Começo o ano tratando da principal fonte de
esperança para todos que se preocupam com nosso país – as eleições presidenciais
de 2022. Há muita incerteza, claro, mas o favoritismo do ex-presidente Lula é
evidente. Esse favoritismo desencadeou, ou ameaça desencadear, uma disputa por
espaço dentro de um possível ou provável novo governo Lula. Abordarei,
primeiro, o quadro eleitoral como se apresenta hoje. Em seguida, farei algumas
conjecturas sobre a disputa pelo governo Lula.
O quadro eleitoral
Para colocar o tema das eleições em perspectiva,
talvez seja útil retroceder no tempo, digamos, seis ou sete meses, para meados
de 2021.
Qual era a situação naquela época? Lula já aparecia
como favorito nas pesquisas de intenção de voto, mas com duas ressalvas
importantes. Primeira, havia a expectativa, alimentada intensamente pela mídia,
de que se pudesse viabilizar uma “terceira via”. E, segunda ressalva, existia a
percepção de que Bolsonaro, que atravessava um ponto baixo, iria se recuperar
politicamente.
A terceira via, como se sabe, não decolou. O fiasco
do lançamento da candidatura Moro parece ter sepultado esse caminho. Digo
“parece” porque, em política, as previsões são sempre altamente temerárias. Mas
como apostar que, em menos de 10 meses, ainda seja possível tornar competitivo
Moro ou algum outro nome? Possível, talvez. Provável, não.
O fortalecimento de Bolsonaro também não se
materializou. Ao contrário, as suas dificuldades políticas aumentaram – uma
modificação crucial em comparação com o quadro de 6 ou 7 meses atrás. Em meados
de 2021, o professor Marcos Nobre, da Unicamp, um qualificado analista da cena
política brasileira, sustentava que Bolsonaro seria um candidato “fortíssimo” à
reeleição. Eu mesmo, sem chegar a esse extremo, alertei aqui nesta coluna para
o risco de que Bolsonaro viesse a se fortalecer até as eleições.
Essa expectativa de recuperação de Bolsonaro se
baseava em previsões que não se confirmaram, pelo menos não até agora: a) a
melhora do quadro econômico; b) a diminuição do ônus político representado pela
pandemia; e c) o uso da máquina governamental e dos instrumentos de poder pelo
presidente no exercício do cargo, ponto para o qual alertou o próprio Lula.
Não aconteceu ainda. O nível de atividade econômica,
medido pelo PIB, estagnou desde o segundo trimestre de 2021. O desemprego
cedeu, mas pouco, permanecendo em nível muito elevado. Os postos de trabalho
gerados foram sobretudo empregos informais, de menor remuneração e pior
qualidade. Para os analistas da conjuntura econômica, o mais surpreendente foi
a persistência da inflação. A inflação alta corroeu o poder de compra dos
salários. Desemprego e carestia – receita para o insucesso político.
O avanço da vacinação ocorreu, salvando vidas. Mas
esse sucesso não foi, nem poderia ser, creditado ao governo federal. A CPI da
pandemia, com grande cobertura da mídia corporativa, que tentava sem sucesso
abrir caminho para uma terceira via, desgastou Bolsonaro, colando nele a imagem
de responsável pela maior parte das mais de 600 mil mortes. A ideia de que os
brasileiros esqueceriam gradualmente a tragédia e suas vítimas não se
confirmou, felizmente. E o novo surto da doença desde dezembro, resultante da
chegada da variante ômicron, mantém viva a questão da pandemia e a da
irresponsabilidade e incompetência do governo Bolsonaro no seu enfrentamento.
Quanto ao uso da máquina e dos instrumentos de
poder, o que se observou foi uma desorganização crescente do governo. Bolsonaro
conseguiu comprar a sua sobrevivência, evitando o impeachment, mas foi incapaz
de atuar de maneira coordenada e eficiente. Caiu nas mãos do “centrão”, que
sabe defender suas pautas específicas, mas não dá norte a governo nenhum. As
tentativas de Bolsonaro de “fidelizar” a sua base radical, com declarações e
medidas estapafúrdias, aumentaram a sua rejeição e agravaram o seu isolamento.
Assim, o favoritismo de Lula cresceu e parece
possível, ainda que talvez não provável, uma vitória no primeiro turno. Crescem
as adesões à sua candidatura, com apoios que transcendem a esquerda e a
centro-esquerda. Quase diria que, a exemplo de Getúlio Vargas na eleição de
1950, Lula pode vencer “sem sair de São Borja”.
Mas não vamos exagerar. Como dizia Nelson Rodrigues,
pensando na copa do mundo de 1950, a goleada é a véspera da tragédia.
A disputa pelo governo Lula
O que provavelmente ocorrerá agora é um deslocamento
da atividade política para uma disputa de espaço dentro de um futuro governo
Lula. Não adianta, leitor, dizer que isso é prematuro. O processo já deve ter
começado.
Do ponto de vista dos meus queridos amigos da “turma
da bufunfa”, o que interessa é domesticar ou colonizar o futuro governo,
garantindo que o Lula 3 seja o mais parecido possível com o Lula 1 – período em
que Palocci era o ministro da Fazenda e Meirelles, o presidente do Banco
Central. Vamos ser sinceros: no Lula 1, o que aconteceu foi um plágio
descarado. A política de Palocci era uma cópia pura e simples da política do
seu antecessor, Pedro Malan. Faltou pagar direitos autorais.
Lula aceitará repetir o script? Há diferenças
importantes, para melhor e para pior, entre a situação de 2002, quando Lula foi
eleito pela primeira vez, e a de 2022. Destaco duas delas.
No campo econômico, a fragilidade externa da
economia era muito maior em 2002, o que dava o mercado um poder maior de
chantagem sobre o presidente eleito. As contas externas estavam deficitárias, a
economia dependia de capital externo e as reservas internacionais eram baixas.
Hoje, o setor externo da economia está bem mais robusto. O superávit comercial
é alto, o déficit em conta corrente, baixo, a dependência de financiamento
internacional, pequena. E, mais importante, as reservas internacionais são
confortáveis, graças ao esforço de acumulação realizado nos governos Lula e
Dilma.
Por outro lado, no campo institucional, a margem de
manobra do futuro presidente é mais estreita. Com a aprovação da lei de
autonomia do Banco Central, o eleito herda o presidente, Roberto Campos Neto, e
a maior parte dos diretores da instituição, cujo poder foi aumentado pelo marco
cambial aprovado pelo Congresso. Nos primeiros dois anos do novo governo, o
Banco Central permanecerá sob controle dos dirigentes atuais.
Não acredito que Lula tentará reverter a lei de
autonomia. Seria uma batalha árdua no Congresso e de resultado incerto. Resta
saber se Lula, eleito, concordará em nomear para o ministério Fazenda ou da
Economia alguém indicado ou aprovado pelo “mercado”, leia-se, pelo capital
financeiro – a exemplo do que fez Dilma depois da sua reeleição em 2014.
Veremos. Não tenho informações privilegiadas,
ressalto. Mas não parece plausível que que Lula, voltando ao poder consagrado
por mais uma vitória eleitoral, vá começar o governo de cabeça baixa. Talvez
decida quebrar o ministério da Economia em três, restabelecendo o Ministério do
Planejamento e o da Indústria e Comércio. Na Fazenda, o ministério mais
importante, colocará provavelmente alguém da sua estrita confiança, mas que não
provoque tumulto no mercado financeiro.
Com o Banco Central autônomo, estabelecerá um modus
vivendi, ancorado na autoridade que lhe conferirá a eleição. Lula dá nó em
pingo d’água. Por que não saberia administrar os financistas e tecnocratas do
Banco Central?
Tijolaço.
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