elas são ocupadas pelos mais bem votados das listas.
A expectativa de políticos é que esse sistema,
se aprovado, venha a privilegiar candidatos famosos, os atuais “puxadores de
voto”, como artistas em geral, líderes religiosos, jogadores de futebol,
youtubers, influenciadores digitais, apresentadores de TV e locutores de rádio.
Na contramão, a previsão é que reduza o poder de partidos políticos.
A pressão pela troca do sistema vem de
dirigentes de partidos ameaçados de ficar sem acesso a recursos públicos por
causa da cláusula de desempenho mínimo, vigente desde 2018, e que já levou à
fusão de legendas. Os dirigentes de partidos médios e grandes são contra, pois
tendem a perder poder político com a alteração.
As alterações nas regras eleitorais para 2022
ganharam fôlego depois que o presidente Jair Bolsonaro abriu o Palácio do
Planalto ao Centrão, com a posse do senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI)
como ministro da Casa Civil. Ele é aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL),
e da deputada Margareth Coelho (Progressistas-PI), que encabeçou as discussões.
Em outros projetos, a Câmara também debate a
adoção do voto impresso, bandeira de Bolsonaro, o veto à divulgação de
pesquisas de intenção de voto às vésperas das eleições, autorização de uso do
Fundo Partidário para qualquer tipo de despesa, redução de mecanismos de
fiscalização e blindagem a candidatos de punições mais graves.
Dom Total/O Estado de São Paulo
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