"As
delações se tornaram instrumentos eminentemente políticos. Na patética
articulação em curso para encontrar um 'substituto' para Temer caso o
presidente caia, a primeira qualificação exigida é que o nome do candidato não
tenha sido sussurrado por nenhum delator. Só então será considerada sua
capacidade de governar o País. Essa é a prova de que a agenda nacional, em meio
a uma das mais graves crises da história, foi definitivamente contaminada pelo
pressuposto de que o Brasil só será salvo se a classe política for desbaratada,
como se fosse uma quadrilha. Isso não costuma dar boa coisa", diz
editorial do jornal Estado de S. Paulo desta quinta-feira, que ataca a Lava
Jato para tentar salvar Michel Temer.
O
jornal Estado de S. Paulo publicou editorial nesta quinta-feira, em que tece
duras críticas à Lava Jato, conduzida pelo juiz Sergio Moro, com o intuito de
salvar Michel Temer.
É
isto a justiça?
Em
meio a grave crise, a agenda nacional foi contaminada pelo pressuposto de que o
País só será salvo se a classe política for desbaratada, como se fosse uma
quadrilha. Isso não costuma dar boa coisa
O
juiz federal Sérgio Moro defendeu as delações premiadas, dizendo que, sem elas,
“não teria sido possível descobrir os esquemas de corrupção no Brasil”. Segundo
o magistrado, “a ideia é usar um criminoso menor para chegar ao maior, para
pegar os grandes”. Quanto ao fato de os delatores terem sua pena abrandada ou
até ganharem a liberdade, Sérgio Moro afirmou que “é melhor você ter um esquema
de corrupção descoberto e algumas pessoas punidas do que ter esse esquema de
corrupção oculto para sempre”, ou seja, “é melhor ter alguém condenado do que
ninguém condenado”.
Trata-se
de uma visão muito peculiar de justiça. Não se pode negar que as delações
premiadas foram importantes para puxar o fio da meada que levou o País a
conhecer o petrolão, maior esquema de corrupção da história nacional. O
problema é que, atualmente, a julgar pelo que chega ao conhecimento do público,
as múltiplas acusações feitas pelo Ministério Público contra figurões do mundo
político estão baseadas somente, ou principalmente, nas delações, sem que
venham acompanhadas de provas materiais suficientes para uma condenação. Quando
muito, há provas testemunhais, nem sempre inteiramente dignas de crédito ou
confiança.
Criou-se
um ambiente em que as delações parecem bastar. Se é assim, o objetivo não é
fazer justiça, mas uma certa justiça. Aliás, ensinava o juiz Oliver W. Holmes
que juiz não faz justiça, aplica a lei. Há tempos ficou claro que certos
membros do Ministério Público têm a pretensão de purgar o mundo político
daqueles que consideram nocivos. Para esse fim, basta espalhar por aí, por meio
de vazamentos deliberados, que tal ou qual político foi citado nesta ou naquela
delação para que o destino do delatado esteja selado, muito antes de qualquer
tribunal pronunciar sua sentença.
Foi
exatamente o que aconteceu no episódio envolvendo o presidente Michel Temer. Em
mais um vazamento de material em poder do Ministério Público, chegou ao
conhecimento dos brasileiros uma gravação feita pelo empresário Joesley Batista
com Temer na qual o presidente, segundo se informou, teria avalizado a compra
do silêncio do deputado cassado Eduardo Cunha. Quando a íntegra da gravação foi
finalmente liberada, dias depois, constatou-se que tal exegese era, no mínimo,
controvertida. Mas em todo o episódio prevaleceu a interpretação feita pelo
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para quem o diálogo é expressão
cabal de uma negociata – e isso bastou para Temer ser visto por muitos como
imprestável para permanecer no cargo de presidente. Assim é a política, como
bem sabem os vazadores.
Enquanto
isso, o empresário Joesley Batista, por ter grampeado o presidente da República
para flagrá-lo em suposto ato de corrupção e por ter informado ao Ministério
Público que deu dinheiro para quase 2 mil políticos com o objetivo de
suborná-los, não passará um dia sequer na cadeia nem terá de usar tornozeleira
eletrônica. Poderá até morar nos Estados Unidos, para onde já levou a maior
parte de seus negócios. Isso, nos termos do escandaloso acordo de delação
endossado pelo sr. Janot.
Se
é verdade, como diz o juiz Sérgio Moro, que o objetivo dos paladinos do
Ministério Público é “pegar os grandes” criminosos, como explicar que alguém
que confessa crimes dessa magnitude, como fez Joesley Batista, não será punido?
A resposta é muito simples: o objetivo não é pegar os grandes criminosos, mas
apenas aqueles que, na visão dos procuradores da República, devem ser alijados
da vida nacional – isto é, os políticos. Ainda que nenhuma prova apareça para
corroborar as acusações, o estrago já estará feito. E, no entanto, há muitos
políticos honestos neste país.
Assim,
as delações se tornaram instrumentos eminentemente políticos. Na patética
articulação em curso para encontrar um “substituto” para Temer caso o
presidente caia, a primeira qualificação exigida é que o nome do candidato não
tenha sido sussurrado por nenhum delator. Só então será considerada sua
capacidade de governar o País. Essa é a prova de que a agenda nacional, em meio
a uma das mais graves crises da história, foi definitivamente contaminada pelo
pressuposto de que o Brasil só será salvo se a classe política for desbaratada,
como se fosse uma quadrilha. Isso não costuma dar boa coisa.
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