Pulei,
até agora, qualquer publicação sobre a Olimpíada e nossos atletas. Não sou de
“tretas”, nem de cobrar que eles tenham de ter posições políticas e eleitorais,
menos ainda que se pegue carona nos seus triunfos esportivos.
Mas,
no penúltimo dia dos Jogos, a capa do site da Folha, sobre os sucessos dos atletas do
Nordeste em Tóquio, numa estranha remissão antípoda do preconceito que sofrem
nordestinos aqui, me trouxeram à mente uma das mais impressionantes imagens do
drama que os livros me traziam quando jovem, do O Quinze, de Rachel de
Queiroz e as Vidas Secas de meu involuntário e mal-seguido mestre
Graciliano Ramos.
Veio
também a memória a mesma Folha, nos anos 90, retratando o “homem-gabiru”,
o nordestino mirrado como a vegetação do sertão, pela subnutrição crônica, por
um darwinismo às avessas, onde ser pequeno, encolhido, parecia ser a chave para
sobreviver até que “a terra pouca para o defunto parco” do Severino de João
Cabral, o deixasse “mais ancho que estava no mundo”.
O
repórter, o grande Xico Sá, dizia que havia gente sugerindo que o nordestino
evoluía para uma “nova espécie”, menor mas mais adaptada à pobreza crônica.
Pois
não é que, 30 anos depois, mesmo sem ter nunca tido o que têm os moços e moças
do “Sul Maravilha”, mas tendo algum dicumê, alguma atenção, um pouco
de formação, ao menos, de uma classe média, que pode se dar ao luxo de deixar
os filhos se divertirem num esporte, de pegar onda com uma tampa de caixa de
isopor e levá-los à praça para se divertirem num skate, eles já ns dão a
maioria de nossas medalhas de ouro olímpicas?
Mas
os nordestinos não eram indolentes, preguiçosos, conformados? Não eram os que
esperavam que as coisas caíssem do céu? Ou do governo, como é comum as classes
medias do Sudeste dizerem que os carregam nas costas?
Eu
cresci ouvindo que eles eram uma raça menor, os “paraíbas”, gente que se
aproximava de animais de tração, a carregar no corpo atarracado as obras de
nosso progresso embora, disso, só fossem apreciar do outro lado da calçada, as
belas construções, o prédio, a ponte, o viaduto.
Não
é que deles fosse ou seja o monopólio da pobreza, mas eles foram e são, na
visão de nossas elites, um problema, enquanto nos são, como país, parte de
nossa solução. Porque o Nordeste tem um quinto do nosso território e um terço
de nossa população. Quem seria louco de enxergar tanta terra e tanta gente como
uma carga pesada e não um potencial imenso?
Alguém
pode achar indolente quem enterra um remo na água, por um quilômetro, como
Isaquias Barbosa? Ou quem enterra os braços na água por 10 km, como Ana
Marcela? Ou quem voa sobre as ondas, mesmo feias e espumosas, como Ítalo
Ferreira, que aprendeu com uma tampa de geladeira de isopor a brincar com o
mar? Ou quem parte para o tudo ou nada como o rapaz do boxe, o baiano Hebert
Conceição, que nocauteia o adversário? Ou da guria de Imperatriz que se diverte
desde pequena no skate, com uma prata que brilha tanto quanto ouro?
A
cegueira da elite brasileira, entretanto, é imune a este brilho. É incapaz de
ver que o Nordeste nos pode dar, em curto espaço de tempo, não só atletas, mas
doutores, profissionais, consumidores, atividade econômica, emprego, progresso.
Exatamente
como se fez com estes nossos campeões olímpicos: um pouco de apoio, um muito de
esforço, um infinito de orgulho e fraternidade.
Tijolaço.
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